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Processo n.º 783/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
(Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro)
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
Relatório
A. e outros intentaram, contra o Estado Português, acção declarativa de
condenação, sob a forma de processo ordinário, pedindo, cada um deles, a
condenação daquele no pagamento de quantias resultantes da diferença entre o
valor atribuído pelo Governo às participações sociais dos Autores nas empresas
nacionalizadas, pertencentes ao então denominado ?Grupo Claras?, e o valor
atribuído às mesmas participações pelas comissões arbitrais, bem como a sua
condenação no pagamento do ?saldo? entre os valores indicados no ?quadro 5?,
referenciado nos autos, actualizado à data do efectivo pagamento, a cada Autor,
à taxa de juro implícita no coeficiente de correcção monetária estabelecido em
portaria pelo Governo e os valores que, efectivamente, cada Autor tiver recebido
e venha a receber do Estado, actualizados financeiramente à mesma taxa e com
referência à mesma data, saldo ao qual se deduzirá ainda o valor resultante do
primeiro pedido.
Por sentença da 2ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, a acção foi julgada
parcialmente procedente, decidindo-se absolver o Estado do primeiro pedido, e,
julgando-se materialmente inconstitucionais os artigos 18.º e 19.º da Lei n.º 80/77,
condená-lo no pagamento, a cada um dos Autores, de quantias correspondentes à
actualização do valor indemnizatório fixado, mediante a diferença entre os juros
capitalizados e pagos e o que resulta da aplicação dos coeficientes de correcção
monetária previstos no Portaria n.º 362/2008 (ou a que estiver em vigor à data
do pagamento), desde a data da nacionalização até integral pagamento.
Desta sentença, os Autores recorreram directamente para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC,
recurso esse que foi objecto da decisão sumária de não conhecimento.
Da mesma sentença o Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade,
ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, na parte em que
recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, dos artigos 18.º e
19.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro.
O recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões:
Conforme entendimento jurisprudencial reiterado, não são inconstitucionais as
normas constantes dos artigos 18.° e 19.° da Lei n.° 80/77, de 26 de Outubro,
enquanto nelas se prevê ? em concretização do artigo 83° da Constituição da
República Portuguesa ? que o direito à indemnização ao titular de bens
produtivos nacionalizados se efectiva mediante entrega de títulos de dívida
pública, de valor igual ao fixado, desdobrando-se em várias classes, em função
do montante global, às quais correspondem ? nos termos do quadro anexo ? prazos
de amortização e de diferimento diferenciados e taxas de juro decrescentes.
Na verdade, não pode extrair-se daquele preceito constitucional que a
indemnização a arbitrar, como decorrência do acto político de nacionalização,
tenha de ser fixado em montante pecuniário, correspondente ao valor efectivo dos
bens, imediatamente disponível pelo respectivo titular ? podendo a lei, de modo
constitucionalmente legítimo, estabelecer critérios concretos de ressarcimento,
referentes não apenas ao valor patrimonial, como também à forma e ao tempo do
pagamento, justificados por relevantes ponderações de necessidade política, económica
e social.
Não conduz a uma indemnização ?irrisória? o critério normativo que não prevê nem
institui a correcção monetária do valor dos títulos da dívida pública
originariamente arbitrados ao titular dos bens nacionalizados, já que o risco de
depreciação monetária, por ele suportado, é equivalente ao sofrido pelos
titulares de outros títulos de dívida pública, de juro fixo, não se estando, no
caso, no âmbito da atribuição de uma indemnização em dinheiro, enquadrável no
regime civilístico do artigo 566.°, n.° 2, do Código Civil.
Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com o juízo de
constitucionalidade das normas desaplicadas na decisão recorrida.»
Os recorridos contra-alegaram, concluindo o seguinte:
«1. A Constituição garante, como um dos direitos fundamentais, o direito à
propriedade privada (art.° 62.° da Constituição).
