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Processo n.º 112/10
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. e B. reclamam, ao abrigo do n.º 1, alínea b) do artigo 70.º da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do despacho que não admitiu o recurso que
interpuseram do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Outubro de 2009
que, julgando procedente a questão prévia da ilegitimidade dos recorrentes
suscitada pelo Ministério Público, rejeitou o recurso contencioso em que
impugnavam uma decisão do Conselho Superior da Magistratura (Plenário) que não
apreciou a reclamação da decisão do Conselho Permanente que arquivara uma queixa
disciplinar apresentada contra um juiz de direito.
Argumentam como segue:
“(…)
3. Foi interposto recurso de constitucionalidade, alegado que foi contrariar a
norma de base do dispositivo o preceito dos art.ºs 20.º e 268.º/4/5 da CRP.
4. E quais foram os artigos de lei inconstitucionais convocados ao requerimento
de interposição de recurso- O art.º 41.º da Lei 58/2008, de 09/09, e o art.º
131.º do EMJ, aquele que atribui ao Conselho Superior da Magistratura as
competências disciplinares, este que refere ser a supletividade do Estatuto da
Função Pública.
5. Acrescentaram os reclamantes que os preceitos seriam inconstitucionais, na
leitura de não possibilitarem aos particulares reagirem perante qualquer decisão
disciplinar do Conselho Superior da Magistratura.
6. Mas, o Ilustre Conselheiro Relator não recebeu o recurso, argumentando que
nenhuma das duas disposições foi aplicada, no caso concreto.
7. Não é assim, contudo: «não relevam.., para o exercício do poder disciplinar
os interesses pessoais dos participantes, ainda que, porventura, por ele
resultem reflexamente (e não directamente) protegidos ou condicionados,
interesses a ser prosseguidos por outras vias, maxime, através de acções cíveis
ou criminais; ... o acto não assume adequadamente para o recorrente
potencialidade lesiva, nesse sentido mostrando-se inimpugnável.» – Eis a
argumentação do Supremo Tribuna de Justiça, que a fez sua o acórdão,
extractando-a do parecer do Ministério Público.
8. Parece evidente que este argumento pressupõe um entender do sistema
disciplinar da magistratura judicial, fixado nas normas indicadas no
requerimento de interposição de recurso, que as densifica numa pré-compreensão
que rege e regeu a sentença.
9. Porém, acrescentou, o acórdão: «consigna-se, a terminar, que não se emite
pronuncia sobre a invocada.., inconstitucionalidade da interpretação da norma do
art.º 41.º da Lei 58/2008, de 09/2009 (EDTFP), alegadamente aplicável ao caso
como direito subsidiário, por via do art.º 131.º EMJ, por não se ter feito
aplicação de tais preceitos, estando unicamente em causa a norma, directamente
aplicável, do art.º 164.º/1 do último diploma legal.»
10. Acontece que esta última norma é um corolário das disposições inaugurais da
conformidade da apreciação disciplinar dos casos submetidos ao Conselho Superior
da Magistratura.
11. Assim, convocada esta para decidir, é convocada automaticamente a matriz,
que os reclamantes invocaram sobre espécie da inconstitucionalidade, na
interpretação coincidente com o sentido que o Supremo Tribunal de Justiça deu ao
sistema, nomeando apenas a norma corolário e não os fundamentos normativos
integrais.
12. Portanto, é argumento falacioso aquele que foi levado ao não recebimento do
recurso: pretende «esconder o sol com uma peneira», o que a sabedoria popular
nos diz ser impossível.
13. Em suma: a decisão do Supremo Tribunal de Justiça arranca e incorpora em si
mesmo uma certa visão excludente do exercício do poder disciplinar sobre os
juízes, visão essa global e que atravessa as normas fundamento e os corolários
inscritos no EMJ.
14. Normas fundamento foram as que os reclamantes arguíram a seu tempo de
inconstitucionais, corolário é aquela disposição da lei que supostamente o
tribunal diz ter aplicado apenas.
15. Por conseguinte, a questão proposta ao Tribunal Constitucional reveste o
perfil de um problema possível e que cabe inteiramente na competência
jurisdicional invocada pelos reclamantes.”
2. O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da
reclamação, nos termos seguintes:
“(…)
2. A questão de constitucionalidade foi suscitada na resposta ao parecer do
Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, não tendo a
inconstitucionalidade sido apreciada por aquele Tribunal, porque tais preceitos
não eram aplicáveis, nem tinham sido aplicados, “estando em causa unicamente, a
norma, directamente aplicável, a do artigo 164.º, n.º 1” do Estatuto, decisão
que, o posterior acórdão proferido na sequência de um pedido de aclaração,
apenas confirmou.
