|
Processo n.º 84/09
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, em que é
recorrente A., Lda., e recorrida a Fazenda Pública, foi interposto recurso de
constitucionalidade para apreciação das seguintes questões, assim identificadas
no requerimento de interposição do recurso:
«[…]V − A recorrente pretende ver apreciada a conformidade constitucional das
seguintes normas aplicadas na decisão de 18 de Novembro de 2008:
a) do artigo 284/5 do CPPT, porquanto “a atribuição pelo art.º 284/5 CPPT da
competência ao relator nos Tribunais Centrais Administrativos para o julgamento
da questão preliminar da oposição de julgados como condição do seguimento do
recurso, retirando-a ao Plenário da Secção do Contencioso Tributário é
organicamente inconstitucional” “uma vez que a autorização legislativa ao abrigo
do qual foi aprovado – art.º 51/1/6 da lei 87- B/98 - não prevê a possibilidade
de alteração da competência dos Tribunais, que como se sabe é matéria incluída
na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República art.°
165/1/p da CRP.” (Requerimento de interposição do recurso entrado em 18 de
Dezembro de 2007):
b) do mesmo artigo 284/5 do CPPT, porquanto “o despacho do relator de não
prossecução do recurso envolve uma verdadeira apreciação de mérito que pode
inviabilizar o recurso. E nessa medida equivale a uma verdadeira denegação do
direito ao recurso.” “é claramente [MATERIALMENTE] inconstitucional, por
violação do direito ao recurso instituído no art° 32/1 da CRP que pressupõe que
o recurso seja avaliado por uma instância e por “persona” diferente daquele de
quem se recorre;” (Reclamação para a conferência entrada a 2 de Julho de 2007.
Interpolou-se o parêntesis). O parâmetro da conformidade constitucional, como o
próprio tribunal recorrido notou, é, de facto, o artigo 20.° da CRP (e não o
artigo 32.°, que, por lapso, foi indicado).
[…]
VIII — Independentemente do desfecho da averiguação da conformidade
constitucional da intervenção do Tribunal Central Administrativo Sul em matéria
que (à luz dos bons princípios de conformidade constitucional e/ou de respeito
por uma lei reforçada) devia ser da competência do STA, a recorrente pretende
ver apreciada a conformidade constitucional das seguintes normas, tal como
aplicadas na decisão de 19 de Setembro de 2007:
a) “dos art.° 120 e 123 do CPA, no caso aplicável por força do art.° 2/c do
CPPT” (Requerimento entrado em 26 de Setembro), face a uma decisão que constitui
uma TOTAL SUPRESA, na medida em que, por um lado, fundiu numa única categoria os
requisitos de validade e eficácia dos actos administrativos, e por outro,
considerou que uma notificação – que não continha os elementos essenciais do
“objecto” (artigo 123.º do CPA), como reconhecido pelo tribunal de 1.ª instância
[“circunstância de o acto tributário não vir assinado, não identificar a
entidade que o praticou e não indicar a data do acto”] – era, afinal, suficiente
para consubstanciar um acto prévio (o da liquidação) desde que tivesse essas
indicações que não tinha (!): “através da notificação quando realizada nos supra
citados moldes, o CSFinanças como que assume a autoria da liquidação oficiosa do
imposto, pelo que, se a referida notificação contiver a identificação do seu
autor e a respectiva assinatura, ainda que por meios mecanográficos, o acto
tributário não padece da ausência aos mesmos como defende a recorrente.” (pp
12-13 da referida decisão);
b) do artigo “133 do CPA” – que, no requerimento entrado em 18 de Dezembro de
2007,completou a indicação das normas do CPA referidas na alínea anterior, e com
o mesmo fundamento de desconformidade constitucional (e que vai autonomizado
para que o juízo sobre o tempo e oportunidade de suscitação seja também
autónomo);
c) “o entendimento que o venerando Desembargador fez dos art°s 111, 112. 115,
116, 117 do CIMSSISD”, questão de constitucionalidade suscitada na mesma ocasião
e com o mesmo fundamento. […]»
2. As partes foram notificadas para alegar, bem como para se pronunciarem sobre
a eventualidade de o Tribunal não vir a conhecer do objecto do recurso que se
prende com o conjunto de preceitos legais identificados nas alíneas a) a c) do
ponto VIII do requerimento de interposição do recurso, pelas razões invocadas no
despacho de fls. 288.