2. Trata-se indiscutivelmente, de um DIREITO FUNDAMENTAL, como resulta, desde
logo, da inserção do art.° 62.° na parte I da CRP, sob o título ?Direitos e
Deveres Fundamentais?.
3. A distinção doutrinária entre os conceitos de ?nacionalização? e ?expropriação?
não permite, sem mais, concluir por uma diferença de tratamento nos respectivos
regimes de indemnização.
4. Em qualquer caso, na perspectiva do direito de propriedade, enquanto direito
fundamental, por que motivo racional, compreensível, haveria que indemnizar-se
diferentemente, consoante aquele direito fosse atingido por um acto de
nacionalização ou de expropriação?
5. Uma tal distinção, além de incompreensível, traduzir-se-ia em discriminação
intolerável dos cidadãos: perante actos de ofensa ao direito de propriedade, por
transferência de bens para a titularidade do Estado, a indemnização
correspondente resultaria da motivação que o Estado invocasse para os actos de
transferência; se invocar motivos ideológico-políticos, a indemnização compensatória
não terá sequer que ser aproximada ao valor dos bens, se invocar outros motivos
de interesse público, já a indemnização terá de corresponder à reintegração
plena do património do visado.
6. Por isso, salvo o devido respeito, a tese do R. acerca da distinção entre as
indemnizações por expropriações e as indemnizações por nacionalizações, está
irremediavelmente datada de uma época histórica ultrapassada e corresponde a uma
visão constitucional repudiada pela simples ideia do Estado de Direito.
7. Assim, teremos de concluir que o princípio da justa indemnização consagrado
no N.° 2 do art.° 62.° da CRP, como corolário da protecção do direito de
propriedade garantido pelo N.° 1, se aplica à expropriação em sentido amplo,
abrangendo tanto a expropriação stricto sensu, para utilizar a terminologia de
Fausto de Quadros, como a nacionalização.
8. Esse reconhecimento foi feito pelo próprio Estado, logo em 1977, na Lei 80/77,
em cujo art.° 1.° se dispôs que ?do direito à propriedade privada, reconhecido
pela Constituição, decorre que toda a nacionalização ... apenas poderá ser
efectuada mediante justa indemnização?.
9. Mas mesmo que se admita que a indemnização por nacionalização pode ser
distinta da devida por expropriação, em qualquer caso ela está subordinada a um
imperativo de justiça decorrente de um conjunto de exigências constitucionais e
do Estado-de-Direito, (art.° 2.° da C.R.P.) relativas à boa-fé, à protecção da
confiança e da segurança, à proporcionalidade, ao princípio da igualdade e à
garantia constitucional genérica dos direitos fundamentais (art.°s 17.° e 18.°
da Constituição).
10. A Declaração Universal dos Direitos do Homem e outros princípios do Direito
Internacional acolhidos na nossa Constituição (art.°s 8.° N.° 1 e 16.° N.°s 1 e
2), conferem aos cidadãos dos Estados aderentes um autêntico direito à
propriedade privada.
11. Também em Portugal, a doutrina é quase unânime no sentido de que a
indemnização tem de ser justa, o que quer dizer proporcional ao valor dos bens
nacionalizados; ?ela tem de compensar o valor substancial que foi subtraído ao
particular?
12. Embora o Tribunal Constitucional não tenha assumido integralmente a posição
que aqui sustentamos, a verdade é que da sua jurisprudência resulta a
inconstitucionalidade das normas em causa, face à matéria de facto apurada.
13. Segundo essa jurisprudência, a indemnização pode não ser plena, mas tem de
ser razoável e não manifestamente desproporcionada.
14. Como resulta da matéria de facto apurada nos autos, o diferimento no tempo
do pagamento da indemnização, os juros compensatórios fixados por esse
diferimento, decorrentes da aplicação dos preceitos legais arguidos de
inconstitucionalidade, conduziram a que as indemnizações efectivamente pagas
sejam ?manifestamente desproporcionadas à perda dos bens nacionalizados? (expressão
do Tribunal Constitucional).
