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Processo n.º 889/09
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
A., SA interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul da decisão do
Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a oposição a
uma execução fiscal instaurada pela Câmara Municipal de Sintra, por dívida no
montante de ? 36.332,40, referente a taxa de licenciamento de ocupação da via
pública.
Sustentou, entre o mais, ?que os actos de liquidação praticados pela Câmara
Municipal de Sintra, bem como a disposição regulamentar em que estes se baseiam
(artigos 25º e 26º da Tabela das Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra),
violam a reserva de lei formal consagrada no n.º 2 do artigo 103º e na alínea i)
do n.º 1 do artigo 165º da Constituição da República Portuguesa?, bem como os
princípios da igualdade e o da proporcionalidade.
Por acórdão de 9 de Junho de 2009, o Tribunal Central Administrativo Sul negou
provimento ao recurso, pelo que a recorrente interpôs para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n° 1 do artigo 70° da Lei
do Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade das
disposições dos artigos 25° e 26° do Regulamento e a Tabela de Taxas e Outras
Receitas do Município de Sintra para o ano de 2006, aprovado por deliberação da
Assembleia Municipal de Sintra em 27 de Janeiro de 2006.
Tendo prosseguido o processo, a recorrente apresentou alegações em que formulou
as seguintes conclusões:
A. O presente recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b)
do nº1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro e posteriores alterações,
tem por base a questão de saber se as taxas que constituem a quantia exequenda
em discussão no presente processo consubstanciam violações dos princípios da
legalidade tributária, da proporcionalidade e da igualdade que motiva o presente
Recurso de Constitucionalidade.
B. A ora Recorrente A. considera que a aplicação que foi feita pelo Recorrido
Município de Sintra dos artigos 25º e 26º do Regulamento da Tabela de Taxas e
Outras Receitas do Município de Sintra para o ano de 2006 - com base no qual
foram cobradas as taxas que constituem a quantia exequenda em discussão nestes
autos ? é inquestionavelmente violadora dos princípios constitucionais da
legalidade tributária, da igualdade e da proporcionalidade.
C. Relativamente à inconstitucionalidade dos artigos 25º e 26º do Regulamento da
Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para o ano de 2006 por
violação do princípio da legalidade tributária importa referir estas taxas são
alegadamente cobradas pela ocupação /utilização do solo e subsolo municipal pela
ora Recorrente A..
D. Acontece que ora Recorrente A. considera que inexiste qualquer obrigação de
pagamento das referidas taxas na medida em que estas configuram verdadeiros
impostos, criados ilícita e inconstitucionalmente pelo Município de Sintra.
E. São termos que a Recorrente A. não pode concordar com a decisão do Tribunal
Central Administrativo Sul que considerou improcedente a invocada
inconstitucionalidade das taxas em discussão nos presentes autos. Senão vejamos:
F. Na verdade, não se verificam os elementos/requisitos que permitem qualificar
estes valores cobrados pelo Município de Sintra como taxas, pelo que a sua
cobrança terá de ser considerada inconstitucional, por violação inequívoca do
princípio da legalidade tributária, consagrado no nº2 do artigo 103º da
Constituição da República Portuguesa.
G. De facto, ao nível doutrinal e jurisprudencial é pacífica a existência de um
critério básico de diferenciação entre a figura do imposto e a da taxa que
consiste na unilateralidade ou bilateralidade destes tributos, ou seja, à luz
deste critério, o imposto tem uma estrutura unilateral enquanto a taxa se
caracteriza pelo seu carácter bilateral e sinalagmático (vide a este propósito o
nº2 do artigo 4º da Lei das Finanças Locais).
H. Quanto à doutrina importa ter em atenção as palavras de José Robin de Andrade,
Taxas Municipais ? Limites à sua fixação, in Revista Jurídica do Urbanismo e do
Ambiente, nº 8, Dezembro 1997 e ao nível da jurisprudência atenda-se, a título
meramente exemplificativo os Acórdãos do Tribunal Constitucional de 14 de Março
de 1990 e de 30 de Outubro de 1996, ambos in www.dgsi.pt.
