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Processo n.º 629/10
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
Mediante decisão proferida em 11 de Setembro de 2009 o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (TAF) rejeitou liminarmente a oposição à execução fiscal, deduzida pela executada A., Lda., com fundamento no facto de a mesma ter sido deduzida fora de prazo.
A executada interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Central Administrativo Sul, sustentando, em síntese, a tempestividade da oposição e alegando que a dívida exequenda se encontra prescrita, bem como que tal excepção peremptória é de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 175.º do CPPT, podendo ser invocada mesmo para além do prazo de oposição.
Por acórdão datado de 18 de Maio de 2010, o Tribunal Central Administrativo Sul negou provimento ao recurso.
A executada apresentou então requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), com o seguinte conteúdo:
«[...]
Durante o processo, como está obrigada pelo previsto no artigo 70/1/d da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), a recorrente suscitou a inconstitucionalidade de dois complexos normativos:
- o primeiro, constituído pelas normas do artigo 103/4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que integrou o entendimento adoptado na aplicação do disposto no artigo 209/1/a do mesmo código, nos seguintes termos:
O entendimento do tribunal recorrido, assente na interpretação conjugada dos artºs 209/1/a e 103/4 do CPPT que conclui “...não obstante a apresentação de impugnação do acto tributário, e da prestação da garantia prevista na lei, o prazo de apresentação da oposição não se suspende é manifestamente inconstitucional (...)
quer perante o princípio do acesso ao Direito e a uma tutela judicial efectiva – art. 20 da CRP –, quer perante a obrigação constitucional de os Tribunais se manterem vinculados à lei (art. 203 da CRP).
- o segundo, constituído pelas normas dos artigos 48 e 49 da Lei Geral Tributária, nos seguintes termos:
Uma vez que foi ultrapassado o prazo máximo (8 anos) previsto na lei sobre a prática do acto tributário (artº 48/1 da LGT), e decorreu também mais de um ano após a interrupção da prescrição (artº 49 da LGT) – na medida em que, sobre a data da transmissão imobiliária (3 de Fev. 00), passaram 9 anos, 11 meses e 11 dias –, da conjugação de ambas as disposições resulta a prescrição da dívida tributária, sendo inconstitucional qualquer interpretação dessas normas que assim não entenda, por violação do disposto no art. 203 da CRP.
Essas questões foram levadas às conclusões da última peça apresentada – as alegações produzidas perante o Tribunal Central Administrativo Sul:
C) Entendendo-se de outra forma – como o faz a sentença recorrida – a interpretação para as normas que dispõem sobre o efeito suspensivo da impugnação e o prazo da dedução de oposição – artºs. 209/1/a, e 103/4 do CPPT – seria, nos termos acima referidos, inconstitucional;
G) Entendendo-se de outra forma, a interpretação para as normas que dispõem sobre a prescrição da dívida tributária – arts. 48 e 49 da LGT – seria, nos termos acima referidos, inconstitucional, por violação do disposto no artigo 203º da CRP;
Na decisão deste Tribunal, porém, negou-se a “afronta aos desígnios constitucionais pertinentes”, quanto ao primeiro complexo de normas, e considerou-se “prejudicado o conhecimento da possível prescrição”, recusando-se, pois, apreciação da segunda questão de constitucionalidade suscitada.
Tratando-se de decisão surpresa, pode agora invocar-se, na primeira ocasião possível, uma nova questão de constitucionalidade, suscitada pela fundamentação da decisão ora recorrida: a da conformidade constitucional de um entendimento do art. 175 do CPPT que o tenha como inaplicável quando a “oposição à execução fiscal foi deduzida fora do prazo concedido, por lei, para o efeito”.
Perante o reconhecimento, levado ao relatório da decisão recorrida, de que, à data da decisão do tribunal a quo, já tinham decorrido mais de nove anos sobre a “data em que o facto tributário ocorreu”, e tendo em conta que:
- o prazo de prescrição fixado na lei é de oito anos (art. 48/1), com mais um de suspensão (art. 49/2);
- o acórdão recorrido reconhece que a prescrição “sempre seria de conhecimento oficioso”;
- a questão da inconstitucionalidade de um entendimento que não declarasse a prescrição foi antecipadamente colocado ao, agora, tribunal recorrido, parece óbvio à recorrente que só um flagrantemente inconstitucional entendimento de tais normas permite justificar, nesta altura, a pretensão da administração fiscal.
É isso que se pede ao Venerando Tribunal Constitucional que aprecie e decida, mesmo que a administração fiscal venha invocar que “não teve possibilidade de cumprir o prazo”: por um lado, porque a lei não distingue essas situações das que podem ser cumpridas; e, por outro, porque “que a lei não distingue” foi o que sempre foi dito à recorrente, que só incorreu em sujeição ao pagamento da sisa porque também ela, como alegou na impugnação judicial apresentada em 23 de Abril de 2004, “não teve possibilidade de cumprir o prazo” de revenda do terreno adquirido: sendo obrigada a recorrer a acções judiciais para conseguir a saída dos ocupantes ilegais da sua propriedade (que, nessa data, ainda decorriam) e a esperar (dois anos) pelo seu realojamento no âmbito do programa PER da Câmara Municipal de Almada (artºs 17º a 27º da impugnação judicial) a recorrente solicitou, perante a inflexibilidade da administração fiscal, que lhe fosse descontado o “justo impedimento”.
É apenas justo que a inflexibilidade da lei valha para os dois lados.
[...]».
Foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso interposto, com a seguinte fundamentação:
“No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.
Por outro lado, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
Vejamos agora as questões suscitadas pela Recorrente, tendo em atenção os aludidos requisitos.
1. Da questão da inconstitucionalidade da interpretação conjugada das normas dos artigos 209.º, n.º 1, alínea a), e 103.º, n.º 4, do Código de Procedimento e Processo Tributário
A Recorrente pretende que seja fiscalizada a constitucionalidade material das normas dos artigos 209.º, n.º 1, alínea a), e 103.º, n.º 4, do CPPT, quando interpretados no sentido de que “não obstante a apresentação de impugnação do acto tributário, e da prestação da garantia prevista na lei, o prazo de apresentação da oposição não se suspende”, com fundamento na violação dos artigos 20.º e 203.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Porém, fazendo uma leitura atenta da decisão recorrida, constata-se que a interpretação normativa enunciada pela Recorrente não foi a adoptada pelo tribunal recorrido e, consequentemente, não chegou a ser efectivamente aplicada como fundamento da decisão recorrida (ratio decidendi).