15. Na verdade, para que a indemnização não seja irrisória ou manifestamente
desproporcionada, é indispensável que a sua forma de pagamento, quando
temporalmente protelada (como foi o caso), beneficie de correcção monetária que
assegure um mínimo de equivalência com o valor dos bens à data da nacionalização
(vide Profs. Doutor Gomes Canotilho e outros, em trabalho de investigação por
equipe de docentes da Fac. de Direito de Coimbra, de que está junta fotocópia ao
processo).
16. A indemnização resultante dos diplomas legais que regularam o respectivo
cálculo e forma de pagamento, ?transmutou-se em indemnização irrisória.., em
virtude da dilação temporal manifestamente excessiva com que foi paga? (Gomes
Canotilho, no Estudo cit.).
17. Acresce que, tratando-se de dívidas do Estado, é o próprio devedor, através
do Governo, a influenciar decisivamente a desvalorização da moeda, através da
política monetária, política que, durante todo o período em que foram
amortizados os títulos do Tesouro com que o Estado pagou as indemnizações que
ele próprio fixou unilateralmente, foi conduzida pelo Governo.
18. Ou seja, em termos simples, foi a seguinte a actuação do Estado através do
Governo:
1º atribuiu unilateralmente e arbitrariamente o valor dos bens nacionalizados
para efeitos da ?indemnização? a pagar aos expropriados;
2° decidiu pagar a ?indemnização? através da entrega de Títulos do Tesouro
amortizáveis a longo prazo;
3° fixou unilateralmente as taxas de juro da dívida titulada nas Obrigações do
Tesouro, fazendo-o com taxas fixas extremamente baixas;
4° contribuiu decisivamente, através da política monetária, para uma inflação
que ultrapassou em larga escala as taxas de juro das Obrigações, fazendo com que
o valor a receber se fosse deteriorando ao longo do período de amortização.
19. Este procedimento do Governo materializou-se ao abrigo dos preceitos legais
que, pelas razões expostas, têm de considerar-se como ofensivos dos princípios e
preceitos constitucionais citados.
20. Contra estes pesados argumentos, no sentido da inconstitucionalidade dos
preceitos em causa, o recorrente refugia-se na jurisprudência deste Tribunal,
considerando que ?as normas legais que determinaram o pagamento das
indemnizações por nacionalização - assente em critério materialmente autónomo da
?justa indemnização? constitucionalmente consagrado para as expropriações por
utilidade pública - através da entrega de títulos da dívida pública, com prazos
de amortização muito dilatados no tempo e com taxas de juro fixas iguais ou inferiores
a 2,5% numa época em que a taxa de inflação era claramente superior, não
determina a qualificação como ?irrisórias? ou meramente simbólicas das indemnizações
arbitradas aos titulares das empresas nacionalizadas.?
21. Esta argumentação do recorrente é meramente conclusiva e abstrai totalmente
da realidade.
22. A questão é muito concreta e pode resumir-se no seguinte:
Por aplicação dos preceitos declarados inconstitucionais, os valores
indemnizatórios devidos pelas nacionalizações foram pagos num prazo médio de 28
anos, com uma taxa de juro média de 3,09% (alínea Q1 da Especificação). No mesmo
período, as taxas de inflação estiveram sistematicamente muitíssimo acima da
taxa de remuneração dos títulos do Tesouro com que foram pagas as indemnizações.
23. Essa brutal diferença fez com que os valores indemnizatórios efectivamente
pagos tenham representado uma pequena parte dos nominalmente atribuídos.
24. Assim, apenas por aplicação dos preceitos declarados inconstitucionais, as
indemnizações são manifestamente desproporcionadas à perda dos bens
nacionalizados, são mesmo irrisórias, para utilizar as expressões do Acórdão N.°
39/88 do Tribunal Constitucional.
25. Aliás, seria importante e exigível que o recorrente e este Tribunal se
dignassem esclarecer o que entendem por ?manifestamente desproporcionado?. Será
metade do valor dos bens? Um quarto? Um décimo?