I. Acontece que na situação em discussão nos presentes autos, não existiu
qualquer contraprestação por parte da Câmara Municipal de Sintra quanto à
instalação das redes de gás pela ora Recorrente A., porquanto o Município não
procedeu ao seu planeamento, nem à sua implantação, nem posteriormente à sua
conservação e/ou tratamento ou à reposição do espaço onde as mesmas foram
implantadas, porquanto tantos os custos de implantação como os de manutenção da
rede de gás no Município de Sintra foram e são suportados pela ora Recorrente A.
J. Acresce a isto que às taxas cobradas pelo município tem de corresponder um
serviço prestado com alguma individualidade ao cidadão, e não uma qualquer
contraprestação meramente formal, porquanto só se existir uma vantagem
suficientemente individualizada é que podemos falar em taxa, o que também não se
verifica na situação em discussão nos presentes autos, porquanto a rede de gás
implantada pela ora Recorrente A. destina-se à satisfação de necessidades gerais
colectivas e não individuais.
K. São termos em que podemos concluir que as taxas exigidas pela Câmara
Municipal de Sintra não cumprem os requisitos que permitiriam a sua qualificação
como ?taxa?, o Tribunal Central Administrativo Sul deveria ter declarado a
inconstitucionalidade da aplicação pelo Município de Sintra dos artigos 25º e 26º
do Regulamento da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para
o ano de 2006 por violação do princípio constitucional da legalidade tributária
que decorre do nº2 do artigo 103º e da alínea i) do nº1 do artigo 165º da
Constituição da República Portuguesa.
L. Este vício da inconstitucionalidade implica, nos termos da alínea b) do nº 2
do artigo 133º do Código do Procedimento Administrativo, a nulidade do acto da
Câmara Municipal de Sintra que criou um verdadeiro imposto, acto estranho por
imposição constitucional às atribuições e competências dos municípios, porquanto
se trata de matéria de competência da Assembleia da República (vide nº2 do
artigo 103º e na alínea i) do nº1 do artigo 165º da Constituição da República
Portuguesa).
M. São termos em que deve o presente recurso ser considerado procedente e,
consequentemente, ser revogada a decisão do Tribunal Central Administrativo Sul
e declarada a inconstitucionalidade da aplicação pelo Município de Sintra dos
artigos 25º e 26º do Regulamento da Tabela de Taxas e Outras Receitas do
Município de Sintra para o ano de 2006, por violação do princípio constitucional
da legalidade tributária consagrado no nº 2 do artigo 103º e na alínea i) do nº1
do artigo 165º da Constituição da República Portuguesa.
N. Quanto à questão da inconstitucionalidade da aplicação dos artigos 25º e 26º
do Regulamento da Tabela de Taxas e outras receitas do Município de Sintra para
o ano de 2006 por violação da igualdade, importa referir que é do conhecimento
geral que várias empresas concessionárias de serviço público, nomeadamente a CP,
Portugal Telecom e EDP, utilizam bens dominiais para implantação de infra-estruturas,
sem pagarem por isso qualquer taxa ou renda.
O. Estas empresas são, tal como a empresa ora Recorrente, sociedades comerciais
sob forma anónima cujo capital é essencialmente privado, ou seja, estão todas
sujeitas ao regime do Código das Sociedades Comerciais em cujas várias
disposições se protege o fim societário consistente no escopo lucrativo.
P. Ora, ao serem isentas do pagamento de taxas, ficam numa posição de vantagem
concorrencial. Ainda que não estejam em causa as mesmas actividades, mas sim
similares, todas prestam serviços de satisfação de necessidades básicas
colectivas (electricidade, transportes, telecomunicações e gás) e não são
tributadas pela instalação das suas infra-estruturas e respectiva ocupação do
domínio público municipal, o que representa uma manifesta violação do princípio
da igualdade previsto nos artigos 13º e nº2 do 266º da Constituição da República
Portuguesa, porquanto o município não cobra as referidas taxas às supra citadas
entidades e cobra as mesmas à ora Reclamante A., apesar de esta se verificar no
caso em análise na mesma posição das empresas supra referidas.
