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Processo n.º 742/09
Plenário
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em
que é recorrente o Município de Guimarães e recorrido A., S.A., foi interposto
recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º
da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional
(LTC), da sentença daquele Tribunal, proferida a fls. 122 e s., na parte em que
recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica (artigos
103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP), das normas do artigo 2.º do
Regulamento de Taxas e Licenças e do artigo 31.º da Tabela de Taxas do Município
de Guimarães, quando interpretadas no sentido de incidirem sobre o licenciamento
de painéis publicitários instalados em propriedade privada, na medida em que
concretizam a criação de verdadeiros impostos.
2. O presente recurso emerge de impugnação judicial da liquidação de “taxa de
publicidade” no montante de 177,13 euros, proposta por A., S.A. contra o
Município de Guimarães.
A “taxa” em causa foi cobrada pela renovação de uma licença de afixação de um
reclamo luminoso com os dizeres “…”, afixado num prédio particular.
A decisão sob recurso, louvando-se, além do mais, no Acórdão n.º 92/2002 do
Tribunal Constitucional, considerou que a “taxa de publicidade”, consagrada nas
normas em causa, reveste a natureza de verdadeiro imposto, quando interpretada
no sentido de incidir sobre o licenciamento de painéis publicitários instalados
em propriedade privada, e, como tal, essas normas, assim interpretadas, padecem
de inconstitucionalidade orgânica, por violação dos artigos 103.º, n.º 2, e
165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição.
3. O recorrente apresentou alegações onde conclui o seguinte:
«1ª) A taxa de licença para propaganda ou publicidade é, como o próprio nome
indica, uma taxa por se tratar de uma prestação que se tem de pagar à Câmara
Municipal como retribuição pela licença que esta lhe concede para afixar ou
manter afixada uma mensagem publicitária visível da via pública.
2ª) O imposto é uma prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem o carácter
de sanção, exigida pelo Estado ou por outra pessoa de direito público com vista
à realização dos fins públicos.
3ª) Em defesa da tranquilidade pública, do sossego público, dos bons costumes,
da segurança e, inclusive, da estética urbana compete ao Município regular a
utilização, nas vias e logradouros públicos e, de um modo geral, nos lugares
franqueados ao público ou visíveis da via pública, dos meios de propaganda ou
publicidade, quando consistirem na emissão de sons ou ruídos, na instalação de
mostruários ou na afixação de letreiros, painéis ou cartazes.
4ª) Em face do exposto tem de considerar-se que a taxa de publicidade não é um
imposto, mas sim uma taxa.
5ª) Não é necessária a utilização de bens de dominialidade pública, semi-pública
ou colectiva, para que as receitas obtidas pela remoção de um obstáculo à
actividade dos particulares se possa qualificar como “taxa”.
6ª) A afixação ou inscrição de publicidade e propaganda comercial, quer seja
instalada em suporte físico de pertença pública ou quer seja de pertença
particular, carece de licenciamento pelo município da área dessa instalação, não
distinguindo a lei, para este efeito, se tais mensagens se encontram afixadas ou
inscritas em propriedade pública ou em propriedade particular, parecendo ter
eleito um critério de fim ou funcional, tendo em vista a salvaguarda do
equilíbrio urbano e ambiental na área desse município.
7ª) Dúvidas não restam, assim, que tal actividade de afixação de publicidade por
particulares, quer em meios móveis ou imóveis, é relativamente proibida,
consistindo o sinalagma na actividade de verificação das condições
indispensáveis à remoção do limite jurídico a essa actividade pelo Município, e
parecendo não exigir a lei a necessidade cumulativa de utilização de um bem
público ou semi-público.
8ª) O Município exerce um poder de polícia sobre o uso de tais instrumentos de
difusão, por cujo exercício poderá cobrar a respectiva taxa.
9ª) Tratando-se, como se trata, de um tributo decorrente da remoção de um limite
jurídico à actividade dos particulares, que é relativamente proibida - licença -
é de a qualificar como taxa, ainda que os bens sobre que são instalados esses
meios sejam privados que não públicos ou semi-públicos, por a lei o não exigir.
10ª) Tem se entendido que tem a natureza de taxa a (contrapartida) exigida pelo
Município pela autorização de fixação de publicidade ou inscrição, em telhados e
terraços dos edifícios privados, aplicada essencialmente para ser visível dos
espaços públicos, porquanto representa a utilização individual concreta do
espaço aéreo que é um bem público e do bem público “ambiente” que é modelado e
salvaguardado essencialmente pelos municípios pela sua intervenção na área do
urbanismo, do sossego, tranquilidade e saúde públicas, quer o direito de
construir seja visto como uma autorização ou como faculdade co-natural do
direito de propriedade.
11ª) In casu sucede isto mesmo porquanto o reclamo luminoso com os dizeres “…”,
com a área de 11 m², destina-se, como é evidente, essencialmente, a ser visível
dos espaços públicos.
12ª) Aliás, este sentido mais amplo de taxa, sem a necessidade da exigência
cumulativa de utilização de um bem público ou semi-público tem consagração legal
na Lei Geral Tributária (LGT), no seu art.° 4.º n.° 2, que refere que “As taxas
assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do
domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos
particulares”.
13ª) Ou seja, sem distinguir se tal remoção pode incidir em bens que não sejam
do domínio público ou semi-público, parecendo que também aos privados abrangerá,
por os não limitar àqueles, o que só poderá significar que tal utilização de um
bem do domínio público ou semi-público, não é caracterizador da figura da
«taxa», antes sobre os bens privados também poderá incidir, perspectivada
conceitualmente numa vertente funcional, que como acima se viu, parece ter sido
o critério eleito pelo legislador ordinário no âmbito do seu poder de
conformação.
l4ª) Assim, é de concluir que as quantias cobradas pelo Município de Guimarães,
como contrapartida pela renovação da licença de afixação de painéis
publicitários em edifícios privados, constitui uma verdadeira taxa e que, por
isso, o Regulamento referido em f) dos factos provados não viola qualquer
normativo constitucional.
