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Processo n.º 131/10
2.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. interpôs recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional, doravante, LTC), o que fez nos termos seguintes:
«1. (…) Pretende o recorrente com o recurso ver apreciada pelo douto Tribunal Constitucional a inconstitucionalidade material da norma do n° 8 do art° 271° do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a assistente pudesse ser dispensada de prestar depoimento, depois de o ter feito em primeira audiência, mandada repetir parcialmente, e ter inculcado nos Mmos. Juízes a convicção de que estaria a falar verdade, em sede de repetição de actos probatórios, assim vendo o arguido amputado o seu direito de defesa tendo-se também violado o princípio do contraditório estabelecidos no artigo 32° n°s 1 e 5 da CRP.
2. Pretende ainda o recorrente ver apreciada pelo T.C. a inconstitucionalidade material da norma do art° 160° do CPP, interpretada no sentido de que as perícias efectuadas a queixosos / ofendidos / vítimas, possam ser feitas pelo IRS, e, tendo sido efectuadas por este Instituto, não possam ser postas em causa por opiniões de especialistas, nem tenha que, em cumprimento do principio constitucional que assegura ao arguido todas as garantias de defesa, art° 32° da CRP, determinar-se a realização oficiosa de perícias por organismo legalmente habilitado para tal, nomeadamente o Instituto de Medicina Legal, de acordo com o estabelecido no art° 159º do mesmo CPP.
3. É que, no caso concreto, e em primeiro lugar, a queixosa prestou declarações perante o Colectivo de Juízes, e, tendo o Tribunal da Relação determinado a repetição de tais declarações, recusou-se a fazê-lo, sendo certo e evidente que as suas primeiras declarações foram determinantes na formação da convicção do julgador, tendo o arguido, em sede de segundo julgamento, ficado impossibilitado de exercer o contraditório.
4. Em segundo lugar, foram feitos exames à queixosa, utilizando métodos de avaliação há muito afastados pelos profissionais especializados, por entidade que só os deve fazer aos arguidos, pelo que, perante declarações e parecer de técnico especialista (Professor Universitário) que põem em causa tais exames, e pretendendo-se não aceitar estes como prova adequada, se deveria ter, oficiosamente, determinado a realização de perícia por organismos legalmente habilitado a fazê-lo.
5. A questão da inconstitucionalidade foi suscitada na motivação e nas conclusões do recurso penal ordinário interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra, bem como para o Supremo Tribunal de Justiça.»
2. Analisados os autos, foi proferida pela Relatora do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso (fls. 2696 a 2701). É o seguinte, na parte decisória, o seu teor:
«3. O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos do recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), a aplicação da norma como ratio decidendi da decisão recorrida, a suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa, e que esta tenha sido suscitada de modo processualmente adequado e tempestivo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da CRP; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
4. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, o poder de sindicância do Tribunal Constitucional respeita apenas à inconstitucionalidade normativa e não à inconstitucionalidade das decisões judiciais em si mesmas, também não lhe competindo controlar a correcção da concreta interpretação acolhida pela decisão recorrida (v.g., Acórdão n.º 355/2009, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). O objecto do controlo deverá ser um critério normativo, dotado de generalidade e abstracção, que seja susceptível de ser invocado e aplicado a propósito de uma pluralidade de situações concretas.
Escreveu-se a este propósito no Acórdão n.º 551/2001:
«ao Tribunal Constitucional compete julgar, não o acto decisório recorrido em si mesmo considerado, envolvendo a ponderação decisiva da singularidade do caso concreto, ou tão pouco o mesmo, visto como resultado da conjugação da matéria de facto ao critério normativo utilizado, mas sim a constitucionalidade mesma desse critério normativo. A esta luz, e como também se tem ponderado na jurisprudência deste Tribunal, não é sindicável por este meio a aplicação a uma dada situação concreta de um critério oriundo da subsunção do caso concreto à norma, operado pelo aplicador do direito (cfr., v.g., o acórdão nº 82/01, inédito: é a norma – ou a interpretação normativa – aplicada na decisão que compete julgar, aferindo-se a constitucionalidade do critério normativo e não o acto de julgamento, em si, ou a correspectiva decisão).