3. A autora apresentou alegações, onde conclui o seguinte:
«1. O presente recurso de constitucionalidade visa a apreciação de normas
aplicadas em duas decisões do Tribunal Central Administrativo Sul:
- o acórdão de 18 de Novembro de 2008, que inviabilizou o recurso por oposição
de julgados que a recorrente pretendeu interpor do acórdão desse mesmo Tribunal
proferido em 19 de Setembro de 2007; e
- este último acórdão.
Se proceder a impugnação de constitucionalidade dirigida ao modo como foi
aplicada a norma do artigo 284.° do CPPT — e da aplicação da qual resultou uma
indevida decisão do relator do Tribunal Central Administrativo Sul, confirmada
pelo acórdão desse Tribunal de 18 de Novembro de 2008 — há-de prosseguir o
referido recurso por oposição de julgados e ficarão prejudicadas as questões de
constitucionalidade desde já suscitadas em relação às normas aplicadas pelo
mesmo Tribunal Central Administrativo Sul no seu acórdão de 19 de Setembro de
2007, na medida em que o modo como tais normas foram aplicadas ficará ainda
sujeita a reapreciação na ordem dos tribunais administrativos.
Se não proceder essa impugnação de constitucionalidade, o que se admite sem
conceder, será adequado passar de imediato ao conhecimento das questões de
constitucionalidade suscitadas em relação às normas aplicadas na decisão de 19
de Setembro de 2007, ou recusando o seu conhecimento, determinar a baixa do
processo, após trânsito da decisão sobre o recurso interposto do acórdão de 18
de Novembro de 2008 — o que levará a re-apresentação, no prazo previsto no n.° 2
do artigo 75.º da Lei do Tribunal Constitucional, do recurso de
constitucionalidade dirigido às normas aplicadas, em desconformidade com a
Constituição, no referido acórdão de 19 de Setembro de 2007 do Tribunal Central
Administrativo Sul.
2. A adequada interpretação do disposto no n.° 5 do artigo 284.° do CPPT é alvo
de debate na doutrina. Não cabe ao Tribunal Constitucional arbitrar a
controvérsia, mas apenas aferir da conformidade com a Constituição da
interpretação de tal norma que foi aplicada na decisão para ele recorrida.
3. No acórdão do Tribunal Central Administração Sul de 18 de Novembro de 2008
aplicou-se tal norma no sentido de o “relator” aí referido ser o tribunal a quo
e não o do tribunal ad quem. Uma tal interpretação, não obstante ser
incompatível com as normas e princípios constitucionais, já encontrou arrimo
numa decisão do Tribunal Constitucional, que não declarou nem a sua
inconstitucionalidade orgânica nem material.
4. De facto, no seu acórdão n.° 403/2008, o Tribunal Constitucional considerou
que:
i) a reserva parlamentar de competência legislativa prevista na alínea p) do n.°
1 do artigo 165° da CRP se circunscreve à modificação da competência dos
tribunais dispostos horizontalmente (no mesmo plano);
ii) que tal reserva não contempla alterações indirectas da competência dos
tribunais (resultantes de alterações processuais) e que a transferência da
aferição dos requisitos do recurso por oposição de julgados do pleno da Secção
de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo para o relator do
acórdão a ser alvo de recurso (no caso, do Tribunal Central Administrativo Sul)
é uma alteração indirecta de competência dos tribunais;
iii) que a função do recurso “de uniformização de jurisprudência” só
indirectamente se repercute na situação dos recorrentes, que a ela não têm
direito;
iv) que a ampla margem de conformação do legislador não desborda, com a solução
adoptada — típica da normal tramitação da generalidade dos recursos — o que é
consentido pelo artigo 20.° da CRP;
v) e também não afecta o princípio do processo equitativo, pois a decisão do
tribunal a quo é objectiva, está rodeada de suficientes garantias de controlo da
legalidade e não implica diminuição das garantias formais do processo;
vi) tal como não ofende o princípio da tutela jurisdicional efectiva, por se
tratar de mera alteração do regime procedimental relativo a uma questão
preliminar (a oposição de julgados) e não haver direito a um duplo grau de
recurso nem, muito menos, a uma uniformização de jurisprudência.