15ª) A decisão recorrida violou, entre outras, a norma do artigo 4.º n° 2 da Lei
Geral Tributária.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, determinando-se a
revogação da sentença recorrida e a respectiva substituição por outra que julgue
as normas do artigo 2° do Regulamento de Taxas e Licenças e do artigo 31° da
Tabela de Taxas do Município de Guimarães conformes aos princípios
constitucionais e, assim, julgue improcedente a impugnação, mantendo a
liquidação da taxa de publicidade impugnada,
Isto para que uma vez mais se faça
JUSTIÇA!»
4. A recorrida não contra-alegou.
5. Por decisão do Presidente do Tribunal Constitucional, tomada com a prévia
concordância deste Tribunal, foi determinado que o julgamento se fizesse com
intervenção do plenário, nos termos do artigo 79.º-A da LTC.
II - Fundamentação
6. O artigo 2.º do “Regulamento de Taxas e Licenças Municipais”, da Câmara
Municipal de Guimarães para o ano de 2007 (aprovado por deliberação da Câmara de
9.11.2006 e sancionado pela Assembleia Municipal, em sessão de 24.11.2006), tem
o seguinte teor:
«Artigo 2.º
Objecto
1.O presente Regulamento e Tabela anexa aplicam-se a todas as actividades
dependentes de licenciamento ou autorização, pela prestação de serviços e por
compensações devidas pelos particulares pelo exercício de actividades do seu
interesse, e quando se não encontrem abrangidas por regulamento específico.
2. A Tabela anexa não inclui as taxas a cobrar pelo licenciamento de obras
particulares e loteamentos e a taxa municipal de urbanização, que são objecto de
Regulamento próprio.»
O artigo 31.º da “Tabela de Taxas” anexa ao citado Regulamento estabelece o
seguinte:
«Artigo 31.º
1. Anúncios luminosos – por metro quadrado ou fracção e por ano
€15,83 e)
2. Frisos luminosos, quando sejam complementares dos anúncios e não entrem na
medição, por metro linear ou fracção e por ano
€6,38 e)
e) Não sujeito a IVA»
No presente recurso está em causa a apreciação da constitucionalidade destas
normas – concretamente do n.º 1 do artigo 2.º do “Regulamento de Taxas e
Licenças Municipais” e do artigo 31.º da “Tabela de Taxas” a ele anexa – quando
interpretadas no sentido de a taxa aí prevista incidir sobre o licenciamento de
painéis publicitários instalados em propriedade privada.
É determinante para o sentido da decisão a qualificação da prestação
coactivamente imposta por regulamento municipal aos particulares interessados na
colocação de painéis publicitários: sendo manifesta a inobservância de
exigências constitucionais em matéria de impostos, a inconstitucionalidade
orgânica que daí alegadamente resulta só não se verifica se ao tributo em causa
não couber tal designação.
As notas básicas do conceito de “taxa”, por contraposição às de “imposto”,
encontram-se bem consolidadas, na doutrina e na jurisprudência. Aponta-se ao
primeiro o carácter de bilateralidade, ao passo que a configuração do segundo se
traduz pela unilateralidade. Com tais menções, pretende-se assinalar a
diferenciada estrutura da relação obrigacional estabelecida com o ente público
credor: a taxa tem como causa uma contraprestação específica a favor do sujeito
a quem ela é exigida, enquanto que o imposto não está conexionado com uma
actividade determinada, a cargo da entidade que o fixa, de que seja
concretamente destinatário o contribuinte. As receitas produzidas com a
arrecadação dos impostos visam antes o financiamento geral dos serviços públicos
de que os cidadãos indiferenciadamente usufruem.
Mas, se dúvidas não há quanto a esta distinção de base, já oferece margem de
controvérsia a exacta natureza da contraprestação pública constitutiva da
relação de bilateralidade, sem a qual não há taxa. As divergências manifestam-se
quanto ao tipo de actividades prestativas que podem valer, para esse efeito.
Parte da doutrina, admitindo que a taxa pode traduzir-se na remoção de um
obstáculo à actividade privada, sustenta que a qualificação só se justifica
quando o levantamento desse obstáculo possibilite a utilização de um bem
semipúblico. A remoção de um limite, só por si, desacompanhada daquele outro
requisito cumulativo, não basta para ter como taxa a quantia paga para esse
efeito, cabendo-lhe antes a qualificação de imposto. É esta a posição marcante,
entre outros, de TEIXEIRA RIBEIRO. Definindo taxa como “a quantia coactivamente
paga pela utilização individualizada de bens semipúblicos”, o Autor rejeita
expressamente a valência autónoma, como elemento da qualificação, da remoção de
um obstáculo a certa actividade particular (“Noção jurídica de taxa”, RLJ 117.º,
289 s., 291-292).
7. Tem sido essa, também, a orientação perfilhada pelo Tribunal Constitucional,
em numerosos arestos sobre a questão da constitucionalidade das taxas devidas
pelo licenciamento de painéis publicitários colocados em propriedade privada.
Pronunciando-se sobre normas de diversos regulamentos e posturas municipais de
diferentes municípios, que prevêem o pagamento de uma taxa pela afixação de
painéis publicitários, o Tribunal tem reiteradamente julgado organicamente
inconstitucionais tais normas, por violação dos artigos 103.º e 165.º, n.º 1,
alínea i), da Constituição.