Para ilustrar esta afirmação, passa-se a transcrever a decisão recorrida, na parte que ora releva:
«[...]
Primeiramente, como decorre dos factos aditados neste aresto, por um lado, a oponente não pode pretender fazer retroagir nenhum tipo de efeito suspensivo à data de apresentação da impugnação judicial, porquanto deixou de requerer, no respectivo articulado inicial, peça que marcou o início da instância, a fixação de eficácia suspensiva desse processo, por proposta de prestação da garantia adequada. Por outro lado, sendo certo que o visado processo de execução fiscal apenas foi suspenso, nos termos do art. 169.º CPPT, a partir de 2.8.2004, por apresentação de garantia bancária, é evidente a insusceptibilidade de qualquer tipo de, pretensa, repercussão suspensiva no curso do prazo disponível para deduzir oposição, na medida em que se havia completado no pretérito dia 24.5.2004.
Num segundo plano, diga-se que, inovadoramente, o Código Procedimento e de Processo Tributário/CPPT, aprovado pelo DL. 433/99 de 26.10., passou a prever, no n.º 3 do seu art. 103.º, a possibilidade de a impugnação judicial ter efeito suspensivo “mediante garantia adequada a solicitar, conceder e prestar nos termos do artigo 199.º”. Por efeito das alterações produzidas pela L. 15/2001 de 5.6., tal possibilidade manteve-se, deslocando-se para o n.º 4 do mesmo normativo e passando a estar sujeita a requerimento do contribuinte, devendo a garantia adequada, fixada com respeito pelos critérios e termos referidos no art. 199.º n.º 1 a 5 e 9 CPPT, ser prestada nos 10 dias seguintes à notificação, para tanto, efectivada pelo tribunal.
Dado que, a par desta novel faculdade, se manteve a previsão de ser possível a suspensão da execução, nos moldes positivados no art. 169.º CPPT, procedimento, inquestionavelmente, da competência e responsabilidade do órgão da execução fiscal, temos de conceder, desde já, ter sido intenção do legislador tributário o estabelecimento de dois institutos/regimes diferentes, com campos de aplicação e modos de processamento diversos, visando atingir finalidades, necessariamente, díspares, não totalmente coincidentes, apesar de patentearem o denominador comum da eficácia suspensiva, em ambos os casos decorrente da prestação ou existência de garantia idónea, adequada.
Versando, em particular, a previsão do art. 103.º n.º 4 CPPT, é tautológico afirmar estarmos em presença de uma faculdade concedida ao contribuinte de pedir, requerer, ao tribunal tributário (e não ao órgão da execução fiscal ou qualquer outro da AT), competente para apreciar e decidir a impugnação judicial, que diligencie no sentido de quantificar, de fixar, o montante da garantia capaz de, sendo prestada por aquele, conferir, outorgar, efeito suspensivo ao concreto processo de impugnação em que é requerida. Esta conclusão deriva de o normativo em apreço estabelecer que o requerimento para prestação de garantia seja formulado no âmbito do processo de impugnação judicial e, sobretudo, da previsão de que esta venha a ser prestada nos 10 dias seguintes à notificação, privativa, concretizada pelo tribunal.
Já no que tange às incidências e repercussões de uma impugnação judicial deter eficácia suspensiva, por virtude da prestação de garantia nos termos e para os efeitos do normativo em apreço, importa, destacadamente, ter presente que esse efeito suspensivo obsta à instauração de processo de execução fiscal, desde que o processo impugnatório seja apresentado antes do termo do prazo de pagamento voluntário do tributo objecto de impugnação. Neste sentido, cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 4ª Edição, Vislis, pág. 467.
Balizada, desta forma, a normatividade que emerge do art. 103.º n.º 4 CPPT, estando na disponibilidade do contribuinte/impugnante escolher o momento, do normal devir processual, em que pretende actuar o facultado efeito suspensivo da impugnação, é, linearmente, perceptível que este somente pode vir a ter alguma repercussão sobre a progressão do prazo de oposição à execução fiscal por via reflexa, ou seja, na hipótese de impedir a autuação do processo executivo, circunstância que adiará a prática dos actos processuais, nomeadamente, a citação pessoal do executado, capazes de, por lei, despoletar o início da contagem do tempo próprio para este se opor. Flagrantemente, não foi isto que ocorreu no caso sub judice, onde, desde logo, nem houve lugar ao accionar do mecanismo positivado no comando legal escalpelizado.
Por fim, sem delongas, cumpre mencionar que esta conclusão, para nós, subsiste mesmo em presença do “princípio da tutela judicial efectiva e plena na área tributária”, porque a relevância deste não pode fazer-se em prejuízo, à custa, do respeito pela necessidade de exercício dos direitos nos tempos concedidos e contados nos moldes previstos, pelo legislador ordinário. Outrossim, vislumbrando-se o, habitual e paradigmático, passo seguinte, contudo, não encontramos nesta forma de entender qualquer afronta aos desígnios constitucionais pertinentes, sobretudo, os convocados pela Rte.
[…]»
Pela análise deste trecho da decisão recorrida constata-se que esta, conforme se disse, não perfilhou a interpretação normativa apontada pela Recorrente, designadamente, não interpretou os artigos 209.º, n.º 1, alínea a), e 103.º, n.º 4, do CPPT, no sentido que “não obstante a apresentação de impugnação do acto tributário, e da prestação da garantia prevista na lei, o prazo de apresentação da oposição não se suspende”.
Com efeito, em primeiro lugar, sustenta-se que “a oponente não pode pretender fazer retroagir nenhum tipo de efeito suspensivo à data de apresentação da impugnação judicial, porquanto deixou de requerer, no respectivo articulado inicial, peça que marcou o início da instância, a fixação de eficácia suspensiva desse processo, por proposta de prestação da garantia adequada”. Ou seja, o primeiro dos fundamentos dessa ausência de efeito suspensivo atribuído à impugnação judicial resulta do facto de a Recorrente não ter requerido, logo no articulado inicial, a fixação de eficácia suspensiva desse processo.
Em segundo lugar, sustenta-se na decisão recorrida que, em virtude de o processo de execução fiscal ter sido suspenso, nos termos do art. 169.º CPPT, a partir de 02.08.2004, por apresentação de garantia bancária, “é evidente a insusceptibilidade de qualquer tipo de, pretensa, repercussão suspensiva no curso do prazo disponível para deduzir oposição, na medida em que se havia completado no pretérito dia 24.5.2004”.