3. Mandando o artigo 131.º do Estatuto aplicar, subsidiariamente, em matéria
disciplinar, o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes de Administração
Central, Regional e Local, onde o já referido artigo 41.º se integra, e sendo as
decisões recorridas os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, anteriormente
referidos, é óbvio concluir-se que as normas que os recorrentes sujeitam à
apreciação deste Tribunal, não foram aplicadas,
4. Não se verifica, pois, uns requisitos de admissibilidade do recurso de
constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da
LTC, pelo que a reclamação deve ser indeferida, pelo exacto fundamento constante
da decisão reclamada.”
3. Para apreciação da reclamação relevam as ocorrências processuais
seguintes:
a) Os reclamantes impugnaram contenciosamente a deliberação do Conselho
Superior da Magistratura (Plenário), de 5 de Maio de 2009, que rejeitou, por
ilegitimidade, a reclamação de deliberação do mesmo Conselho (Conselho
Permanente) que determinara o arquivamento de participação disciplinar que
haviam apresentado contra um juiz de direito.
b) Os reclamantes interpuseram recurso contencioso desta deliberação,
tendo o Ministério Público suscitado liminarmente a questão da ilegitimidade dos
recorrentes, invocando o disposto no artigo 164.º, n.º1, do Estatuto dos
Magistrados Judiciais;
c) Ouvidos sobre esta questão prévia, os recorrentes sustentaram que uma
interpretação do artigo 41.º da Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro e do artigo
131.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais em termos de não possibilitar a quem
faz uma queixa disciplinar reagir contra a decisão de arquivamento infringiria o
disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 268.º da Constituição.
d) Por acórdão de 27 de Outubro de 2010, o Supremo Tribunal de Justiça
julgou procedente a questão prévia e decidiu não conhecer do objecto do recurso,
considerando que a posição dos impugnantes não preenchia os requisitos do
interesse directo, pessoal e legítimo exigido pelo n.º 1 do artigo 164.º do
Estatuto dos Magistrados Judiciais para impugnação das decisões do Conselho
Superior da Magistratura.
e) No acórdão consignou-se que não se emitia pronúncia sobre a “invocada
(na resposta à questão prévia) inconstitucionalidade da interpretação da norma
do art. 41.º da Lei n.º 58/2008, de 09/2009 (EDTFP), alegadamente aplicável ao
caso como direito subsidiário por via do art. 131º EMJ, por não se ter feito
aplicação de tais preceitos, estando em causa, unicamente, a norma, directamente
aplicável, do art. 164º-1 do último diploma legal”.
f) Os recorrentes pediram aclaração deste acórdão, sustentando que o
artigo 164.º do EMJ não esgota a regulação da matéria quanto ao que seja
interesse directo e legítimo, tendo de ter um conteúdo de referência, pelo que
pretendiam ser esclarecidos sobre o que consideram questões implícitas acerca da
legitimidade para impugnação de decisões em matéria disciplinar.
g) Por acórdão de 10 de Dezembro de 2009, o pedido de aclaração foi
indeferido por manifesta falta de fundamento, consignando-se, além do mais que
“não se fazendo assentar, de forma alguma, como não se fez, no regime jurídico
contido na interpretação das normas do mencionado art. 41º – preceito regulador
da instauração do procedimento disciplinar (despacho liminar) – o preenchimento,
por via interpretativa, do conceito de legitimidade acolhido pelo art. 164º-1,
não só nada há a aclarar como não há qualquer omissão de fundamentação
(“lacuna”), ou de pronúncia na declaração formulada de abstenção de apreciação
da constitucionalidade do preceito, declaração de não pronúncia que surge no
acórdão como concretização dos pressupostos anteriormente expostos como seu
precedente lógico”.
h) Os recorrentes interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional,
ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, para apreciação da
inconstitucionalidade do “art. 41.º da Lei n.º 58/2008, de 09/09, e do art.º
131.º EMJ, interpretados os preceitos em termos de não possibilitarem aos
particulares reagirem perante decisão disciplinar do CSM que vise um magistrado
judicial, por ofensa ao disposto no art.º 20.º CRP e no art.º 268.º/4/5, idem”.
i) Recurso que não foi admitido, por despacho de 12 de Janeiro de 2010,
do seguinte teor:
“Invocada, como fundamento de recorribilidade, a aplicação de norma com
inconstitucionalidade suscitada na resposta à questão prévia – art. 70.º-1-b) da
LTC, como expressamente invocado no requerimento de interposição do recurso.