Em síntese, o Tribunal tem rejeitado a configuração como taxas de receitas em
que não se vislumbra que esteja em causa qualquer forma de utilização de um bem
público ou semi-público e em que o ente tributador não “venha a ser constituído
numa situação obrigacional de assunção de maiores encargos pelo levantamento do
obstáculo jurídico”.
A esse respeito lê-se no Acórdão n.º 558/98, que julgou inconstitucional as
normas do Regulamento e Tabela de Taxas Municipais da Câmara Municipal de
Guimarães, aplicável à data, referentes à utilização de veículos para
publicidade:
«[…] 2. É sabido que a doutrina portuguesa - que, neste particular, tem tido
acolhimento na jurisprudência que, a propósito, é seguida por este Tribunal -
tem realçado que a diferença específica entre «imposto» e «taxa» se situa na
existência ou não de um vínculo sinalagmático que é apontado à segunda. Assim, o
encargo característico das «taxas» representa como que, para se utilizarem as
palavras usadas no Acórdão nº 654//93 (ainda inédito) 'o 'preço' do serviço ou
da prestação de um serviço ou actividade públicas ou de uma utilidade de que o
tributado beneficiará (e sem aqui se olvidar que esse 'preço' não tem,
necessariamente, de corresponder à contrapartida financeira ou económica do
serviço prestado)'.
De outra banda, o «imposto», como se escreveu no Acórdão nº 313/92 (publicado na
2ª Série do Diário da República de 18 de Fevereiro de 1993), 'constitui, por si,
uma receita estadual - ou até da entidade pública legalmente habilitada a
cobrá-lo - que não é directamente destinada à satisfação das utilidades do
tributado como contrabalanço do usufruto dessa satisfação' (cfr., sobre o tema,
por entre outros, Teixeira Ribeiro 'Lições de Finanças Públicas', 267 e segs.,
e na 'Revista de Legislação e Jurisprudência', 117º, 3727, 289 e segs, Soares
Martinez, 'Manual de Direito Fiscal', 34 e segs., Cardoso da Costa, 'Curso de
Direito Fiscal', 4 e segs., Braz Teixeira, Princípios de Direito Fiscal, 43 e
44, Alberto Xavier, 'Manual de Direito Fiscal', 1º vol., 42 e segs., Maria
Margarida Mesquita Palha, Sobre o conceito jurídico de taxa, publicado em Centro
de Estudos Fiscais - Comemoração do XX Aniversário - Estudos, 2º Vol., 582 e
segs., Sá Gomes 'Curso de Direito Fiscal', 92 e segs. e, mais recentemente,
Pitta e Cunha, Xavier de Basto e Lobo Xavier, no artigo intitulado Os Conceitos
de Taxa e Imposto a propósito de Licenças Municipais, publicado na revista
FISCO, nº 51/52, 3 e segs.).
2.1. Como se viu, extrai-se do discurso empregue no aresto sob censura a ideia
base de acordo com a qual o encargo consubstanciado no pagamento da «taxa» in
specie traduz, ao fim e ao resto, uma contrapartida da actividade do ente
público Câmara Municipal de Guimarães e consistente na remoção de um limite
jurídico, qual seja o de proporcionar que o exercício da publicidade industrial
ou comercial, que é uma actividade relativamente proibida (por isso que estando
condicionada por razões de ordem urbana e ambiental, inculca o respectivo
licenciamento), possa vir a ser levado a efeito num dado caso. E, como aquela
actividade, que culmina na emissão de licença, implica uma verificação sobre se
estarão a ser respeitados os princípios informadores que regem a publicidade
(condensados, no que para o caso releva, nos artigos 6º a 22º-A do denominado
Código de Publicidade aprovado pelo Decreto-Lei nº 330/90, de 23 de Outubro, que
veio a sofrer alterações por intermédio dos Decretos-Leis números 74/93, de 10
de Março, 6/95, de 17 de Janeiro, e 61/97, de 25 de Março), não deixaria de
haver, quer na ocasião da emissão da licença, quer nas renovações anuais, uma
prestação de serviço que revertia em utilidade da recorrente, motivo pelo qual
não deixava de haver aqui o signalagma característico da «taxa».
Embora acompanhando em parte a ideia, perfilhada no acórdão prolatado no Supremo
Tribunal Administrativo de cuja impugnação se cura, de que a actividade
publicitária não é uma actividade plenamente livre, antes sendo uma actividade
relativamente proibida, este órgão de fiscalização concentrada da
constitucionalidade normativa não chega, porém, à mesma conclusão que aquela
decisão arrancou no que tange à conformidade com a Lei Fundamental da normação
em apreço.