Acresce ainda, que nesta decisão, não se exclui, como parece fazer crer a Recorrente, a possibilidade de uma impugnação judicial ter eficácia suspensiva, por virtude da prestação de garantia nos termos e para os efeitos do 103.º, n.º 4 do CPPT. O que se entende é que esse efeito suspensivo obsta à instauração de processo de execução fiscal, desde que o processo impugnatório seja apresentado antes do termo do prazo de pagamento voluntário do tributo objecto de impugnação, hipótese em que este “somente pode vir a ter alguma repercussão sobre a progressão do prazo de oposição à execução fiscal por via reflexa, ou seja, na hipótese de impedir a autuação do processo executivo, circunstância que adiará a prática dos actos processuais, nomeadamente, a citação pessoal do executado, capazes de, por lei, despoletar o início da contagem do tempo próprio para este se opor”.
Ora, constatando-se que a decisão recorrida não se apoiou no critério normativo apontado pela Recorrente (uma vez que da mesma não resulta, em termos genéricos, a interpretação dos artigos 209.º, n.º 1, alínea a), e 103.º, n.º 4 do CPPT, no sentido de que “não obstante a apresentação de impugnação do acto tributário, e da prestação da garantia prevista na lei, o prazo de apresentação da oposição não se suspende”), forçoso é concluir que a interpretação normativa cuja constitucionalidade se pretende sindicar não integrou a ratio decidendi de tal decisão.
Por outro lado, ainda que assim não se entendesse, importa ter em atenção que a decisão recorrida assentou, também, numa fundamentação alternativa à que, segundo a Recorrente, teria sido extraída da interpretação dos artigos 209.º, n.º 1, alínea a), e 103.º, n.º 4 do CPPT.
Com efeito, conforme acima referido, para além de ter apreciado da possibilidade de uma impugnação judicial deter eficácia suspensiva, por virtude da prestação de garantia nos termos e para os efeitos do 103.º, n.º 4 do CPPT, a decisão recorrida, sustentou ainda, conforme se disse, que a Recorrente não poderia fazer retroagir nenhum tipo de efeito suspensivo à data de apresentação da impugnação judicial, “porquanto deixou de requerer, no respectivo articulado inicial, peça que marcou o início da instância, a fixação de eficácia suspensiva desse processo, por proposta de prestação da garantia adequada”. Ou seja, o primeiro dos fundamentos dessa ausência de efeito suspensivo atribuído à impugnação judicial resulta do facto de a Recorrente não ter requerido, logo no articulado inicial, a fixação de eficácia suspensiva desse processo.
Em segundo lugar, sustenta-se na decisão recorrida que, em virtude de o processo de execução fiscal ter sido suspenso, nos termos do artigo 169.º CPPT, a partir de 02.08.2004, por apresentação de garantia bancária, tal circunstância é insusceptível de ter qualquer tipo de repercussão suspensiva no curso do prazo disponível para deduzir oposição, na medida em que tal prazo se havia completado em 24.05.2004.
Conforme jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade têm um carácter ou função instrumental: só há interesse processual na apreciação da questão de constitucionalidade suscitada quanto o eventual julgamento de inconstitucionalidade for susceptível de se projectar ou repercutir, de forma útil e eficaz, na decisão recorrida, de modo a alterar ou modificar, no todo ou em parte, a solução jurídica que se obteve no caso concreto, implicando a respectiva reponderação pelo tribunal a quo.
Ora, face à existência destes outros fundamentos da decisão tomada pelo tribunal recorrido, ainda que as normas impugnadas tivessem sido interpretadas no sentido apontado pela Recorrente, tornar-se-ia inútil a dirimição da questão de constitucionalidade suscitada, já que a decisão recorrida sempre se manteria incólume, pelo que a decisão que o Tribunal Constitucional viesse a proferir não teria repercussão, útil e efectiva, no sentido e teor da decisão recorrida.
Não se mostrando satisfeitos estes requisitos essenciais do recurso de constitucionalidade sob apreciação, o Tribunal Constitucional não pode conhecer do recurso nesta parte, devendo ser proferida decisão sumária nesse sentido, nos termos do artigo 78.°-A, n.º 1, da LTC.
2. Da questão da inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 175.º do CPPT
A recorrente suscitou igualmente a inconstitucionalidade material de «um entendimento do art. 175 do CPPT que o tenha como inaplicável quando a “oposição à execução fiscal foi deduzida fora do prazo concedido, por lei, para o efeito”».
Conforme vem entendendo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o recurso previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da LTC, só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade durante o processo, isto é, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LCT).
A questão de inconstitucionalidade deve ser suscitada antes de se mostrar esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo sobre tal questão, na medida em que o recurso para o Tribunal Constitucional pressupõe a existência de uma decisão anterior do tribunal recorrido sobre a questão de inconstitucionalidade que é objecto do recurso.
Só em casos muito particulares – em que o recorrente não tenha tido oportunidade para suscitar tal questão antes de ser proferida a decisão recorrida, ou tendo tido essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de inconstitucionalidade, ou em que, por força de preceito específico, o poder jurisdicional não se tivesse esgotado com a prolação da decisão final – é que será admissível o recurso de constitucionalidade sem que sobre esta questão tenha havido uma anterior decisão do tribunal recorrido.
No caso dos autos, a decisão do Tribunal Central Administrativo Sul, na parte relevante para a apreciação da questão de constitucionalidade ora em apreço tem o seguinte teor:
«[...]
Impondo-se, pois, quanto ao aspecto da intempestividade da oposição, confirmar o judiciado no despacho recorrido, emerge a questão da eventual prescrição da quantia exequenda a qual, diga-se, sempre seria de conhecimento oficioso, nos termos do art. 175.º CPPT.
No âmbito dos recursos jurisdicionais, o art. 713.º n.º 2 (in fine) CPC manda, na elaboração do acórdão definitivo, observar o preceituado nos arts. 659.º a 665.º, do que deriva, necessariamente, a obrigação de conhecer, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, bem como a injunção de que se resolvam todas as questões submetidas pelas partes à apreciação do juiz, com exclusão daquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução conferida a outras – cfr. art. 660.º n.º 1 e 2 CPC.
