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Processo n.º 279/10
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A., Lda., inconformada com a decisão sumária proferida em 27 de Maio de 2010, pela qual se determinou o não conhecimento do recurso de constitucionalidade que havia tentado interpor, vem dela reclamar dizendo o seguinte:
“[…]
1 — QUESTÃO PRÉVIA: DA ANTECIPAÇÃO POR UMA DECISÃO SUMÁRIA VERDADEIRAMENTE CONTRADITÓRIA E ‘SURPRESA’ OU SUPREENDENTE
A presente decisão sumária, muito embora o mais profundo e veemente respeito que o recorrente nutre pela jurisdição constitucional, é, indubitável e verdadeiramente, inimiga dos direitos fundamentais dos cidadãos — maxime, da aqui recorrente —, já que, na dúvida, sobre a existência de uma correcta suscitação da questão de constitucionalidade, adere-se, sempre, à tese afastadora ou de preclusão da admissibilidade do recurso, quando a dúvida — sobre a existência ou não de correcta suscitação da questão de constitucionalidade — deveria funcionar em bona partem em favor da defesa e afirmação dos direitos fundamentais.
A presente decisão sumária é, contra tudo o que se esperava, uma decisão ‘surpresa’ e surpreendentemente confrangedora já que se afigura contraditória ao admitir, a certo passo, que o recorrente suscitou uma questão de constitucionalidade mas, logo de seguida, afastando a recorrente dos caminhos que levariam à jurisdição constitucional.
[…] verifica-se que, salvo o devido e muito merecido respeito pelo Juiz-Conselheiro relator, a posição subscrita na DECISÃO SUMÁRIA está longe de colher unanimidade ‘dentro e fora de portas’, ao nível doutrinário e jurisprudencial. Desta forma, não nos restam dúvidas de que a presente Decisão Sumária, mau grado o devido e merecido respeito pelo Venerando e Colendo Juiz-Conselheiro relator, é um mostruário de uma típica decisão subscritora da ‘Doutrina do Plano Inclinado’ (DPI). Não tenhamos dúvidas, não há, verdadeiramente, em Portugal, ‘correntes jurisprudenciais’, já que não se publicam todas as decisões e as decisões que se publicam não são publicitados os critérios que presidem à sua publicidade. Pretende-se actualidade a uma decisão do Tribunal Constitucional, com 21 anos, fazendo míngua ou apoucando a valia das revisões constitucionais intercorridas. Tudo em colagem férrea e estreita ao que se vem designando por Doutrina do Plano Inclinado que poupa esforço temporal e intelectual.
1— Na decisão sumária, no Ponto 6.1. pode ler-se:
[…]
De facto, a questão foi suscitada, perante o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
[…]
Fica claro, assim que:
1.º A decisão recorrida, ao não admitir o recurso para o STJ, aplicou, de forma implícita, a norma em causa, já que, no presente caso, não se afigura possível, da Relação para o STJ, efectuar qualquer recurso. Ora,
2.° Questionou-se o artigo 73.° do RGCO à luz do princípio da plenitude das garantias de defesa e, nomeadamente, da do duplo grau de recurso ínsita no artigo 32.°, n.° 2, da CRP 1976.
3.° O problema da constitucionalidade não podia ser suscitado, junto do Tribunal da Relação, visto que somente após decisão daquela instância e inadmissibilidade junto do STJ é que o problema se viria a colocar.
II— Na decisão sumária, no Ponto 6.2. pode ler-se:
[…]
Salvo o devido e merecido respeito, não se pode concordar com tal interpretação e decisão (sumária) já que:
De facto, a questão foi suscitada, perante o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
[…]
Fica claro, assim que:
1.º Contrariamente ao que refere o Juiz-Conselheiro relator, a recorrente suscitou, de forma processualmente correcta, a inconstitucionalidade do artigo 58.°, do RGCO, quando interpretado no sentido de que, em matéria contraordenacional, se exige um menor cuidado ou esforço de fundamentação.
