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Processo n.º 630/09
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
I - Relatório1. Na Relação da Évora foi proferido acórdão, em 19 de Maio de
2009, a negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público. A
decisão manteve na íntegra o despacho recorrido, de não pronúncia, proferido
pelo juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Évora e, considerando que um
acórdão que confirma um despacho de não pronúncia da 1ª instância é um acórdão
absolutório, socorreu-se do mecanismo previsto no artigo 425.º, n.º 5 do Código
de Processo Penal, remetendo para os fundamentos da decisão recorrida.Lê-se na
decisão:“[…]Ora procedendo a uma análise cuidada de toda a prova produzida aos
autos, quer em sede de inquérito, quer de instrução e compaginando o consignado
nos autos, com a valoração da prova feita cuidadosa e vastamente sustentada pelo
Senhor Juiz de Instrução no despacho de não pronúncia, diremos que a decisão
revidenda fez uma análise cuidada, objectiva de toda a prova produzida, que
analisou segundo o princípio da livre convicção da prova, consagrado no art.
127° do CPP, e com recurso às regras da experiência comum que não se mostram
violadas. Salientamos aliás o cuidado com que se mostra fundamentado o
despacho de não pronúncia, que faz uma análise exaustiva de toda a prova
produzida nos autos, em termos que sufragamos na íntegra.Assim, estando nos em
concordância com a análise que é feita, na decisão recorrida, da prova constante
dos autos, entendemos não merecer tal decisão qualquer censura, devendo ela ser
confirmada.Conforme entendimento generalizado dos tribunais superiores,
nomeadamente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/07/2003, proferido
no Proc. n° 2304/03, 5ª Secção, “um acórdão da Relação que confirma um despacho
de não pronúncia da 1.ª instância é um acórdão absolutório”, para os efeitos do
disposto na al. d), do n.° 1, do art. 400.°, do CPP. (No mesmo sentido, cfr.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02/05/2006, Proc. n°849/2006-5,
publicado in www.dgsi.pt).Aderindo à posição exposta e remetendo, quanto ao
mais, para os respectivos fundamentos, nos termos do art. 425.°, n.° 5, do CPP,
entende-se ser de confirmar a decisão de não pronúncia, com a consequente
improcedência do recurso interposto pelo Ministério Público. […]”
2. É deste aresto que o Ministério Público interpõe recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da
Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC), nos seguintes termos:“A
Procuradora-Geral-Adjunta junto deste Tribunal, notificada do teor do acórdão
exarado em 19 de Maio de 2009 (…), vem ao abrigo do disposto nos artºs 70.°, n.º
1, al. b), 71.º, n.º 1 e 72.º, n.º 1, al. a) e 2 da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, com os seguintes
fundamentos:1.º O referido Acórdão pronuncia-se sobre recurso de despacho do Mº
Juiz de Instrução Criminal de Évora, exarado e publicitado em 14 de Março de
2008, que não pronunciou os Arguidos dos autos pelos crimes imputados na
acusação pública (…)2.º Entendendo não merecer a decisão de não pronúncia
“qualquer censura, devendo ela ser confirmada”, e por ser “entendimento
generalizado dos tribunais superiores, nomeadamente o Acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça de 08/07/2003, proferido no Proc. n° 2304/03, 5ª Secção, “um
acórdão da Relação que confirma um despacho de não pronúncia da 1ª, instância é
um acórdão absolutório” decidiu-se na decisão ora recorrida, “Aderindo à posição
exposta e remetendo, quanto ao mais, para os respectivos fundamentos, nos termos
do art. 425°, n° 5, do CPP, entende-se ser de confirmar a decisão de não
pronúncia, com a consequente improcedência do recurso interposto pelo Ministério
Público.3.º Ora, o artigo 425°, n° 5 do Código de Processo Penal (que contempla
o acórdão absolutório do tribunal de recurso sem fundamentação própria) é
inconstitucional, por violar os artigos 2.º, 13.º, 20.º, n.º 1 e 32.º, n.º 7 da
CRP (…)4.º A decisão de que ora se recorre não admite recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça, atento o disposto no art° 400, n° 1 al d) do Código de
Processo Penal, conforme jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça,
designadamente nos arestos do mesmo Tribunal de 29-11-2000, Proc° 2113/2000, 3ª
Secção, ASTJ, 44, pag 69; 05-04-2001, Procº 870/01, 5ª Secção, ASTJ, 50, pag 44;
06-02-2002, 07-02-2002, 20-02-2002, ASTJ 58, pag 47, 62 e 53,
respectivamente.(…) 6.º A admissibilidade do recuso previsto na alínea b) do n°
1 do artigo 70° da Lei n.° 28/82 pressupõe, designadamente, que o recorrente
tenha suscitado, durante o processo, a questão de constitucionalidade normativa
que pretende ver apreciada, constituindo desde há muito jurisprudência assente
no Tribunal Constitucional, que, em princípio, tal implica que a questão de
constitucionalidade seja suscitada antes da prolação da decisão recorrida (…).
