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Processo n.º 175/2010
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC):
“1. Por acórdão de 30 de Julho de 2009, o Tribunal Central Administrativo Norte confirmou a sentença do Tribunal Administrativo Fiscal de Coimbra que se considerou materialmente incompetente para conhecer da acção intentada pela recorrente contra a recorrida.
O acórdão assenta na seguinte fundamentação:
“A única questão que se coloca nestes autos consiste em saber se o contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida está ou não sujeito às regras próprias do contrato individual de trabalho do direito privado, e nessa medida os tribunais administrativos serão incompetentes para conhecer dos pedidos aqui formulados, ou se pelo contrário, tal contrato e vicissitudes a ele inerentes está sujeito a regras públicas administrativas e por consequência é este o Tribunal competente para apreciar esta acção (a questão da nulidade que a recorrente assaca à decisão recorrida, reconduz-se, também, à qualificação que se faça do contrato e respectivos “actos” da ERS que gravitam à sua volta).
Dispunha à data da celebração do contrato entre a recorrente e a ERS, o art. 58º, n.º 2 do DL n.º 309/2003, de 10/12, (diploma que criou a ERS e definiu as suas atribuições, organização e funcionamento, cfr. art. 1º), que, o pessoal da ERS está sujeito ao regime do contrato individual de trabalho, sendo abrangido pelo regime da segurança social.
Dispunha também, com interesse, o n.º 4 do mesmo artigo que, a adopção do regime do contrato individual de trabalho não dispensa o cumprimento dos requisitos e limitações decorrentes da prossecução do interesse público, nomeadamente respeitantes a acumulações e incompatibilidades legalmente estabelecidas para os funcionários e agentes administrativos.
Igualmente se dispunha no art. artigo 59.º, sob a epigrafe “Mobilidade” que (na parte com interesse):
1 - A ERS pode solicitar a colaboração de pessoal vinculado à administração pública central, regional e local, ou pertencente a quadros de empresas públicas ou privadas, para o desempenho de funções inerentes às respectivas atribuições.
2 - Ao pessoal vinculado à Administração Pública aplica-se o regime de destacamento e requisição ou de comissão de serviço, com garantia do lugar de origem e dos direitos nele adquiridos, contando-se, para todos os efeitos legais, o período de destacamento, requisição ou de comissão de serviço como tempo de serviço prestado nos quadros de origem.
3 - A ERS contribuirá para o financiamento da Caixa Geral de Aposentações com uma importância mensal de montante igual ao das quotas pagas pelos trabalhadores abrangidos pelo regime de protecção social da função pública ao seu serviço.
Este diploma legal veio a ser revogado pelo DL n.º 127/2009 de 27/05 que manteve aquela forma de vínculo do pessoal afecto ao serviço da ERS.
Assim dispõe presentemente o artigo 26.º, sob a epígrafe “Regime jurídico dos trabalhadores”:
1 - Os trabalhadores da ERS estão sujeitos ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, com observância dos princípios subjacentes ao n.º 1, n.º 2 e segunda parte do n.º 3 do artigo 5º, n.ºs 2 e 4 do artigo 35.º, artigo 40.º, n.ºs 1 e 2 do artigo 41.º, n.ºs 1 a 3 do artigo 42.º, artigo 43.º, n.º 1 do artigo 45.º, n.º 3 do artigo 50.º, n.º 1 do artigo 66.º, artigo 67.º, artigo 70.º, n.ºs 1 e 2 do artigo 72.º, n.ºs 4 e 6 do artigo 73.º, artigo 76.º, artigo 77.º, artigo 78.º e n.º 1 do artigo 79.º, todos da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.
2 - A ERS pode ser parte em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
3 - As condições de admissão, prestação e disciplina do trabalho são definidas em regulamento interno aprovado pelo conselho directivo, com observação dos seguintes princípios:
a) Publicitação da oferta de emprego;
b) Igualdade de condições e oportunidades dos candidatos;
c) Aplicação de métodos e critérios objectivos de avaliação e selecção;
d) Fundamentação da decisão tomada.
4 - Os trabalhadores que exercem funções públicas, bem como quaisquer trabalhadores, quadros ou gestores de empresas públicas ou privadas, podem desempenhar funções na ERS através de recurso aos meios de mobilidade legalmente aplicáveis.
5 - Os trabalhadores da ERS não podem prestar serviços nem colaborar com entidades que sejam titulares de estabelecimentos sujeitos à jurisdição daquela.