Q. São termos em que o presente recurso deve ser considerado procedente e,
consequentemente, ser revogada a decisão do Tribunal Central Administrativo Sul
e declarada a inconstitucionalidade da aplicação pelo Município de Sintra dos
artigos 25º e 26º do Regulamento da Tabela de Taxas e Outras Receitas do
Município de Sintra para o ano de 2006, por violação do princípio constitucional
da igualdade consagrado nos artigos 13º e nº 2 do 266º da Constituição da
República Portuguesa.
R. Também quanto à questão da inconstitucionalidade da aplicação dos artigos 25º
e 26º do Regulamento da Tabela de Taxas e outras Receitas do Município de Sintra
para o ano de 2006 por violação do princípio da proporcionalidade consagrado no
nº2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa não pode a Recorrente
A. concordar com a decisão do Tribunal Central Administrativo Sul no sentido da
improcedência do vício da inconstitucionalidade.
S. De facto, de acordo com a lei, o estabelecimento da medida de uma qualquer
taxa deve estar sujeito ao Princípio da Proporcionalidade, ou seja, a quantia a
pagar deve ser proporcional face ao valor do serviço prestado ao utente.
Verificando-se uma desproporção nessa relação, como acontece no presente caso,
compromete-se a correspectividade pressuposta na relação sinalagmática.
T. Embora não se exija uma exacta equivalência entre o valor do serviço prestado
pelo município e o preço pago pelo utente desse serviço, sempre terá que haver
uma qualquer contraprestação que possa ser objecto de uma avaliação monetária,
como forma de legitimar a cobrança e que seja possível determinar-se um justo
preço, embora aproximado, sob pena de se exercer um poder discricionário e de
fazer incorrer aquela imposição fiscal na categoria de um imposto.
U. Ora, não existindo no caso concreto limitações à utilização do bem em que se
verifica o atravessamento do subsolo por parte dos canos da A. e sendo os custos
envolvidos para o município com a ocupação privativa de parte do subsolo de ruas
e caminhos municipais com tubos e condutas são virtualmente inexistentes, o
preço justo será meramente simbólico, o que não se verifica na situação em
discussão nos presentes autos.
V. São termos em que o presente recurso deve ser considerado procedente, e,
consequentemente, ser revogada a decisão do Tribunal Central Administrativo Sul
e declarada a inconstitucionalidade da aplicação pelo Município de Sintra dos
artigos 25º e 26º do Regulamento da Tabela de Taxas e Outras Receitas do
Município de Sintra para o ano de 2006, por violação do princípio constitucional
da proporcionalidade consagrado no nº2 do artigo 266º da Constituição da
República Portuguesa.
W. Em conclusão devem os artigos 25º e 26º da Tabela da Taxas e Outras Receitas
do Município de Sintra para o ano de 2006 aplicados no âmbito do presente
processo ser considerados inconstitucionais na medida em que violam a reserva de
lei formal consagrada no nº2 do artigo 103º e na alínea i) do nº1 do artigo 165º
da Constituição da República Portuguesa, o princípio da igualdade consagrado nos
artigos 13º e nº 2 do 266º da Constituição da República Portuguesa e o princípio
da proporcionalidade constante do nº 2 do 266º da Constituição da República
Portuguesa?.