Consequentemente, tem o Tribunal Constitucional afirmado que, em regra, o
requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional não
constitui meio ou momento processualmente adequado para suscitar, pela primeira
vez, a questão de inconstitucionalidade.7.º Contudo, o mesmo Tribunal admite que
a questão de constitucionalidade seja suscitada já depois de proferida a decisão
recorrida em hipóteses, de todo em todo excepcionais ou anómalas, em que o
recorrente: a) – não tenha tido oportunidade processual de o fazer antes ou b)
em que o poder jurisdicional, por força de norma processual específica, não se
tenha esgotado com a prolação da decisão recorrida. 8.º Assim, entende o
tribunal Constitucional que uma das situações em que o interessado não dispõe de
oportunidade processual para suscitar a questão da constitucionalidade antes de
esgotado o poder jurisdicional é, precisamente, a daqueles casos em que é
confrontado com uma situação de aplicação ou interpretação normativa, feita pela
decisão recorrida, de todo imprevisível ou inesperada, em termos de não lhe ser
exigível que a antecipasse, de modo a impor-se-lhe o ónus de suscitar a questão
antes da prolação dessa decisão. (…)10.º Efectivamente a inconstitucionalidade
da norma não foi suscitada durante o processo, uma vez que a decisão deste
Tribunal da Relação, e de que ora se recorre, é absolutamente inesperada,
inovatória no direito, configurando uma decisão surpresa e por tal não poderia o
Recorrente face à sua imprevisibilidade suscitar durante o processo a questão da
inconstitucionalidade.9.º Efectivamente, o art° 425°, n° 5 do CPP, só serviu de
fundamento do acórdão em decisão insusceptível de recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça, sendo certo que não seria, razoável exigir-se ao Recorrente
que antevisse que a mesma iria ser utilizada.(…)12.º Ora, o objecto do recurso
neste Tribunal da Relação de Évora foi o despacho do Mº Juiz de Instrução
Criminal de Évora que não pronunciou os arguidos. 13.º Ninguém poderia supor a
utilização desta norma.(…)15.º A norma que se pretende ver apreciada é a
constante do artº 425.º, n.º 5 do CPP, quando interpretada no sentido que um
acórdão da Relação que confirma um despacho de não pronúncia da 1.ª instância é
um acórdão absolutório podendo limitar-se a negar provimento ao recurso,
remetendo para os fundamentos da decisão impugnada.9.º Esta norma, com a
interpretação referida viola os artigos 2.º, 13.º, 20.º, n.º 1 e 32.º, n. 7 da
CRP.10.º O recurso é tempestivo.11.º O MP tem legitimidade (…)”3. O recurso foi
admitido e as partes convidadas a alegar. O representante do Ministério Público
neste Tribunal, diz, em suma:“(…)No caso dos autos, uma vez proferido o despacho
de não pronúncia pelo Juiz de Instrução Criminal, o Ministério Público não viu
reapreciada a sua argumentação, quanto à eventual culpabilidade dos arguidos,
pelo menos com a profundidade com que a mesma talvez devesse ser ponderada por
um tribunal de recurso.E, pelo facto de ser absolutório, o Acórdão da Relação de
Évora não é susceptível de qualquer recurso para o Supremo Tribunal de Justiça
(cfr. nºs 4 e 5 das alegações de recurso, fls. 1461 dos autos e jurisprudência
aí referida).O que equivale a dizer que a apreciação da tese, defendida pelo
Ministério Público, a bem dizer, foi apreciada, quase exclusivamente, pelo Juiz
de Instrução Criminal, na primeira instância, mas já não o foi, com igual
profundidade, pelo Tribunal da Relação, que se limitou a transcrever o despacho
de não pronúncia do juiz a quo e para ele remeteu na sua fundamentação.