Dito isto, com facilidade, se percepciona, in casu, a inviabilidade em apreciar e decidir a invocada prescrição. Efectivamente, firmada a conclusão de que a presente oposição à execução fiscal foi deduzida fora do prazo concedido, por lei, para o efeito, circunstância que, aliás, implicou a respectiva e singela rejeição liminar, por força do estatuído no art. 209.º n.º 1 al. a) CPPT, derivam, logicamente, prejudicadas todas as questões potencialmente passíveis de serem versadas e resolvidas no devir processual destes autos. A dedução intempestiva da oposição transporta consigo a impossibilidade de o tribunal avançar na instância e, porque implica a perda do direito ao exercício da concreta e solicitada tutela judicial, impõe o inultrapassável e definitivo abandono dos particulares fundamentos inscritos nas competentes peças processuais, independentemente da respectiva ocorrência, preenchimento, ou não. Tudo se passa e processa como se o tribunal fosse colocado perante uma pretensão sem apoios de nenhuma ordem, sendo que, aqui, nem há lugar a qualquer tipo de apreciação ou pronúncia envolvendo o fim pretendido alcançar com o ajuizar do processo.
Registe-se, para concluir, que, não obstante a versada questão da prescrição implicar conhecimento oficioso, também a matéria da tempestividade da oposição à execução fiscal é susceptível de tratamento ex officio. Nesta conformidade, em presença de duas questões passíveis de similar abordagem, o apontado conhecimento oficioso tem de respeitar a ordem imposta pela incontornável precedência lógica, o que implica, obrigatoriamente, que se comece pela tempestividade e, uma vez, conferida a dedução extemporânea, se repute prejudicado o conhecimento da possível prescrição.
[…]»
A Recorrente alega que esta posição assumida pelo Tribunal Central Administrativo Sul quanto ao não conhecimento da excepção peremptória de prescrição constitui “decisão-surpresa”, razão pela qual não suscitou a questão de inconstitucionalidade perante o tribunal a quo, fazendo-o apenas no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal constitucional.
É certo que um dos casos em que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem admitido excepções ao princípio ou regra que obriga a suscitar a questão de inconstitucionalidade antes da prolação da decisão recorrida, prende-se com as situações em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de ser proferida a decisão recorrida por se tratar de “decisão-surpresa”, de conteúdo insólito ou imprevisível, tornando inexigível a prévia suscitação de tal questão, antes de a parte ser confrontada com o teor da decisão proferida.
Contudo, importa salientar que a jurisprudência constitucional vem fazendo um interpretação assaz exigente e rigorosa desta excepção, só a admitindo nos casos – absolutamente excepcionais ou anómalos – em que o recorrente é efectivamente confrontado com uma concreta aplicação ou interpretação normativa de todo imprevisível e inesperada, não lhe sendo razoavelmente exigível impor a antecipação de que o tribunal iria optar pela convocação ou interpretação da norma.
Assim, conforme vem sendo afirmando pelo Tribunal Constitucional, recai sobre as partes o ónus de analisarem as diversas possibilidades interpretativas, susceptíveis de virem a ser seguidas e utilizadas na decisão, cumprindo-lhes adoptar as necessárias e indispensáveis precauções, em conformidade com um dever de litigância diligente e de prudência técnica, ponderando a estratégia e orientação processuais mais adequadas à salvaguarda dos seus direitos e interesses.
Cabe, pois, às partes a formulação de um juízo de prognose, analisando e ponderando antecipadamente as várias hipóteses de enquadramento normativo do pleito e de interpretação razoável das normas convocáveis para a sua dirimição, de modo a confrontarem atempadamente o tribunal com as inconstitucionalidades que – na sua óptica – poderão inquinar tais normas ou interpretações normativas, não bastando a invocação de mera “surpresa subjectiva” da parte com a aplicação normativa realizada nos autos.
Daqui decorre, designadamente, que se a interpretação normativa sindicada corresponde a uma jurisprudência corrente ou uniforme dos tribunais, não pode o interessado deixar de prever que será altamente provável a aplicação de tal interpretação normativa à dirimição do litígio.
Como se afirmou no Acórdão n.º 186/03 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) “não é seguramente o caso [de uma decisão-surpresa aquele] em que a decisão aplica uma norma com um sentido que desde logo emerge da própria letra do preceito que a contém, como também a situação em que um tal sentido é acolhido por jurisprudência pacífica ou maioritária”.
Ora, sobre a questão concreta em causa nos autos, o Supremo Tribunal Administrativo proferiu diversos arestos, perfilhando entendimento semelhante ao adoptado pela decisão recorrida.
Veja, assim, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 11-02-2009 (Proc. n.º 0802/08) e de 29-04-2009 (Proc. n.º 01019/08) (ambos acessíveis em www.dgsi.pt), em cujos sumários se refere, em sentido idêntico, que “O decurso do prazo para deduzir oposição à execução fiscal extingue o direito que com a mesma se pretendia fazer valer, mesmo que na oposição se suscitem vícios de conhecimento oficioso, como é a prescrição”.
O próprio tribunal que proferiu a decisão recorrida, em decisões anteriores havia manifestado o mesmo entendimento. Veja-se, por exemplo, o Acórdão do TCAS, de 31-01-2006, Proc. n.º 00945/05, o qual tem o seguinte sumário, na parte que ora releva:
“I)- O prazo fixado para a dedução da acção, porque aparece como extintivo do respectivo direito (subjectivo) potestativo de pedir judicialmente o reconhecimento de um certo direito, é um prazo de caducidade.
II)- E a caducidade do direito de acção é de conhecimento oficioso, porque estabelecida em matéria (prazos para o exercício do direito de sindicar judicialmente a legalidade do acto tributário) que se encontra excluída da disponibilidade das partes (art. 333° do CC) e determina o indeferimento liminar da petição. É, pois, um pressuposto processual negativo, em rigor, uma excepção peremptória que, nos termos dos artºs 493º nº 3 e 495º do CPC, consistindo na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, o não conhecimento de meritis pela existência de obstáculos que o impeçam na disponibilidade do recorrente, importa a absolvição oficiosa do pedido.
III)- A apreciação da questão de fundo fica, pois, prejudicada pela verificação daquela excepção peremptória, pelo que não existe a pretendida omissão de pronúncia e improcedem as demais conclusões das alegações.
IV)- E isso não obstante ter sido alegada a prescrição da obrigação tributária como fundamento da oposição à execução fiscal, a qual, sendo de conhecimento oficioso, não pode ser conhecida em processo de oposição à execução fiscal que foi intempestivamente deduzida tendo em conta o que se verteu em II).