6 - Com vista a assegurar a convergência com o regime da Lei n.º 66-B/2007, de 28 de Dezembro, a avaliação do desempenho dos trabalhadores concretiza-se através da aplicação de critérios e orientações estabelecidos em matéria de:
a) Princípios e objectivos, bem como existência de sistemas de avaliação de trabalhadores, dirigentes e unidades orgânicas, a funcionar de forma integrada;
b) Avaliação de desempenho baseada na confrontação entre objectivos fixados e resultados obtidos e, no caso dos dirigentes e trabalhadores, também as competências demonstradas e a desenvolver;
c) Diferenciação de desempenhos através da fixação de um número mínimo de menções de avaliação e de percentagens máximas para atribuição das menções mais elevadas.
7 - Os trabalhadores previstos no n.º 1 são inscritos no regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem.
Da análise comparativa que se faz, do diploma original que criou a ERS, quer deste que agora reformulou e actualizou a estrutura e funcionamento da ERS, pode-se concluir que os trabalhadores ao seu serviço estão sujeitos ao contrato individual de trabalho, sendo que expressamente é feita uma distinção clara entre estes e aqueles que exercem funções públicas, cfr. n.ºs 4 e 7 do artigo atrás citado.
De resto, do contrato celebrado entre a recorrente e a ERS resulta expressamente que o mesmo se rege pela legislação própria do regime do contrato individual de trabalho, o Código do Trabalho e respectivo Regulamento, bem como todas as referências que são feitas a legislação respeitam ao Código do Trabalho.
Acresce ainda que as partes qualificaram tal contrato como um contrato de trabalho a termo certo, tendo definido expressamente quais as funções, remuneração, local de trabalho e respectivo horário, diferentemente do que acontecia na admissão dos funcionários.
Assim, estes elementos levam-nos a concluir que se trata de um verdadeiro contrato de trabalho a termo certo regulado pelo direito privado e não por normas de direito público.
A questão da renovação ou não de tal contrato, nos termos pré-estabelecidos pelas partes, e os respectivos actos praticados pelos órgãos da ERS a esse propósito tratam-se, assim, de actuações no âmbito de um contrato regido pelo direito privado, sem qualquer carga de ambiência pública.
Na verdade, os órgãos de gestão das entidades públicas praticam os actos sempre da mesma forma, quer se destinem a actuar no âmbito do direito privado, quer se destinem a actuar no âmbito do direito público, respeitam as competências que lhes estão legalmente distribuídas e exercem as competências hierárquicas uns sobre os outros, independentemente de a sua actuação se direccionar para actos regulados pelo direito privado ou pelo direito público.
A respeito de situações idênticas a esta, por referência ao ISSS, tem o Tribunal de Conflitos decidido pela competência dos Tribunais de Trabalho para aí se conhecer das questões inerentes às dificuldades surgidas na execução de contratos idênticos a este de que agora tratamos.
Na verdade escreveu-se no ac. de 10/07/2007, proc. n.º 014/05: “...o que é verdadeiramente importante para a fixação do tribunal competente para conhecer desta causa não é, por assim dizer, historiar os antecedentes do relacionamento do Autor com a Administração Pública, mas identificar com precisão de onde brotou em concreto o litígio que trouxe as partes ao tribunal, o que implica a relevância da relação jurídica com o recorte que tinha no momento em que isso aconteceu. Ora, pelo menos na versão de quem vem a juízo, o termo da “comissão de serviço” nada teve a ver com nenhum dos pólos da relação de emprego público que o Autor anteriormente mantinha, e prende-se exclusivamente com a ruptura introduzida pelo actual empregador no trabalho prestado sob os auspícios de um contrato regulado por instrumentos de direito privado.”.
Pode-se, assim, concluir que bem se decidiu na decisão recorrida.”
2. A recorrente interpôs recurso deste acórdão mediante requerimento do seguinte teor:
“(…) nos termos do artigo 69º, da alínea b) do nº 1 do artigo 70º e dos nºs 1 e 2 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, por, quer em sede de 1.ª Instância, quer nas alegações do recurso jurisdicional, ter suscitado a inconstitucionalidade da alínea d) do nº 3 do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), no qual se dispõe que não cabe na jurisdição administrativa a apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, que não conferem a qualidade de agente administrativo, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público.
