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Processo n.º 907/09
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
EM CONFERÊNCIA DA 1ª SECÇÃO ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. A fls. 2820 destes autos, foi proferida a seguinte decisão sumária:
«Nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional,
decide-se:
1. A., B., C. recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da
Relação de Guimarães, de 12 de Janeiro de 2009, que lhes negara a suspensão da
execução das penas em que se achavam condenados. Por acórdão de 7 de Julho de
2009 o Supremo Tribunal de Justiça julgou improcedentes os recursos e confirmou
a decisão da Relação. Inconformados, os recorrentes reclamaram da decisão
proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça e é contra o acórdão que
posteriormente indeferiu essas pretensões, com data de 1 de Outubro de 2009, que
recorrem agora para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
A., arguido-recorrente nos autos supra referenciados, não se conformando com o
douto acórdão e decisão que apreciou as nulidades invocadas, dele vem interpor
recurso para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
1- O recorrente tem legitimidade para tal.
2- A decisão recorrida não admite qualquer outro recurso que não seja para o
Tribunal Constitucional.
3- Este recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70 da Lei do
Tribunal Constitucional.
4- Considera a recorrente violados os normativos constante dos artºs 27º nº 1 e
32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
5- O recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade, que ora pretende
ver apreciada, junto deste Supremo Tribunal de Justiça.
Nestes termos, deverá o presente recurso ser admitido, seguindo-se os demais
termos legais.
O segundo recorrente requer:
Nos autos à margem indicados em que é Recorrente diz B. que não se conformando
com a, aliás, douta decisão proferida por Acórdão de fls. dela vem interpor o
competente recurso para o Tribunal Constitucional nos termos do disposto nos
artºs 6º e 70.º, nº 1, alínea b) da Lei 28/82 de 15 de Novembro.
O recurso visa a fiscalização concreta da inconstitucionalidade da parte do
Acórdão que, em 07.07.09 e 01.10.09, julgou inexistirem as invocadas
inconstitucionalidades da interpretação normativa do disposto no art. 50º do
C.P.
Concretamente,
visa o presente recurso a fiscalização concreta da constitucionalidade da
interpretação dada à supra referida norma segundo a qual;
• A suspensão da execução da pena nos casos de tráfico comum e de tráfico
agravado de estupefacientes, em que não se verifiquem razões ponderosas para uma
atenuação extraordinária da pena, tem de ser encarada como absolutamente
excepcional, pois se afigura incompatível, de raiz, com a necessidade
estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime,
defraudando as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e
não servindo, desde logo, os imperativos de prevenção geral.
• Um caso como o dos autos em que arguidos, como vem apurado, tiveram uma
intervenção preponderante em diversos negócios relativos a expressivas
quantidades de haxixe e de pólen de cannabis, que mandavam trazer ou iam buscar
a Espanha e que faziam introduzir, ou introduziam, para revenda, em Portugal,
estará excluída qualquer hipótese de suspensão de penas.
• Para aplicação da suspensão da pena nos casos de condenação pelos crimes supra
referidos não é passível, por inutilidade, de ponderar as razões que possam
determinar um juízo de prognose do condenado.
• A aplicação do disposto na norma contida no art. 50.º do CP só é susceptível
de concretização substituição, sendo irrelevante qualquer juízo de prognose
favorável ao condenado.
A interpretação da norma referida, viola o disposto nos artºs 3, n.º 2 e 3, 13º,
18º e 32º da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente no seu nº 1.
A apontada inconstitucionalidade foi concretamente invocada no requerimento de
aclaramento suscitado quanto ao Acórdão de 07/07/2009.
A interposição e tramitação do presente recurso é isenta do prévio pagamento de
taxa de justiça inicial por ao Recorrente ter sido conferido o benefício de
Apoio Judiciário, na modalidade de isenção de pagamento de taxa de justiça.
Finalmente, diz o terceiro:
C., arguido/recorrente com os sinais dos autos em epígrafe, notificado do douto
acórdão proferido por este Tribunal a 01 de Outubro 2009 que indeferiu o seu
pedido de reforma do acórdão anteriormente proferido, o qual por sua vez negou a
aplicação ao arguido do Instituto da suspensão da execução da pena de prisão a
que foi condenado, não se conformando com o teor do mesmo, vem dele interpor
recurso para o Venerando Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 6º e
70º, n.º 1, alínea c), da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro).