O que vale dizer que não importa cuidar do acerto lógico-jurídico da subsunção do caso sub judice à norma. O que está em causa são os critérios jurídicos autonomizados, genérica e abstractamente referidos pelo julgador para decidir quanto ao acerto constitucional de uma certa norma ou dimensão normativa do direito infra-constitucional, face ao texto constitucional».
Para que se esteja perante uma norma ou interpretação normativa, deve ser possível identificar na decisão recorrida a adopção de um critério normativo, com carácter de generalidade, que possa ser aplicado a outras situações, critério a que depois se subsume o caso concreto. Pelo contrário, não estará em causa uma norma ou interpretação normativa quando estejamos perante a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às singularidades do caso concreto.
4. O texto do n.º 8 do artigo 271.º do CPP é o seguinte:
«8- A tomada de declarações nos termos dos números anteriores não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar».
Resulta dos autos que o que o recorrente impugna é a aplicação do direito infraconstitucional pelo tribunal recorrido, é a decisão do tribunal de ter dispensado a assistente (esta assistente) de comparecer segunda vez em julgamento, após ter sido ouvida em declarações para memória futura, «depois de o ter feito e ter inculcado nos Mmos Juízes a convicção de que estaria a falar verdade» (negrito do recorrente), resultando dos autos que se pretende que se aprecie a aplicação da norma à singularidade do caso concreto.
Ora, o Tribunal Constitucional não controla as operações subsuntivas realizadas pelos outros tribunais, nem a interpretação que estes fazem do direito infraconstitucional.
Não se cumpre, por isso, o requisito da suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa. O que se questiona não é o critério normativo subjacente ao disposto no n.º 8 do artigo 271.º do CPP.
Por outro lado, ainda no que respeita às declarações para memória futura, o que o tribunal fez foi ouvir a assistente, fazendo uso da possibilidade conferida pelo artigo 271.º, n.º 1 do CPP, e optou por não determinar nova prestação de depoimento em audiência de julgamento, por ter considerado que esta punha em causa a sua saúde física e psíquica (n.º 8 do mesmo artigo).
Ora, como se escreveu, a este Tribunal não cabe sindicar a aplicação do direito pelos demais tribunais, pelo que extravasa a suas competências um juízo acerca da ponderação que o tribunal recorrido possa ter feito para decidir pela dispensa de novo depoimento.
Aquele tribunal não aplicou a norma no sentido questionado pelo recorrente «de que a assistente pudesse ser dispensada de prestar depoimento, depois de o ter feito e ter inculcado nos Mmos Juízes a convicção de que estaria a falar verdade, em sede de repetição de actos probatórios», mas no sentido de que se pode dispensar o depoimento em audiência e julgamento, quando tenham sido tomadas as declarações previstas no artigo 271.º, n.º 1, e aquele depoimento ponha «em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar». Assim, não cabe ao Tribunal Constitucional aferir se essa condição se verificava. E como a norma também não foi aplicada no sentido pretendido pelo requerente, não lhe cabe, do mesmo modo, aferir da sua inconstitucionalidade.