A inconstitucionalidade foi suscitada e alegada na medida em que, muito embora quer o TAF de Coimbra quer o TCA Norte reconhecessem que o objecto da acção era um acto administrativo praticado pelo Presidente do Conselho Directivo da Entidade Reguladora da Saúde, concluiu que o mesmo não poderia ser objecto de apreciação e decisão pelos Tribunais Administrativos por não caber no foro da jurisdição administrativa, por dela se encontrar excluído nos termos da citada alínea d) do nº 3 do artigo 4º do ETAF, pertencendo tal competência aos Tribunais de Trabalho.
Concretamente está em causa um acto administrativo praticado pelo Presidente da Entidade Reguladora da Saúde que, por despacho de 11 de Agosto de 2005, revogou, com fundamento na sua ilegalidade, um outro acto administrativo praticado pelo Conselho Directivo da mesma Entidade, sob a forma de deliberação.
E sendo o objecto da acção constituído exclusivamente por um acto administrativo, nunca o mesmo poderia ser impugnado nos Tribunais de Trabalho, mas sim nos Tribunais Administrativos, como abundantemente a recorrente alegou, pois:
1. Se o objecto da acção é um acto administrativo, ambas as decisões - decisão do TAF de Coimbra, confirmada pelo TCA Norte - ao decidirem-se pela incompetência da jurisdição administrativa;
2. Na interpretação que fazem da citada alínea d) do nº 3 do artigo 4º do ETAF, tornam esta norma inconstitucional por tal interpretação redundar numa negação do princípio/ direito de acesso à justiça (artigo 20º da CRP) e a violar frontalmente o princípio da protecção jurisdicional plena e efectiva dos direitos e interesses dos cidadãos (artigo 268º, nº 4 da CRP) e o princípio pró actione, traduzindo, consequentemente, numa denegação de justiça;
3. Tornando, de tal modo ou com tal interpretação, a norma do artigo 4.º, nº 3, alínea d) do ETAF inconstitucional por violação daqueles princípios;
4. Na medida em que, a norma citada, interpretada de tal modo, impede em abo1uto – como sucede no caso – que a recorrente aceda à jurisdição administrativa quando a Administração utiliza o seu poder unilateral para definir a concreta situação jurídica da recorrente, sendo que se encontra, também em absoluto, impedida de recorrer a qualquer outra jurisdição – no caso os Tribunais de Trabalho –, dado que o objecto da acção é exclusivamente constituído por administrativo, como, aliás, ambas aquelas instância, é inevitável concluir que pela inconstitucionalidade da citada norma do ETAF, na interpretação que lhe é conferida no caso concreto.”
3. O requerimento de interposição do recurso não procede à enunciação clara e precisa do sentido normativo da alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do ETAF que se pretende ver apreciado. É, porém, desnecessário convidar ao seu aperfeiçoamento porque se colhe com suficiente certeza desse requerimento, lido no contexto das demais intervenções processuais e dos parâmetros de constitucionalidade que a recorrente invoca, que se pretende ver apreciada a constitucionalidade da referida norma na interpretação de que é aplicável quando a situação das partes é juridicamente conformada por um acto administrativo.
Sucede que a norma não foi aplicada com esse sentido, não correspondendo à realidade processual que a decisão recorrida tenha reconhecido que a concreta situação jurídica da recorrente relativamente à caducidade ou renovação do contrato foi definida por um acto administrativo. Pelo contrário, abordando a questão, afirmou-se que as partes se moveram no âmbito de uma relação de direito privado, nenhuma “carga de ambiência pública” existindo nos actos relativos à renovação ou não renovação do contrato.
Tem, pois, de considerar-se que o tribunal a quo considera que o litígio respeita a declarações potestativas no âmbito de um contrato de direito privado e não a actos administrativos e foi nessa perspectiva que a jurisdição administrativa declinou a competência. Ora, a determinação dos factos, a escolha, interpretação e aplicação do direito ordinário aplicável e a conformação das questões a resolver à luz desses factores constituem matéria da competência dos tribunais da causa que este Tribunal tem de aceitar como um dado. No recurso de fiscalização concreta de inconstitucionalidade, apenas lhe cabe sindicar a conformidade a regras e princípios constitucionais das normas concretamente aplicadas (que integrem a ratio decidendi) pela decisão recorrida (ou, sendo o caso, a que a decisão recorrida tenha recusado aplicação com fundamento em inconstitucionalidade). Não lhe cabe averiguar se outra poderia ter sido a conformação ou a perspectiva de apreciação das questões que conduziram à decisão tomada.
Assim, não tendo a norma da alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do ETAF sido aplicada com o sentido que a recorrente quer ver apreciado, não está preenchido o pressuposto do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC) (“ que apliquem norma ...”).