5. Nenhum dos argumentos do referido acórdão é convincente — e alguns são,
mesmo, não-argumentos:
i) a reserva parlamentar de competência legislativa do parlamento pode
fundar-se, além de na alínea p) do n.° 1 do artigo 165.° da CRP, nas alíneas b)
(por estar em causa o acesso aos tribunais e este ser um direito análogo aos
direitos, liberdades e garantias, sujeito, como tal, às regras do artigo 18.° da
CRP) e i) do mesmo normativo (neste caso por as garantias dos contribuintes, que
a configuração das vias de recurso integra, estarem incluídas na reserva
referente ao sistema fiscal).
ii) mesmo considerando só a reserva parlamentar prevista na alínea p) do n.° 1
do artigo 165.° da CRP, haveria de considerar nela incluída não apenas a
competência dos tribunais, mas também a organização dos tribunais. Ora, a única
forma de não incluir a transferência qua tale de competências de verificação da
existência, ou não, de oposição de julgados — do pleno da Secção de Contencioso
Tributário do Supremo Tribunal Administrativo para o relator do Tribunal Central
Administrativo Sul — seria incluir essa transferência no domínio da organização
dos tribunais;
iii) mesmo restringindo a questão da avaliação da reserva legislativa do
Parlamento sobre a “competência dos tribunais”, o acórdão n.° 403/2008,
invocando em abono anterior jurisprudência, afirmou o contrário dela: enquanto
antes se considerara que a distribuição horizontal de competências ratione
materiae era um mínimo incluído nessa reserva, o acórdão n.° 403/2008 afirmou
que essa reserva de competência não ia para além disso;
iv) o referido acórdão invocou ainda a distinção anteriormente firmada na
jurisprudência constitucional entre alterações directas e deliberadas da
competência dos tribunais — que estariam reservadas à Assembleia da República
— e alterações indirectas e consequenciais de reformas processuais. Tal
distinção também se revela imprestável, pois a única forma de defender a
interpretação que prevaleceu nas instâncias é supondo que o legislador quis
transferir mesmas competências que vinham sendo exercidas pelo tribunal ad quem
para o tribunal a quo, e, para isso, revogou uma norma que expressamente as
atribuía àquele;
v) de resto, além de qualificar como “indirecta” uma consequência que só pode
justificar como tendo sido “directa”, sustentou a referida distinção num
precedente que, a mais de a ter estabelecido liminarmente com base na sede
substantiva da alteração legislativa então em causa, a afirmou, apenas, para a
competência do Ministério Público, ficando por explicar a sua pertinência em
relação aos órgãos de soberania que, diferentemente daquele, os tribunais são;
vi) ali, ao contrario do invocado, nem tal exercício de competências de tiragem
acelera a tramitação recursiva, nem é ela regra em matéria de verificação da
oposição de julgados; e na medida em que a decisão a proferir pelo tribunal ad
quem se repercute na decisão das instâncias, não faz sentido invocar que à
recorrente não assiste um direito ao recurso, sendo apenas indirecta
beneficiária da uniformização jurisprudencial;
vii) por outro lado, a vinculação dos tribunais à lei (que, como a espécie
revela, deixa larga margem de discricionariedade), a existência de uma
reclamação para reavaliar a decisão sobre a verificação dos pressupostos do
recurso feita pelo relator do próprio acórdão que seria recorrido, e a “isenção,
objectividade e imparcialidade dos juízes” não podem servir para fundar a
restrição, interpretativamente feita decorrer da intervenção de um legislador
governamental que estava expressamente mandatado para não prejudicar “a
possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, no caso de
aquele visar a uniformização das decisões obre idêntica questão de direito”
(alínea c) do n.° 6 do artigo 51.º da Lei n.° 87-B/98, de 31 de Dezembro).
6. A alteração das competências (ou organização das funções) do Supremo Tribunal
Administrativa e do Tribunal Central Administrativo Sul, operada com base na
interpretação literal de uma norma de distribuição de competências (e, em
consequência, implícita revogação de uma outra norma atributiva de competência)
não pode ser imputada a um legislador razoável e de boa-fé, se este estava
parlamentarmente mandatado para não interferir com a configuração do recurso de
oposição de julgados apesar das alterações processuais que nele se podiam
repercutir (o estabelecimento de alçadas). E se o for, serão organicamente
inconstitucionais as normas que fundarem tal entendimento.