V)- Devendo concluir-se que a oposição foi deduzida a destempo, tal prejudica a apreciação da prescrição da dívida exequenda.
VI).- Por outro lado, atenta a oficiosidade do conhecimento da prescrição imposta, sempre e só poderá ser equacionada pelo tribunal que detiver ainda a competência para conhecer do recurso como é o caso da 2.ª instância.
VII)- Não pode este TCA conhecer da invocada prescrição porque a intempestividade já apreciada, acarreta a prejudicialidade do conhecimento das demais questões ( cfr. artºs 660º nº 2, 713º n 2 e 749º, todos do CPC), já que a prescrição sendo uma excepção peremptória que importa a absolvição total ou parcial do pedido executivo (cfr. artºs 493º nº 3 e 496º al. b), ambos do CPC), mas a sua exegese só se impõe se se verificarem os demais pressupostos da instância um dos quais, prioritário, é a tempestividade.” (em www.dgsi.pt).
Face ao exposto, não se pode considerar insólita ou inesperada a decisão recorrida, uma vez que, face ao referido entendimento jurisprudencial, era muito previsível que o mesmo fosse mobilizável para a resolução do caso concreto, pelo que a Recorrente não estava dispensada de entrar em linha de conta com tal possibilidade, devendo, por isso, ter suscitado a questão da constitucionalidade de tal possível entendimento nas alegações do recurso interposto para o Tribunal Central Administrativo Sul.
Não se mostrando satisfeito o aludido requisito da suscitação adequada, o Tribunal Constitucional não pode apreciar esta questão de inconstitucionalidade, devendo ser proferida decisão sumária nesse sentido, nos termos do artigo 78.º-A, nº 1, da LTC.
3. Da questão da inconstitucionalidade da interpretação das normas dos artigos 48.º e 49.º da Lei Geral Tributária
A Recorrente invocou também a inconstitucionalidade material das normas constantes dos artigos 48.º e 49.º da Lei Geral Tributária, por violação do artigo 203.º da Constituição.
Sustenta a Recorrente que foi ultrapassado o prazo máximo (8 anos) previsto na lei sobre a prática do acto tributário (artigo 48.º, n.º 1, da LGT), e decorreu também mais de um ano após a interrupção da prescrição (artigo 49.º da LGT), pelo que, da conjugação de ambas as disposições, resulta a prescrição da dívida tributária, sendo inconstitucional qualquer interpretação dessas normas que assim não entenda, por violação do disposto no art. 203.º da CRP.
Ora, conforme resulta da leitura da decisão recorrida, esta, não tendo conhecido da questão da prescrição da obrigação tributária, não aplicou as normas cuja constitucionalidade a Recorrente pretende ver apreciada.
Dado o carácter ou função instrumental dos recursos de fiscalização concreta, exige-se, para que o recurso tenha efeito útil, que haja ocorrido efectiva aplicação pela decisão recorrida, da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é sindicada.
Verificada a falta de aplicação das referidas normas pelo tribunal a quo, importa concluir que não está preenchido este requisito de admissibilidade do recurso de constitucionalidade previsto no artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, devendo, assim, também quanto a esta questão, ser proferida decisão sumária de não conhecimento, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.”
A recorrente reclamou desta decisão, com os seguintes argumentos:
“1. O recurso apresentado, e não conhecido, pretendia desse Ilustre Tribunal a reavaliação do juízo de conformidade constitucional que, expressa ou implicitamente, o tribunal a quo formulara sobre três complexos normativos:
i) o das normas dos artigos 103/4 e 209/1/a do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT);
ii) o das normas dos artigos 48 e 49 da Lei Geral Tributária (LGT);
iii) o da norma do artigo 175 do CPPT.
2. Quanto ao primeiro desses complexos normativos, o fundamento apresentado na decisão sumária para o não conhecimento foi, em primeiro lugar, o de que “a interpretação normativa enunciada pela Recorrente não foi a adoptada pela decisão recorrida” – decisão essa que parcialmente transcreve em abono no seu ponto 1.
2.1. A interpretação que a decisão sumária expressamente reconhece ter sido imputada ao tribunal a quo foi a de que “não obstante a apresentação de impugnação do acto tributário, e da prestação da garantia prevista na lei, o prazo de apresentação da oposição não se suspende”
2.2. A este propósito entende a decisão ora reclamada que:
a) esse sentido não foi adoptado na decisão recorrida, pois “em primeiro lugar, sustenta-se que “a oponente não pode fazer retroagir nenhum tipo de efeito suspensivo à data de apresentação da impugnação judicial, porquanto deixou de requerer, no respectivo articulado inicial, peça que marcou o início da instância, a fixação de eficácia suspensiva desse processo, por proposta de prestação da garantia adequada.”;
b) E, “Em segundo lugar, sustenta-se na decisão recorrida que, em virtude do processo de execução fiscal ter sido suspenso, nos termos do art. 169º CPPT, a partir de 02.08.2004, por apresentação de garantia bancária, “é evidente a insusceptibilidade de qualquer tipo de, pretensa, repercussão suspensiva no curso do prazo disponível para deduzir oposição, na medida em que se havia completado no pretérito dia 24.5.2004.”
2.3. O que a Recorrente não entende, e muito apreciaria que o Tribunal Constitucional explicasse nos autos, é como é que dessas duas razões apontadas pelo tribunal a quo para não admitir a suspensão do prazo de oposição, se pode concluir o seu exacto inverso.
2.4. Afinal, é ou não verdade que o tribunal a quo entendeu que o prazo de apresentação da oposição não se suspende-
2.5. E é ou não verdade que o tribunal a quo entendeu que houve apresentação de impugnação do acto tributário, e prestação da garantia prevista na lei-
2.6. É certo que o tribunal a quo teve as suas razões para entender que apesar de uma coisa e de outra, não se suspende a apresentação do prazo de oposição (por causa, escreveu, da não solicitação dessa suspensão no articulado inicial da impugnação judicial – que, de resto, a lei não exige que tenha aí lugar – e por causa da não “comunicabilidade” ao processo de oposição, do pedido – e do deferimento – de efeito suspensivo, que teve lugar no processo de impugnação).