Na verdade, das citadas disposições do Código da Publicidade (e ainda de outras
que no mesmo, e até em legislação avulsa, se podem encontar), resulta que a
publicidade (conceptualizada no seu artº 3º) e, mais concretamente, a actividade
publicitária (esta conceptualizada no artº 4º), não é uma forma livre de
comunicação. De facto, a mesma deverá ser pautada por determinados princípios
que o legislador entendeu por bem estabelecer, e é passível de restrições da
mais variada sorte (cfr. artigos 17º e seguintes; cfr., ainda, a nível de
direito interno, e a título meramente exemplificativo, os diplomas reguladores
da publicidade dos medicamentos, produtos farmacêuticos e produtos homeopáticos
para uso humano - Decretos- -Leis números 72/91, de 8 de Fevereiro, 100/94, de
19 de Abril, e 94/95, de 9 de Maio - , dos géneros alimentícios - Decreto-Lei nº
170/92, de Agosto, com as alterações decorrentes do Decreto-Lei nº 273/94, de
28 de Outubro -, dos brinquedos - Decreto-Lei nº 237/92, de 27 de Outubro -, do
tabaco - Decreto-Lei nº 226/83, de 27 de Maio, alterado pelos Decretos-Leis
números 393/88, de 8 de Novembro, e 253/90, de 4 de Agosto, Decretos-Leis nº
52/87, de 30 de Janeiro, e 346/88, de 29 de Setembro -, da publicidade exterior
junto de estradas municipais e dentro das áreas urbanas - Decreto--Lei nº
637/76, de 29 de Junho; a nível internacional convencional e por entre muito
mais que se poderia citar, a Convenção Europeia sobre a Televisão
Transfronteiras, maxime o que aí se dispõe nos seus artigos 11º e segiuntes, a
Resolução do Conselho da Europa nº 543, de 17 de Maio de 1973, que adoptou os
princípios estabelecidos na chamada Carta de Protecção do Consumidor, e a
Directiva nº 84/450/CEE, de 10 de Setembro de 1984 do Conselho das Comunidades
Europeias em matéria de publicidade enganosa).
Por outro lado, em face dessa relativa proibição sobre a actividade
publicitária, mais propriamente sobre a afixação ou inscrição de mensagens
publicitárias de natureza comercial, veio- -se a estipular no nº 1 do artº 1º da
Lei nº 97/88, de 17 de Agosto, que a mesma, para poder ser exercida, carecia 'de
licenciamento prévio das autoridades competentes', comandando-se no seu nº 2
que, '[s]em prejuízo de intervenção necessária de outras entidades, compete às
câmaras municipais, para salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental, a
definição dos critérios de licenciamento aplicáveis na área do respectivo
concelho' (cfr., também, sobre a publicidade nas áreas urbanas, em lugares
públicos ou destes perceptível, e o cometimento do respectivo licenciamento às
câmaras municipais, o mencionado Decreto-Lei nº 637/76, no qual - vide artº 3º,
nº 2 -, se estabelece que as licenças são concedidas pelo prazo máximo de um
ano, renovável a título precário).
2.2. Simplesmente, não será do simples facto de o licenciamento da actividade
publicitária competir, na área dos respectivos municípios, às câmaras
municipais, que decorre, desde logo e sem mais, que o tributo cobrado pelas
edilidades aos responsáveis pela afixação e inscrição das mensagens de
propaganda, haja de ser considerado como uma «taxa».
Efectivamente, não passa este Tribunal em claro que, como se disse no citado
Acórdão nº 313/92, 'mesmo nas hipóteses em que a actividade dos particulares
sofre uma limitação, aqueloutra actividade estadual, consistente na retirada do
obstáculo à mencionada limitação mediante o pagamento de um tributo, é vista
pela doutrina como a imposição de uma «taxa» somente desde que tal retirada se
traduza na dação de possibilidade de utilização de um bem público ou
semi-público (cfr., sobre o ponto, Teixeira Ribeiro na citada Revista)',
acrescentando-se que, '[s]e este último condicionalismo não ocorrer,
deparar-se-á uma situação subsumível à existência de um encargo ou de uma
compensação tributo que se aproximará da figura do «imposto» nos termos que a
seguir se verão, sem que com isto se queira significar que a imposição de
contributo só é recondutível à dicotomia de «taxas» ou «impostos».
Na realidade, assente uma relação sinalagmática característica da «taxa», o que,
como é claro, implica uma contrapartida de diferentes naturezas por parte do
ente público impositor do tributo, tem a doutrina entendido que são
essencialmente três os tipos de situações em que essa contrapartida se verifica
e que se consubstanciam na utilização de um serviço público de que beneficiará o
tributado, na utilização, pelo mesmo, de um bem público ou semi-público ou de um
bem do domínio público e, finalmente, na remoção de um obstáculo jurídico ao
exercício de determinadas actividades por parte dos particulares (cfr. Teixeira
Ribeiro, ob. e local citados, Pitta e Cunha, Xavier de Basto e Lobo Xavier,
também ob. e loc. cits.).
Ora, quando em causa se encontra a terceira daquelas situações (rememore-se, a
que consiste no levantamento do obstáculo jurídico ao exercício de determinada
actividade por parte do tributado), defende a doutrina que o encargo pela
remoção - in casu, a concessão de licenciamento para a afixação ou inscrição de
publicidade - só pode configurar-se como «taxa» se com essa remoção se vier a
possibilitar a utilização de um bem semi-público (vide autores por último
citados e Sousa Franco in Finanças Públicas e Direito Financeiro, 4ª ed., vol.
1, 33, que, em vez de bens semi-públicos, fala de bens colectivos, quer públicos
ou privados de uma perspectiva de provisão pública, quer de bens colectivos
impuros).
Neste contexto, e não olvidando que a norma sub specie se reporta a painéis
publicitários afixados ou inscritos, não em quaisquer bens ou locais públicos ou
semi-públicos, mas sim em veículos de transporte colectivo ou em veículos
particulares (e são desta última espécie os veículos da recorrente), não se
lobriga, por um lado, que forma de utilização de um bem semi-público esteja em
causa e, por outro, que o ente tributador venha a ser a ser constituído numa
situação obrigacional de assumpção de maiores encargos pelo levantamento do
obstáculo jurídico.
Mas, mesmo que o tributo criado pela norma em análise, possa ser visualizado
como aquilo que certa doutrina (designadamente estrangeira) apelida de
contribuições especiais ou tributos especiais (cfr. Perez de Ayala e Eusebio
Gonzalez Curso de Derecho Tributário, 1º Tomo, 208), o que é certo é que a
doutrina nacional, quase diríamos sine discrepante, tem sustentado que tais
contribuições ou tributos não devem, do ponto de vista do seu tratamento, ser
vistas diferenciadamente dos «impostos».