7. Atendendo à sensibilidade social à desigualdade de tratamento, sobretudo em
matéria tributária, a uniformização de jurisprudência nesta matéria é
especialmente importante e justifica a cautela do legislador parlamentar ao
determinar que a introdução de alçadas não se repercutisse nela. Imputar,
jurisprudencialmente, ao legislador governamental outra intenção, que implica
uma redução de facto (e uma percepção pública acrescida) da diminuição das
hipóteses de controlo da aplicação diferenciada da lei tributária, lesa:
- o princípio da separação de poderes (artigo 111.° da CRP);
- o princípio da igualdade (artigo 13.° da CRP);
- os princípios da legalidade da Administração e da sujeição dos tribunais à lei
e à Constituição (artigos 266.°, 203.° e 204.° da CRP);
- o princípio do processo equitativo enquanto modalidade do direito de acesso
aos tribunais (artigo 20.°, n.° 1, da CRP);
- o princípio da proporcionalidade (artigo 20°, n.° 5, da CRP); e
- o direito de acesso aos tribunais (artigo 20°, n.° 1, da CRP).
7. Caso improcedam as razões da recorrente em relação à norma aplicada para
determinar, indevidamente, a competência do relator do tribunal a quo — o que se
tem de admitir por dever de patrocínio — haverá que avaliar (de imediato ou após
trânsito em julgado da decisão que venha a pôr termo ao recurso com fundamento
em oposição de acórdãos) da conformidade com a Constituição das normas aplicadas
na decisão de 19 de Setembro de 2007 do Tribunal Central Administrativo Sul,
designadamente as dos artigos 120.° e 123.° do Código de Procedimento
Administrativo. Estas foram impugnadas logo na primeira oportunidade processual
para o efeito, no pedido de reforma desse acórdão, que, surpreendentemente,
decidiu “integrar” os actor de liquidação e notificação praticados pela
Administração Fiscal, para o efeito de, combinando as suas características, dar
por preenchidos os requisitos, ora de uni, ora de outro. Admitindo que o
Tribunal pudesse enquadrar essa fundamental questão sob outras previsões
normativas (porque nenhumas eram indicadas na decisão para justificar tal
comunicabilidade de propriedades) logo advertiu a recorrente para a alternativa:
a ausência de suporte legal para um tal entendimento. Na decisão que indeferiu a
reforma não se pôs em causa a subsunção normativa que assim se traz ao Tribunal
Constitucional, pelo que se deve considerar que a questão de constitucionalidade
traduzida em considerar suprimidas as invalidades do acto de liquidação com base
no suprimento do acto de notificação se pode reconduzir a tais normas.
8. Seria inconstitucional (por violação dos princípios da sujeição da
Administração à lei, da proporcionalidade e da boa-fé) o entendimento dos
artigos 120.º e 123.° do Código de Procedimento Administrativo que permitisse
considerar que um qualquer funcionário da administração tributária é um órgão
administrativo e que as invalidades decorrentes da falta de sujeito (e de
identificação) do acto de liquidação se podem suprir com as que forem
detectáveis no acto de notificação.
9. Do mesmo modo, e pelas mesmas razões, seria inconstitucional o entendimento
da norma do artigo 133.° do CPA — norma sancionadora desses vícios dos actos —
se interpretado de modo a excluir do seu âmbito de aplicação as insuficiências
dos actos praticados pela Administração tributária no caso dos autos.
10. Também as normas dos artigos 111.°, 112.° e 116.° se apresentam como
inconstitucionais, se interpretadas no sentido de que a competência aí atribuída
ao chefe da repartição de finanças para proceder às liquidações oficiosas pode
ser desempenhada por um qualquer funcionário tributário, por violação dos
princípios da legalidade da actuação administrativa (artigo 266.° da CRP) e da
igualdade (artigo 13.° da CRP). E, sendo tal interpretação reiterada pelos
tribunais tributários, também por violação do princípio de sujeição dos
tribunais à lei e à Constituição (artigos 203.° e 204.° da CRP).
11. Por sua vez, a norma do artigo 115.° do CIMSISSD, na parte aplicável,
incorre em inconstitucionalidade de idêntico recorte e fundamento, na medida em
que a sua previsão assente num (prévio ou, na interpretação da decisão recorrida
do Tribunal Central Administrativo Sul, contemporâneo) acto administrativo
viciado por falta de sujeito com competência para o praticar e por falta das
menções estabelecidas na lei.
12. Inconstitucionalidade de que enferma também, por idênticas razões, a
estatuição do artigo 117.° do CIMSISSD, na medida em que faça decorrer a
consequência aí prevista de um acto de liquidação a que faltam os requisitos
essenciais para poder ser considerado válido e legítimo.