2.7. O que, porém, a recorrente considerou inconstitucional, e impugnou, não foram as razões do tribunal a quo (seria inútil pedir ao Tribunal Constitucional que as apreciasse). O que a recorrente considerou, e continua a considerar, incompatível com a Lei Fundamental é o efeito normativo que dessas (ou outras) razões decorre para quem se encontre numa situação como a sua – a saber, o entendimento de que “não obstante a apresentação de impugnação do acto tributário, e da prestação da garantia prevista na lei, o prazo de apresentação da oposição não se suspende.”
2.8. E diz o Exmo. Relator que esse não foi o sentido com que a norma foi aplicada-
3. Aparentemente como obiter dictum, refere também a decisão sumária que na decisão recorrida “não se exclui, como parece entender a Recorrente, a possibilidade de uma impugnação judicial ter eficácia suspensiva, por virtude da prestação de garantia nos termos e para os efeitos do 103.º, n.º 4 do CPPT”.
4. Bastará reler o sentido normativo impugnado, acima transcrito (2.1. e 2.7. in fne), para concluir pela irrelevância dessa imputação. À recorrente – e a todos quantos vierem a ficar na situação de, impugnando um acto tributário e prestando garantia para obterem para tal acto um efeito suspensivo, se virem confrontados com uma execução em relação à qual lhes é dito que não podem apresentar oposição – o que importa não é a possibilidade de a impugnação judicial ter efeito suspensivo. O que importa é saber se esse efeito suspensivo vale, ou não, para a apresentação da oposição. Esse é que era – e é – o juízo que se solicitou ao Tribunal Constitucional, por a recorrente reputar inconstitucional que não valha, e o tribunal a quo ter entendido frontalmente o contrário.
5. Evitar responder a esta questão de constitucionalidade – que é séria e preocupante – com o argumento de que o tribunal a quo não aplicou esse sentido (-!) só pode ser querer evitar enfrentar o problema.
6. É verdade que a decisão sumária apresentou outra desculpa para não ter de decidir sobre o ponto: segundo a sua fundamentação, mesmo que o tribunal a quo tivesse seguido o entendimento normativo impugnado, haveria dois fundamentos autónomos alternativos que permaneceriam intocados, qualquer que viesse a ser a decisão do Tribunal Constitucional. Ver-se-á de seguida que não são nem autónomos, nem alternativos.
6.1. Em primeiro lugar, (na p. 8) repete – pela segunda vez – que a decisão recorrida invocou que “a Recorrente não poderia fazer retroagir nenhum tipo de efeito suspensivo à data de apresentação da impugnação judicial, “porquanto deixou de requerer, no respectivo articulado inicial, peça que marcou o início da instância, a fixação de eficácia suspensiva desse processo, por proposta de prestação da garantia adequada.”
6.2. Em segundo lugar, afirma (na mesma p. 8) ter a decisão recorrida entendido que “em virtude de o processo de execução fiscal ter sido suspenso, nos termos do artigo 169º CPPT, a partir de 02.08.2004, por apresentação de garantia bancária, tal circunstância é insusceptível de ter qualquer tipo de repercussão suspensiva no curso do prazo disponível para deduzir oposição, na medida tal prazo se havia completado em 24.05.2004.”
6.3. A verdade, porém, é que “A oposição em execução fiscal corresponde aos embargos de executado que os artigos 816º e seguintes do C. P. C. prevêem embora não coincidam os fundamentos admitidos em um e outro de tais meios processuais.” – Ac. do STA de 22 de Janeiro de 1992, proferido no recurso n.º 13528, publicado em Apêndice ao DR de 30 de Dezembro de 1993.
6.4. E, para poder haver execução fiscal (como para haver execução em processo civil) tem de existir título executivo, de modo a “assegurar a controlabilidade contenciosa dos pressupostos específicos da execução fiscal: a existência de uma dívida certa, líquida e exegível.” – Ac. do STA de 1 de Julho de 1998, proferido no recurso n.º 22389, publicado em Apêndice ao DR de 28 de Dezembro de 2001;
6.5. Ora, nos termos do artigo 162º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, só uma “certidão extraída do título de cobrança”, ou “outro título a que, por lei especial, seja atribuída força executiva”, pode constituir título executivo. Acontece, porém, que a dívida a que se refere esse título não se poderia considerar nem certa, nem exegível, antes do trânsito da decisão tomada no processo de impugnação. Ao impugnar-se o acto tributário – e ao requerer-se para tal impugnação um efeito suspensivo – deferiu-se para o termo dessa impugnação a possibilidade de se executar o património da recorrente: não já com base num acto administrativo simples, mas com base numa decisão judicial.
6.6. Não se trata, portanto, de fazer retroagir coisa alguma: trata-se de seguir a sequência de procedimentos prevista na lei. Face à notificação (de resto, formalmente deficiente) do acto tributário, impugnou-se este. Por força da atribuição de efeito suspensivo a essa impugnação, só no termo desta é que tal dívida, a considerar-se judicialmente existente e válida, poderia ser exigida. A falácia em que assenta a argumentação da decisão recorrida (reproduzida pela decisão sumária) depende da concepção (errada) de que os prazos de impugnação e oposição começaram a contar ao mesmo tempo.
6.7. Ora, sendo o prazo de impugnação de 90 dias (artigo 102/1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário) e o de oposição de 30 dias (artigo 203/1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário), a construção do tribunal a quo (aceite pela decisão sumária reclamada) levaria, em caso de benefício do prazo mais longo, à absoluta inutilidade do efeito suspensivo da impugnação: a execução seguiria porque a Recorrente não poderia fazer retroagir nenhum tipo de efeito suspensivo à data de apresentação da impugnação judicial (supra, 6.1.) e porque “a suspensão decorrente da impugnação” seria insusceptível de ter qualquer tipo de repercussão suspensiva no curso do prazo disponível para deduzir oposição (supra, 6.2.).
6.8. Sendo esse resultado absurdo (e que, aliás, legitimaria a administração fiscal a executar a recorrente no dia seguinte ao do deferimento da eficácia suspensiva para o processo de impugnação), não podem deixar de se diferenciar os dies a quo de ambos os prazos – e, naturalmente, não pode deixar de se dar prioridade ao prazo de impugnação. E, diferenciando esse termo inicial, logo se vê que não têm cabimento os argumentos aduzidos pelo Tribunal Central Administrativo Sul e, também eles, não constituem amparo legal autónomo para a decisão tomada, mas apenas uma outra via de raciocínio para defender o mesmo entendimento inconstitucional que a recorrente impugnou.