O recorrente tem legitimidade nos termos do artigo 72º, n.º 1, alínea b), e
encontra-se em tempo para o fazer nos termos do artigo 75º da citada Lei.
Em conformidade com o artigo 75º-A, da Lei Orgânica, o recorrente pretende que
se aprecie a inconstitucionalidade da não aplicação no caso concreto do artigo
50º do CP, na interpretação feita pelo acórdão de 07/07/2009, confirmado pelo
acórdão de 01/10/2009, na parte que refere que no caso de crime por tráfico de
estupefacientes nunca é possível a aplicação do Instituto da suspensão da
execução da pena de prisão por motivos de prevenção geral das penas.
Mais precisamente, na interpretação segundo a qual “para aplicação da suspensão
da pena nos casos de condenação pelos crimes supra referidos não é passível, por
inutilidade, de ponderar as razões que possam determinar um juízo de prognose do
condenado. (...) A aplicação do disposto na norma contida no art.º 50 do CP só é
susceptível de concretização quando os imperativos da prevenção geral permitam a
aplicação da pena de substituição, sendo irrelevante qualquer juízo de prognose
favorável ao condenado.” – vide acórdão de 01/10/2009.
Entende o recorrente que a interpretação da norma referida dessa forma viola o
disposto nos artigos 3º, n.º 2 e 3, 13º, 18º e 32º, todos da CRP.
2. O recorrente A. recorre ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei
n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC), mas não identifica, como devia, as normas que
pretende impugnar. Todavia, sustenta que suscitou a questão da
inconstitucionalidade, «que ora pretende ver apreciada», no Supremo Tribunal de
Justiça, o que habilita o Tribunal a identificar essa questão.
Ora, a questão de inconstitucionalidade que foi suscitada pelo recorrente no
Supremo Tribunal de Justiça, já depois de proferido o acórdão de 7 de Julho de
2009, tem a ver com a alegação de que essa decisão violara o artigo 27º n.º 2 da
Constituição «ao entender não conceder provimento ao recurso».
Pode, assim, concluir-se que, ao contrário do que se exige na aludida alínea b)
do n.º 1 do artigo 70º da LTC, a questão colocada pelo recorrente não tem
natureza normativa e nem sequer foi convenientemente suscitada, conforme impõe o
n.º 2 do artigo 72º da LTC.
Não pode, por isso, conhecer-se do objecto do recurso.
3. O recorrente B. pede, também ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º
da LTC, «a fiscalização concreta da inconstitucionalidade da parte do Acórdão
que, em 07.07.09 e 01.10.09, julgou inexistirem as invocadas
inconstitucionalidades da interpretação normativa do disposto no art. 50º do
CP», que melhor identifica no seu requerimento.
Está em causa a aplicação ao arguido do disposto no n.º 1 do artigo 50º do
Código Penal, disposição segundo a qual «o tribunal suspende a execução da pena
de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à
personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e
posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do
facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as
finalidades da punição.» O recorrente entende, ao contrário do decidido pela
Relação, que está em condições de poder beneficiar do regime nela previsto
quanto à suspensão da execução da pena; todavia não suscitou a questão de
inconstitucionalidade que pretende ver agora tratada de modo adequado, pois não
levantou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa perante o Supremo
Tribunal de Justiça, antes de este conhecer do recurso e enquanto mantinha
intacto o seu poder jurisdicional. Além disso, o certo é que o recurso visa
sindicar as ponderações que o Tribunal recorrido adoptou para preencher os
requisitos impostos por lei, impugnando directamente a decisão, mediante
formulações que, aliás, rigorosamente não foram sequer adoptadas pelo Supremo
Tribunal de Justiça.
Não pode, igualmente, conhecer-se do objecto deste recurso.