4. Decisão
Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso e condenar a recorrente nas custas, com 7 (sete) UCs de taxa de justiça.”
2. A recorrente reclama desta decisão nos seguintes termos:
“(…)
5.º
Como consta do processo, o objecto da acção, a causa de pedir e o pedido residem exclusivamente num acto administrativo - o acto administrativo praticado pelo Presidente da Entidade Reguladora da Saúde, que, ao abrigo dos poderes públicos excepcionais que a lei lhe confere, revogou uma deliberação do Conselho Directivo daquela mesma Entidade;
6.º
E o problema que se suscitou no processo, quer em primeira instância, quer em sede de recurso, quer ainda no recurso de revista;
7.º
Teve, precisa e exclusivamente, a ver com o âmbito de aplicação da mencionada norma da alínea d) do n.º 3 do artigo 4 do ETAF;
8.º
E, portanto, com a questão de saber se, não obstante estar em causa um acto administrativo na acção proposta, a jurisdição administrativa seria ou não a jurisdição competente;
9.º
Por isso é que a Sentença da 1ª Instância concluiu “ponderando o acto de que a autora faz derivar os deveres da ré . . . e considerando que de harmonia com o preceituado na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais . . . “;
10.º
Como se vê, o problema nuclear do processo e que haveria de determinar todo o seu desenrolar até ao Tribunal Constitucional centrou-se apenas e tão só nisto: na interpretação que o Tribunal deu à alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do ETAF, os tribunais administrativos não são, no caso, os competentes, não obstante o objecto do processo ser um acto administrativo (ou melhor, a execução de um acto administrativo);
11.º
No recurso para o Tribunal Central Administrativo do Norte, a recorrente suscitou justamente a inconstitucionalidade da citada alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do ETAF, na interpretação que lhe estava a ser dada pela 1ª Instância;
12.º
No âmbito deste recurso, e em sede de pronúncia sobre o mesmo, a 1ª Instância manteve a sua decisão, dizendo que - “independentemente da possibilidade de, no âmbito dessas relações jurídicas, poderem ou não ser praticados actos administrativos” - os tribunais administrativos não são competentes por força da mencionada alínea d) do artigo 4.º do ETAF;
13.º
Sem embargo de a recorrente ter suscitado desde logo a inconstitucionalidade daquela norma na interpretação que lhe havia sido dada pela 1ª Instância;
14.º
O TCA Norte, confirmando aquela interpretação da alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do TAF de Coimbra, decidiu manter a decisão da 1ª Instância;
15.º
Portanto, como resulta expressa e manifestamente do processo, o seu problema central é exactamente este: a alínea d) do n.º 3 do artigo 4º do ETAF, quando interpretada no sentido de excluir da jurisdição administrativa a apreciação de actos administrativos é ou não conforme à Constituição-
16.º
Para o TAF de Coimbra e para o TCA Norte, a alínea d) do n.º 3 do artigo 4º do ETAF deve ser interpretada no sentido de excluir da jurisdição administrativa também a apreciação de actos administrativos que sejam praticados no âmbito das relações de direito privado, traduzidas no caso num contrato de trabalho;
17.º
Por isso, interpretando assim a citada norma do ETAF, concluíram e decidiram que, não obstante estar em causa um acto administrativo, a jurisdição administrativa não era a competente e daí que se tenham julgado incompetentes para julgar a acção na qual estava exactamente em causa um acto administrativo;
18.º
Por sua vez, a recorrente alegou que aquela norma assim interpretada seria necessariamente inconstitucional, fundamentado, segundo entendemos, de forma clara a alegação de inconstitucionalidade;
20.º
Consequentemente, estão preenchidos todos os pressupostos para que o Tribunal Constitucional esteja constituído no dever de apreciar e decidir a questão jurídico-constitucional que lhe foi submetida;
21.º
Por, precisamente, a questão central de todo o processo se traduzir, a final, na questão “Que apliquem norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo” (cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC).”
3. A recorrida contrapõe o seguinte:
“(…)
3º
Em primeiro lugar – e ao contrário do que foi sendo por ela repetido ao longo do processo – nunca nenhuma das sucessivas Instâncias que foram sendo chamadas a tomar posição sobre os anseios da Recorrente, alguma vez reconheceu que a(s) decisão(ões) tomadas no âmbito da ERS relativa(s) ao seu contrato de trabalho configure(m) acto(s) administrativo(s).