6.9. Ao pretender que a existência de argumentos diversos para defender uma mesma interpretação inconstitucional de um certo complexo normativo equivale a uma fundamentação (legal) alternativa, a decisão sumária incorre num lapso evidente e absolutamente inexplicável.
6.10. De resto, a invocada construção levaria, por outra via, à insubsistência da pretensão da administração fiscal: face ao disposto no artigo 177 do CPPT, a execução, no caso dos autos, estaria extinta.
7. Mais lamentável ainda é a posição assumida na decisão sumária sobre a prescrição da dívida tributária. De facto, não apenas o Tribunal Constitucional recusou conhecer das questões jurídico-constitucionais que, material e formalmente lhe foram adequadamente colocadas, como o fez invocando (e, portanto, legitimando) jurisprudência dos tribunais administrativos que é FLAGRANTEMENTE INCONSTITUCIONAL.
7.1. Segundo essa jurisprudência, os contribuintes têm de invocar a prescrição (ou seja: a passagem de mais de oito anos sobre a data do facto tributário) no prazo para a oposição – ou seja, nos termos do artigo 203/1 do CPPT, até 30 dias após a citação pessoal (ou a primeira penhora ou da data em que tiver ocorrido o facto superveniente ou o seu conhecimento). Quer dizer que todas as execuções que sejam instauradas antes de decorrido o prazo de prescrição mas ocorram para lá deste ficam, com esta extraordinária construção, imunes à sua invocação.
7.2. Ou seja: face aos acórdãos do STA de 11/2/2009 e 29/4/20091, os contribuintes só poderão invocar a prescrição das dívidas tributárias cujos processos de execução sejam instaurados depois de decorrido o prazo prescricional (de 8 anos!) – isto é, apenas poderão reagir contra o que já é, em direitas contas, ilegal. Em contrapartida, isso é-lhes vedado para todas as dívidas fiscais em que a prescrição seja superveniente.
7.3. A recorrente não invocou essa jurisprudência a propósito da norma do artigo 175 do CPPT (norma que foi invocada pelo acórdão recorrido – mas não tinha de ser invocada, nem era previsível que o fosse, porquanto ao tribunal a quo foi expressamente solicitada a apreciação da questão da prescrição, dispensando-o de a conhecer ex officio), mas o efeito útil do que invocou é exactamente o mesmo:
7.4. Escreveu-se nas alegações dirigidas ao Tribunal Central Administrativo Sul que seria inconstitucional qualquer interpretação das normas referentes à prescrição que obstasse à sua declaração:
Uma vez que foi ultrapassado o prazo máximo (8 anos) previsto na lei sobre a prática do acto tributário (artº 48/1 da LGT), e decorreu também mais de um ano após a interrupção da prescrição (artº 49 da LGT) – na medida em que, sobre a data da transmissão imobiliária (3 de Fev. 00), passaram 9 anos, 11 meses e 11 dias –, da conjugação de ambas as disposições resulta a prescrição da dívida tributária, sendo inconstitucional qualquer interpretação dessas normas que assim não entenda, por violação do disposto no art. 203º da CRP.
7.5. É verdade que, como refere a decisão sumária, sobre os recorrentes recai o ónus de adoptar uma “estratégia processual adequada”. Mas, referindo-se a obrigação de prevenção a uma futura pronúncia, “não é razoável impor às partes o ónus de anteciparem, em termos rigorosos e definitivos, quais os precisos “artigos de lei” cuja inconstitucional interpretação funda o recurso de fiscalização interposto – bastando que se especifique claramente a questão jurídico-processual cuja inconstitucionalidade se pretende efectivamente suscitar”, como se estabeleceu no Acórdão n.º 255/98, e se consolidou na jurisprudência constitucional (V. Acórdãos ns. 219/02 e 39/04).
7.6. A questão jurídico-processual relevante perante o Tribunal Central Administrativo Sul era a da apreciação da prescrição. Prevenindo que esse Tribunal se esquivasse a abordar a questão que lhe foi solicitado que resolvesse – e adoptando uma estratégia processual adequada a criar as condições para sujeitar essa previsível esquiva ao controlo de um Tribunal mais rigoroso – a recorrente fez tudo o que podia fazer: advertiu que a evasão da questão, qualquer que fosse a via escolhida, seria constitucionalmente insuportável.
7.7. Não imaginava na altura a recorrente que o tribunal a quo pudesse invocar a norma que lhe impõe o conhecimento oficioso da questão da prescrição para se dispensar de a conhecer – através da via ínvia da invocação de outra norma que lhe impõe o conhecimento oficioso da tempestividade da oposição. Mas quando se inteirou dessa fundamentação, suscitou de pronto a sua desconformidade constitucional, ancorando-a no entendimento da invocada norma do artigo 175 CPPT, que naquela decisão era esvaziada, por ser interpretada desconformemente com as exigências constitucionais.
7.8. Assim, submete-se ao juízo mais avisado da conferência que, ao contrário do decidido na decisão sumária, a questão da decisão sobre a prescrição da dívida tributária devia ter sido decidida pelo tribunal a quo, e que não o ter feito equivale a adoptar um entendimento inconstitucional do complexo de normas criadas pelo legislador para defender os contribuintes da inacção e das delongas da administração fiscal.
8. Normas essas que são, em última instância, as dos artigos que substancialmente prevêem os prazos de prescrição das dívidas tributárias, ou seja, as dos artigos 48 e 49 da Lei Geral Tributária, e que foram invocados perante o tribunal a quo com a advertência da inconstitucionalidade da sua desconsideração.
8.1. O dito tribunal – e a decisão sumária com ele – entendeu que, apesar de terem passado cerca de 10 anos sobre o facto tributável (que ocorreu em 3 de Fevereiro de 2000), e de a LGT ter fixado em 8 anos o prazo de prescrição, não tinha de se pronunciar sobre isso (não obstante reconhecer que a lei lhe cometia esse dever ex officio).
8.2. Ora, foi a própria recusa dessa aplicação que a recorrente reputou de desconforme com o sentido de tais normas – e em termos tais que as volveria em normas inconstitucionais, como referiu nas suas alegações perante o tribunal a quo e levou às respectivas conclusões:
G) Entendendo-se de outra forma, a interpretação para as normas que dispõem sobre a prescrição da dívida tributária – arts. 48 e 49 da LGT – seria, nos termos acima referidos, inconstitucional, por violação do disposto no artigo 203º da CRP;
8.3. A invocada não aplicação de tais normas na decisão recorrida é, assim, uma falsa questão: é a recusa da sua consideração expressa que consubstancia o vício de inconstitucionalidade que lhe foi imputado, por envolver uma interpretação delas que resulta desconforme com as exigências da Lei Fundamental.
