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Processo n.º 409/2010
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. reclama, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do despacho de 1 de Março de 2010 que não admitiu, por extemporaneidade, o recurso que interpôs para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23 de Novembro de 2009, que manteve as penas que lhe foram impostas em 1.ª instância pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
Alega o seguinte:
“(…)
O reclamante veio apresentar recurso para o Tribunal Constitucional, tendo para o efeito, contado o prazo a partir do momento da notificação ao arguido do douto acórdão proferido por este Tribunal da Relação, por lhe ter sido notificado em data posterior aquela que foi notificado o signatário.
De facto, perante o disposto no art.º 425º n.º 6 existe a obrigatoriedade da notificação do acórdão proferido pela Relação ao arguido enquanto recorrente.
Ora, sendo a notificação ao recorrente obrigatória, isso significa que não pode ser efectuada unicamente ao defensor, com todas as consequências daí decorrentes, nomeadamente a do início da contagem do prazo, para efeitos de interposição de recurso nos termos do art.º 113º n.º 9 do CPP.
Por outro lado, da interpretação conjugada e sistemática do disposto nos art.ºs 113º n.º 9 e 425º n.º 6 do CPP, tendo como “pano de fundo” a obrigatoriedade da notificação ao arguido do acórdão proferido pela Relação, terá de ser interpretando em sentido lato o termo sentença a que se refere o art.º 113º n.º 9 e por conseguinte o prazo para recurso deve ser contado a partir da data da notificação ao arguido da decisão recorrida.
A interpretação dos art.ºs 113º n.º 9 e 425º n.º 6 do CPP no sentido de que o prazo para recurso de decisão proferida pela Relação conta-se a partir da notificação da decisão ao defensor é inconstitucional por violação do n.º 1 do art.º 32 da Constituição.
Termos em que respeitosamente se requer seja o caso submetido à conferência para sobre ele recair acórdão, que revogando o despacho recorrido, ordene se siga a posterior tramitação.
O Ministério Público responde que a reclamação é improcedente, em síntese, por dever aplicar-se a regra de que o prazo de interposição de recurso de decisões dos tribunais superiores se conta a partir da notificação da decisão ao advogado constituído, quando não seja questionado o cumprimento pelo mandatário do dever de comunicá-la ao arguido, conforme se retira do decidido nos acórdãos n.º 512/2004, 275/2006 e 399/2009, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.
2. Para decisão da reclamação, relevam os factos e ocorrências processuais seguintes:
a) O ora recorrente foi condenado por sentença do Tribunal Judicial de Guimarães, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 6 meses de prisão, a cumprir por dias livres em 36 períodos de privação de liberdade correspondentes a fins de semana, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 2 anos;
b) Interpôs recurso dessa sentença para o Tribunal da relação de Guimarães, sendo representado por advogado, a quem outorgou procuração para o efeito;
c) Por acórdão de 23 de Novembro de 2009, o recurso foi julgado improcedente;
d) O recurso foi julgado em conferência e o acórdão depositado na secretaria na mesma data;
e) O acórdão foi notificado ao advogado constituído, na qualidade de mandatário do arguido, por carta registada enviada para o seu escritório, em 24 de Novembro de 2009;
f) Baixando o processo ao tribunal de 1ª instância, foi emitida guia de apresentação no estabelecimento prisional para cumprimento da pena, que foi entregue ao arguido, em 23 de Novembro de 2009, através da autoridade policial, com notificação das consequência do incumprimento e simultânea entrega de cópia da sentença e do acórdão condenatórios;
g) O arguido interpôs recurso do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães referido em c) mediante requerimento apresentado em 28 de Janeiro de 2010;
h) Em 1 de Março de 2010, foi proferido despacho a não admitir o recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento em extemporaneidade, considerando que o prazo é de 10 dias e se conta da data da notificação da decisão recorrida que, tratando-se de acórdão de um tribunal superior proferido em via de recurso, foi válida e suficientemente efectuada ao arguido na pessoa do respectivo mandatário constituído em 27 de Novembro de 2009.
3. Circunscrevendo o âmbito problemático ao que é estritamente relevante para a presente reclamação, importa decidir se o curso do prazo de interposição de recurso de constitucionalidade previsto no artigo 75.º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC), relativamente a decisões dos tribunais superiores proferidas em via de recurso em processo penal, exige a notificação pessoal do acórdão ao arguido ou se para o efeito basta a notificação na pessoa do mandatário constituído. Na segunda hipótese, importa apreciar se o n.º 9 do artigo 113.º em conjugação com o n.º 6 do artigo 425.º do Código de Processo Penal, com essa interpretação, viola o disposto no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição.
Quanto a este último aspecto da questão deve notar-se que, embora a reclamação prevista no n.º 4 do artigo 76.º e regulada no artigo 77.º da LTC não seja via para submeter a julgamento uma questão de inconstitucionalidade, o Tribunal Constitucional está, como qualquer tribunal, vinculado pelo artigo 204.º da Constituição. Consequentemente, a questão de constitucionalidade das normas que deva aplicar para decidir a reclamação pode ser suscitada pelas partes e deve ser apreciada pelo Tribunal, para esse fim.
