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Processo nº 955/08
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que são
recorrentes o Ministério Público e recorrida A., Ldª, foi interposto recurso
para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da
Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC),
do acórdão daquele Tribunal de 14 de Julho de 2008, rectificado nos termos do
artigo 716º, nº 1, do Código de Processo Civil pelo Acórdão de 15 de Outubro de
2008.
2. A., Ldª recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do
Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, que julgou improcedente impugnação
judicial de acto de indeferimento de reclamação graciosa de liquidação de
Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA).
Em 14 de Julho de 2008, o tribunal recorrido acordou em “conceder provimento ao
recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida, julgando-se procedente a
impugnação judicial e consequentemente anular a liquidação impugnada, e condenar
a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do
pagamento do imposto que foi objecto da liquidação anulada, até à data em que
vier a ser emitida nota de crédito”. Para o que agora releva é o seguinte o teor
do acórdão:
«8 – A Circular n.° 19/89 da DGCI (Disponível em
http://www.dgci.min-financas.pt/NR/rdon1yres/OF22FB57-1ADD-4D69-9DE3-951458B11A08/circular19de18-12-1989,
direcção de serviços do IVA, pdf), na parte que interessa para a apreciação do
presente recurso jurisdicional, estabelece o seguinte:
Conceito de “pequeno valor” e de limite máximo a considerar
3. Para a conceituação do “pequeno valor” a aplicar às ofertas, que não às
amostras, considerar-se-á tal valor como não podendo ultrapassar unitariamente o
montante de 3.000$00 (IVA excluído), considerando-se ainda, em termos globais,
que o valor anual de tais ofertas não poderá exceder 5% o (cinco por mil) do
volume de negócios, com referência ao ano anterior, sem qualquer limite em
termos de valores absolutos. No caso de início de actividade, a permilagem
referida aplicar-se-á aos valores esperados, sem prejuízo de rectificação a
efectuar na última declaração periódica a apresentar no ano de início, se os
valores definitivos forem inferiores aos valores esperados.
No caso em apreço, o que está em causa é a constitucionalidade da fixação do
valor anual de 5% o (cinco por mil) do volume de negócios, com referência ao ano
anterior.
O art. 30 [3º], n.° 3, e alínea f), do C.LV.A. estabelece o seguinte:
3 - Consideram-se ainda transmissões de bens, nos termos do n.° 1 deste artigo:
f) Ressalvado o disposto no artigo 25.0, a afectação permanente de bens da
empresa, a uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral afins alheios à
mesma, bem como a sua transmissão gratuita, quando, relativamente a esses bens
ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do
imposto.
Excluem-se do regime estabelecido por esta alínea as amostras e as ofertas de
pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais, Esta parte final da
alínea f) contém um conceito indeterminado ao fazer referência a «ofertas de
pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais».
A referência à conformidade com os usos comerciais aponta no sentido de se ter
pretendido que o valor das ofertas relevante para preenchimento do conceito de
«oferta de pequeno valor» fosse determinado não em função de um valor objectivo,
mas sim tendo em atenção, relativamente a cada tipo de actividade comercial, a
prática corrente em matéria de ofertas. Por outro lado, não havendo qualquer
razão para crer (nem sendo alegado nem demonstrado) que em relação a todas as
actividades comerciais os usos sejam no sentido de não ser excedido o valor de
5% o do volume de negócios do ano anterior não se encontra qualquer suporte no
texto daquela alínea f) para a fixação de tal limite.
Aliás, como resulta da matéria de facto, a Impugnante repetidamente vem
excedendo o limite referido, mesmo depois de lhe ser imposto o pagamento de IVA
na parte excedente, pelo que se indicia que a prática comercial no seu ramo de
actividade seja no sentido de efectuar ofertas em valor superior àquele limite,
o que, a ser assim, constituirá um «uso comercial» a atender. Por outro lado,
nesta matéria, não há qualquer disposição que permita à administração tributária
fixar «limites razoáveis», ao contrário do que sucede em matéria de IRC, com as
taxas de reintegração e amortização (art. 30. °, n.º 2, do CIRC) E com
repartição de custos para efeitos de determinação do lucro tributável imputável
a estabelecimento estável de sociedades e outras entidades não residentes (art.