Nestes termos:
- deve ser julgada inconstitucional a norma do artigo 284.°, n.° 5, do CPPT,
quando interpretada no sentido de que cabe ao relator do tribunal a quo a
aferição da existência de oposição de julgados, condição de seguimento do
recurso;
- caso assim não se entenda (porque, reabrindo uma via de recurso ordinário, de
outro modo as seguintes questões de constitucionalidade ficam, de momento,
prejudicadas), devem ser julgadas inconstitucionais as normas dos artigos 120.°,
123.° e 133.° do CPA, e as normas dos artigos 111.°, 112.°, 115.°, 116.° e 117.°
do CIMSISSD,
fazendo-se assim JUSTIÇA.»
4. A recorrida Fazenda Pública não contra-alegou.
5. O presente recurso emerge de impugnação judicial, intentada por A., Lda., do
acto de liquidação de Sisa efectuado à impugnante com fundamento na não
efectivação da revenda do prédio adquirido para esse fim.
Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra a impugnação foi
julgada improcedente.
Inconformada, a impugnante recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul
(TCAS) que, por acórdão de 19.09.2007, negou provimento ao recurso.
Ainda inconformada, a impugnante requereu a reforma deste acórdão que veio a ser
desatendida.
A impugnante interpôs recurso, por oposição de acórdãos, para o Pleno da Secção
do Contencioso Tributário, tendo o relator no Tribunal Central Administrativo
Sul julgado o recurso findo, com fundamento na não ocorrência de qualquer
contradição/ oposição entre o acórdão proferido nos autos e o acórdão
fundamento.
A impugnante reclamou deste despacho, tendo a reclamação sido julgada totalmente
improcedente por acórdão de 18.11.2008.
O presente recurso vem interposto dos citados acórdãos do TCAS de 18.11.2008 e
de 19.09.2007.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II − Fundamentação
A) Questão prévia
6. Importa começar por decidir a questão do não conhecimento do objecto do
recurso na parte referente às normas identificadas no ponto VIII., alíneas a) a
c) do requerimento de interposição do recurso, ou seja, as normas dos artigos
120.º e 123.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA); do artigo 133.º do
mesmo Código; e dos artigos 111.º, 112.º, 115.º, 116.º e 117.º do Código do
Imposto Municipal da Sisa e das Sucessões e Doações (CIMSSISD).
Em resposta ao despacho que sucitou esta questão, a recorrente limitou-se a
dizer que o conhecimento do recurso, nesta parte, só se mostra útil caso o
Tribunal Constitucional não venha a julgar inconstitucional a norma do artigo
284.º do CPPT
Acontece que, independentemente da utilidade no conhecimento desta parte do
recurso, a verdade é que, tal como referido no citado despacho, não se mostram
verificados os pressupostos necessários ao conhecimento do objecto do recurso.
Desde logo, porque a recorrente não suscitou, atempadamente, qualquer questão de
constitucionalidade respeitante aos referidos preceitos legais. Como a própria
assume, no requerimento de interposição do recurso, a primeira vez que referiu a
alegada inconstitucionalidade dos artigos 120.º e 123.º do Código de
Procedimento Administrativo (CPA) foi no pedido de reforma do acórdão do TCAS
(de 19.09.2007), aqui recorrido (cfr. fls. 166 e s. dos autos). E quanto ao
artigo 133.º do CPA e aos artigos 111.º, 112.º, 115.º, 116.º e 117.º do CIMSISD,
só o fez no requerimento de interposição de recurso por oposição de acórdãos,
datado de 18.12.2007 (fls. 194 e s. dos autos).
Ora, em qualquer dos casos, as disposições legais em causa estavam directamente
ligadas com o litígio dos autos e com o próprio objecto do recurso, interposto
pela aqui recorrente, que deu origem ao citado acórdão do TCAS de 19.09.2007.
Era, por isso, exigível que a recorrente antecipasse quaisquer questões de
constitucionalidade relacionadas com tais normas legais, suscitando-as perante o
tribunal recorrido, em momento anterior à prolação da decisão – o que, como
vimos, aqui não aconteceu – de modo a este estar obrigado a delas conhecer
(artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
De todo o modo, sempre o recurso não poderia ser admitido porque as questões em
causa não têm natureza normativa, não tendo a recorrente suscitado a
inconstitucionalidade de normas, ou de interpretações normativas dos citados
preceitos legais, mas antes questionado o resultado da interpretação e aplicação
de alguns daqueles preceitos ao seu caso concreto.
