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Processo n.º 424/2010
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Tribunal da Relação do Porto, A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 76.º [por lapso, indica-se o n.º 3 do artigo 78.º-A, que está previsto apenas para a reclamação de decisão sumária proferida pelo Relator no Tribunal Constitucional] da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho daquele Tribunal que não admitiu o recurso, por si interposto, para o Tribunal Constitucional.
O despacho reclamado tem o seguinte teor:
1. A., arguido-recorrente nos autos, notificado do acórdão de fls.140 a 146, veio, ao abrigo do disposto na alín. b) do n.° 1 do art.° 70°, da Lei do Tribunal Constitucional, INTERPOR RECURSO, para o Tribunal Constitucional, nos termos e pelos fundamentos seguintes termos:
• Foi condenado no 3° Juízo do Tribunal Pequena Instância Criminal do Porto, na pena de 12 meses de prisão, como autor de um crime de Condução sem Habilitação Legal, p.p. pelo art° 3° n.° 1 e 2 do DL 2/98 de 03/01.
• Inconformado interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, por entender que atentas as suas condições pessoais, ter o total apoio e retaguarda da mãe, desejar ressocializar-se, deveria ser-lhe aplicada uma pena mais leve, próxima do seu mínimo legal, o que satisfaria os fins de prevenção geral e especial, devendo ser suspensa na sua execução, mostrando-se violados os art.s 70° e 71° do CP; 25° da Lei 15/93 e 32° da CRP.
• O Tribunal da Relação do Porto, reduzindo, embora, a pena para sete meses de prisão, substituiu-a na mesma por prisão por dias livres.
• Salvo melhor opinião, a interpretação e aplicação do disposto nos arts. 70°, 71° do CP, pelo Tribunal da Relação do Porto, viola o art.° 32° da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade essa invocada previamente no seu recurso do 3° Juízo Pequena Instância Criminal do Porto, para o Tribunal da Relação do Porto.
• Com efeito, ao erguer a culpa – como critério principal de determinação da pena – e a prevenção como critério secundário, o Tribunal «a quo» não avalizou correctamente o art.° 71° do CP, não cumprindo com o princípio constitucional da adequação e proporcionalidade das penas, revelando-se justo aplicar apenas uma pena concreta correspondente ao limite mínimo abstractamente aplicável para aquele tipo de ilícito, especialmente atenuada.
• Violou assim também o douto acórdão recorrido o principio da proporcionalidade.
• Pretende assim o recorrente a apreciação da constitucionalidade das normas jurídicas em causa, por ambiguidade e falta de clareza dessas mesmas normas jurídicas, por colidirem em função dessas debilidades com uma norma constitucional.
2. Sobre este requerimento impõe-se a formulação de um juízo sobre a admissibilidade do recurso. [Artigo 762/1 LTC]
Fundamenta o Recorrente a sua interposição com apelo à alínea b) do nº 1 do Artigo 70 da LTC. Onde se dispõe:
“Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais: b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”.
No cumprimento do disposto no Artigo 75-A da LTC,
“2. Sendo o recurso interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do n.2 1 do artigo 70°, do requerimento deve ainda constar a indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se considera violado, bem como da peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade”
Disse o Recorrente:
«... a interpretação e aplicação do disposto nos arts. 70º, 71° do CP, pelo Tribunal da Relação do Porto, viola o art.° 32° da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade essa invocada previamente no seu recurso do 3º Juízo Pequena Instância Criminal do Porto, para o Tribunal da Relação do Porto.»
Pois bem.
Lendo, então, o requerimento de interposição de recurso relativo à sentença proferida pelo 3º Juízo de Pequena Instância Criminal do Porto, e lendo-o de ponta – fls. 68, 69 e 70 dos autos – o que se lê em termos de referência constitucional é o seguinte:
«Conclusão x: Em consequência, a Douta Sentença recorrida, violou por errada interpretação o disposto nos artigos 70º e 71º do C.P. e artigo 32º da Constituição da República Portuguesa».
Destarte: que inconstitucionalidade foi invocada- Çom o devido respeito, não se vê.
Pressuposto primário da admissibilidade do recurso, com referência à alínea b) do nº 1 do Artigo 70º da LTC é que a inconstitucionalidade da norma haja sido previamente suscitada no processo pelo recorrente.
Manifestamente, o Recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade.
O que o recorrente se limitou a dizer foi – repetindo – que o Tribunal recorrido “violou, por errada interpretação o disposto nos artigos 70º e 71º e artigo 32º da Constituição da República Portuguesa”.