5. Parte do que ficou dito é igualmente aplicável relativamente ao artigo 160.º do CPP, porquanto o Tribunal Constitucional não pode apreciar se na situação em apreço haveria lugar à aplicação do nele disposto. Mas sucede, ainda, neste caso, que também não se cumpriu, no que respeita o pedido relativo ao artigo 160.º do CPP, o requisito da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo (como exigem o artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da CRP, e o artigo 72.º, n.º 2, da LTC). O recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra (fls. 2275, 2293, 2300 e conclusões 33 a 36 e conclusão 55) e o recurso para o STJ (fls. 2541 e 2542) referem a questão concreta em julgamento, mas o recorrente não chega, sequer, a mencionar o artigo que considera aplicável, ou a suscitar a questão de inconstitucionalidade normativa ali eventualmente implicada, pelo que, quando suscita a questão no requerimento para o Tribunal Constitucional, deixou já passar o momento processualmente adequado:
Veja-se, v.g., a fls. 2542:
«A assistente foi examinada por uma psicóloga do IRS e uma outra do CAT, jamais tendo sido examinada por peritos do Instituto Nacional de Medicina Legal, designadamente por peritos do gabinete médico-legal de Leiria, da área da psicologia.
O Tribunal decidiu não dar qualquer valor ao parecer do Professor Doutor Carlos Lopes Pires, para dar valor ao que foi relatado/especulado, por psicólogas com muito menos experiência e sem qualquer especialização na matéria.
O Tribunal decidiu não acreditar no que disse o Professor Doutor Carlos Lopes Pires quanto à validade dos testes efectuados pela técnica do IRS, sem sequer se dar ao cuidado de se informar sobre tais questões junto do Gabinete de Medicina Legal de Coimbra (que superintende o Gabinete médico-legal de Leiria).
A verdade é que os testes utilizados pela técnica do IRS não são utilizados pelos peritos da Medicina Legal, por não serem adequados, facto que confirma o exposto pelo Professor Doutor Carlos Lopes Pires.
(…)
A prova foi erradamente valorada, tendo o Tribunal omitido diligência que se reputa de fundamental para a descoberta da verdade, pois que, se não queria acreditar no técnico mais credenciado e experiente ouvido em julgamento, deveria, no mínimo, ter recorrido aos esclarecimentos de entidades oficiais com competência sobre a matéria, como é o Instituto de Medicina Legal, e não o é o Instituto de Reinserção Social que, como o próprio nome indica, tem vocação significativamente diferente, daí utilizar métodos desajustados para casos como o em apreço».
Sucede que apenas no recurso interposto para o Tribunal Constitucional se pede a fiscalização da constitucionalidade do artigo 160.º do CPP, na sequência da referência que lhe é feita no Acórdão do STJ (fls. 2619), embora, como se viu, o recorrente tivesse consciência da sua relevância, assim não se mostrando preenchido o mencionado requisito.
Por outro lado, uma vez mais, o tribunal recorrido, para decidir, não criou uma interpretação geral e abstracta da norma do artigo 160.º CPP entendida «no sentido de que as perícias efectuadas a queixosos/ofendidos/vítimas, possam ser feitas pelo IRS, e, tendo sido efectuadas por este Instituto, não possam ser postas em causa por opiniões de especialistas, nem tenha que (…) determinar-se a realização oficiosa de perícias por organismo legalmente habilitado para tal, nomeadamente o Instituto de Medicina Legal, de acordo com o estabelecido artº 159º do mesmo CPP». O tribunal recorrido, quando muito, considerou que, em concreto, as opiniões dos especialistas apresentados não punham em causa as perícias do IRS e decidiu não fazer uso da prerrogativa do artigo 159.º do CPP, o que não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar. Mas não leu o artigo 160.º do CPP como estabelecendo uma norma, por isso, geral e abstracta, a que o tribunal recorrido estaria vinculado, e que determinaria essa solução. Pelo que o que vem impugnado não é uma interpretação normativa do artigo 160.º do CPP.
Razões pelas quais se decide não conhecer do recurso.
III
Decisão
5. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não conhecer do objecto do recurso».
3. Inconformado com esta decisão, o recorrente apresentou reclamação para a conferência (fls. 2716 a 2722), na qual alega o seguinte:
«1.
O Requerimento de Recurso para o Tribunal Constitucional foi interposto ao abrigo do art.70° n°1 ai. b) da LTC, para que o Tribunal apreciasse da inconstitucionalidade material das normas dos arts. 271° nº 8 e art.160° ambos do
C.P.P.