2.° Tal concepção está latente à decisão do Tribunal da Relação de Évora, visto que não só não fundamentou de forma cabal como o fez por via remissiva.
3.° O entendimento de que sobre as partes, no âmbito da Jurisdição Constitucional, recai o ónus de considerarem as várias possibilidades interpretativas das normas que se pretendem socorrer, e de adoptarem, em face delas as necessárias cautelas processuais (por outras palavras, o ónus de definirem e conduzirem uma estratégia processual adequada), não se contém nas exigências dos artigos 70.°, n.° 1, b), 75.°-A, n.° 5, da LOTC, pelo que manifestamente contende com o artigo 280.º, n.° 1, alínea b), da CRP 1976, sendo desproporcionada, ilegal e inconstitucional tal exigência.
III — Na decisão sumária, no Ponto 6.3. pode ler-se:
[…]
Salvo o devido e merecido respeito, não se pode concordar com tal interpretação e decisão (sumária) já que:
De facto, a questão foi suscitada, perante o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
[…]
Fica claro, assim que:
1.º É falso que a recorrente não tenha suscitado de modo processualmente adequado a inconstitucionalidade, material e orgânica, do Aviso n.° 24/2007, emitido pela Direcção Geral dos Assuntos Europeus, em 1 de Fevereiro de 2007, à luz do disposto no artigo 165.°, n.° 1, alínea b), 15.°, n.° 1, 7.°, n.° 6, 8.°, n.º 4, da CRP, Lei de autorização n.° 22, de 21 de Agosto, e artigos 198.°, n. 1 e 2, da Lei n.º 23/2007, já que configura uma restrição à livre circulação búlgaros e romenos, em matéria de acesso e exercício efectivo de/a uma profissão num país do espaço da União Europeia — Portugal —, para efeitos do disposto no artigo 3.°, alínea g), da Lei n.° 23/2007, de 4 de Julho.
2.° Também se afigura censurável a tese segundo a qual o recorrente não pode, em sede de despacho de aperfeiçoamento, complementar e abrir a via da «suscitação processualmente adequada» da inconstitucionalidade, à luz do disposto nos artigos 75.°-A, n.° 5 e 79.°-C, da LOTC.
3.° A recorrente identificou, de modo processualmente adequada, o critério normativo em sede de resposta ao despacho-convite, sendo também esse um momento adequado para o preenchimento dos pressupostos do recurso de constitucionalidade, não o sendo apenas no prazo antes de proferida a decisão final das instâncias. Deste modo, o não conhecimento partiu de uma não suscitação de questão de constitucionalidade normativa durante o processo que, verdadeiramente, não existiu, O Juiz-Conselheiro relator leu a norma de forma apertada quando, na verdade, nesta matéria, como no âmbito dos direitos fundamentais, o ‘amparo constitucional’ deve ter a expressão mais abrangente, devendo privilegiar-se uma interpretação mais ampla, sob pena de ilegalidade e inconstitucionalidade por violação dos artigos 75.°-A, n.° 5, da LTOC, e 280.°, n.° 1, alínea b), da CRP 1976.
IV — Na decisão sumária, no Ponto 6.4. pode ler-se:
[…]
Salvo o devido e merecido respeito, não se pode concordar com tal interpretação e decisão (sumária) já que:
De facto, a questão foi suscitada, perante o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
[…]
Fica claro, assim que:
1.º O que está em causa é, obviamente, a violação do princípio da lei penal mais favorável, no caso de sucessão de leis penais no tempo, por concretamente um dado regime ser mais favorável relativamente a outro.
2.° O Tribunal da Relação de Évora violou o normativo constitucional (artigo 29.°, n.° 4, da CRP), já que inaplicou o regime mais favorável, naquela sucessão de leis, nos termos em que se explicitou.
3.° Para avaliar da violação do princípio da lei penal mais favorável, o Tribunal Constitucional tem, forçosamente, de efectuar uma análise de cada um dos regimes legais e do caso concreto, visto que a análise há-de ser efectuada em «concreto» e não em abstracto. Assim não o tendo feito, denegou a justiça constitucional de forma ilegal e inconstitucional (artigos 20° e 29.°, n.° 4, da CRP).