Assim, quanto aos artigos 120.º e 123.º do CPA, a recorrente questiona a
constitucionalidade da solução dada ao caso concreto, no que respeita aos
pressupostos da validade do acto, por alegadamente o tribunal recorrido ter
entendido que «o acto de notificação da liquidação se integra na própria
liquidação» (cfr. conclusão 7. do requerimento de 26.09.2007, a fls. 173 dos
autos). Mas em momento algum a recorrente enuncia uma dimensão normativa
daqueles dois preceitos legais − que estipulam o “conceito de acto
administrativo” e as “menções obrigatórias do acto administrativo − pondo-a em
confronto com a Constituição. Como é sabido, o recurso de constitucionalidade
tem natureza estritamente normativa, não podendo o Tribunal Constitucional
pronunciar-se sobre a concreta e casuística valoração de circunstâncias próprias
e específicas de um caso concreto.
E no que se refere ao artigo 133.º do CPA e aos artigos 111.º, 112.º, 115.º,
116.º e 117.º do CIMSISD, a recorrente limita-se a sustentar, de forma
conclusiva e global, a inconstitucionalidade de todas aquelas normas (cfr. ponto
19. do requerimento de 18.12.2007, a fls. 198 dos autos). O que, manifestamente,
não pode ser entendido como suscitação de uma questão de constitucionalidade,
pois esta exige que a recorrente enuncie a regra, o concreto sentido normativo
com que tal regra foi tomada no caso concreto pela decisão que pretende impugnar
junto do Tribunal Constitucional (cfr. LOPES DO REGO, “O objecto idóneo dos
recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: as interpretações
normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional”, Jurisprudência
Constitucional, 3, 4-15, 8).
Além de que, quanto aos artigos 111.º e 112.º do CIMSISD, tais normas não foram
sequer aplicadas pelo acórdão do TCAS de 19.09.2007, que, pelo contrário,
afastou a aplicabilidade do seu regime ao caso dos autos (cfr. fls. 155).
Não se mostram, por tudo isto, reunidos os pressupostos para conhecimento do
objecto do recurso quanto às questões colocadas no ponto VIII do requerimento de
interposição do recurso, acima identificadas.
B) Mérito do recurso
7. O objecto do presente recurso fica, assim, limitado à norma do artigo 284.º,
n.º 5, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, com as alterações posteriores. Este
preceito, sob a epígrafe “Oposição de acórdãos”, dispõe o seguinte:
«1 - Caso o fundamento for a oposição de acórdãos, o requerimento da
interposição do recurso deve indicar com a necessária individualização os
acórdãos anteriores que estejam em oposição com o acórdão recorrido, bem com o
lugar em que tenham sido publicados ou estejam registados, sob pena de não ser
admitido o recurso.
2 - O relator pode determinar que o recorrente seja notificado para apresentar
certidão do ou dos acórdãos anteriores para efeitos de seguimento do recurso.
3 - Dentro dos 8 dias seguintes ao despacho de admissão do recurso o recorrente
apresentará uma alegação tendente a demonstrar que entre os acórdãos existe a
oposição exigida.
4 - Caso a alegação não seja feita, o recurso será julgado deserto, podendo, em
caso contrário, o recorrido responder, contando-se o prazo de resposta do
recorrido a partir do termo do prazo da alegação do recorrente.
5 - Caso o relator entenda não haver oposição, considera o recurso findo,
devendo, em caso contrário, notificar o recorrente e recorrido para alegar nos
termos e no prazo referido no n.º 3 do artigo 282.º»
O acórdão recorrido interpretou a citada norma do n.º 5 do artigo 284.º no
sentido de que cumpre ao relator no tribunal recorrido (no caso, o Tribunal
Central Administrativo Sul) a verificação dos pressupostos necessários à
admissão do recurso por oposição de julgados, incluindo a decisão sobre se
ocorre, ou não, oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, e,
com base nessa apreciação, decidir sobre o prosseguimento do recurso com
fundamento em oposição.
Antes da entrada em vigor do CPPT, a decisão desta questão preliminar cabia ao
pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo,
nos termos do artigo 30.º, alínea c), do Estatuto dos Tribunais Administrativos
e Fiscais de 1984 (entretanto revogado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro,
com as alterações posteriores, que aprovou o actual ETAF).