O Município de Sintra contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
As normas que constituem o objecto do presente recurso, conforme resulta do
respectivo requerimento de interposição, são as dos artigos 25º e 26º do
Regulamento e Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para o
ano de 2006, aprovado por deliberação da Assembleia Municipal de Sintra tomada
em sessão extraordinária realizada em 27 de Janeiro de 2006, do seguinte teor:
Artigo 25º
(Ocupação/Utilização do subsolo)
Os operadores de redes e outras entidades que ocupem ou utilizem o subsolo do
domínio público estão sujeitos às taxas fixadas no artigo 29º da Tabela de Taxas
e Outras Receitas.
Artigo 26º
(Obras para Ocupação/Utilização do subsolo)
1. A execução de obras pelos operadores de redes e outras entidades no subsolo
do domínio público estão sujeitas a licenciamento municipal.
2. As taxas devidas pela execução de obras no subsolo do domínio público são as
constantes do artigo 26º da Tabela de Taxas e Outras Receitas.
Resulta da matéria de facto dada como provada pela decisão ora recorrida que a
execução fiscal administrativa movida à ora recorrente se destinava ao pagamento
de dívida proveniente de taxa de licenciamento de ocupação de via pública -
traduzindo-se essa ocupação na instalação, no subsolo municipal, de redes de gás
por parte da recorrente -, pelo que apenas foi aplicada, nessa decisão, a norma
do artigo 25º do citado Regulamento. Daí que seja necessário restringir o
objecto do presente recurso a esta norma, conforme preceituado na alínea b) do n.º
1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, não se conhecendo,
concomitantemente, da norma do artigo 26º, que não foi aplicada.
Por outro lado, a referência, na notificação do acto de liquidação efectuada
pela câmara municipal, bem como na descrição da matéria de facto constante da
decisão recorrida, às normas dos artigo 28º, n.º 2, e 29º, n.º 2.1., do
Regulamento, deve-se a mero lapso material que não tem qualquer relevo para a
apreciação do caso, tendo em conta que a norma efectivamente aplicada e que tem
pertinência para a situação dos autos é a do citado artigo 25º.
Segundo a recorrente, esta disposição seria inconstitucional por violação dos
princípios da legalidade tributária (artigos 103º, n.º 2, e 165º, n.º 1, alínea
i), da Constituição), da igualdade (artigos 13º e 266º, n.º 2, da Constituição)
e da proporcionalidade (artigo 266º, n.º 2, da Constituição): do princípio da
legalidade tributária, porque, desrespeitando a reserva de lei formal, prevê um
imposto (e não uma taxa), atendendo a que não existiu qualquer contraprestação
por parte da Câmara Municipal de Sintra quanto à instalação das redes de gás
pela recorrente, nem nenhum serviço prestado com alguma individualidade; do
princípio da igualdade, porque várias empresas concessionárias de serviço
público, ainda que não exercendo as mesmas actividades que a recorrente,
utilizam bens dominiais para implantação de infra-estruturas, sem pagarem por
isso qualquer taxa ou renda; do princípio da proporcionalidade, porque a quantia
a pagar é manifestamente excessiva face ao serviço prestado e aos custos
envolvidos para o município.
A questão de que cumpre decidir é semelhante à que foi apreciada por este
Tribunal no acórdão n.º 365/2003, de 14 de Julho, no qual não se julgou
inconstitucionais as normas constantes dos n.º s 4 e 7 do artigo 36° do Anexo I
ao Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças da Câmara Municipal de Matosinhos,
na redacção resultante da deliberação aprovada em de 28 de Dezembro de 1998,
publicada no aviso n.º 1610/99, do Apêndice n.º 31 ao DR n.º 61, II Série, de 13/03/99.
Essas normas previam taxas por construções ou instalações no subsolo, em
particular, uma taxa de 15.000$00 por ?tubos, condutas, cabos e semelhantes com
fins industriais ou comerciais para abastecimento com produtos derivados do
petróleo ou químicos, por m/l ou fracção e por ano?, uma taxa de 50.000$00 por ?condutas
subterrâneas de produtos petrolíferos e afins destinados à refinação ou
armazenagem, até 20 cm de diâmetro, por m/l ou fracção e por ano? e uma taxa de
4.000$00 por ?condutas subterrâneas de produtos petrolíferos e afins destinados
à refinação ou armazenagem, por cada 5 cm a mais de diâmetro?.