2.
Entendeu a M Juiz Relatora na sua Decisão Sumária “ não conhecer do objecto do recurso”, por entender que o objecto do mesmo não se enquadra nas competências do Tribunal Constitucional.
3.
Salvo o devido respeito, não pode o Requerente, ora Reclamante concordar com tal decisão.
Senão vejamos:
4.
A admissão deste Recurso, porque se enquadra na alínea b) do art. 70° da LCT, depende da verificação cumulativa de três requisitos, que a própria Decisão Sumária refere e são eles:
a) Aplicação da norma como “ratio decidendi” da decisão recorrida.
b) Suscitação da Inconstitucionalidade de modo processualmente adequado e tempestivo.
c) Que a decisão recorrida não seja passível de recurso ordinário
I - Da Ratio Decidendi.
5.
As normas dos art. 271 n°8 e 160° do C.P.P constituíram verdadeira “ratio decidendi”.
Porquanto,
6.
Foram fundamento normativo do conteúdo da Decisão, e do julgamento da causa.
7.
A norma do art. 271° n°8 foi “causa decidendi” pois, apesar de o Tribunal da Relação ter ordenado a repetição das declarações da Assistente, esta recusou-se a faze-lo, pelo que as declarações tomadas em sede de primeira instância e apesar de o julgamento ter sido repetido, foram determinantes na formação da convicção do julgador,
8.
Violando-se assim um principio fundamental do Arguido previsto no art. 32° n° 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa.
9.
Bem como, violando-se igualmente, princípios e direitos consagrados na Lei, nomeadamente no art. 11° da Declaração Universal de Direitos do Homem e ainda o art. 6° da Convenção Europeia De Direitos do Homem
10.
No que respeita à norma do art. 160º C P.P. também esta enquadra o requisito da “ratio decidendi” pois o julgador com total surpresa para o Requerente, com base nela formou a sua convicção.
Assim,
11.
Resulta do exposto que, as normas para as quais se interpôs Recurso, ambas preenchem, o primeiro requisito necessário à admissão do mesmo.
II- SUSCITAÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE NORMATIVA DE MODO PROCESSUALMEMTE ADEQUADO E TEMPESTIVO.
12.
No que ao art. 271 n°8 do C.P.P a questão não se coloca, pelo que quanto a este a Decisão Sumária reconhece que está preenchido.
13.
Já no que respeita ao art. 160° C.P.P entende a Decisão Sumária objecto da presente reclamação que, “ ... o recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra e o recurso para o STJ referem a questão concreta, mas o recorrente não chega ... a suscitar a questão da inconstitucionalidade normativa ali eventualmente implicada, pelo que quando suscita a questão no requerimento para o Tribunal Constitucional, deixou já passar o momento processualmente adequado”
14.
Permitam-nos desde já e salvo e devido respeito, discordar de tal entendimento.
15.
Quando se diz que a inconstitucionalidade da norma “tem que ser suscitada durante o processo”, isto mais não significa do que, o facto de a questão ter de ser colocada de forma que o tribunal saiba que tem essa questão para resolver. E também este o entendimento do defendido pelo Dr. Guilherme da Fonseca e Inês Domingos., in Breviário de Direito Processual Constitucional, 2ª edição, Coimbra editora, 2002.
Mais,
16.
“Afirmar que uma norma, na interpretação que lhe foi dada por qualquer tribunal afronta a lei fundamental, vale como arguição da inconstitucionalidade e é assim fundamento de recurso” Cfr anota ção39, pág. 45 in Breviário de Direito
Processual Constitucional, 2ª edição, Coimbra editora, 2002.
Ora,
17.
Foi precisamente o que se verificou, quando em sede de recurso para o STJ o requerente invocou “ . . .foi erradamente valorada, tendo o tribunal omitido diligência que se reputa de fundamental para a descoberta da verdade material... “.