26. O que distinguirá, no entender do Estado, uma nacionalização de um confisco?
Será que basta ao Estado pagar uma qualquer indemnização para que a norma que a
estabelece seja considerada conforme à Constituição?
27. Lendo a douta alegação do recorrente, parece que é esse o critério. Qualquer
que seja o prazo do seu pagamento aos lesados e a taxa de remuneração pelo
diferimento, o recorrente considera estarem satisfeitas as exigências
constitucionais da ?justa indemnização?.
28. Com todo o respeito, o Tribunal Constitucional não pode consagrar esse
critério, sob pena e reduzir a zero a protecção do direito da propriedade
perante o Estado.
29. Deve, assim, ser inteiramente confirmada a douta decisão recorrida.»
*
Fundamentação
1. Da delimitação do objecto do recurso
A sentença recorrida, na sua parte decisória, recusou a aplicação, com
fundamento em inconstitucionalidade material, dos artigos 18.º e 19.º, da Lei n.º
80/77, de 26 de Outubro (sucessivamente alterada pelo Decreto-Lei n.º 343/80, de
2 de Setembro, pela Lei n.º 36/81, de 31 de Agosto, pela Lei n.º 5/84, de 7 de
Abril e pelo Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de Setembro).
O presente recurso tem por objecto a apreciação da constitucionalidade desses
mesmos artigos, que dispõem o seguinte:
«Artigo 18.º
1. Com excepção do disposto no artigo 20.º, o direito à indemnização, tanto
provisória como definitiva, efectiva-se mediante entrega ao respectivo titular,
pelo Estado, de títulos de dívida pública de montante igual ao valor fixado nos
termos e condições constantes dos artigos seguintes.
2. O Governo regulará, por decreto, sob proposta do Ministro das Finanças, as
condições de entrega dos títulos.
Artigo 19.º
1. Os empréstimos a emitir para os fins previstos no artigo anterior desdobrar-se-ão
em várias classes, em função do montante global a indemnizar por titular, às
quais corresponderão prazos de amortização e de diferimento progressivamente
mais longos e taxas de juros decrescentes.
2. Para os efeitos referidos no n.º 1, a determinação das taxas de juro, anos de
amortização e período de diferimento far-se-á em função das classes definidas
pelos montantes globais a indemnizar de acordo com o quadro anexo.
ANEXO
Quadro referido no artigo 19.º
Classificação dos empréstimos e taxas de juro, anos de amortização e períodos de
diferimento respectivos, nos termos do artigo 19.º
Classes
Montante a indemnizar
Taxa de juro
_
Percentagem
Anos de amortização
Período de diferimento
Período total
I
Até 50 000$
13
6
2
8
II
De 50 000$ a 125 000$
12,8
6
2
8
III
De 125 000$ a 250 000$
12,4
7
2
9
IV
De 250 000$ a 450 000$
11,8
7
2
9
V
De 450 000$ a 750 000$
11
9
2
11
VI
De 750 000$ a 1 175 000$
10
11
2
13
VII
De 1 175 000$ a 1 750 000$
9,8
13
3
16
VIII
De 1 750 000$ a 2 500 000$
8,4
15
3
18
IX
De 2 500 000$ a 3 450 000$
6,8
17
4
21
X
De 3 450 000$ a 4 625 000$
5
19
4
23
XI
De 4 625 000$ a 6 050 000$
3
21
5
26
XII
Acima de 6 050 000$
2,5
23
5
28
Como se vê, os preceitos em causa desdobram-se em múltiplos segmentos normativos,
com relativa independência entre si, incidindo sobre aspectos parcelares do modo
de efectivação da indemnização concedida aos titulares dos bens nacionalizados,
incluindo os dados do quadro anexo.
Uma visão englobante desse conjunto de critérios normativos permite concluir que
o regime aplicável se traduz numa dação em pagamento de títulos da dívida
pública, com condições de entrega a regular por decreto, com períodos de
amortização e diferimento e de taxas de juro diferenciados por classes ou
escalões de títulos, em função do montante global a indemnizar, de acordo com os
dados do quadro anexo ao diploma.