Ora, no mencionado acórdão começa por se establecer a distinção entre taxa e
imposto nos seguintes termos:
?[?]
6. O Tribunal Constitucional foi já por diversas vezes chamado a pronunciar-se
sobre o problema da distinção constitucional entre imposto e taxa, tendo
entendido, de modo constante, que o critério essencial de diferenciação entre as
suas figuras se encontra na unilateralidade ou bilateralidade dos tributos:
enquanto o imposto tem estrutura unilateral, a taxa caracteriza-se pelo seu
carácter bilateral e sinalagmático.
[?]
Sintetizando os pontos relevantes, cumpre começar por observar, em primeiro
lugar, que a afirmação do carácter sinalagmático das taxas implica reconhecer
que a sua estrutura ?supõe a existência de uma correspectividade entre a
prestação pecuniária a pagar e a prestação de um serviço pelo Estado ou por
outra entidade pública?, contrapartida essa que (citando o acórdão nº 558/98,
Diário da República, II Série, de 11 de Novembro de 1998), que veio a ser
expressamente consagrada no n.º 2 do artigo 4º da Lei Geral Tributária, aprovada
pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, para as seguintes situações:
quando há ?utilização de um serviço público de que beneficiará o tributado, (...)
utilização, pelo menos, de um bem público ou semi-público ou de um bem do
domínio público e, finalmente, (...) remoção de um obstáculo jurídico ao
exercício de determinadas actividades por parte dos particulares?.
Em segundo lugar, obriga a entender que a relação sinalagmática entre a
contrapartida e o montante a pagar há-de ter um carácter substancial ou material,
e não meramente formal; isso não implica, porém, que se exija uma equivalência
económica rigorosa entre ambos, não sendo incompatível com a natureza
sinalagmática da taxa o facto de o seu montante ser ?superior (e, porventura,
até consideravelmente superior) ao custo do serviço prestado?.
O que não pode é ocorrer uma «desproporção intolerável» (Ac. nº 1140/96, in DR
II Série, de 10/2/97)?, ou seja, ?manifesta? e comprometedora, ?de modo
inequívoco, [d]a correspectividade pressuposta na relação sinalagmática?, sendo
certo que a sua aferição há-de tomar em conta, não apenas o valor da quantia a
pagar, mas também a utilidade do serviço prestado.
[?]
No caso vertente não pode deixar de reconhecer-se a existência da relação de
bilateralidade ou de sinalagmaticidade que caracteriza as taxas, em
contraposição aos impostos, visto que está em causa, através da instalação
subterrânea de condutas de combustiveis no domínio público municipal, o
pagamento de um montante como contrapartida da ?utilização de um bem do domínio
público?, segundo a definição constante do artigo 4º, n.º 2 da Lei Geral
Tributária.
É a utilização individualizada do subsolo municipal, e, por conseguinte, um uso
privativo do domínio público, que representa uma vantagem patrimonial para o
particular, a que corresponde, como contraprestação, o pagamento de uma taxa.
E é claro que, para efeito de se considerarem preenchidos os pressupostos desse
tipo de tributo, basta que possa caracterizar-se, por essa forma, a existência
de uma situação de correspectividade, não se tornando exigível, contrariamente
ao que afirma a recorrente, que sejam os serviços municipais a proceder ao
planeamento e implantação e posterior manutenção das condutas de gás.
De facto, a taxa, na situação vertente, não assenta na prestação concreta de um
serviço público de que a recorrente pudesse ser beneficiária, mas antes na
utilização de um bem de domínio público, de que a recorrente tirou proveito para
efeito de realizar a sua actividade económica.