No caso sub juditio, a recorrente invoca a inconstitucionalidade orgânica da
norma, decorrente de falta de autorização legislativa, bem como a sua
inconstitucionalidade material, por violação do “direito ao recurso”,
contemplado, segundo a recorrente, no artigo 20.º da Constituição.
Estas questões foram já objecto de apreciação por este Tribunal, que se
pronunciou no sentido da não inconstitucionalidade da norma em causa, nos
Acórdãos n.ºs 403/2008 e 300/2009 (disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt).
Os fundamentos do Acórdão n.º 403/2008 podem ser assim sumariados:
« I - A norma sub iudicio, ao revogar a norma do artigo 30.º, alínea c), do
Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, veio atribuir ao relator no
tribunal recorrido, com possibilidade de reclamação para a conferência, a
pronúncia relativa à questão preliminar, da existência de oposição de acórdãos
e, com base nessa apreciação em concreto, decidir do prosseguimento de recurso
com fundamento nessa oposição.
II - Embora a norma da alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da
República atribua competência exclusiva à Assembleia da República, salvo
autorização ao Governo, em matéria de 'organização e competência dos tribunais e
do Ministério Público', ao passo que a autorização legislativa concedida pelo
artigo 51.º da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro, em matéria de processo
tributário, e ao abrigo da qual foi aprovado o Código de Procedimento e de
Processo Tributário, não faça qualquer alusão à apontada alteração de
competência para a apreciação do recurso por oposição de julgados, é
entendimento do Tribunal Constitucional, frequentemente reiterado, que a
referida reserva parlamentar inclui a definição da competência judiciária
ratione materiae, ou seja, a distribuição das matérias pelas diferentes espécies
de tribunais dispostos horizontalmente no mesmo plano, aí se incluindo a
definição de matérias cujo conhecimento cabe aos tribunais judiciais e aos
tribunais administrativos e tributários e a distribuição de competências, dentro
da ordem jurisdicional comum, pelos diferentes tribunais de competência genérica
e de competência especializada ou específica.
III - Ora, o que está em causa na norma sob apreciação não é uma modificação das
regras de competência judiciária em razão da matéria, mas unicamente uma
alteração do regime processual aplicável ao recurso por oposição de julgados,
implicando que a fase inicial do recurso, destinada a verificar a existência de
oposição, passe a ser atribuída ao tribunal recorrido; não há aí uma qualquer
alteração inovatória da competência entre tribunais de diferentes espécies, mas
apenas uma nova distribuição de competência dentro da mesma ordem de tribunais
que constitui uma mera decorrência da reformulação do procedimento do recurso e
que não põe, por isso, em causa a reserva de competência legislativa da
Assembleia da República.
IV - Embora a norma sub iudicio não preveja qualquer meio processual específico
de controlo jurisdicional da decisão do relator, implicando que, nos termos
gerais, a decisão de não admissão de recurso possa ser apenas passível de
reclamação para a conferência, afastando-se embora do regime tradicional que
previa, em caso de indeferimento do recurso, a reclamação para o presidente do
tribunal superior, corresponde ao regime geral de impugnação das decisões do
relator e tem aplicação, em situação similar, no que se refere ao despacho do
relator que não receba recurso interposto da decisão da secção de contencioso
administrativo do Supremo Tribunal Administrativo para o Pleno do mesmo
Tribunal.
V - Reconhecendo-se ao legislador uma ampla margem de conformação na definição
do regime procedimental que devam seguir os diferentes meios específicos de
dirimição de litígios, não se afigura que a opção legislativa de atribuir ao
próprio tribunal recorrido a actividade judiciária de verificação dos
pressupostos de admissão de recurso constitua uma solução que afecte de modo
desproporcionado ou excessivo o direito de acesso aos tribunais, tal como
consagrado no artigo 20.º da Constituição, a qual se encontra justificada por
razões de simplificação processual que visariam garantir uma maior celeridade
processual na resolução do conflito jurisprudencial.
VI - Acresce que, por um lado, a recorrente não pode arrogar-se um direito à
uniformização de jurisprudência - que constitui antes um interesse geral da
comunidade inerente ao bom funcionamento dos tribunais -, mas apenas beneficiar
de uma possível revogação de uma decisão judicial desfavorável por via de um
mecanismo processual que assenta na conveniência de harmonizar o entendimento
jurisprudencial relativamente a uma dada questão jurídica; por outro lado, o que
está em apreciação nessa fase procedimental, é a mera averiguação dos requisitos
de admissibilidade de recurso, que não envolve a aplicação de quaisquer
conceitos indeterminados, mas corresponde antes a um exercício vinculado de
avaliação de elementos objectivos: a legitimidade do recorrente; a
tempestividade do recurso; e, como requisito específico do recurso por oposição
de julgados, a identidade da questão fundamental de direito sobre que existe
divergência jurisprudencial, que pressupõe a identidade dos respectivos
pressupostos de facto.