Em face do exposto, e porque se não vê, por um lado - perspectivando o tributo
em causa como um encargo derivado pelo levantamento de obstáculos jurídicos ao
exercício ou ao desenvolvimento de uma actividade por parte de um particular -
que haja da sua parte a utilização de um bem semi-público (ou colectivo na
linguagem de Sousa Franco) e, por outro, que, mesmo na óptica de nos situarmos
perante uma contribuição ou um tributo especial, ele devesse ter um tratamento
sui generis diferente do que deve ser conferido aos impostos, uma só solução se
nos anteolha. É ela a de a respectiva imposição haver de obedecer aos ditames
que pela Lei Fundamental são dirigidos aos «impostos».
E daí que a norma impositora do encargo em apreciação, porque criada por diploma
não emanado pela Assembleia da República (ou pelo Governo devidamente
credenciado por aquela), deva ser considerada como enfermando do vício de
inconstitucionalidade orgânica. […]»
A jurisprudência fixada neste aresto foi reiterada nos Acórdãos n.ºs 63/99,
32/2000, 346/2001, 92/2002, 436/2003, 437/2003 109/2004 e 166/2008, que julgaram
organicamente inconstitucionais as normas dos correspondentes “Regulamentos
sobre Publicidade” e “Tabela de Taxas” dos Municípios de Lisboa, do Porto e de
Cascais, relativas à taxa devida pela afixação de reclamos luminosos em telhados
de ou nos próprios prédios pertencentes a particulares.
8. Esta orientação restritiva entronca na conceptologia própria da ciência das
finanças públicas, como os seus defensores reconhecem. TEIXEIRA RIBEIRO, por
exemplo, aponta essa matriz, quando declara que houve que “pedir às Finanças
Públicas o conceito de taxa”, na ausência de uma definição legal (ob. cit.,
291).
Acontece, porém, que essa situação se alterou com a promulgação da Lei Geral
Tributária (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro). Na
verdade, o artigo 4,º, n.º 1, desse diploma veio explicitar que «as taxas
assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do
domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos
particulares». De igual modo, a Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro (alterada
pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e pela Lei n.º 117/2009, de 29 de
Dezembro), que aprova o regime geral das taxas das autarquias locais, consagra,
no artigo 3.º, idêntica categorização.
Perante esta enumeração tripartida das categorias de prestação pública que dão
causa e servem de contrapartida à prestação exigível a título de taxa, é
incontroverso que o legislador não acolheu aquela concepção restritiva, tendo
antes considerado a remoção de um obstáculo jurídico como pressuposto
autosuficiente da figura. A própria formulação utilizada sugere isso mesmo, pois
a disjuntiva que antecede a referência final corta toda a ligação conectiva com
os dois tipos de contraprestação antes expressos. E não faria, na verdade,
qualquer sentido que o enunciado legal previsse um terceiro grupo de situações,
em alternativa às duas outras anteriormente previstas, para se concluir que não
se chega, afinal, a ultrapassar o âmbito da “utilização de um bem do domínio
público”, pois só conta a remoção que a ela conduza.
Não pode extrair essa conclusão um intérprete obrigado a presumir que o
legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (artigo 9.º,
n.º 3, do Código Civil). A não valer por si mesma, sem mais, a previsão do
último tipo de situações qualificadoras da taxa seria inteiramente dispensável e
enganadora. Até porque a utilização de um bem público implica sempre uma prévia
permissão ou autorização dessa conduta, sem a qual a utilização está vedada. No
quadro dessa previsão, os dois pressupostos estão sempre interligados, sendo
manifestamente inapropriada a criação de uma outra hipótese de contraprestação,
com um âmbito aplicativo inteiramente coincidente com o de outra já prevista.
Pode até concluir-se, tendo em conta esse factor sistemático de interpretação,
que o espaço de operatividade autónoma, em face da previsão anterior, da
modalidade consistente na remoção de um obstáculo jurídico é precisamente dado
por aqueles casos em que essa remoção não está funcionalizada à utilização de um
bem público.
Esta noção mais ampla de taxa não representa, aliás, uma inovação, por via
legislativa, pois o legislador limitou-se a perfilhar uma orientação,
contraposta à acima referida, já anteriormente presente num significativo sector
da doutrina portuguesa. Na verdade, a classificação tripartida, sem qualquer
restrição, das modalidades de taxas já era advogada por autores como ALBERTO
XAVIER, Manual de direito fiscal, I, Lisboa, 1974, 42-43 e 48-53, BRAZ TEIXEIRA,
Princípios de direito fiscal, I, Coimbra, 1985, 43, e SOUSA FRANCO, Finanças
públicas e direito financeiro, II, 4.ª ed., 1992, 64.
9. Mas a adopção, pelo legislador ordinário, deste conceito de taxa, posto que
não deva ser desconsiderada, não resolve a questão de constitucionalidade.
Trata-se, na verdade, de um conceito vigente na ordem infraconstitucional, sem
qualquer garantia “automática” de aplicabilidade no plano da Constituição. Como
logo se afirmou, a este propósito, no Acórdão n.º 346/2001, e foi reiterado em
arestos posteriores, o princípio da constitucionalidade opõe-se a que os
preceitos e princípios constitucionais sejam interpretados “em função do direito
infraconstitucional em vigor”. Em face do conceito da lei ordinária, há que
aferir se esse é também o conceito pressuposto pelas normas constitucionais que
submetem as taxas a um tratamento diferenciado, em relação aos impostos. E não é
de afastar que tal conceito se revele inapto a definir adequadamente o âmbito de
incidência da não aplicação das exigências constitucionais referentes aos
impostos, o mesmo é dizer, que tenha cabimento um conceito “constitucional” de
taxa, mais restritivo do que o fixado na Lei Geral Tributária.