50.°, n.° 2, do CIRC). (o Plano Oficial de Contabilidade também não contém
qualquer indicação nesse sentido, nomeadamente relacionada com os «Artigos para
ofertas».
Assim, é de concluir que a referida Circular n.° 19/89, no ponto em apreço, é
material e organicamente inconstitucional, pois contém uma regra de incidência
objectiva de IVA que não foi criada por diploma emanado da Assembleia da
República, em matéria que se insere na reserva relativa de competência
legislativa da desta (arts. 103.°, n.° 2, e 165.°, n.° 1, alínea i) da CRP, na
redacção vidente, a que correspondem os arts. 106.°, n.° 2, e 168.°, n.º 1,
alínea i), respectivamente, nas redacções de 1982 e 1989. Consequentemente, a
liquidação de IVA impugnada enferma de vício de violação de lei, que justifica a
sua anulação (art. 135.° do CPA).
9 – Justificando-se a anulação da liquidação impugnada por vício que impede a
renovação do acto, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões
colocadas no presente recurso jurisdicional.
10 – A Recorrente formulou na petição de impugnação pedido de indemnização «de
todos os prejuízos sofridos».
No presente meio processual, apenas é possível condenar no pagamento de juros
indemnizatórios, no caso de se apurar existência de erro imputável aos serviços
(art. 43.º, n.° 1, da LGT), considerando-se «também haver erro imputável aos
serviços no casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na
declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as
orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas» (n.°
2 do mesmo artigo).
No caso em apreço, o IVA foi autoliquidado, mas a liquidação foi efectuada de
acordo com a orientação genérica constante da referida Circular 19/89, pelo que
se está perante uma situação que, por interpretação extensiva (se não mesmo
meramente declarativa), se enquadra na previsão daquele n.° 2.
Por isso, há lugar ao pagamento de juros desde a data em que ocorreu o pagamento
indevido até à data em que vier a ser emitida nota de crédito respeitante ao
imposto em causa.”
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso jurisdicional e revogar a
sentença recorrida, julgando-se procedente a impugnação judicial e
consequentemente anular a liquidação impugnada, e condenar a Fazenda Pública no
pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento do imposto
que foi objecto da liquidação anulada, até à data em que vier a ser emitida nota
de crédito».
3. Desta decisão o Ministério Público recorreu para o Tribunal Constitucional
para apreciação da:
«norma de incidência tributária, constante da Circular nº 19/89, de 18.12.1989
da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, por violação dos artºs 103º nº 2
e 165º nº 1 al. i) da Constituição da República, na redacção actual, a que
correspondem os artºs 106º nº 2 e 168º nº 1 al. i), na redacção da Lei
Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho».
A Fazenda Pública recorreu também para o Tribunal Constitucional para apreciação
da mesma norma.
4. Os recorrentes foram notificados para alegar.
4.1.O Ministério Público concluiu o seguinte:
«1º
Não pode inferir-se dos princípios da legalidade e da tipicidade, contidos no
princípio constitucional da reserva de lei fiscal, que esteja absolutamente
proscrita a utilização, pelas normas delimitadoras da incidência dos impostos,
de conceitos indeterminados, estando, em absoluto, vedada qualquer margem de
apreciação subjectiva pela Administração Fiscal, na fase de liquidação e
apuramento da matéria colectável, a qual teria de decorrer, de forma plena e
automática, da própria lei.
2º
A norma constante do artigo 3º, nº 3, alínea f) do CIVA ao excluir do regime de
“transmissões de bens” as amostras e ofertas de pequeno valor, feitas em
conformidade com os usos comerciais – cometendo naturalmente à Administração
Fiscal a densificação e concretização dos conceitos indeterminados de que o
legislador se socorreu – não representa a outorga à administração de um poder
constitutivo e discricionário de determinação da matéria colectável, não
afrontando, consequentemente, o princípio da reserva de lei fiscal.