(…)Poder-se-á, contudo, eventualmente invocar, contra o recurso do Ministério
Público em apreciação, que a questão de inconstitucionalidade deveria ter sido
suscitada durante o processo, ou seja, antes da prolação da decisão recorrida
(cfr., a este propósito, os nºs 6 a 14 das alegações de recurso, fls. 1462 a
1464 dos autos).No entanto, como não poderá deixar de ser reconhecido por um
qualquer observador exterior, a invocação do art. 425º, nº 5, do CPP apenas foi
feita na decisão de 2ª instância (Tribunal da Relação de Évora), decisão, essa,
por outro lado, insusceptível de qualquer outro recurso.Nessa medida, em que
outra altura do processo poderia a aplicação desta norma ser contestada, a não
ser após a prolação do mesmo Acórdão-E como poderia, previamente, adivinhar-se
que tal argumento iria ser esgrimido com as consequências atrás referidas, ou
seja, a de que a apreciação da tese do Ministério Público acabaria., afinal, por
ser apreciada, em detalhe, apenas pelo Juiz de Instrução Criminal, em 1ª
instância, e já não pelo tribunal de recurso. (…)(…)Ora, o Ministério Público
não podia antecipar que o digno Tribunal da Relação de Évora iria fundamentar,
por remissão, a sua decisão de não pronúncia, rectius, a sua decisão de
confirmação do despacho de não pronúncia da 1ª instância.Isto, naturalmente, sem
que o mesmo tribunal de recurso apreciasse - como deveria - toda a argumentação
de fundo apresentada pelo recorrente, Ministério Público, em defesa da marcação
de uma data para audiência de julgamento, onde as questões duvidosas poderiam
ser, de uma vez por todas, definitivamente esclarecidas.(…)Ora, como se referiu,
no caso dos autos, a posição do Tribunal da Relação de Évora apareceu como uma
surpresa, na medida em que a prova carreada para os autos não foi, por este
Tribunal Superior, ao contrário do que seria legítimo esperar, devidamente
apreciada.(…)Está, com efeito, em causa apreciar se deverá ser proferido
despacho de pronúncia, tendo em vista a marcação de uma data para a audiência de
julgamento dos arguidos.Não se está, assim, a ajuizar, definitivamente, da
culpabilidade dos mesmos arguidos, mas apenas a aferir da consistência dos
indícios carreados, no processo, contra eles.Ora, da análise da prova recolhida,
há, no mínimo, indícios preocupantes da prática de um crime de prevaricação, por
um vereador municipal, e de um crime de falsificação de documento, pelos
restantes arguidos.E isto, num processo em que, por natureza, é extremamente
difícil e complexo apresentar prova concludente, quer durante a fase de
inquérito, quer de instrução. Nessa medida, atendendo, por um lado, à natureza
do crime e, por outro, à identidade do principal arguido, que ocupava um lugar
de destaque no executivo municipal de Évora, seria espectável que, até por uma
questão de prevenir qualquer dúvida que pudesse eventualmente subsistir – o que,
a manter-se a decisão dos autos, parece quase inevitável que aconteça -, o digno
Tribunal da Relação de Évora achasse mais adequado deixar, para a audiência de
julgamento, a integral esclarecimento dos factos e a sua qualificação
jurídica.Não só não o fez como decidiu … sem conhecer! Ou melhor, sem se
debruçar, com o cuidado que os autos talvez merecessem, sobre a prova neles
carreada.(…)Mas, poder-se-á perguntar, qual a razão da interposição de recurso
pelo Ministério Público, num caso como o dos autos-Não é apenas, como poderá
ter-se por óbvio, embora isso já fosse suficiente, o mero desejo de prosseguir
infracções de natureza criminal.Trata-se, também, de intervir em defesa da boa