4. Finalmente, o recorrente C. recorre ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo
70º da LTC visando apreciar «a inconstitucionalidade da não aplicação no caso
concreto do artigo 50º do CP, na interpretação feita pelo acórdão de 07/07/2009,
confirmado pelo acórdão de 01/10/2009, na parte que refere que no caso de crime
por tráfico de estupefacientes nunca é possível a aplicação do instituto da
suspensão da execução da pena de prisão por motivos de prevenção geral das
penas.» Mais precisamente, diz, «na interpretação segundo a qual “para aplicação
da suspensão da pena nos casos de condenação pelos crimes supra referidos não é
passível, por inutilidade, de ponderar as razões que possam determinar um juízo
de prognose do condenado. (...) A aplicação do disposto na norma contida no
art.º 50 do CP só é susceptível de concretização quando os imperativos da
prevenção geral permitam a aplicação da pena de substituição, sendo irrelevante
qualquer juízo de prognose favorável ao condenado.”».
Todavia, nos termos da referida alínea c) do n.º 1 do artigo 70º da LTC cabe
recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais «que recusem a
aplicação de norma constante de acto legislativo, com fundamento na sua
ilegalidade por violação de lei com valor reforçado». Constitui, assim,
requisito essencial do presente recurso que na decisão recorrida o tribunal haja
procedido a uma desaplicação de certa norma com fundamento na sua ilegalidade
por violação de lei com valor reforçado.
Acontece que o Tribunal recorrido manifestamente não desaplicou a norma do
artigo 50º do Código Penal, e muito menos o fez com o aludido fundamento. Não
existe, em suma, fundamento para o aludido recurso.
5. Em face do exposto, decide-se não conhecer dos recursos. [...]»
2. Os recorrentes, notificados desta decisão, apresentaram reclamações a que
respondeu o Ministério Público.
3. Diz A.:
«[...]Na verdade, mantêm-se válidas as concretas questões suscitadas na
interposição do presente recurso, sendo ainda certo que a suscitada
inconstitucionalidade versa sobre questão decidida pelo Acórdão de 01.10.09.
Por outro lado a apontada inconstitucionalidade verifica-se na Decisão em apreço
e versa sobre questão que não era objecto de anterior recurso ou questão
anteriormente suscitada ou previsível nos autos.
O presente recurso versa, ao contrário do que se refere na decisão sumária, ora
em causa, sobre uma questão normativa, qual seja a da inconstitucionalidade da
interpretação feita pelo tribunal recorrido do dispositivo legal concretamente
invocado – artº 50º do Código Penal – e segundo a qual não é de aplicar a
suspensão da execução da pena de prisão ao recorrente, com os argumentos de que:
“a suspensão da execução da pena nos casos de tráfico comum e de tráfico
agravado de estupefacientes, em que não se verifiquem razões ponderosas para uma
atenuação extraordinária da pena, tem de ser encarada como absolutamente
excepcional, pois se afigura incompatível de raiz, com a necessidade estratégica
nacional e internacional de combate a esse tipos de crime, defraudando as
expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não servindo,
desde logo, os imperativos de prevenção geral.
E,
-Um caso como o dos autos em que arguidos, como vem apurado tiveram uma
intervenção preponderante em diversos negócios relativos a expressivas
quantidades de haxixe e de pólen de cannabis, que mandavam trazer ou iam buscar
a Espanha e que faziam introduzir, ou introduziam, para revenda, em Portugal,
estará excluída qualquer hipótese de suspensão de penas.
-Para aplicação da suspensão da pena nos casos de condenação pelos crimes supra
referidos não é passível, por inutilidade, de ponderar as razões que possam
determinar um juízo de prognose do condenado.
-A aplicação do disposto na norma contida no art. 50 do CP só é susceptível de
concretização quando os imperativos da prevenção geral permitam a aplicação da
pena de substituição, sendo irrelevante qualquer juízo de prognose favorável ao
condenado.
Termos em que, deverá ser apreciado o recurso interposto, uma vez que a questão
suscitada é de natureza normativa e foi convenientemente suscitada, sendo que,
se o requerimento de interposição de recurso estivesse incompleto deveria o
recorrente ser notificado para o corrigir, o que não aconteceu.»
A decisão de não conhecimento do seu recurso assentou, como claramente resulta
da decisão sumária em reclamação, da não verificação dos requisitos que permitem
a interposição do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC; e
isto porque 'a questão colocada pelo recorrente não tem natureza normativa e nem
sequer foi convenientemente suscitada, conforme impõe o n.º 2 do artigo 72º da
LTC'.