E é irrelevante a invocação de que se trata de uma actividade de interesse
económico geral. Nem por isso a recorrente pode deixar de ser considerada como
uma empresa privada que prossegue um fim lucrativo, pelo que a utilização do
subsolo municipal para os fins que integram o seu objecto tem necessariamente de
ser entendida como uma vantagem individualizada, sujeita ao regime tributário
aplicável a qualquer outro particular.
Não há, nestes termos, tal como se concluiu, em situação similar, no referido
acórdão, qualquer violação do princípio da legalidade tributária.
Do mesmo modo que não ocorre a alegada violação do princípio da igualdade.
Pretende a recorrente que várias empresas concessionárias de serviço público,
nomeadamente a CP, Portugal Telecom e EDP, utilizam bens dominiais para
implantação de infra-estruturas, sem pagarem por isso qualquer taxa, o que,
segundo afirma, pode consubstanciar uma situação de vantagem concorrencial,
implicando uma violação do princípio da igualdade.
No entanto, como logo se entrevê, uma tal arguição não pode ser imputada à norma
que constitui objecto do recurso de constitucionalidade. A norma, tal como se
encontra formulada, não estabelece qualquer diferenciação de regime entre os
seus possíveis destinatários, pelo que não é possível concluir pela existência
de um tratamento diverso para situações que sejam iguais. O que, quando muito,
poderá resultar da alegação da recorrente ? que, em qualquer caso, carece de
demonstração ? é que exista uma situação de desigualdade na aplicação da lei por
parte da Administração, ou a aplicação de outras normas que prevejam isenções
subjectivas, o que, em qualquer caso, não afecta a validade da própria norma
aplicada.
Resta considerar a alegada violação do princípio da proporcionalidade.
Entende a recorrente que os custos para o município resultantes da ocupação do
subsolo das ruas e caminhos municipais com tubos e condutas de distribuição de
gás são virtualmente inexistentes, e que, devendo haver uma qualquer
contraprestação susceptível de avaliação monetária como forma de legitimar a
cobrança de uma taxa, no caso, o preço a estabelecer deveria ser meramente
simbólico.
Já vimos, no entanto, que a contrapartida a que corresponde a exigência da taxa,
no caso concreto, não decorre da prestação concreta de um serviço público, mas
da utilização de um bem de domínio público. E neste ponto, como se ponderou no
citado acórdão n.º 365/2003, nada permite concluir que a taxa a cobrar deva
corresponder ao prejuízo que a existência das condutas possa implicar para a
circulação viária (ou seja, para o fim a que se destina a constituição do
domínio público viário), o que levaria, na prática, à tendencial gratuitidade da
utilização do subsolo quando esse prejuízo fosse nulo ou irrelevante.
Pelo contrário, justifica-se que se atribua ao subsolo um valor económico
autónomo, numa perspectiva de boa gestão do interesse público, que torne
possível comparar os custos do uso privativo de um bem de domínio público com os
encargos decorrentes de formas alternativas de obtenção da mesma utilidade
económica, designadamente quando se opte pela constituição de servidões sobre
prédios privados ou a implementação de meios de transporte e distribuição que
não impliquem a ocupação do subsolo.
Ora, não há, neste contexto, qualquer indício, resultante da prova efectuada nos
autos, de que o valor efectivamente cobrado, com base nos critérios definidos no
artigo 29º da Tabela (para que remete a norma do artigo 25º do Regulamento),
seja excessivo ou desproporcionado de forma a pôr em causa, de modo evidente, a
ideia de correspectividade que deverá estar presente na determinação da taxa.
E assim sendo não há motivo para alterar o julgado.
III. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se não julgar
inconstitucional o artigo 25º do Regulamento e Tabela de Taxas e Outras Receitas
do Município de Sintra para o ano de 2006 (aprovado por deliberação da
Assembleia Municipal de Sintra tomada em sessão extraordinária realizada em 27
de Janeiro de 2006) e, em consequência, negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.
Lisboa, 3 de Fevereiro de 2010
Carlos Fernandes Cadilha
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão
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