Nos termos do Artigo 76º/2 da LTC,
«O requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional deve ser indeferido quando não satisfaça os requisitos do artigo 75º-A, mesmo após o suprimento previsto no seu nº 5, quando a decisão o não admita, quando o recurso haja sido interposto fora do prazo, quando o requerente careça de legitimidade ou ainda, no caso dos recursos previstos nas alíneas b) e f) do nº 1 do Artigo 70º, quando forem manifestamente infundados.»
In casu, visto o normativo transcrito, perante a manifesta falta de fundamento, não se admite o recurso interposto.
2. Na reclamação apresentada junto deste Tribunal, o reclamante veio dizer o seguinte:
A., arguido nos presentes autos, VEM, reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.° 3 do artigo 78.°-A da Lei n.° 28/82 (Lei Tribunal Constitucional), da Decisão de 04 de Fevereiro de 2010, que decidiu não conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade por ele interposto e condená-lo em custas, com 2 (duas) unidades de conta de taxa de justiça.
O Tribunal a quo entende que “O Recurso para o Tribunal Constitucional não é admissível pois que a invocada inconstitucionalidade não foi arguida durante o processo, nem se entende haver motivo bastante para dispensar o recorrente do ónus da referida alegação, tudo conforme arts. 70.° n.° 1 b) e 72. ° n.° 2 da Lei 28/82 de 15 de Novembro.”
É claro que o arguido/recorrente não poderia arguir em momento anterior tal inconstitucionalidade – pela simples razão de não poder prever que a mesma se registaria em fase de Recurso!
É a interpretação que o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra fez dos preceitos invocados (artigo 70 e 71° do Código Penal que gera o vício da inconstitucionalidade que se invocou.
Se o recorrente não pudesse invocar as inconstitucionalidades resultantes da interpretação e aplicação das normas feitas pelos Tribunais Superiores (Relação ou Supremo Tribunal de Justiça) ficaria fora da alçada do Tribunal Constitucional uma grande parte da fiscalização concreta da constitucionalidade que cabe a esse alto tribunal.
Como é óbvio, também nesta particular questão o arguido/recorrente não podia pressupor, intuir, que o Tribunal da Relação do Porto, agiria como agiu, e interpretaria as normas do Código de Processo Penal e da própria Constituição como interpretou e aplicou.
É com a prolação do Acórdão, e só nessa altura, que se tornam patentes os vícios e manifesta a interpretação inconstitucional dada às normas, afrontando de maneira gritante e inadmissível o Estado de Direito e processo Democrático, pondo em causa princípios que deviam estar mais do que consolidados na ordem jurídica portuguesa:
Assim sendo, o recorrente tem o Direito a ver apreciado o Recurso interposto para o Tribunal Constitucional no sentido de controlar a constitucionalidade:
a) Ora, entendemos salvo melhor opinião que a interpretação e aplicação do disposto nos art. 70º e 71° do CP, pelo Insigne Tribunal da Relação do Porto, constitui uma violação do seu direito à igualdade e consequentemente também do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidades essas invocadas previamente no seu recurso da Pequena Instância Criminal do Porto, para o Tribunal da Relação do Porto.
É, pois, um vício que se regista somente no Acórdão que se pretende seja analisado à luz das normas da Constituição.
Desta forma, tem o recorrente o direito a ver apreciado o Recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
3. O recurso de constitucionalidade tem o seguinte teor.
A., arguido nos presentes autos, notificado do acórdão, VEM, ao abrigo do disposto na alín. b) do n.° 1 do art.° 70°, da Lei do Tribunal Constitucional, INTERPOR RECURSO, para o Digníssimo Tribunal Constitucional, nos termos e pelos fundamentos seguintes termos:
O arguido foi condenado no 3° Juízo do Tribunal Pequena Instância Criminal do Porto, a 12 meses de prisão, como autor de um crime de Condução sem Habilitação Legal, p.p. pelo art.° 3° n.° 1 e 2 do DL 2/98 de 03/01.
Inconformado interpôs recurso para o Digníssimo Tribunal da Relação do Porto, por entender que atentas as suas condições pessoais, ter o total apoio e retaguarda da mãe, desejar ressocializar-se, deveria ser-lhe aplicada uma pena mais leve, próxima do seu mínimo legal, o que satisfaria os fins de prevenção geral e especial, devendo ser suspensa na sua execução, mostrando-se violados os art.s 70° e 71° do CP; 25° da Lei 15/93 e 32° da CRP.