Ora, a verdade é que a reclamação não põe em crise tal entendimento, antes
revela, precisamente, a sua correcção. Com efeito, a questão de
inconstitucionalidade que foi colocada ao tribunal recorrido dirigia-se
inequivocamente ao acerto da decisão proferida na aplicação da norma e não à sua
desconformidade constitucional. Ao pretender ver debatida esta questão no
Tribunal Constitucional, o reclamante está a circunscrever o objecto do recurso
a uma decisão jurisdicional e não a normas jurídicas, conforme é imposto na
alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
Não pode, por isso, conhecer-se do objecto do recurso, improcedendo a
reclamação.
4. Diz o reclamante B.:
«[...]Com efeito, afigura-se manterem-se válidas os concretas questões
suscitadas na interposição do presente recurso, sendo ainda certo que a
suscitada inconstitucionalidade versa sobre questão decidida pelo Acórdão de
01.10.09.
Por outro lado a apontada inconstitucionalidade verifica-se na decisão em apreço
e versa sobre questão que não era objecto de anterior recurso ou questão
anteriormente suscitada ou previsível nos autos.
Na verdade o presente recurso versa sobre a inconstitucionalidade da
interpretação feita do dispositivo legal concretamente invocada e segundo a qual
• a suspensão da execução da pena nos casos de tráfico comum e de tráfico
agravado de estupefacientes, em que no se verifiquem razões ponderosas para uma
atenuação extraordinária da pena, tem de ser encarada como absolutamente
excepcional, pois se afigura incompatível de raiz, com a necessidade estratégica
nacional e internacional de combate a esse tipos de crime, defraudando as
expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e no servindo,
desde logo, os imperativos de prevenção geral.
• Um caso como o dos autos em que arguidos, como vem apurado tiveram uma
intervenção preponderante em diversos negócios relativos a expressivas
quantidades de haxixe e de pólen de cannabis, que mandavam trazer ou iam buscar
a Espanha e que faziam introduzir, ou introduziam, para revenda, em Portugal,
estará excluída qualquer hipótese de suspensão de penas.
• Para aplicação da suspensão da pena nos casos de condenação pelos crimes supra
referidos não é passível, por inutilidade, de ponderar as razões que possam
determinar um juízo de prognose do condenado.
• A aplicação do disposto na norma contida no art.º 50 do CP só é susceptível de
concretização quando os imperativos da prevenção geral permitam a aplicação da
pena de substituição, sendo irrelevante qualquer juízo de prognose favorável ao
condenado.»
Recorde-se que, quanto a este reclamante, o seu recurso não foi recebido por se
haver entendido que não suscitara a questão de inconstitucionalidade de modo
adequado no tribunal recorrido, pois não levantara qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa perante o Supremo Tribunal de Justiça, antes de
este conhecer do recurso e enquanto mantinha intacto o seu poder jurisdicional.
Com efeito, a alegação de inconstitucionalidade (ainda que de natureza não
normativa) surgiu apenas no incidente pós-decisório de aclaração do acórdão
condenatório, momento em que não é lícito ao tribunal conhecer de questões
novas. Ora, quanto a este fundamento, nada se acrescenta na reclamação
susceptível de inverter o sentido da decisão reclamada.
Além disso, e tal como já se afirmou, o recurso interposto visa sindicar as
ponderações que o Tribunal recorrido adoptou para preencher os requisitos
impostos por lei, impugnando directamente a decisão, mediante formulações que,
aliás, rigorosamente não foram sequer adoptadas pelo Supremo Tribunal de
Justiça.
É, assim, claramente improcedente a reclamação.
5. Por fim, diz o reclamante C.:
«1- O recorrente C. interpôs recurso para este Venerando Tribunal Constitucional
devido ao facto de considerar inconstitucional a interpretação feita pelo
Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 07/07/2009, confirmado pelo seu
acórdão de 01/10/2009, na parte em que referem que num caso de crime por tráfico
de estupefacientes nunca é possível aplicação do Instituto da suspensão da
execução da pena de prisão por motivos de prevenção geral das penas.
2- Recorreu ao abrigo da alínea c), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC.
3- Prevê essa alínea que se pode recorrer para o Tribunal Constitucional das
decisões que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com
fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado.
4- Entende este Venerando Tribunal Constitucional que o recurso interposto não
pode ser admitido em virtude do tribunal recorrido não ter procedido a
desaplicação do artigo 50.º do CP com fundamento na sua ilegalidade por violação
de lei com valor reforçado.