Mas,
18.
Ainda que assim não se entenda o que só por mera hipótese académica e de raciocínio se admite, sempre se dirá que,
19.
A situação em apreço enquadra um caso anómalo em que o Requerente se viu confrontado com uma situação de aplicação e interpretação normativa para formação da convicção do julgador, de todo imprevista e inesperada.
20.
Pelo que não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal “a quo”.
21.
Isto porque nunca o requerente considerou ser possível que o Tribunal fundasse a sua convicção em tal preceito legal (art. 160º C.P.P).
22.
Nestes casos, a impugnação da norma em questão, deve ser feita, no momento mais próximo da decisão e esse momento surge com o requerimento de interposição de recurso apresentado.
23.
Temos assim que, também o segundo requisito se encontra preenchido tanto para o art. 271° n°8 C.P.P, como para o art. 160º C.P.P.
III-. IMPOSSIBILIDADE DE RECURSO ORDINÁRIO.
24.
Quanto a este a Decisão Sumária nada refere.
25.
Mas diga-se, por uma questão de coerência de discurso escrito que o mesmo se encontra também preenchido pois foram utilizados todos os meios de recurso que o caso em apreço permitia.
Assim,
26.
Estão preenchidos todos os requisitos necessários para que o Requerimento de interposição de Recurso obtenha deferimento,
Pois,
27.
Contém o Requerimento as normas cuja Inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie, indica-se a alínea do n°1 do art. 70° LTC, bem como o principio constitucional que se considera violado, e que no caso é o art.32° n°1 e 5 da CRP, e as peças em que o Recorrente suscitou a questão da Inconstitucionalidade.
CONCUSÕES.
A) A Decisão Sumária que decidiu não conhecer do objecto do Recurso, salvo o devido respeito, é merecedora de reparo
B) O Requerimento de Recurso apresentado foi devidamente fundamentado, obedecendo a todos os requisitos necessários, conforme é de lei
C) As normas jurídicas, objecto do recurso apresentado foram aplicadas como “ratio decidendi” da decisão recorrida
D) A questão da inconstitucionalidade foi suscitada de modo processualmente adequado e tempestivo, na motivação e nas conclusões do recurso penal ordinário interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra, bem como para o Supremo Tribunal de Justiça
E) A decisão recorrida não é passível de recurso ordinário.
F)De facto, o que se requer desse Venerando Tribunal é que se pronuncie sobre a inconstitucionalidade material das normas dos arts. 271° n°8 e 160.º ambos do CPP.
G) Foram violados os mais elementares Princípios Constitucionais do Arguido consagrados na Lei, nomeadamente o art. 32 da Constituição da República Portuguesa.
H) Bem como foram violados os art. 11 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e ainda o art. 6° da Convenção Europeia de Direitos do Homem
I) Em momento algum do Recurso apresentado pretende o Requerente que se tome posição quanto à Decisão tomada.
J) O Recurso apresentado tem por finalidade que, sejam objecto de controle por esse Venerando Tribunal, os critérios normativos em questão ( art.271° n°8 e 160° C.P.P), dotados de generalidade e abstracção, susceptíveis de serem invocados e aplicados a uma pluralidade de situações concretas.
K) Considera-se que a interpretação e aplicação dada pelo Tribunal “a quo”, viola os art. 271° n°8 e 160º do C.P.P, art. 32° da CR, art. 11 da DUDH e ainda art.6° Da ConvençãoEuropeia de Direitos do Homem.
Termos em que deve ser dado provimento à presente Reclamação e em consequência.
1. O Venerando Tribunal Constitucional conhecer do Recurso apresentado.
2. O Acórdão proferido pelo tribunal “a quo” ser anulado porque ilegal, por violação do art. 271° n°8 e 160º do C.P.P, art. 32° da CRP, art. 11° da DUDH e ainda art. 6° da Convenção Europeia de Direitos Do Homem.
Assim se fazendo justiça!»