O Digno Tribunal da Relação do Porto, embora tenha reduzido a pena para sete meses de prisão, substitui-a na mesma por prisão por dias livres.
Ora, entendemos salvo melhor opinião que a interpretação e aplicação do disposto nos arts. 70º, 71° do CP, pelo Insigne Tribunal da Relação do Porto, viola o art.° 32° da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade essa invocada previamente no seu recurso do 3° Juízo Pequena Instância Criminal do Porto, para o Tribunal da Relação do Porto.
Com efeito, ao erguer a culpa – como critério principal de determinação da pena – e a prevenção como critério secundário, o Tribunal «a quo» não avalizou correctamente o art.° 71° do CP, não cumprindo com o principio constitucional da adequação e proporcionalidade das penas, revelando-se justo aplicar apenas uma pena concreta correspondente ao limite mínimo abstractamente aplicável para aquele tipo de ilícito, especialmente atenuada.
Violou assim também o douto acórdão recorrido o principio da proporcionalidade.
Pretende assim o recorrente a apreciação da constitucionalidade das normas jurídicas em causa, por ambiguidade e falta de clareza dessas mesmas normas jurídicas, por colidirem em função dessas debilidades com uma norma constitucional.
4. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal veio dizer o seguinte.
1. Apesar de entre os elementos enviados não constar cópia integral da motivação do recurso para a Relação, mas apenas das conclusões, conjugando o que se diz no Acórdão da Relação com o afirmado no douto despacho que não admitiu o recurso e que o recorrente, na reclamação, não põe minimamente em causa, entendemos que temos os elementos necessários e suficientes para nos podermos pronunciar.
2. A. reclamou do despacho proferido na Relação do Porto que não lhe admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional do Acórdão daquela Relação que concedeu, em parte, provimento ao recurso interposto da decisão proferida no Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto.
3. Efectivamente, como bem se refere no despacho reclamado, dizer na motivação do recurso para a Relação – o momento processual próprio para suscitar a questão – que “a douta sentença recorrida, violou por errada interpretação, o disposto nos artigos 70.°, 71.º do CP e artigo 32.° da Constituição”, não traduz a enunciação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, única que poderia constituir objecto idóneo do recurso de constitucionalidade.
4. Na reclamação, o recorrente afirma que não poderia arguir em momento anterior tal inconstitucionalidade (de determinada interpretação dos artigos 70.° e 71.º do Código Penal) porque não podia prever que a mesma se registaria em fase de recurso.
5. Não é facilmente perceptível aquela afirmação, uma vez que foi o próprio recorrente que disse, no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, que invocara previamente a inconstitucionalidade, no recurso para o Tribunal da Relação.
6. Por outro lado, se o recorrente acha que foi surpreendido pela interpretação levada a cabo na Relação e que por esse motivo não podia suscitar a questão anteriormente, então deveria explicar porque entende que a interpretação foi surpreendente, inesperada, imprevisível ou insólita, o que não fez no requerimento de interposição do recurso, nem na reclamação.
7. Aliás, nem sequer tentou demonstrar em que medida é que a interpretação acolhida pela Relação era diferente da adoptada pelo tribunal de 1ª instância.
8. Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentos
5. O despacho reclamado indeferiu o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade por manifesta falta de fundamento.
Reclamado o despacho de não admissão, tem o Tribunal Constitucional que verificar se se reúnem, no caso, todos os pressupostos de admissão do recurso, uma vez que a sua decisão faz caso julgado quanto à admissibilidade do mesmo, caso venha a ser revogado o despacho de indeferimento (artigo 77.º, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional).
Assim, e independentemente da questão de saber se se verifica ou não o pressuposto processual de suscitação prévia, de modo processualmente adequado, de uma questão de constitucionalidade normativa – questão sobre a qual o despacho reclamado se pronunciou em sentido negativo – verifica-se que o objecto do presente recurso de constitucionalidade, tal como delimitado pelo recorrente, ora reclamante, no requerimento de interposição do mesmo, é inidóneo.
Com efeito, é manifesto que, in casu, o que o recorrente realmente pretende controverter é a concreta e casuística adequação e correcção do juízo de determinação da medida concreta da pena.
Ora, inexistindo entre nós a figura do recurso de amparo ou outra equivalente, não tem o Tribunal Constitucional competência para conhecer de recurso que tenha como objecto não uma questão de constitucionalidade normativa mas a própria decisão judicial.
Tanto basta para que se não possa conhecer do recurso de constitucionalidade.
III
Decisão
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando o despacho reclamado que não admitiu o recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 14 de Julho de 2010. – Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão
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