V — Na decisão sumária, no Ponto 6.5. pode ler-se:
[…]
Salvo o devido e merecido respeito, não se pode concordar com tal interpretação e decisão (sumária) já que:
De facto, a questão foi suscitada, perante o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
[…]
Fica claro, assim que:
1..º Contrariamente ao expandido, na argumentação do Juiz-Relator, verifica-se que o recorrente suscitou a inconstitucionalidade do artigo 7.°, n.° 2, do RGCO, já que contende com o princípio da culpa, pessoalidade e intransmissibilidade da responsabilidade criminal e contra-ordenacional, já que a imputação da responsabilidade criminal não pode abdicar da comprovação de o legal representante ter agido no âmbito das suas funções de representação, sob pena de tal responsabilidade não poder ser assacada à pessoa colectiva.
VI— Na decisão sumária, no Ponto 6.6. pode ler-se:
[…]
Salvo o devido e merecido respeito, não se pode concordar com tal interpretação e decisão (sumária) já que:
De facto, a questão foi suscitada, perante o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
[…]
Fica claro, assim que:
1.º O legislador não pode indexar, um dos elementos de um tipo legal de crime ou das contra-ordenações, a uma actualização automática, sem que haja uma intervenção legislativa qualificada. Ora, perante isto, questionou-se o automatismo da alteração dos valores das contra-ordenações, fora do contexto dos artigos 1.º, 2°, 9.°, alínea b), e 29.°, n.° 1, e artigos 165.°, n.° 1, alínea c), da CRP 1976).
2.° O Governo não pode, em matéria criminal ou contra-ordenacional, sem prévia autorização da Assembleia da República, efectuar actualizações ou aumentos das penas ou coimas, já que isso seria esvaziar aqueloutra reserva legislativa.
[…]”
2. A decisão reclamada, proferida após convite, para identificar as normas questionadas, e no que ora importa, tem o seguinte teor:
“5. Entende-se ser de proferir decisão sumária ex vi artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos necessários ao conhecimento do recurso, na medida em que o despacho de admissão do mesmo, proferido pelo tribunal a quo, não vincula este Tribunal (cfr. artigo 76.º, n.º 3, daquele diploma).
5.1. O recurso de constitucionalidade que a Recorrente pretendeu interpor pressupõe a suscitação de questão de constitucionalidade normativa durante o processo, nos termos dos artigos 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, e 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC. Significa isto que o recorrente deve lograr enunciar, durante o processo, o critério normativo extraído do preceito ou preceitos legal em causa, em termos de generalidade e abstracção de modo a que o mesmo se apresente totalmente destacado das particularidades e especificidades da concreta situação em causa. Tal suscitação deve ainda ter ocorrido de modo processualmente adequado (cfr. artigo 72.º, n.º 2, da LTC). Suscitar a questão de constitucionalidade normativa em moldes processualmente adequados implica que o recorrente enuncie o sentido atribuído ao preceito legal ou bloco normativo que reputa inconstitucional e que pretende ver apreciado no recurso de fiscalização concreta, e, adicionalmente, que aduza, de modo claro, ainda que sucinto, as razões que justificariam, in casu, um juízo de inconstitucionalidade.
6. Vejamos então em que moldes se consta a ausência dos pressupostos essenciais ao conhecimento do recurso:
6.1. Relativamente à questão suscitada a propósito do artigo 73.º do RGCO, verifica-se que tal norma não foi sequer aplicada pela decisão recorrida, não podendo, portanto, a questão ser conhecida.