Mas o tratamento da questão, no específico plano jurídico-constitucional, não
pode ignorar este dado legislativo, pois o que urge saber, ao fim e ao cabo, é
se há fundamento para nos afastarmos do conceito de direito ordinário. Não
havendo, nesta matéria, uniformidade de posições doutrinais, “o mais” da
consagração legislativa de uma das duas orientações em confronto, sem ser
decisivo, deve contar, na apreciação a fazer quanto à noção de taxa presente na
disciplina constitucional. E, nesta perspectiva, não é descabido considerar que
o ónus da argumentação incide com peso acrescido sobre os que entendem ser
aquele conceito imprestável, no plano da normatividade constitucional.
Importaria deixar a claro que, com a noção mais extensiva de taxa, ficam
libertos das exigências constitucionais respeitantes à imposição de impostos
tributos que, de acordo com a teleologia própria dessas exigências, a elas
deveriam ficar submetidas.
Ora, não vemos que tenha sido avançado, nem na doutrina, nem na jurisprudência,
qualquer argumento no sentido de que a noção de taxa, tal como estabelecida no
artigo 4.º, n.º 1, da LGT, e no artigo 3.º da RGTAL, contemplando como
modalidade autónoma a prestação exigível pela remoção de um obstáculo jurídico
ao comportamento dos particulares, “não serve” ao princípio da legalidade no
domínio fiscal, por comprometer as valorações que lhe subjazem.
Não só isso não foi feito como, pelo contrário, já se argumentou
convincentemente no sentido da adequação do conceito de direito ordinário às
razões constitucionais de diferenciação do tratamento das duas espécies de
tributos.
Essa ideia já encontra eco na declaração de voto do Conselheiro Benjamim
Rodrigues, apensa aos Acórdãos n.º 436/2003 e n.º 34/2004, onde se salienta que,
com a qualificação dos tributos em causa como taxas, seguramente que não saem
“postergadas as exigências garantísticas que fundamentam a distinção funcional
dos conceitos”.
Mais recentemente, pode ler-se em CARDOSO DA COSTA, “Ainda sobre a distinção
entre ‘taxa’ e ‘imposto’ na jurisprudência constitucional”, Homenagem a José
Guilherme Xavier de Basto, Coimbra, 2006, 547 s., 570-571:
«Por seu turno, o ponto de vista do direito constitucional, ao distinguir entre
dois tipos fundamentais de receitas públicas, é naturalmente outro: é antes o da
diferente onerosidade de umas e outras para os obrigados ao respectivo pagamento
– a implicar um tratamento mais estrito e exigente (em particular no que
concerne ao princípio da legalidade) para aquelas receitas que correspondem a
uma pura “exacção”, sem que o seu sujeito passivo obtenha qualquer utilidade
específica (uti singuli) com o respectivo pagamento: aí, há que acautelar mais
intensamente (para nos restringirmos à consideração do mencionado princípio e
das suas funções), seja o direito de propriedade daquele contra exacções
desnecessárias ou exorbitantes, seja a legitimidade e a transparência
democrática da decisão que estabelece e fica a fundamentar tal exacção. Ora,
há-de reconhecer-se que, quando certa receita pública é exigida para que um
particular possa desenvolver determinada actividade ou praticar determinado
acto, que sem isso lhe estaria vedado, do pagamento dessa receita deriva sempre,
para quem o faz, uma utilidade do tipo antes referido (uma vantagem), traduza-se
ela em, ou implique ela ou não a utilização de um bem semipúblico».
Acompanhamos inteiramente estas considerações, que levaram o Autor a propender,
hoje, para acolher o critério fixado no artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral
Tributária.
10. Por detrás do conceito restritivo de taxa, estão razões pragmáticas, ligadas
à preocupação legítima de obstar a que, sob o rótulo enganador de “taxas”, se
obtenham verdadeiras receitas fiscais, receitas a que é de atribuir essa
qualificação por não se vislumbrar que o obstáculo a remover tutele um interesse
público que não seja esse mesmo, de ordem estritamente financeira. E há que
reconhecer que a noção ampla de taxa potencia o risco de verificação dessas
situações, em que a exigência de licença é uma “mero estratagema para obter
receitas” (CASALTA NABAIS, Direito fiscal, 5.ª ed., Coimbra, 2009, 15, n. 27).
Simplesmente, a solução vai longe demais, sendo patentemente desproporcionada à
prossecução do objectivo de combater a criação de verdadeiros impostos sem os
resguardos e as garantias constitucionalmente exigidos. Ela, na verdade, leva a
tratar igualitariamente (como impostos) todas as prestações exigidas pelo
levantamento de um obstáculo jurídico a uma actividade privada, se esta não se
traduzir na utilização de um bem semipúblico, sem levar em conta a natureza
finalística desse obstáculo, a razão de ser da sua existência e a concomitante
configuração real do interesse protegido. Esta orientação não separa aquilo que
pode e deve ser separado, já que todas as “taxas” devidas por licenças que não
se projectem na utilização de um bem semipúblico são tratadas como licenças
fiscais, apagando a autonomia e a especificidade, sob o ponto de vista
constitucionalmente relevante, das chamadas licenças administrativas ou
policiais – aquelas, no dizer de ALBERTO XAVIER (ob. cit., 53), “estabelecidas
predominantemente por razões gerais de ordem administrativa”.