condução, transparente e sem suspeitas, dos assuntos autárquicos.Isto, numa área
em que, infelizmente, os motivos para preocupações transbordam, quase
diariamente, dos órgãos noticiosos. Ora, duvida-se que decisões, como a
recorrida, contribuam para diminuir o clima de suspeição que, justificada ou
injustificadamente, se instalou na condução dos negócios autárquicos.Por outro
lado, retirar ao Ministério Público, como no caso dos autos, a possibilidade de
interposição de recurso, do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, para o
Supremo Tribunal de Justiça, parece colidir com o seu estatuto
constitucionalmente consagrado, violando, ainda, e designadamente, princípios da
Lei Fundamental como são o caso dos princípios da legalidade, do acesso ao
direito e do Estado de Direito democrático.O Ministério Público é, com efeito,
concebido com uma magistratura autónoma (art. 219º, nº 2 da Constituição), sendo
o «dominus» do inquérito na primeira das fases preliminares do processo penal e
actuando sempre na pendência deste (seja no inquérito, na instrução, no
julgamento ou em fase de recurso) como um sujeito isento e objectivo.(…)Não
sendo naturalmente uniformes as exigências constitucionais de fundamentação
relativamente a todo o tipo de decisões judiciais, como já se referiu, algumas
destas hão-de ser objecto de um dever de fundamentar de especial intensidade.
Entre elas, facilmente se convirá estarem as decisões finais em matéria penal,
mormente as condenatórias, na primeira linha.(…)Ora, é bem certo não se estar,
no caso dos autos, perante uma sentença proferida após audiência de julgamento,
mas o efeito é o mesmo, ou seja, a não pronúncia do arguido equivale a uma
sentença absolutória.Daí se poder entender que o dever de fundamentação deve
rodear-se de idênticas cautelas e encontrar-se sujeito aos mesmos
requisitos.(…)”
Conclui assim: “(…) Julga-se, assim, que este Tribunal Constitucional deverá: a)
Considerar inconstitucional a norma constante do art. 425, n.º 5 do Código de
Processo Penal, quando interpretada no sentido de que um Acórdão de um Tribunal
da Relação, que confirme um despacho de não pronúncia proferido em sede de 1ª
instância – um acórdão absolutório, como tal irrecorrível – se pode limitar a
negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada,
sem necessidade de uma mais cuidada fundamentação dessa mesma decisão.b)
Conceder nessa medida, provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser
reformulada de acordo com o julgamento de inconstitucionalidade que vier a ser
preferido por este Tribunal (…)”.
4. Apresentaram contra-alegação os recorridos A., B. e C.; invocaram questões
prévias obstativas do conhecimento do recurso, designadamente por violação do
artigo 72.º, n. 2 da Lei do Tribunal Constitucional, já que o Ministério Público
não suscitara perante o tribunal comum, podendo e devendo fazê-lo, a questão da
inconstitucionalidade objecto do recurso.Concluem assim:“(…)A. Pese, embora,
ser materialmente inconstitucional a norma do número 5 do artigo 425° do Código
de Processo Penal, a correspondente declaração não pode ser proferida no âmbito
e em decisão deste recurso por o mesmo ser inadmissível, vista a ineptidão, por
ininteligibilidade do pedido, do recurso de interposição (contradição nos seus
termos e ininteligibilidade do petitório); B. Vista, ainda, a violação da
norma do número 2 do artigo 72° da Lei do Tribunal Constitucional, por omissão
pelo Ministério Público do “modo processualmente adequado” de agir, que seria a
arguição, prévia, da nulidade da decisão perante o Tribunal recorrido;C.