6.2. Quanto à inconstitucionalidade do artigo 58.º, alínea b) do RGCO ‘no entendimento subscrito pelo Tribunal da Relação de Évora segundo o qual, em processo contra-ordenacional, a sentença/acórdão não justifica uma fundamentação tão apertada como a que se impõe no processo criminal’: na motivação que apresentou do recurso interposto da decisão proferida em 1.ª instância, a Recorrente não enunciou qualquer critério normativo a este propósito, limitando-se a invocar a ‘inconstitucionalidade da interpretação judicial que refere que a fundamentação é menos exigente (…)’, sem a imputar, no entanto, enunciando-a nos devidos moldes normativos, a qualquer preceito legal. Nem se diga que a aplicação do artigo 58.º, alínea b) do RGCO no sentido que lhe foi atribuído pela Relação configura uma decisão-supresa para efeitos de dispensa do ónus de suscitação atempada da questão de constitucionalidade. Ora, para que uma decisão possa ser qualificada como ‘decisão-supresa’ de modo a considerar-se o recorrente constitucional dispensado do ónus de suscitação atempada (i.e. durante o processo) da questão de constitucionalidade, é necessário que a aplicação do preceito em causa – ou a aplicação do preceito numa determinada interpretação – surja como absolutamente inesperada e imprevisível de um ponto de vista objectivo. Competia ao Recorrente antecipar a aplicação de tal preceito naquele sentido na medida em que o mesmo resulta já de outra jurisprudência anterior cujo conteúdo não pode o mesmo desconhecer (cfr., nomeadamente, a que é citada pela decisão recorrida). Neste sentido se tem vindo a pronunciar, de modo reiterado, a jurisprudência constitucional. Como se afirmou, por exemplo, no Acórdão n.º 479/89, publicado no Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 1992, ‘(…) desde logo terá de ponderar-se que não pode deixar de recair sobre as partes em juízo o ónus de considerarem as várias possibilidades interpretativas das normas de que se pretendem socorrer, e de adoptarem, em face delas, as necessárias cautelas processuais (por outras palavras, o ónus de definirem e conduzirem uma estratégia processual adequada). E isso – acrescentar-se-á também logo mostra como a simples ‘surpresa’ com a interpretação dada judicialmente a certa norma não será de molde (ao menos, certamente, em princípio) a configurar uma dessas situações excepcionais (voltando agora à nossa questão) em que seria justificado dispensar os interessados da exigência de invocação ‘prévia’ da inconstitucionalidade perante o tribunal a quo.’ (sublinhado nosso) Não pode, portanto, esta questão ser conhecida na medida em que a questão de constitucionalidade não foi suscitada durante o processo, pressuposto cujo preenchimento era exigível à Recorrente.
6.3. No que se refere à questão suscitada a propósito do Aviso n.º 24/2007, emitido pela Direcção-Geral dos Assuntos Europeus em 1 de Fevereiro de 2007, e publicado no Diário da República, I Série, de 22 de Fevereiro de 2007, alegando-se inconstitucionalidade material e orgânica do referido documento, constata-se que, durante o processo, não se invoca qualquer inconstitucionalidade normativa. Com efeito, a Recorrente limitou-se a invocar a ‘inconstitucionalidade do Aviso 24/2007 de 01 de Fevereiro de 2007 por força do reforço do ‘bloco de constitucionalidade’ em matéria de direitos fundamentais ex vi artigos 8.º e 16.º da CRP e artigo 5.º, n.º 2 da CEDH e artigos 2, 10.º e 11.º da DUDH, como padrão de aferição da constitucionalidade das normas infra-constitucionais’, sustentando, seguidamente, que a decisão não a havia absolvido relativamente aos onze cidadãos oriundos de outros Estados-membros, sem curar de enunciar o critério normativo inerente ao instrumento em causa e, adicionalmente, de justificar as inconstitucionalidades invocadas. Não obstante existir a tentativa de identificação desse critério normativo em sede de resposta ao despacho-convite – e independentemente da mesma ter sido formulada com sucesso ou não – o certo é que não é esse o momento adequado para o preenchimento de pressupostos que deve ocorrer durante o processo, isto é, antes de proferida a decisão final das instâncias. Deste modo, o não conhecimento impõe-se dada a não suscitação de questão de inconstitucionalidade normativa durante o processo.