Pelo contrário, foram sempre, mas sempre, enjeitadas e recusadas a perspectiva e a pretensão da D .A. – perante quem, em todas as circunstâncias, os diferentes Tribunais sempre qualificaram o seu contrato como um contrato de trabalho, exclusivamente moldado sob os princípios do direito privado, os quais igualmente enquadraram a actuação e as decisões da entidade empregadora com ele relacionadas.
4º
Por outro lado e em segundo lugar, tal como se invoca na decisão recorrida, a D. A. não logrou sequer identificar a interpretação, uma qualquer interpretação, fosse ela qual fosse, mais ou menos discutível, da alínea d) do n.º 3 do artº 4º do ETAF, de que tivesse derivado a inviabilidade da sua pretensão.
Do seu recurso não emerge, minimamente identificada e objectivada, qualquer inconstitucionalidade na aplicação feita daquela norma, ou da sua interpretação, que, em concreto, tivesse determinado o insucesso do seu pedido.
Esse insucesso deriva, directamente, da insuficiência substantiva da sua posição processual e da inverificação objectiva dos pressupostos de que sempre dependeria a competência dos Tribunais Administrativos para a apreciar.
A posição da Recorrente claudica a montante de qualquer interpretação da alínea d) do nº 3 do artº 4º do ETAF e, por conseguinte, independentemente de qualquer interpretação, fosse ela qual fosse, de tal preceito.
5º
Por via disso – tal como, já em termos definitivos, se diz na muito douta decisão recorrida – a D. A. não chega sequer, a enunciar, com a necessária clareza e precisão, o sentido normativo da alínea d) do nº 3 do artº 4º do ETAF que gostaria de ver apreciado, nem, menos ainda, qual o sentido alternativo que dela pretenderia ver extraído.”
4. A recorrente insiste em que a sua pretensão emerge de um acto administrativo, ou melhor, que a sua pretensão consiste em reconhecer o direito à execução de um acto administrativo (o despacho do Presidente da ERS que teria revogado um outro acto administrativo praticado pelo Conselho Directivo da mesma Entidade). Seria para a apreciação de uma relação jurídica com essa matriz que, ao abrigo da norma em causa, o acórdão recorrido negaria a competência da jurisdição administrativa.
Não foi esta, porém, a leitura que os tribunais da causa fizeram da realidade que lhes foi submetida. Consideraram que o vínculo entre a autora e a ERS era de direito privado (contrato de trabalho) e que os actos nesse âmbito praticados pela entidade empregadora – seja a deliberação que decidiu não renovar o contrato, seja o despacho que pretendeu contrariar os efeitos dessa deliberação – são actos de direito privado. Foi nesse pressuposto que negaram a competência dos tribunais administrativos, atribuindo-a aos tribunais do trabalho. É inequívoco o sentido do acórdão recorrido quando afirma que:
“A questão da renovação ou não de tal contrato, nos termos pré-estabelecidos pelas partes, e os respectivos actos praticados pelos órgãos da ERS a esse propósito tratam-se, assim, de actuações no âmbito de um contrato regido pelo direito privado, sem qualquer carga de ambiência pública.
Na verdade, os órgãos de gestão das entidades públicas praticam os actos sempre da mesma forma, quer se destinem a actuar no âmbito do direito privado, quer se destinem a actuar no âmbito do direito público, respeitam as competências que lhes estão legalmente distribuídas e exercem as competências hierárquicas uns sobre os outros, independentemente de a sua actuação se direccionar para actos regulados pelo direito privado ou pelo direito público”.
Ora, como na decisão reclamada se diz, a determinação dos factos, a escolha, interpretação e aplicação do direito ordinário aplicável e a conformação das questões a resolver à luz desses factores constituem matéria da competência dos tribunais da causa, que este Tribunal tem de aceitar como um dado. No recurso de fiscalização concreta de inconstitucionalidade, apenas lhe cabe sindicar a conformidade a regras e princípios constitucionais das normas concretamente aplicadas (que integrem a ratio decidendi) pela decisão recorrida (ou, sendo o caso, a que a decisão recorrida tenha recusado aplicação com fundamento em inconstitucionalidade). Não lhe cabe averiguar se outra poderia ter sido a conformação ou a perspectiva de apreciação das questões que conduziram à decisão tomada.
Consequentemente, tem de considerar-se improcedente a reclamação, confirmando a decisão de não conhecimento do objecto do recurso.
5. Decisão
Pelo exposto decide-se indeferir a reclamação e condenar a recorrente nas custas, com 20 (vinte) UCs de taxa de justiça.
Lx., 27/05/2010
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão
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