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Processo n.º 84/10
2.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial de Tavira, a Recorrente A., Lda. impugnou judicialmente a decisão de indeferimento da concessão do benefício do apoio judiciário, proferida pelos serviços de Segurança Social. Invocou a Recorrente, além do mais, a inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, por violação da garantia de acesso à Justiça, consagrada no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (doravante designada por CRP); do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º, aplicável às pessoas colectivas, por força do n.º 2 do artigo 12.º, e do direito ao recurso, previsto no artigo 32.º, todos do mesmo diploma.
A Juiz a quo julgou improcedente tal impugnação, nomeadamente a invocação de inconstitucionalidade do normativo supra aludido.
De tal decisão judicial veio a Recorrente interpor recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).
2. A decisão posta em crise salienta que, no plano de acesso ao direito e aos tribunais, existe significativa diferença entre as pessoas colectivas com actividade organizada, com o fim de obtenção de lucro, e a generalidade dos cidadãos, o que justifica a distinção de tratamento sem qualquer violação do princípio da igualdade. Acresce que, no limite, quando tais entidades não dispõem de fundos para assegurar os custos da sua litigância, inexiste motivo válido para sustentar a sua viabilidade, que se mostra prejudicial à economia global.
Conclui, nesta sequência, pela não inconstitucionalidade da restrição da protecção jurídica relativamente às pessoas colectivas com escopo lucrativo, por não violação do artigo 20.º, n.º 1 da CRP, considerando que este normativo consagra um direito eminentemente pessoal, estando pois legitimada a sua aludida limitação, face ao disposto no n.º 2 do artigo 12.º do mesmo diploma.
3. Alegando no Tribunal Constitucional, a recorrente refere que, apesar de ser uma pessoa colectiva com fins lucrativos, não dispõe de capacidade financeira para custear a demanda que não intentou, pelo que, sem o recurso ao benefício do apoio judiciário, não poderá prosseguir a sua defesa, ficando-lhe, desta forma, vedado o acesso à justiça.
Continua referindo que a distinção, dentro da categoria de pessoas colectivas, de diversos tipos de entidades, de acordo com a sua finalidade, como base de uma discriminação no tocante à concessão de apoio judiciário, viola os princípios da indefesa e do processo equitativo, nos termos dos artigos 20.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da CRP, bem como o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º, aplicável às pessoas colectivas, por força do n.º 2 do artigo 12.º, ambos da mesma Lei Fundamental.
Conclui que o que deve nortear a aplicação do regime de apoio judiciário é a situação de insuficiência económica, que colocará em posição idêntica, quanto ao acesso à justiça, qualquer pessoa colectiva, tenha a mesma fins lucrativos ou outros, pelo que a interpretação da norma ínsita no n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, no sentido de não permitir a concessão do benefício do apoio judiciário às pessoas colectivas com fins lucrativos, independentemente da consideração da sua situação económica e do valor das custas do processo respectivo, é inconstitucional.
4. O Instituto da Segurança Social, I.P., não contra-alegou.
II - Fundamentos
5. O objecto do presente recurso centra-se na apreciação do n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 47/2007 de 28 de Agosto, na parte em que recusa protecção jurídica, nomeadamente concessão de apoio judiciário, a pessoas colectivas com fins lucrativos, sem consideração pela concreta situação económica das mesmas.
A propósito da questão decidenda, pronunciou-se recentemente o Acórdão do Plenário n.º 216/2010 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), cujos fundamentos são transponíveis para o caso agora em apreciação e cujo sentido da decisão se seguirá, por ser expressão da posição maioritária deste Tribunal.
Em tal Acórdão – proferido, aliás, no âmbito de processo em que as partes eram as mesmas - decidiu-se, em síntese, que a disposição do artigo 7.º, n.º 3 da Lei n.º 34/2004 (na redacção da Lei n.º 47/2007) não viola o direito de acesso aos tribunais, consagrado pelo artigo 20.º da Constituição, nem o direito ao recurso, previsto no artigo 32.º da Constituição, nem o princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º da Constituição.
Assim, por aplicação da posição jurisprudencial maioritária constante do aludido Acórdão n.º 216/2010, para cuja fundamentação se remete, impõe-se que se conclua pela não inconstitucionalidade material da norma constante do n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, no segmento em que nega a concessão de apoio judiciário às pessoas colectivas com fins lucrativos, por não violação dos artigos 13.º, 20.º e 32.º, todos da CRP.
III - Decisão
6. Pelo exposto, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 3 do artigo 7.º, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, no segmento em que nega protecção jurídica às pessoas colectivas com fins lucrativos;
b) E, consequentemente, julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).
Lisboa, 14 de Julho de 2010.- Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro – Rui Manuel Moura Ramos
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