6.4. Quanto à questão invocada a propósito dos artigos 91.º, alínea b), da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, e 144.º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro: não se configura aqui qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Com efeito, tanto resposta ao despacho-convite como na motivação que foi apresentada para a Relação, a Recorrente limita-se a sustentar qual o regime que, em seu entender, se apresentaria em concreto como o mais favorável, o que demonstra que, neste aspecto, a inconstitucionalidade não é verdadeiramente imputada a qualquer norma ou dimensão normativa mas sim ao juízo judicial concreto que procedeu à escolha e aplicação do regime jurídico aos factos. Tal não integra, como se sabe, objecto possível de um recurso de constitucionalidade que, no nosso sistema, se apresenta como uma mecanismo de fiscalização exclusiva de normas ou critérios normativos. Novamente se impõe a decisão de não conhecimento face à ausência de suscitação de questão normativa de inconstitucionalidade durante os autos.
6.5. Relativamente à inconstitucionalidade do artigo 7.º, n.º 2 do RGCO, ‘interpretado no sentido de se bastar com a ‘ficção’ objectiva da simples existência da qualidade de ‘representante legal’ ou titular de um órgão da pessoa colectiva, com desnecessidade de se comprovar a actuação ‘no exercício das funções’ do legal representante da sociedade comercial’: uma vez mais se constata que não ocorreu, a este propósito, qualquer suscitação atempada de questão de constitucionalidade normativa. O que a Recorrente se limitou a invocar, no recurso para a Relação, foi a ‘não comprovação do domínio material do facto por parte do legal representante da arguida” e o “erro na determinação da responsabilidade da pessoa colectiva’. Não enunciou, no entanto, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa referida ao artigo 7.º, n.º 2 do RGCO. Tal como nos pontos anteriores, impõe-se aqui igualmente concluir pelo não conhecimento face à não suscitação atempada de inconstitucionalidade normativa.
6.6. Por último, no que se toca à ‘inconstitucionalidade orgânica da actualização automática dos valores constantes das contra-ordenações consagradas nos Decretos-Leis n.ºs 244/98 de 8 de Agosto (e alterado pelo Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro)’: uma vez mais, constata-se que esta questão não foi suscitada em moldes processualmente adequados, não tendo a Recorrente, nomeadamente, indicado as razões que, em seu entender, ferem o referido diploma de inconstitucionalidade. Não pode assim a questão ser conhecida dado que não houve invocação da mesma em moldes processualmente adequados.
3. O Exmo. Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A reclamação deduzida carece manifestamente de fundamento. Com efeito, a argumentação da Reclamante em nada abala a fundamentação da decisão sumária reclamada. O conhecimento de recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, como sucede nos autos, depende da prévia verificação de vários requisitos previstos na Constituição e na Lei. A admissibilidade do recurso de constitucionalidade exige o escrupuloso cumprimento, por parte do recorrente, dos referidos requisitos, que surgem assim como ónus processuais. O seu incumprimento tem como consequência única a impossibilidade de conhecimento do recurso, consequência esta que apenas àquele pode ser assacada.
5. Sustenta a Reclamante que a decisão sumária impugnada padece de ilegalidade, sendo “injusta” e “inconstitucional”, ao determinar o não conhecimento do recurso. Mas não lhe assiste razão. Injusta seria, e ilegal, se fizesse tábua rasa da não observância dos requisitos essenciais, conhecendo do objecto de um recurso que, nos termos da Constituição e da lei, não preenche os pressupostos necessários de modo a habilitar a emissão de uma decisão de mérito.
6. Por outro lado, sustenta igualmente a Reclamante que, existindo dúvida sobre a verificação dos pressupostos, deve o Tribunal “beneficiar” o recorrente, optando por conhecer do recurso. Sucede, ainda que se assim devesse ser, o que não se concede, não se verifica, em concreto, qualquer dúvida quanto à não verificação dos referidos pressupostos, tratando-se, ao invés, de matérias que encontram eco unânime na jurisprudência constitucional, ao contrário do que vem afirmado.