Vista a inutilidade do recurso, por a hipotética decisão favorável, não operando
sobre a decisão do Tribunal Recorrido, não poder, igualmente, operar
indirectamente sobre ela, por a única consequência de tal decisão favorável ser
a nulidade da decisão, que não pode ser declarada sem prévia arguição,
encontrando-se precludido, pelo decurso do prazo, o correspondente
direito;Termos em que, rejeitando, por inadmissibilidade dele, este recurso,
farão Vossas Excelências a habitual JUSTIÇA (…)”5. Notificação das
contra-alegações dos recorrentes, respondeu o Ministério Público à questão
prévia, declarando manter o entendimento já expresso na sua alegação. II -
Fundamentação6. Importa, em primeiro lugar, apreciar os obstáculos levantados ao
prosseguimento do recurso, designadamente por a questão de inconstitucionalidade
não haver sido suscitada perante o tribunal comum. Com efeito, conforme se
afirmou no Acórdão n.º 450/87, «tem este Tribunal entendido, em jurisprudência
reiterada, que o pressuposto da invocação prévia da inconstitucionalidade
'durante o processo', exigido para a admissibilidade do recurso previsto no
artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição [e no artigo 70.º, n.º 1, alínea
b), da Lei do Tribunal Constitucional], deve ser tomado, 'não num sentido
puramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à
extinção da instância)', mas num 'sentido funcional', tal que 'essa invocação
haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse
conhecer da questão'. Ou seja: a inconstitucionalidade haverá de suscitar-se
'antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que [a mesma
questão de inconstitucionalidade] respeita'. Um tal entendimento decorre do
facto de se estar justamente perante um recurso para o Tribunal Constitucional –
o que pressupõe, obviamente, uma anterior decisão do tribunal a quo sobre a
questão (de constitucionalidade) que é objecto do mesmo recurso.» A questão
deve, por isso, ser suscitada antes de se ter esgotado o poder jurisdicional da
instância recorrida, de forma a obter uma decisão susceptível de ser impugnada
perante o Tribunal Constitucional, evitando que este, ao conhecer dela sem a
certeza de ter sido pelo menos implicitamente ponderada, se substitua à
instância recorrida, assim ultrapassando os seus poderes de cognição.Ficam, no
entanto, ressalvados os casos em que, de forma excepcional ou anómala, o
interessado não dispôs de oportunidade processual para levantar a questão de
inconstitucionalidade antes de proferida a decisão (Acórdãos n.ºs 521/95,
364/2000), assim como naqueles casos em que ao interessado não era exigível que
antevisse a possibilidade de aplicação concreta da norma, de modo a impor-se-lhe
o ónus de suscitar a questão antes da decisão. Mas o Tribunal tem exigido,
nestes casos, que a mobilização da norma haja sido “insólita” e “imprevisível”,
sendo então desrazoável e inadequado exigir ao interessado um prévio juízo de
prognose relativo à sua aplicação, suscitando desde logo a questão de
inconstitucionalidade (Acórdãos n.ºs 61/92, 569/95, 79/2002 e 120/2002).Já será,
no entanto, exigível ao interessado a suscitação prévia da questão de
inconstitucionalidade em todos os casos em que é previsível a aplicação da norma
impugnada. Recai, pois, sobre as partes o ónus de analisarem o leque de escolha
e interpretação do direito, e prevenirem a hipótese de aplicação de norma
constitucionalmente desconforme.Em regra, portanto, não pode a questão de
inconstitucionalidade ser suscitada apenas no requerimento de interposição do
recurso para o Tribunal Constitucional; ou, talvez mais rigorosamente, se a
questão de inconstitucionalidade é levantada só no requerimento de interposição
do recurso para o Tribunal Constitucional, não pode ela considerar-se suscitada
«durante o processo» para o efeito do citado artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da
Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, e não pode o Tribunal conhecer do objecto do
recurso.7. Ora, o Ministério Público invoca, no requerimento de interposição de
recurso e na sua alegação, que o artigo 425º, nº 5, do Código de Processo Penal
apenas foi aplicado na decisão da 2ª instância (Relação de Évora), decisão,
essa, insusceptível de qualquer outro recurso, pelo que a matéria apenas poderia
ser colocada no requerimento de interposição. Vejamos.A alínea d) do n.º 1 do
artigo 400.º do Código de Processo Penal foi introduzida pela Lei n.º 59/98 de
25 de Agosto. O n.º 5 do artigo 425.º foi introduzido no Código de Processo