VII - A reclamação para a conferência do eventual despacho de não admissão do
recurso, proferido pelo relator, já oferece suficientes garantias de controlo
jurisdicional da legalidade da decisão, não sendo possível caracterizar uma
situação de violação do princípio do processo equitativo quando não está em
causa uma diminuição das garantias formais do processo mas uma hipotética
suspeição sobre os juízes a quem a lei atribui a competência legal para decidir.
VIII - A norma do artigo 284.º, n.º 5, do Código de Procedimento e Processo
Tributário também não ofende o princípio da tutela jurisdicional efectiva - não
está em causa qualquer denegação do direito ao recurso, mas uma mera alteração
do regime procedimental relativo à apreciação da questão preliminar da
existência de oposição de julgados; por outro lado, mesmo que se entenda que o
novo regime dificulta ou elimina, na prática, a possibilidade de prosseguimento
do recurso por oposição de julgados - o que carece de ser demonstrado -, importa
considerar que o princípio da tutela jurisdicional efectiva não garante um
ilimitado direito ao recurso, não podendo o recorrente invocar, à luz do
princípio da tutela jurisdicional efectiva, um direito a um duplo grau de
recurso e, muito menos, um direito à uniformização da jurisprudência.»
E no Acórdão n.º 300/2009, conclui-se o seguinte quanto à questão da alegada
inconstitucionalidade orgânica:
«O Tribunal Constitucional tem entendido que a referida reserva parlamentar
inclui a definição da competência judiciária ratione materiae, ou seja, a
distribuição das matérias pelas diferentes espécies de tribunais dispostos
horizontalmente no mesmo plano, aí se incluindo a definição de matérias cujo
conhecimento cabe aos tribunais judiciais e aos tribunais administrativos e
tributários e a distribuição de competências, dentro da ordem jurisdicional
comum, pelos diferentes tribunais de competência genérica e de competência
especializada ou específica (acórdãos n.º 356/89, 72/90, 271/92, 163/95, 198/95,
268/97, 476/98, 114/2000 e 690/2006, todos acessíveis no site
www.tribunalconstitucional.pt)
Ora, o regime do n.º 5, do artigo 284.º, do CPPT, no entendimento do acórdão
recorrido não traduz uma modificação das regras de competência judiciária em
razão da matéria, mas unicamente uma alteração do regime processual aplicável ao
recurso por oposição de julgados, implicando que a fase inicial do recurso,
destinada a verificar a existência de oposição, passe a ser atribuída ao relator
do tribunal recorrido, com possibilidade de reclamação para a conferência.
Não há aqui uma qualquer alteração inovatória da competência entre tribunais de
diferentes espécies, mas apenas uma nova distribuição de competência dentro da
mesma ordem de tribunais, que constitui uma mera decorrência da reformulação do
procedimento do recurso e que não põe, por isso, em causa a reserva de
competência legislativa da Assembleia da República imposta pelo artigo 165.º,
p), da C.R.P.»
Não colocando o presente recurso qualquer questão nova que justifique a
reapreciação destas questões e concordando-se integralmente com a fundamentação
dos arestos citados, sendo certo que o último deles foi subscrito nesta 2.ª
Secção, por unanimidade, é de reiterar aqui o juízo de não inconstitucionalidade
neles constante.
III − Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Não conhecer do objecto do recurso na parte referente às normas dos
artigos 120.º e 123.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA); do artigo
133.º do mesmo Código; e dos artigos 111.º, 112.º, 115.º, 116.º e 117.º do
Código do Imposto Municipal da Sisa e das Sucessões e Doações (CIMSSISD).
b) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 284.º, n.º 5, do CPPT,
quando interpretada no sentido de que cumpre ao relator no tribunal recorrido
verificar a existência de oposição de julgados em recurso interposto com este
fundamento.
c) Consequentemente, julgar o recurso improcedente.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco)
unidades de conta.
Lisboa, 18 de Novembro de 2009
Joaquim de Sousa Ribeiro
João Cura Mariano
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos
|