9. Em conclusão:
a) as normas dos artigos 209/1/a e 103/4 do CPPT, quando interpretados no sentido de que não obstante a apresentação de impugnação do acto tributário, e da prestação da garantia prevista na lei, o prazo de apresentação da oposição não se suspende, são inconstitucionais, quaisquer que sejam as razões mobilizadas para o justificar;
b) que essa mesma interpretação resulta necessariamente da decisão recorrida decorre até da mobilização de diferentes argumentos para o justificar, como a própria decisão sumária reconhece;
c) a existência de diferentes argumentos, silogísticos ou falaciosos, para defender esse efeito normativo não equivale – nem nunca a jurisprudência constitucional o admitiu – a uma diferenciação de fundamentos que permitissem a subsistência do efeito, mesmo perante uma desautorização constitucional dessa interpretação impugnada;
d) a norma do artigo 175 do CPPT, que impõe o conhecimento oficioso da prescrição das dívidas tributárias, é objecto de interpretação inconstitucional (e contra legem) quando é interpretada no sentido de que o tribunal perante o qual a questão é suscitada não tem de apreciar essa prescrição;
e) essa norma, de facto, era dispicienda para a resolução do caso: dispõe sobre uma iniciativa autónoma do tribunal, que estava fora do horizonte da recorrente por esta lhe ter solicitado expressamente a actuação que tal norma, de outro modo, lhe imporia;
f) não se lhe podia, em consequência, exigir que configurasse antecipadamente a invocação dessa específica norma pelo tribunal a quo, muito menos para o efeito de a considerar fora do âmbito do recurso de constitucionalidade por a não ter invocado;
g) a recorrente antecipou a saída fácil da omissão de pronúncia sobre a prescrição, mas não adivinhou qual seria o caminho para a defender. Ao prevenir antecipadamente o tribunal a quo de que qualquer estratégia evasiva seria reaferida pelo Tribunal Constitucional, a recorrente adoptou a estratégia processual adequada a evitar que a questão de constitucionalidade fosse colocada pela primeira vez perante este;
h) como se escreveu, por exemplo, no Acórdão n.º 324/99, “a ratio desta exigência legal consiste em pretender a lei que a questão de constitucionalidade seja colocada em termos tais que o tribunal recorrido tenha tido oportunidade de a ponderar e decidir”;
i) ora, dúvidas não restam de que não apenas a questão da inconstitucionalidade da não ponderação da prescrição da dívida tributária foi colocada clara e abundantemente perante o tribunal a quo, como o foi também a questão da omissão dessa solicitada pronúncia;
j) salvo o devido respeito, não pode o Tribunal Constitucional pretender que a questão não foi suscitada (em relação aos argumentos para a não aplicação das normas) ou lavar as mãos porque estas não foram aplicadas (em relação às que configuram materialmente a prescrição).
10. Solicita-se, portanto, que seja atendida a presente reclamação, alterando-se a decisão sumária reclamada, admitindo-se o recurso e mandando-se alegar.”
Fundamentação
A recorrente nesta reclamação manifesta a sua discordância pelo não conhecimento do recurso, relativamente à arguição da inconstitucionalidade das seguintes interpretações normativas:
- da interpretação dos artigos 103.º, n.º 4 e 209.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), no sentido de que “não obstante a apresentação de impugnação do acto tributário, e da prestação da garantia prevista na lei, o prazo de apresentação da oposição não se suspende”
- da interpretação do artigo 175.º do CPPT com o sentido que o mesmo é inaplicável quando a “oposição à execução fiscal foi deduzida fora do prazo concedido, por lei, para o efeito”».
Note-se em primeiro lugar a decisão reclamada não tomou posição quanto à bondade infra-constitucional e constitucional de qualquer das posições sustentadas na decisão recorrida, tendo-se limitado a verificar a existência dos pressupostos necessários ao conhecimento do mérito do recurso constitucional.
Relativamente à primeira questão, da leitura da decisão recorrida constata-se que ela não perfilha o critério impugnado, nos termos genéricos, em que ele se encontra formulado pela Recorrente.
A sentença recorrida apenas defendeu que, nos casos em que não se requeira no articulado de impugnação judicial a fixação de eficácia suspensiva do processo executivo, por proposta de prestação da garantia adequada, a mesma não tem efeito suspensivo.
E, como fundamento alternativo da improcedência da pretensão do recorrente, também sustentou que, nos casos em que, por apresentação de garantia adequada, o processo executivo é suspenso após já ter terminado o prazo para o executado deduzir oposição esse prazo não se reabre.
Como se verifica qualquer um destes dois critérios justificadores da solução adoptada no caso concreto têm uma especificidade que os distingue do critério amplo enunciado pelo recorrente, não permitindo que se possa dizer que este integrou a ratio decidendi do acórdão recorrido, o que impede a apreciação da sua constitucionalidade.
Quanto à segunda questão, a recorrente perante o tribunal recorrido limitou-se a alegar que qualquer interpretação dos artigos 48.º e 49.º, da LGT que não resultasse na prescrição da dívida tributária em causa violaria o disposto no artigo 203.º, da Constituição.
Ora, esta alegação está longe de poder constituir uma suscitação adequada perante o tribunal recorrido da questão de constitucionalidade que agora a recorrente coloca ao Tribunal Constitucional, de modo a vincular aquele Tribunal ao seu conhecimento. Na verdade, naquela alegação essa questão não se encontra minimamente enunciada de modo a permitir a sua percepção.
E tal suscitação era absolutamente necessária, uma vez que a interpretação sustentada pelo Acórdão recorrido não foi inédita, correspondendo a jurisprudência divulgada que era acessível ao conhecimento da recorrente, permitindo-lhe a antecipação da posição que foi tomada.
Assim, pela ausência de requisitos essenciais ao conhecimento do mérito do recurso, relativamente a ambas as questões de constitucionalidade colocadas pela recorrente, não é possível a sua apreciação, pelo que deve ser indeferida a reclamação apresentada.
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A., Lda., da decisão sumária proferida nestes autos em 28-9-2010.
Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 9 de Novembro de 2010.- João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.
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