4. O representante do Ministério Público, notificado da presente reclamação, veio responder-lhe nos seguintes termos (fls. 2724 e 2725):
«1º
Quanto à questão de inconstitucionalidade da norma do n° 8 do artigo 271° do CPP, parece-nos evidente que, pela simples leitura do requerimento de interposição do recurso, se conclui que não está em causa qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, sendo certo que também foi dessa mesma forma que tal matéria foi abordada na motivação do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.
2°
Efectivamente, como bem se diz na Decisão Sumária, o recorrente discorda é da decisão das instâncias, incluindo o Supremo Tribunal de Justiça, que dispensaram a assistente de comparecer segunda vez em julgamento.
3º
Quanto á norma do artigo 160º do CPP, também não vem enunciada uma questão de inconstitucionalidade normativa, ao que acresce que tal norma apenas vem referida no requerimento de interposição do recurso.
4º
Na verdade, tendo a matéria em causa sido tratada pelo Supremo Tribunal de Justiça sensivelmente nos mesmos moldes que havia feito a Relação, o recorrente nunca poderia invocar surpresa, a fim de estar dispensado do ónus de suscitação prévia.
5º
Por outro lado, caberia sempre ao recorrente explicar porque entende que a interpretação era inesperada, surpreendente ou insólita, o que não fez, nem no requerimento de interposição do recurso, nem sequer na reclamação agora apresentada.
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
II - Fundamentos
5. Como resulta dos argumentos expendidos na reclamação, e do seu confronto com os fundamentos em que se abona a decisão sumária reclamada, o reclamante não logrou refutar a correcção do juízo efectuado acerca da verificação de tais fundamentos.
No caso do artigo 271.º, n.º 8, do Código Processo Penal (CPP), bem como no do artigo 160.º do CPP, no pedido está apenas em causa uma apreciação fáctico-concreta dos elementos de decisão do tribunal e não a sindicância de um critério normativo a se. Ora, como se escreveu, v.g., no Acórdão n..º 328/07, deste Tribunal:
«o objecto da fiscalização jurisdicional de constitucionalidade são, pois, apenas normas jurídicas, não podendo o Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre uma (eventual) “inconstitucionalidade da decisão judicial”, como, de resto, tem sido unanimemente acentuado pela jurisprudência deste Tribunal – cf., entre muitos nesse sentido, o Acórdão n.º 199/88, publicado no DR II Série, de 28 de Março de 1989.
Por isso se reconhece que os recursos de constitucionalidade, embora interpostos de decisões de outros tribunais, visam controlar o juízo que nelas se contém sobre a violação ou não violação da Constituição por normas mobilizadas na decisão recorrida como sua ratio decidendi ou como seu fundamento normativo, não podendo visar as próprias decisões jurisdicionais, identificando-se, nessa medida, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objecto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objecto de tal recurso – cf., nestes exactos termos, o Acórdão n.º 361/98 e, entre muitos outros, os Acórdãos n.os 286/93, 336/97, 702/96, 336/97, 27/98 e 223/03, todos disponíveis para consulta em www.tribunalconstitucional.pt.
E isto é assim, desde logo, porque a nossa Constituição não configurou o recurso de constitucionalidade como um recurso de amparo – ou de «queixa constitucional» (Verfassungsbeschwerde, staatsrechtliche Beschwerde) – no âmbito do qual fosse possível sindicar qualquer lesão dos direitos fundamentais, aí se incluindo a possibilidade de conhecer, nesse âmbito, do mérito da própria decisão judicial sindicanda.
Daí dizer-se, pois, que a “violação dos preceitos constitucionais”, imputada directamente ao acto de concreta aplicação do direito, e não aos preceitos legais aplicados pelas instâncias, não densifica nem traduz um problema de constitucionalidade normativa susceptível de ser apreciado por este Tribunal.