5- Não se concorda com tal entendimento.
6- É um facto que os acórdãos recorridos de 07/07/2009 e de 01/10/2009 não
referem literalmente que não aplicam o artigo 50.º do CP no caso concreto porque
se o fizessem ocorreria uma ilegalidade por violação de lei com valor reforçado.
7- Referem antes que para aplicação da suspensão da pena nos casos de condenação
pelos crimes supra referidos não é passível, por inutilidade, de ponderar as
razões que possam determinar um juízo de prognose do condenado. (...) A
aplicação do disposto na norma contida no artº 50 do CP só é susceptível de
concretização quando os imperativos da prevenção geral permitam a aplicação da
pena de substituição, sendo irrelevante qualquer juízo de prognose favorável ao
condenado - vide acórdão de 01/10/2009 que se transcreveu.
8- Ora, dizer que num caso de crime por tráfico de estupefacientes, qualquer que
ele seja, nunca pode haver lugar a aplicação do Instituto de suspensão da
execução da pena de prisão, em nosso modesto entender e salvo o devido respeito
por diversa opinião, é o mesmo que dizer que não se aplica esse instituto
porquanto da sua aplicabilidade acarretaria uma ilegalidade por violação de lei
com valor reforçado.
9- E qual seria a violação de lei com valor reforçado?
10-Seria os princípios subjacentes aos fins das penas previstos no artigo 70.º
do CP, mais precisamente o princípio da prevenção geral das penas.
11-Crê-se pois que o Supremo Tribunal de Justiça, in casu, não aplicou o artigo
50.º do CP porque entende que, em qualquer caso de crime de tráfico de
estupefacientes, tal Instituto nunca é de se aplicar sob pena de se defraudar o
sentimento da comunidade de que se assim fosse não se faria justiça.
12-É isso que o Supremo Tribunal de Justiça diz nos seus acórdãos de 07/07/2009
e 01/10/2009, embora com outras palavras.
13- Mas se assim é, entende-se que essa interpretação é subsumível na alínea
c), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, na medida em que essa interpretação recusa
a aplicação de uma norma constante de acto legislativo (artigo 50º do CP), com
fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado (com
fundamento de se defraudar o sentimento generalizado de justiça da comunidade,
isto é, com fundamento de se violar os critérios de prevenção geral das penas
previstos no artigo 71.º do CP).
14-Pelo que entende o recorrente que esse interpretação é inconstitucional por
violar o disposto nos artigos 3º, nº 2 e 3, 13º, 18º e 32º, todos da CRP.
15-Razão pela qual deveria o recurso interposto ter sido admitido.
16-Admissão que ora se requer. »
Sustenta-se, em divergência com o decidido, que «dizer que num caso de crime por
tráfico de estupefacientes, qualquer que ele seja, nunca pode haver lugar a
aplicação do Instituto de suspensão da execução da pena de prisão, [...] é o
mesmo que dizer que não se aplica esse instituto porquanto da sua aplicabilidade
acarretaria uma ilegalidade por violação de lei com valor reforçado».
Mas tal não é certo.
Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu não aplicar ao caso a
disciplina do referido preceito do Código Penal por entender que não ocorreriam
os pressupostos legais de aplicação da norma.
Ora, a decisão de desaplicação de uma norma, seja por ilegalidade seja por
inconstitucionalidade, tem um conteúdo preciso: o julgador, na sua tarefa de
aplicação concreta da lei, tem que concluir – previamente – que ao caso seria,
em princípio, aplicável a norma desaplicada, o que só não poderia ocorrer em
virtude de a norma enfermar de ilegalidade/inconstitucionalidade.
Nada mais errado, portanto, que de pretender descortinar, no juízo de não
verificação dos pressupostos legais de interferência normativa, a decisão de
desaplicação da norma com fundamento na sua ilegalidade.
É, por isso, improcedente a reclamação, visto que não ocorreu a desaplicação da
norma que habilitaria o recorrente a interpor o presente recurso.
6. Decide-se, em consequência, indeferir as reclamações, confirmando a decisão
sumária de não conhecimento do objecto do recurso. Custas pelos reclamantes,
fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 15 de Dezembro de 2009
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão
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