4. A questão que na presente reclamação se coloca já foi apreciada pelo Tribunal em sentido desfavorável à pretensão do reclamante, sendo que nada de novo é agora aduzido susceptível de por em crise tal entendimento.
Efectivamente, como se disse no acórdão 399/09, apreciando uma situação idêntica à presente:
“O reclamante sustenta que o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional deve ser contado nos termos do disposto no artigo 113.º, n.º 9, segunda parte, do Código de Processo Penal. Ou seja, no caso contar-se-ia a partir da notificação que lhe fosse feita, na qualidade de arguido, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2009 [aqui, da data em que lhe foi pessoalmente transmitido o acórdão recorrido, com a entrega da guia para apresentação no estabelecimento prisional em cumprimento da pena].
O n.º 1 do artigo 75.º da LTC estabelece que o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de dez dias e a disposição legal convocada pelo recorrente determina que a notificação do arguido pode ser feita ao respectivo defensor ou advogado, com ressalva, entre outras, da notificação da sentença, a qual, porém, deve igualmente ser notificada ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar (n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal).
Como bem se conclui no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 512/2004, (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), “do disposto no artigo 113.º, n.º 9 do CPP não resulta a obrigação de notificação de acórdão proferido pelos tribunais superiores ao arguido, como ressalva ao princípio da suficiência da notificação ao advogado”. Desta disposição legal resulta que apenas a sentença – e não também o acórdão proferido em sede de recurso – constitui um desvio àquele princípio, apontando neste sentido quer a utilização do termo “sentença” nos artigos que disciplinam a fase de julgamento (do artigo 311.º ao 380.º) por contraposição ao uso do vocábulo “acórdão” nos que dispõem sobre recursos ordinários (do artigo 399.º ao 436.º); quer a razão de ser dos casos que são ressalvados no n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, por referência à função processual dos recursos ordinários.
O Tribunal Constitucional até já se pronunciou pela não inconstitucionalidade deste preceito legal, quando interpretado no sentido de a notificação da decisão tomada pelos tribunais superiores em via de recurso poder ser feita ao defensor do arguido, não tendo, assim, de lhe ser notificada pessoalmente. No Acórdão nº 59/99 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), lê-se, com relevo para a presente decisão, o seguinte:
«O processo criminal terá (…) de perspectivar-se como um due process of law, permitindo, pois, que nele haja sempre a possibilidade de o arguido se defender (cfr. Acórdão deste Tribunal nº 61/88, no Diário da República, 2ª Série, de 20 de Agosto de 1988).
E essa defesa, inclusivamente, pode abarcar, quando esteja em causa uma decisão jurisdicional tomada em última instância por um tribunal superior - da qual, consequentemente, já não caiba recurso ordinário -, a colocação em crise, confrontadamente com a sua validade constitucional, da normação com base na qual foi prolatada a decisão condenatória (se, como é claro, estiverem congregados os respectivos pressupostos processuais).
Sendo isto assim, são configuráveis várias hipóteses que apontam para que as garantias de defesa de um arguido só serão plenamente adquiridas se ao mesmo for dado um cabal conhecimento da decisão condenatória que a seu respeito foi tomada.
Mas, entende este Tribunal, esse cabal conhecimento, atinge-se, sem violação das garantias de defesa que o processo criminal deve comportar, desde que o seu defensor - constituído ou nomeado oficiosamente -, contanto que se trate do primitivo defensor, seja notificado da decisão condenatória tomada pelo tribunal de recurso.
Na verdade, os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre esse defensor, na vertente do relacionamento entre ele e o arguido, apontam no sentido de que o mesmo, que a seu cargo tomou a defesa daquele, lhe há-de, com propriedade, transmitir o resultado do julgamento levado e efeito no tribunal superior.
De harmonia com tais deveres, há-de concluir-se que o arguido, por intermédio do conhecimento que lhe é dado pelo seu defensor (aquele primitivo defensor) ficará ciente dos motivos fácticos e jurídicos que o levaram a ser considerado como agente de um ilícito criminal e da reacção, a nível de imposição de pena, que lhe foi aplicada pelo Estado, ao exercitar o seu jus puniendi».
Em conclusão: o prazo de interposição de recurso de constitucionalidade de acórdãos proferidos pelos tribunais superiores em via de recurso em processo penal começa a correr com a notificação da decisão ao mandatário constituído, nos termos das disposições conjugadas do n.º 6 do art.º 425.º e da 1ª parte do n.º 9 do art.º 113.º do Código de Processo Penal, interpretação que não viola as garantias de defesa do arguido asseguradas pelo n.º 1 do art.º 32.º da Constituição.”
Assim sendo, há que concluir pela intempestividade do recurso de constitucionalidade interposto, atento o prazo de dez dias estabelecido no artigo 75º, nº 1, da LTC, uma vez que o acórdão recorrido se considera notificado em 27 de Novembro de 2009, por carta registada enviada para o escritório do mandatário constituído – que, aliás, é o mesmo que o representou no recurso para a Relação e o representa no presente recurso – e que o recurso de constitucionalidade só foi interposto em 28 de Janeiro de 2010.
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar improcedente a reclamação, confirmando o despacho que não admitiu o recurso;
b) Condenar o reclamante nas custas, com 20 (vinte) UCs de taxa de justiça
Lx., 15/06/2010
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão
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