A distinção a fazer não é, assim, entre as remoções que facultam e as que não
facultam a utilização de um bem semipúblico, mas entre as que afastam um
obstáculo real, ditado por um genuíno interesse administrativo, e as que
eliminam um obstáculo artificialmente erguido para, através da remoção,
propiciar à administração a cobrança de uma receita (cfr., quanto a esta
distinção, CASALTA NABAIS, ob. cit., 14-15, Autor que, no entanto, considera
“verdadeiras licenças fiscais” as taxas relativas à publicidade através de
anúncios).
O tratamento, de modo constitucionalmente adequado, das prestações devidas pela
concessão de licenças municipais não exige a diferenciação que o critério
restritivo de taxa propugna, mas uma outra, decorrente do indispensável controlo
sobre a verdadeira funcionalidade do obstáculo cujo levantamento justifica a
contrapartida pecuniária. O modo de combater a “fuga” para o regime mais
benévolo das taxas, sem que a natureza substancial da relação com o administrado
o legitime, passa, como acentua CARDOSO DA COSTA, por esse meio – o do «teste de
verosimilhança, destinado (…) a afastar a qualificação de “taxa” nos casos em
que ela se ligue à remoção de um obstáculo “artificial”, criado apenas para se
proporcionar a cobrança de uma receita (dito por outras palavras, nos casos em
que à criação do obstáculo não vá subjacente um interesse “administrativo”
autónomo, mas unicamente um interesse “fiscal”» (ob. loc. cit.).
11. Assente que há prestações conexas, sem mais, ao licenciamento de um
comportamento dos particulares, a que cabe, também do ponto de vista das
valorações constitucionais, a qualificação como taxa, cumpre ajuizar, por
último, se o tipo de situações de que o caso vertente é exemplo se integra nessa
categoria.
Está em causa, como já vimos, a colocação de um anúncio luminoso num prédio
particular. Seja qual for a materialidade concreta desse reclamo e o modo do seu
posicionamento no prédio – matéria sobre a qual não há elementos nos autos - não
sofre dúvidas de que o local de implantação do suporte físico da publicidade se
situa em domínio privado, num imóvel de propriedade privada. Mas isso não
invalida que, pelo seu modo funcional de ser, a actividade publicitária assente
em painéis ou inscrições se projecte visualmente no espaço público, interferindo
conformadoramente na configuração do ambiente de vivência urbana das
colectividades locais. A fixação do âmbito de incidência da taxa em questão leva
em conta isso mesmo, pois só são taxados “os anúncios que se divisem da via
pública” (observação 1), aplicável às normas do Capítulo IV, em que se integra a
do artigo 31.º, da Tabela de Taxas anexa ao Regulamento em causa).
Na busca da máxima perceptibilidade e do maior impacto da respectiva mensagem
junto dos potenciais consumidores ou utentes dos produtos ou serviços
publicitados, o anunciante utiliza, com muita frequência, formas agressivas de
comunicação, em termos luminosos, gráficos ou, até, de dimensão e destaque
físicos, pelo que a visualização tem verdadeiros efeitos intrusivos, no ambiente
de vida comunitária.
Contrariamente ao que transparece de algumas apreciações, a questão não se
resolve, pois, pela simples demarcação “física” dos espaços privado e público,
determinando-se a legitimidade da qualificação como taxa pela “ocupação” de um
ou de outro, por parte da fonte emissora da mensagem publicitária. «É que –
faz-se notar na referida declaração de voto do Conselheiro Benjamim Rodrigues –
a utilidade essencial e determinante na óptica do utilizador que o obrigado do
tributo obtém pela via do pagamento do tributo não é propriamente a utilidade
traduzida na afixação ou inscrição dos anúncios nos bens do domínio privado mas
sim, essencialmente, a utilidade dos mesmos poderem ser visíveis e tidos em
conta por quem circula nos espaços públicos planificados pelos municípios e cuja
preservação como ecologicamente sadios principalmente lhes compete».
A colocação, em prédios de propriedade privada, de anúncios de natureza
comercial tem directa e muito marcante incidência “externa”, que extravasa da
esfera dominial do respectivo titular. Pela natureza do efeito útil pretendido,
ela contende necessariamente com o espaço público, cuja gestão e disciplina
compete à edilidade exercitar. Justifica-se, assim, que a actividade
publicitária seja relativamente proibida (cfr., entre outros, o Acórdão n.º
558/98), ficando sujeita a um licenciamento prévio pelas câmaras municipais,
“para salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental” (artigo 1.º da Lei n.º 97/88
de 17 de Agosto, alterada pela Lei n.º 23/2000, de 23 de Agosto).
De forma alguma este regime pode ser perspectivado como um obstáculo jurídico
arbitrário, como uma intervenção abusivamente limitadora do jus utendi de um bem
privado, com o único fito de obter receitas. Independentemente da posição
adoptada quanto a saber se a iniciativa publicitária corresponde ou não ao gozo
de uma faculdade contida no direito de propriedade privada, não sofre dúvida de
que tal regime se encontra objectivamente legitimado pela tutela de reais
interesses públicos, cuja preservação é condição indispensável da “qualidade
ambiental das povoações e da vida urbana”, nos termos constitucionalmente
exigidos (alínea e) do artigo 66.º da CRP).
12. Mas a conexão privado-público, que se estabelece por força da afixação e
inscrição de mensagens de publicidade em prédios privados, não deve
representar-se apenas segundo um “modelo de limites”, traduzindo a ideia simples
de que ao privado cumpre respeitar as restrições que advêm da intangibilidade de
interesses públicos.