6.1. Assim, no que toca ao artigo 73.º do RGCO, reitera-se que este preceito não foi sequer aplicado pela decisão recorrida. Ora, nos termos dos artigos 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição e 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional “das decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.” Nem existe qualquer “aplicação implícita”. Só se a Reclamante tivesse tentado interpor recurso para o STJ – o que não fez – se poderia falar numa provável aplicação do referido preceito. Não o tendo feito, não pode agora pretender confundir “aplicação implícita” com a aplicação hipotética do preceito caso a sua estratégia processual tivesse sido outra.
6.2. Do mesmo modo, a questão de constitucionalidade relativa ao artigo 58.º, n.º 1, alínea b), do RGCO não foi suscitada durante o processo, como exigem os já referidos artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição e 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, surgindo apenas no requerimento de recurso. Adiante-se ainda que não estão preenchidos os requisitos para se entender que a decisão da Relação constitui, in casu, uma decisão-surpresa que exonera o recorrente do ónus da suscitação atempada e antecipada da questão de constitucionalidade, cabendo àquele o ónus de adoptar uma estratégia processual cuidada e preventiva. É neste cuidado, que não foi observado pela Reclamante, que acabam por confluir os requisitos do recurso de constitucionalidade.
6.3. No que toca às invocadas inconstitucionalidades do Aviso n.º 24/2007, emitido pela Direcção-Geral dos Assuntos Europeus, em 1 de Fevereiro de 2007, não obedeceram as mesmas ao pressuposto imposto pelo artigo 72.º, n.º 2, da LTC, na medida em que não foram objecto de suscitação de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida. Designadamente, não logrou a Reclamante, perante a Relação, identificar o critério normativo inerente a tal Aviso o qual, integrando o fundamento da decisão (proferida e a proferir), se encontraria ferido de inconstitucionalidade. Trata-se de pressuposto do recurso que não deve ser confundido com mero elemento formal do requerimento que visa a interposição daquele. O que significa, por conseguinte, que se deve encontrar satisfeito uma vez proferida a decisão final e antes de interposto o recurso de constitucionalidade, cujo requerimento é imprestável para dar cumprimento a ónus processuais cuja observância se impõe em momento anterior.
6.4. Relativamente ao artigo 91.º, alínea b), da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, por referência ao parâmetro constitucional da aplicação da lei penal mais favorável à data da prática dos factos, verifica-se, como consta da decisão reclamada, que a Reclamante se limita a discordar da decisão da Relação no que toca à qualificação do que será o regime mais favorável, não configurando tal questão, obviamente, um problema normativo, e sim um juízo decisório concreto cujo controlo escapa ao objecto de qualquer recurso de constitucionalidade no nosso sistema. Se é certo que seria possível equacionar a este propósito uma questão normativa, certo é também que a Reclamante não o fez. Tal falha, por conseguinte, a ela imputável, resulta no não conhecimento da questão.
6.5. No que se refere ao artigo 7.º, n.º 2 do RGCO, é igualmente patente que não se verificou a suscitação de qualquer inconstitucionalidade normativa durante o processo, tendo a mesma ocorrido apenas perante este Tribunal o que, como já se viu, é extemporâneo.
6.6. Por fim, e no tocante à invocada “inconstitucionalidade orgânica da actualização dos valores constantes das contra-ordenações consagradas nos Decretos-Leis n.º 244/98, de 8 de Agosto (e alterado pelo Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro)”, conclui-se que a questão não foi suscitada de modo adequado perante o tribunal a quo, não podendo valer, como pretende a Reclamante, para efeitos de preenchimento dos pressupostos do recurso, o que foi apresentado já neste Tribunal.
Reitera-se pois, o já decidido na decisão sumária.
III – Decisão
7. Assim, acordam, em conferência, indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido de não tomar conhecimento do recurso.
Custas pela Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 29 de Junho de 2010
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos
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