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Processo n.º 930/09
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Ao abrigo do disposto nos artigos 669.º e 670.º do Código de Processo Civil,
vêm os Reclamantes A. e Outra pedir a aclaração do Acórdão n.º 9/2010, de 12 de
Janeiro de 2010, nos termos seguintes:
“Muita douta e justamente, o acórdão em mérito indeferiu a reclamação para a
conferência e, em consequência, confirmou a decisão reclamada no sentido de não
tomar conhecimento do recurso interposto, decisão esta que assentou totalmente
em aspectos formais, como sendo, a competência do Tribunal Constitucional para
suscitar uma questão normativa não cabendo, a contrario, a este tribunal
apreciar a conformidade da decisão recorrida nem, de qualquer outro modo,
sindicar as decisões proferidas por outro tribunal; e tal suscitação deve
ocorrer durante o processo.
Ora, acontece, porém, o que se pretende com a presente aclaração e o que,
efectivamente, se pretendeu com o douto recurso para o Tribunal Constitucional,
é e sempre foi requerer a V. Exas. que apreciassem a (in) constitucionalidade da
interpretação que está a ser feita ao despacho proferido a fls. 117 dos autos do
procedimento cautelar de arresto, apenso aos autos principais, em que se decidiu
o seguinte: ‘Ao que informa o requerente a fls. 115 dos autos ocorreu, por
acordo entre si e os requeridos, novação do direito de crédito que sumariamente
foi reconhecido de sua titularidade nos presentes autos’.
Considerando, assim, o teor e a força deste despacho, julgava-se extinto o
direito de crédito inicial da recorrida, declarando-se que essa extinção se
operou por novação daquele direito de crédito, sustentando-se essa decisão,
precisamente, no disposto no artigo.857.° do CC.
O que ora se discute e sempre se discutiu ao longo das várias instâncias
jurídicas que no caso couberam, não é e nunca foi a questão da existência ou
inexistência do crédito da recorrida
Pelo contrário, o que se considera e sempre se considerou estar verdadeiramente
em causa, em todas as doutas decisões proferidas sobre a questão em apreço, é e
foi conferir aquele despacho de fls. 117 a interpretação que facilmente resulta
do seu texto, com o seu sentido literal, tal como foi expressamente proferido.
Este douto despacho transitou em julgado nos seus precisos termos, tendo-se
extinto, em consequência do mesmo, as obrigações de avalistas dos recorrentes, o
que deveria ter conduzido à sua absolvição dos pedidos contra eles formulados
pela recorrida.
Ora, a errónea interpretação que se fez e que se tem feito àquele despacho de
fls. 117 viola, por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos
497. ° e 498. ° do C.P.C.
Realmente, o caso julgado das decisões judiciais é uma consequência da
caracterização dos tribunais como órgãos de soberania que são, artigo 110°, n. °
1 da C.R.P., e as suas decisões terão de ser acatadas, tornando-se obrigatórias,
independentemente de se concordar ou não com elas, para todas as entidades
públicas, designadamente os tribunais e privadas, artigo 205°, n. ° 2 da C.R.P.
E, é, exactamente, pelas razões aqui expostas, que se considera que o douto
acórdão recorrido, que confirmou as decisões da primeira e segunda instância
sobre o objecto desta lide, violou o principio constitucional implícito que se
encerra no caso julgado do despacho de fls. 117, tendo-se tornado, por erro de
interpretação e consequente aplicação, irrelevante o principio da sua
intangibilidade que vem preceituado nos referidos artigos 2. ° e 205. °, n,° 2
da C.R.P.
Ora, o caso julgado, por si mesmo, tem a protecção constitucional que resulta do
disposto no n. ° 3 do artigo 282. ° da Constituição, mas que se alicerça
igualmente nos princípios da confiança e da segurança jurídica, inerentes aos
princípios que enformam a própria ideia de Estado de Direito — artigo 2. ° da
Constituição. Essa é, aliás, a posição assumida pelo Tribunal Constitucional,
designadamente no Acórdão n. ° 61/2003, de 04-02-2003:OR,II, de 22-04-2003.
Ora, revela-se totalmente incongruente a douta decisão de indeferimento da
reclamação e, por consequência, a douta decisão confirmatória do acórdão
recorrido, pois, de facto, sempre os recorrentes suscitaram uma questão de
inconstitucionalidade normativa, como sendo a errónea interpretação e aplicação
do despacho de fls. 117, por força da violação do principio da intangibilidade
do caso julgado.
Suscitação esta que foi, efectivamente, operada ao longo das várias instancias
judiciais, designadamente, em sede de recurso de revista para o Supremo Tribunal
de Justiça.
Também, não pode deixar de dizer-se que a verdadeira questão de mérito, com
relevância constitucional, não foi apreciada nestes autos. De facto, todo o
merecimento do douto recurso e da douta reclamação foi a violação do princípio
constitucional do caso julgado, que encerra na violação da própria constituição
Proferir outra decisão que não sendo apreciar o mérito constitucional e ao
invés, debruçar sobre meros aspectos formais, será, tão só, sobrevalorizar a
forma em detrimento da justiça material.
Efectivamente, não se compreende, o que, mui respeitosamente, ora se solicita
aclaração no que a este ponto couber, face à consagração constitucional do
princípio da intangibilidade do caso julgado, em nome da boa administração da
justiça e da segurança e consolidação concreta das questões decididas nos
tribunais e, por isso, toda a sua relevância constitucional, a violação deste
principio envolverá, por si mesmo, a inconstitucionalidade de qualquer outra
decisão que contrarie tal principio, como inconstitucionais terão de haver-se,
também, todas as disposições legais que fundamentam essa decisão contraditória
da força do caso julgado.
Pelo que, não se compreende o sentido e teor do douto acórdão de que ora se
requer a aclaração, visto que, salvo melhor opinião em contrário, os requisitos
formais de violação de normativo constitucional numa situação pratica foi
oportunamente invocada e arguida.
Nestes termos, afigura-se-nos, e assim se requer, que o douto acórdão seja
esclarecido no que toca à falta de requisitos formais que obstaram à tutela
constitucional e, porventura, devidamente rectificado, com as consequências
legais.”
2. A Reclamada Caixa de Crédito Agrícola, respondeu dizendo: “O douto Acórdão
proferido é absolutamente claro no seu conteúdo em geral e especificamente
quanto à questão suscitada pelos recorrentes. Não há pois nada a aclarar.”
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. Nos termos do artigo 669.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil,
pode qualquer das partes requerer ao tribunal que proferiu a decisão “o
esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contenha”.
Decisão obscura é a que contém algum passo cujo sentido não é inteligível e
decisão ambígua é a que permite a atribuição de mais do que um sentido ao seu
texto.
Ora, no caso dos autos, os Reclamantes não apontam qualquer aspecto obscuro ou
ambíguo da decisão reclamada. Limitam-se, com efeito, a discordar do teor da
mesma o que, obviamente, excede o âmbito de apreciação de um pedido de
aclaração.
III – Decisão
Nestes termos, indefere-se o pedido de aclaração.
Custas pelos Reclamantes fixadas em 15 (quinze) UC s.
Lisboa, 24 de Fevereiro de 2010
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos
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