3º
Não viola qualquer princípio constitucional a norma regulamentar, constante da
circular nº 19/89, que – sem vincular naturalmente os tribunais – estabelece um
critério interpretativo geral, a seguir pela Administração Fiscal na
concretização do conceito de oferta de “pequeno valor”, funcionando como
critério de decisão na definição do sentido objectivo emergente da norma fiscal,
de modo a obstar a uma inconveniente dispersão e subjectividade dos critérios
adoptados pelos funcionários daquela Administração.
4º
Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com o juízo de
não inconstitucionalidade da norma que integra o objecto do presente recurso».
4.2. A Fazenda Pública sustentou que o presente recurso deve ser considerado
procedente.
5. Notificada, a recorrida contra-alegou, levantando a questão prévia da
inexistência de fundamento do recurso. No que diz respeito a esta questão,
apresentou as seguintes conclusões:
«1. O art.° 72.°, n.° 3 da LTC invocado pelo Ministério Público para a
interposição do presente recurso não é fundamento do mesmo, já que se baseia na
inconstitucionalidade da Circular 19/89;
2. As Circulares não se subsumem a nenhuma das hipóteses previstas no art.°
72.°, n.° 3 da LTC, pois não se trata de convenção internacional, acto
legislativo ou decreto regulamentar;
3. As Circulares são normas internas e que vinculam apenas os órgãos
hierarquicamente inferiores ao órgão autor dos mesmos, pelo que, sendo o
Ministério Público uma entidade autónoma, não há qualquer espécie de hierarquia
face à Administração Fiscal e, consequentemente, não está obrigado à obediência
da Circular 19/89;
4. Não há nenhum princípio da constitucionalidade das Circulares que imponha o
dever do Ministério Público proteger a sua aplicação em cumprimento do seu papel
fiscalizador autónomo, pelo que está patente a falta de interesse em agir do
Recorrente, visto que a Douta decisão recorrida não afecta o interesse do
Recorrente, interesse que é constitucional e organicamente delimitado;
5. Uma vez que o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais separa as
funções do Ministério Público apenas à promoção e defesa da legalidade fiscal da
representação da Fazenda Pública, se interesse em agir houvesse este seria da
Fazenda Pública, como parte do processo, na defesa dos seus interesses, de como
que o Recorrente é, ainda, parte ilegítima para recorrer;
6. Parece reconhecer esta ilegitimidade a Segunda Recorrente, na medida em que
somente agora após a Recorrida ter suscitado esta questão prévia em duas das
contra-alegações em processos em tudo semelhantes (Autos de Recurso n.° 873/08 e
954/08, apresenta também alegações com os mesmo fundamentos apresentados pelo
Ministério Público;
7. Admitindo, contudo, à cautela e por mero dever legal de prudente patrocínio
que o Ministério Público se equivocou na qualificação do recurso, que, ao invés
de afigurar-se como obrigatório, é, na verdade, facultativo, ainda assim não
deverá ser o mesmo conhecido, pois não obedece aos respectivos pressupostos; 8.
O recurso não indica de forma clara quais as normas cuja questão de
constitucionalidade pretende submeter, tão pouco se mostra útil, na medida em
que o fundamento do Douto Acórdão recorrido, antes, a ilegalidade da Circular
19/89, XIII, por violação do disposto no art.° 8.°, n.° 1 da LGT e art.° 3.º,
n.° 3, alínea f) Código do IVA o qual pretendeu regular, é ilegal, pela
regulação ilegítima que faz da incidência do imposto, pela abusiva transposição
de Directiva Comunitária e pela respectiva imposição com eficácia externa
vinculativa aos contribuintes, motivo que por si só sustenta a referida decisão;
9. De igual modo, o recurso apresentado pela Exma. Senhora Representante da
Fazenda Pública também se mostra inútil, pelas mesmas razões, pois antes de ser
inconstitucional, a Circular 19/89 é ilegal, face ao art.° 3.º, n.° 3, alínea f)
do Código do IVA;
10. Logo, ainda que declarada a constitucionalidade da Circular 19/89,
manter-se-á in totum a Douta Decisão Recorrida;
11. Assim, o recurso não deve ser admitido por falta de pressuposto processual,
interesse em agir e ilegitimidade das partes, com a sua extinção sem julgamento
de mérito, nos termos do art.° 78.°-A da LTC».