Se assim fosse, poderia ter cabimento a orientação que valora diferentemente a
taxa devida pela concessão da licença, como acto administrativo praticado em
dado momento temporal, das sucessivas renovações dessa taxa, das prestações
periodicamente reiteradas, em função da manutenção, ao longo do tempo, da
publicidade. Poderia sustentar-se, deste ponto de vista, que é apenas a
colocação da publicidade que requer, como contrapartida, a actividade
administrativa prévia de verificação da observância dos deveres negativos do
obrigado tributário, os quais dão conteúdo aos critérios de licenciamento
enunciados no artigo 4.º da Lei n.º 97/88. Uma vez prestado, esse serviço
público não se renova, pelo que não se divisa a existência de qualquer
contrapartida específica para a remuneração periódica da mera permanência do
reclamo (assim, o Acórdão n.º 437/2003; cfr. ainda o Acórdão n.º 166/2008, onde
se salienta que, estando em causa – como acontece nos presentes autos – a
renovação da licença e não o licenciamento ex novo, «mais reforça a ausência de
correspectividade/sinalagmaticidade entre a taxa devida e o serviço a prestar
pelo município, na medida em que a publicidade em causa já se encontra
devidamente afixada no imóvel pertencente à recorrida, não se vislumbrando que
serviços concretos poderia aquele município ser forçado a praticar, por força da
mera renovação da licença»).
Afigura-se-nos que esta orientação, para além de se apoiar numa compreensão
restritiva do conceito de taxa, denegatória da autonomia da modalidade
consistente na remoção de um obstáculo jurídico, é excessivamente redutora do
conteúdo da relação estabelecida entre o anunciante e a administração local. Não
está em causa apenas o interesse de integridade dos valores, ambientais,
urbanísticos e outros, que poderiam ser afectados por causa da actividade
publicitária, interesse esse acautelado através da intervenção administrativa de
fiscalização do cumprimento dos deveres específicos de omissão enumerados no
artigo 4.º da Lei n.º 97/88. A emissão da licença, o mesmo é dizer, o
levantamento do obstáculo jurídico (que já vimos não ser arbitrário) dá origem a
uma relação com o obrigado tributário distinta da que intercede com a
generalidade dos administrados, no quadro da qual a entidade emitente assume uma
particular obrigação – a duradoura obrigação de suportar (pati) uma actividade
que, embora respeitando aqueles deveres, interfere permanentemente com a
conformação de um bem público. Com o licenciamento, alteram-se as posições
jurídicas recíprocas de administração e administrado, ficando aquela onerada,
enquanto a situação persistir, com uma obrigação até aí inexistente.
Inversamente, o anunciante ganha título para uma activa e particular fruição, em
termos comunicacionais, do espaço ambiental, necessária à realização da
utilidade individual procurada, a qual não se confunde com o gozo passivo desse
espaço, ao alcance da generalidade dos cidadãos (cfr., todavia, o Acórdão n.º
437/2003). Em exclusivo proveito próprio, um sujeito privado – o anunciante –
introduz, através da actividade publicitária, mudanças qualitativas na percepção
e no gozo do espaço público por parte de todos os que nele se movem,
“moldando-o”, em função do seu interesse. A constituição da obrigação passiva de
se conformar com essa influência modeladora é justamente a contrapartida
específica que dá causa ao pagamento da taxa, estruturando, em termos
bilaterais, a relação estabelecida com o obrigado tributário.
Findo o prazo para o qual tinha sido concedida a remoção da proibição do
exercício da actividade publicitária, torna-se necessário proceder à reavaliação
da situação, do ponto de vista da permanência das condições legais de
licenciamento, o que justifica a cobrança de uma nova prestação tributária. Essa
reavaliação é um pressuposto da continuidade da fruição, por um novo período,
das utilidades propiciadas por tal actividade, no que o particular se mostra
interessado. Não faz sentido, atenta essa relação causal, distinguir o
licenciamento da sua renovação, ou a contrapartida devida pelo período inicial
das que são exigíveis pelos períodos de renovação da licença.
Assim como, noutra dimensão problemática, não há razões para considerar a taxa
de publicidade consumida por anteriores quantias devidas para a realização de
outros trâmites de que eventualmente depende a utilização de edifícios privados
para fins publicitários. Já defendida na doutrina (cfr. P. PITTA e CUNHA/J.
XAVIER DE BASTO/A. LOBO XAVIER, “Os conceitos de taxa e imposto a propósito de
licenças municipais”, Fisco, ano 5 (1993), 3 s., 6-7), esta tese ignora a
especificidade da contrapartida outorgada ao anunciante, inconfundível com
qualquer outra e autónoma em relação a causas de prestação com ela eventualmente
cumuláveis.
III - Decisão
Pelo exposto, acordam em:
a) Não julgar organicamente inconstitucionais as normas do artigo 2.º, n.º
1, do Regulamento de Taxas e Licenças (aprovado por deliberação da Câmara
Municipal de Guimarães, de 9.11.2006 e sancionado pela Assembleia Municipal, em
sessão de 24.11.2006) e do artigo 31.º da Tabela de Taxas àquele anexa, na
medida em que prevêem a cobrança da taxa aí referida pela afixação de painéis
publicitários em prédio pertencente a particular;
b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso.
Sem custas.
Lisboa, 5 de Maio de 2010
Joaquim de Sousa Ribeiro
Catarina Sarmento e Castro
João Cura Mariano
Vítor Gomes (revendo posição)
Ana Maria Guerra Martins (revendo posição)
José Borges Soeiro
Maria Lúcia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão (revendo posição)
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos. Revendo a posição assumida nos acórdãos n.ºs 436/2003 e
437/2003
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