São, as normas em causa, as constantes dos artºs. 41.º da Lei n.º 58/2008 e
131.º EMJ.
Acontece que nenhuma dessas normas foi aplicada na decisão que se impugna, razão
por que se não conheceu da alegada inconstitucionalidade, como expressamente se
escreveu no ponto 2.3. do acórdão (fls. 51).”
4. O recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade que se
pretende ver admitido foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70.º da LTC e visa a apreciação de constitucionalidade das normas do artigo 41.º
do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (EDTFP),
aprovado pela Lei 58/2008, de 9 de Setembro, e do art.º 161.º do Estatuto dos
Magistrados Judiciais, quando interpretados esses preceitos no sentido de não
possibilitarem aos particulares reagirem contenciosamente perante decisão
disciplinar do Conselho Superior da Magistratura que vise um magistrado
judicial.
A admissibilidade deste recurso (visando decisões negativas de
inconstitucionalidade) está condicionada (ou tem como pressuposto) à efectiva
aplicação pelo tribunal a quo da norma ou interpretação normativa cuja
constitucionalidade se quer ver apreciada pelo Tribunal Constitucional. Ora,
nenhuma dessas normas que os recorrentes identificam no requerimento de
interposição (ou nenhuma norma extraída desses preceitos) pode considerar-se
aplicada pelo acórdão recorrido. Com efeito, o acórdão recorrido fundou-se, tão
somente, no n.º 1 do artigo 164.º do EMJ que dispõe que “pode reclamar ou
recorrer quem tiver interesse directo, pessoal e legítimo na anulação da
deliberação ou decisão”. E, quando confrontado com o entendimento de que a
qualificação do interesse susceptível de legitimar o particular para a
impugnação da decisão exigia a ponderação de outras normas, o Supremo Tribunal
de Justiça afastou expressamente as normas que o recorrente refere, tornando
indiscutível que a base normativa da decisão se circunscrevia ao n.º 1 do artigo
164.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
Com esta decisão estabeleceu-se uma baliza inultrapassável ao objecto possível
do recurso de constitucionalidade, porque a determinação de qual seja o direito
infraconstitucional pertinente às questões que o tribunal da causa tinha para
resolver é matéria que escapa ao controlo do Tribunal Constitucional, que só
pode julgar inconstitucional a norma que a decisão recorrida tenha aplicado (ou,
sendo o caso, a que tenha recusado aplicação), embora possa fazê-lo com
fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles
cuja violação foi invocada (artigo 79.º-C da LTC). Ao Tribunal Constitucional
apenas podem ser deferidas, em fiscalização concreta, questões de
constitucionalidade que incidam sobre as normas aplicadas (ou a que seja
recusada aplicação com fundamento em inconstitucionalidade) e não sobre outras
normas que o interessado entenda que, num enquadramento jurídico perfeito, o
tribunal da causa deveria ter chamado à colação.
Embora o Tribunal Constitucional tenha já admitido recursos interpostos de
sentenças de aplicação implícita de normas, essa jurisprudência assenta no
pressuposto de que uma certa interpretação normativa (que constitui o objecto do
recurso) está subjacente à decisão judicial que tenha sido proferida por ser a
necessária decorrência da solução jurídica que se adoptou, ainda que não tenha
sido invocado o preceito legal ou princípio jurídico que nela está implicado ou
a interpretação tenha sido feita sob a invocação de outro ou outros preceitos
jurídicos (vejam-se, entre outros, os acórdãos n.ºs 481/94 e 502/2007,
disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). Não é possível, contudo,
considerar verificada uma interpretação implícita de norma quando tribunal
recorrido expressamente afasta a aplicação dessa norma ao caso concreto, por
considerar justamente que essa disposição não é convocável para a resolução da
questão de direito (cfr. acórdão n.º 49/09, também disponível em
www.tribunalconstitucional.pt).
Deste modo, não merece censura o despacho que não admitiu o recurso de
constitucionalidade com fundamento em que a decisão recorrida não fizera
aplicação das normas cuja inconstitucionalidade os reclamantes pretendem ver
apreciadas.
5. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar os reclamantes
nas custas, com 20 (vinte) UCs de taxa de justiça.
Lx., 4/3/2010
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão
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