6. Notificado para se pronunciar sobre a questão suscitada pela recorrida, o
Ministério Público respondeu o seguinte:
«1º
O recurso previsto na alínea a) do nº1 do artigo 70º da Lei nº28/82, nos casos
de recusa de aplicação normativa, tanto pode ser obrigatório como facultativo
para o Ministério Público.
2º
No caso dos autos, estamos efectivamente confrontados com um recurso
“facultativo”, já que a norma recusada aplicar pelo Supremo Tribunal
Administrativo é uma norma regulamentar, dotada de manifesta “eficácia externa”,
não constante de “decreto regulamentar” – constituindo, pois, objecto idóneo do
recurso interposto.
3º
Por outro lado, é evidente que a recusa explícita da aplicação, que consta
expressamente do acórdão recorrido, não constitui “obter dictum”, mas efectiva e
real “ratio decidendi” da solução alcançada pelo Supremo Tribunal
Administrativo.
4º
Deste modo, verificada uma efectiva recusa da aplicação de norma regulamentar,
tem o Ministério Publico inquestionável legitimidade para interpor o dito
recurso, radicando o “interesse em agir” na defesa do ordenamento jurídico
objectivo, face à impugnação, constante das conclusões da alegação,
tempestivamente apresentadas, em que claramente se pugna pela conformidade à Lei
Fundamental da norma que integra o objecto do recurso.
5º
Ora, em nada afecta a legitimidade e o interesse em agir do
recorrente/Ministério Público, a configuração do recurso como facultativo ou
obrigatório: tal qualificação só relevaria se, por exemplo, o Ministério
Público, tomando o recurso como obrigatório, deixasse de apresentar alegações ou
conclusões, o que envolveria a respectiva “deserção”, se fosse apenas
facultativo.
6º
No caso dos autos - e afastado claramente que o objecto do recurso pudesse
incluir a norma constante do artigo 3º, nº3, alínea f) do C.I.V.A. –
reconhece-se que efectivamente se trata de recurso facultativo – sendo certo
que, nas conclusões da alegação, feitas após tal delimitação do objecto do
recurso, nenhuma referência é feita à natureza “obrigatória” do recurso.
7º
Pelo que, em suma, é inquestionável a legitimidade e o interesse em agir do
Ministério Público, com fundamento na recusa efectiva da aplicação da norma
regulamentar que integra o objecto do presente recurso, o que determina a
improcedência da “questão prévia” suscitada pelo recorrido».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo
70º da LTC, para apreciação da “norma de incidência tributária, constante da
Circular nº 19/89, de 18.12.1989 da Direcção-Geral das Contribuições e
Impostos”, cuja redacção é a seguinte:
«Conceito de “pequeno valor” e de limite máximo a considerar
3. Para a conceituação do “pequeno valor” a aplicar às ofertas, que não às
amostras, considerar-se-á tal valor como não podendo ultrapassar unitariamente o
montante de 3.000$00 (IVA excluído), considerando-se ainda, em termos globais,
que o valor anual de tais ofertas não poderá exceder 5% o (cinco por mil) do
volume de negócios, com referência ao ano anterior, sem qualquer limite em
termos de valores absolutos. No caso de início de actividade, a permilagem
referida aplicar-se-á aos valores esperados, sem prejuízo de rectificação a
efectuar na última declaração periódica a apresentar no ano de início, se os
valores definitivos forem inferiores aos valores esperados».
Esta “norma de incidência tributária” insere-se numa Circular da Direcção dos
Serviços do IVA que regulamenta a matéria referida na alínea f) do nº 3 do
artigo 3º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, cuja redacção é a
seguinte:
«3 - Consideram-se ainda transmissões de bens, nos termos do n.º 1 deste artigo:
f) Ressalvado o disposto no artigo 25.º, a afectação permanente de bens da
empresa, a uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral a afins alheios à
mesma, bem como a sua transmissão gratuita, quando, relativamente a esses bens
ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do
imposto.