De facto, uma coisa é reportar a inconstitucionalidade à concreta decisão considerada como resultado de um momento de aplicação dos preceitos legais – a isso se reconduzindo as situações em que “embora sob a capa formal da invocação da inconstitucionalidade de certo preceito legal tal como foi aplicado pela decisão recorrida - o que realmente se pretende controverter é a concreta e casuística valoração pelo julgador das múltiplas e específicas circunstâncias do caso sub judicio (…); [designadamente] a adequação e correcção do juízo de valoração das provas e fixação da matéria de facto provada na sentença (...) ou a estrita qualificação jurídica dos factos relevantes para a aplicação do direito […];” (cf. CARLOS LOPES DO REGO, «O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional», in Jurisprudência Constitucional, 3, p. 8) –, outra, radicalmente diferente, é imputar à norma esse vício, identificando e isolando o critério jurídico que aquela aplicação projecta, como momento normativo, numa dada factualidade».
Em nenhum dos dois casos enunciados (artigo 271.º, n.º 8, do CPP, e artigo 160.º, do CPP) o agora reclamante logrou identificar e isolar um critério normativo, geral e abstracto, por um lado, e que, por outro lado, tivesse constituído ratio decidendi do caso sub judicio, (e neste caso, desde logo, porque o que se identifica como critério «normativo», não o é), antes controvertendo a casuística valoração do julgador no caso concreto, e isto embora o pedido utilizasse a fórmula «pretende (ainda) o recorrente ver apreciada pelo Tribunal Constitucional a norma do artigo (…) interpretada no sentido de que (…)».
Relativamente ao invocado quanto ao artigo 160.º do CPP, também não tem razão o Reclamante, quando sustenta haver cumprido o ónus da suscitação prévia, pretendendo demonstrá-lo com a passagem do seu recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) « …foi erradamente valorada, tendo o tribunal omitido diligência que se reputa de fundamental para a descoberta da verdade» (fls. 2719, relativa à Reclamação), passagem que, aliás, se inicia pela expressão «a prova», tendo sido esta, segundo sustenta o Reclamante, a ser erradamente valorada (fls. 2544, relativa ao Recurso). Excerto que só reforça a falta de carácter normativo do objecto do pedido.
Não colhe, igualmente, o argumento relativo ao artigo 160.º do CPP, invocado pelo Reclamante, de que «a situação em apreço enquadra um caso anómalo em que o Requerente se viu confrontado com uma situação de aplicação e interpretação normativa para formação da convicção do julgador, de todo imprevista e inesperada», «pelo que não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal “a quo”» (fls. 2719). Como escreveu, com razão, o Ministério Público, «tendo a matéria sido tratada pelo Supremo Tribunal de Justiça sensivelmente nos mesmos moldes que havia feito a Relação, o recorrente nunca poderia invocar surpresa, a fim de estar dispensado do ónus de suscitação prévia»; «por outro lado, caberia sempre ao recorrente explicar porque entende que a interpretação era inesperada, surpreendente ou insólita, o que não fez, nem no requerimento de interposição do recurso, nem sequer na reclamação agora apresentada» (fls. 2725). Que o Reclamante tinha, no momento do recurso para o STJ, consciência da importância deste artigo, também já o aferira a Decisão Sumária agora reclamada. Por essa razão se havendo, então, afastado a possibilidade de invocação de «decisão-surpresa» por parte do ali recorrente, verificação que agora se reitera. Assim, o Reclamante não cumpriu o ónus de suscitação prévia de uma questão de inconstitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, a que estava obrigado nos termos do artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da Republica Portuguesa (CRP), e o artigo 72.º, n.º 2, da LTC.
Em face do exposto, reafirmando a fundamentação constante da decisão reclamada, resta apenas concluir pela impossibilidade de conhecer do objecto do recurso e, em consequência, pelo indeferimento da reclamação da decisão sumária proferida nestes autos a 25 de Maio de 2010 apresentada pelo reclamante.
III - Decisão
8. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão sumária reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
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