Penal de 1987 através do Decreto-Lei n.º 320-C/2000 de 15 de Dezembro. No
preâmbulo deste diploma revelou o legislador que pretendia ajustar o Código de
Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro,
alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de
Junho, e 317/95, de 28 de Novembro, e pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, a uma
das «prioridades» da política de justiça, a saber, o combate à morosidade
processual. Admitiu-se que a aplicação das normas do Código de Processo Penal
revelava que ainda persistiam algumas causas de morosidade processual que
comprometiam a eficácia do direito penal e o direito do arguido «ser julgado no
mais curto prazo compatível com as garantias de defesa», nos termos do n.º 2 do
artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, tornando-se assim imperioso
efectuar algumas alterações legais por forma a alcançar tal objectivo. Entre
outras medidas que agora não relevam, passou a prever-se a hipótese de os
acórdãos absolutórios enunciados na alínea d) do n.º 1 do artigo 400.º, que
confirmem decisão de 1.ª instância sem qualquer declaração de voto, poderem
limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da
decisão recorrida, por nestas circunstâncias se poder legitimamente pensar que
essa decisão já fornece todos os elementos indispensáveis à solução da
causa.Este tipo de decisões não admite recurso, conforme prevê o artigo 400.º,
n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal, consagrando a regra da «dupla
conforme», segundo a qual um segundo juízo absolutório não deve ficar sujeito a
uma terceira apreciação judicial.O Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 11
de Outubro de 2001, publicado na Colectânea de Jurisprudência (CJSTJ, III, pp.
196-198), decidiu que o acórdão da Relação que, em recurso, confirmar a decisão
de não pronúncia, por insuficiente indiciação dos factos acusados, constitui
decisão absolutória, ainda que formal, visto que determina a absolvição da
instância, não admitindo, consequentemente, recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça. E repetiu este julgamento em acórdão de 15 de Novembro de 2001
(Processo n.º 3652/01-5) e de 12 de Dezembro de 2002 (Processo n.º 4414/02-5),
para além dos indicados na própria decisão recorrida, a fls. 1451, de 8 de Julho
de 2003 (Processo n.º 2304/03-5) e de 2 de Maio de 2006 (Processo n.º
849/2006-5) e dos indicados no requerimento de interposição de recurso, a fls.
1461, de 29 de Novembro de 2000 (Processo n.º 2113/2000-3), de 5 de Abril de
2001 (Processo n. 870/01-5), de 6 de Fevereiro de 2002, 7 de Fevereiro de 2002 e
20 de Fevereiro de 2002.Era assim seguro, no caso em presença, que, havendo
confirmação do despacho recorrido, a Relação podia limitar-se a negar provimento
ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada ao abrigo do
artigo 425.º, n.º 5 do Código de Processo Penal.Não só era, portanto, exigível
ao recorrente que considerasse a norma aplicável como tinha necessariamente que
contar com a sua aplicação, vista a consolidada jurisprudência na caracterização
de tal acórdão confirmatório de uma decisão de não pronúncia como acórdão
absolutório para os efeitos previstos no artigo 400.º, n.º 1, alínea d) e,
consequentemente, no artigo 425.º, n.º 5 do Código de Processo Penal.Deste modo,
não pode dizer-se que o Ministério Público tenha sido confrontado com a
utilização de uma norma de todo em todo «insólita» e «impensável», sobre a qual
seria inteiramente desrazoável exigir-se-lhe um prévio juízo de prognose
relativo à sua aplicação. Pelo contrário, cabia-lhe o ónus de suscitação da
questão perante o tribunal de 2ª instância, caso entendesse que a norma em causa
era inconstitucional. E teve ocasião privilegiada para o fazer, pois, para além
da motivação do recurso da decisão de 1ª instância, gozou da oportunidade
conferida pela «visto» do processo já Relação, nos termos artigo 416.º do Código
de Processo Penal, em que emitiu parecer. Não o tendo feito, perdeu, por
inverificação deste requisito, o direito de recorrer para o Tribunal
Constitucional. Não pode, em suma, o Tribunal Constitucional conhecer do objecto
do recurso, por falta de suscitação de modo processualmente adequado da questão
de constitucionalidade.
III - Decisão8. Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do recurso. Sem
custas.
Lisboa, 12 de Maio de 2010
Carlos Pamplona de Oliveira
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
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