Excluem-se do regime estabelecido por esta alínea as amostras e as ofertas de
pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais».
2. Nas contra-alegações, a recorrida levanta a questão prévia da inexistência de
fundamento do recurso, alicerçando-a em duas razões fundamentais: face à
natureza jurídica da Circular 19, de 18/12/89 e atento o disposto no artigo 72º,
nº 3, da LTC, há falta de interesse em agir do recorrente Ministério Público; é
inútil conhecer do objecto do recurso, na medida em que o fundamento do acórdão
recorrido assenta antes na ilegalidade da Circular, por violação do disposto no
artigo 8º, nº 1, da Lei Geral Tributária e artigo 3º, nº 3, alínea f), do Código
do Imposto sobre o Valor Acrescentado.
Importa, pois, começar por decidir se alguma destas razões deve proceder, antes
mesmo de tomar posição sobre a questão de saber se a norma indicada pelo
recorrente é subsumível no conceito de norma que é objecto de controlo de
constitucionalidade por parte deste Tribunal.
3. Segundo a decisão recorrida, “não se encontra qualquer suporte no texto
daquela alínea f) para a fixação” do limite de 5% (cinco por mil) do volume de
negócios, com referência ao ano anterior, constante da Circular 19. Se, por um
lado, a referência à conformidade com os usos comerciais (alínea f) do nº 3 do
artigo 3º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado) “aponta no sentido de
se ter pretendido que o valor das ofertas relevante para preenchimento do
conceito de «oferta de pequeno valor» [conceito constante da mesma alínea f)]
fosse determinado não em função de um valor objectivo, mas sim tendo em atenção,
relativamente a cada tipo de actividade comercial, a prática corrente em matéria
de ofertas”; por outro, não há qualquer razão para crer “que em relação a todas
as actividades comerciais os usos sejam no sentido de não ser excedido o valor
de 5%0 do volume de negócios do ano anterior”.
Assim sendo, a razão de decidir no sentido de ser anulada a liquidação impugnada
pela recorrida reside no entendimento de que a Circular 19, na parte em que
define o limite máximo do valor anual das ofertas de pequeno valor, colide com a
alínea f) do nº 3 do artigo 3º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado,
concretamente com o segmento onde são convocados os “usos comerciais”. O que
permite ao tribunal recorrido concluir que “a Impugnante repetidamente vem
excedendo o limite referido, mesmo depois de lhe ser imposto o pagamento de IVA
na parte excedente, pelo que se indicia que a prática comercial no seu ramo de
actividade seja no sentido de efectuar ofertas em valor superior àquele limite,
o que, a ser assim, constituirá um «uso comercial» a atender”.
Por outras palavras: a remissão legal para os “usos comerciais” não é compatível
com o preenchimento do conceito de “oferta de pequeno valor” em função de um
“valor objectivo”. O que mostra que é inútil apreciar a questão de
inconstitucionalidade colocada nos presentes autos.
De facto, ainda que, em sede de recurso, se viesse a concluir pela conformidade
constitucional da norma, subsistiria sempre o fundamento da ilegalidade da
mesma, com a consequência de se manter inalterada a decisão no sentido de ser
anulada a liquidação impugnada pela recorrida. Ora, “não visando os recursos
dirimir questões meramente teóricas ou académicas, a irrelevância ou inutilidade
do recurso de constitucionalidade sobre a decisão de mérito torna-o uma mera
questão académica sem qualquer interesse processual” (Acórdão do Tribunal
Constitucional nº 366/96, Diário da República, II Série, de 10 de Maio de 1996).
Uma vez que um eventual juízo de não inconstitucionalidade da norma em causa
nenhuma virtualidade teria de alterar a decisão recorrida, importa concluir pelo
não conhecimento do objecto do recurso.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do presente
recurso.
Sem custas.
Lisboa, 28 de Outubro de 2009
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão
José Borges Soeiro
Rui Manuel Moura Ramos
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