O ter-se reportado o apontado vício de inconstitucionalidade genericamente às
normas dos artigos 18.º e 19.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, sem qualquer
precisão indicativa dos segmentos inquinados por tal vício, pode deixar entender
que a decisão o estende a todo o regime constante desses artigos.
Todavia, é possível colher da fundamentação da sentença recorrida elementos que
contrariam essa conclusão, evidenciando, de forma clara, que a recusa de
aplicação dos mencionados artigos se deveu, por um lado à forma de pagamento da
indemnização estabelecida no artigo 18.º daquela lei e, por outro lado, à
duração dos prazos de amortização e de diferimento dos empréstimos
correspondentes aos títulos de dívida pública entregues para satisfação do
direito de indemnização, conjugados com o valor dos juros remuneratórios desses
empréstimos, estando esses dados fixados no quadro anexo ao referido diploma,
para o qual remete o n.º 2, do referido artigo 19.º.
Na verdade, ainda que considerando o não pagamento imediato do valor das
indemnizações como justificado, o tribunal recorrido sustentou que a sua prestação
sob forma de obrigações de tesouro, amortizáveis a muito longo prazo, em
conjunção com uma taxa de remuneração fixa, notoriamente inferior à taxa de
inflação verificada, determinou que as indemnizações pagas ?se tornassem
irrisórias pelo próprio decurso do tempo?, conquanto o não fossem à partida, em
si mesmas.
Em conformidade com tal juízo, foi proferida decisão de procedência parcial da
acção, que se traduziu na condenação do Estado a uma actualização do valor
atribuído como indemnização, sujeitando-o a determinados coeficientes de
correcção monetária.
Sendo assim, verifica-se que o juízo de inconstitucionalidade incidiu na norma
constante do artigo 18.º, da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, que determina que
o direito à indemnização se efectiva mediante entrega ao respectivo titular pelo
Estado de títulos da dívida pública, e também no segmento em que o legislador
fixou os prazos de amortização e diferimento dos empréstimos e o valor das taxas
de juro, os quais constam do quadro anexo para onde remete a parte final do n.º
2, do artigo 19.º, do mesmo diploma.
Deste modo justifica-se que a questão de constitucionalidade a decidir incida
apenas sobre a referida norma do artigo 18.º, da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro,
e sobre a duração dos prazos e o valor das taxas de juro constantes do quadro
anexo, para onde remete o artigo 19.º, n.º 2, deste diploma.
2. Do mérito do recurso
2.1. De entre os princípios em que assenta a organização económico-social do
País, conta-se, nos termos do artigo 80.º, alínea d), da C.R.P., o da ?propriedade
pública dos recursos naturais e dos meios de produção, de acordo com o interesse
colectivo?.
Na dinâmica da sua actuação, e em função do referido interesse (?por motivo de
interesse público?, como expressa a alínea l), do n.º 1, do artigo 165.º, da C.R.P.),
esse princípio legitima actos de desapropriação forçada de meios de produção
integrados em qualquer dos outros sectores (muito em particular no sector
privado), transferindo-os para o sector público.
Traduzindo-se, quanto aos bens dela objecto, numa mudança de titularidade, em
ablação, por acto unilateral autoritário, da anteriormente detida por sujeitos
privados, uma tal intervenção deve necessariamente articular-se com a garantia
constitucional do direito de propriedade (artigo 62.º, da C.R.P.).
Daí a previsão específica de uma regra habilitante, consagrando a faculdade
constitucional de ?apropriação pública dos meios de produção? e cometendo à lei
o encargo de traçar os respectivos requisitos. Preceitua, na verdade, o artigo
83.º da Constituição que «a lei determina os meios e as formas de intervenção e
de apropriação pública dos meios de produção, bem como os critérios de fixação
da correspondente indemnização».
A ?apropriação pública? aqui referida tem como manifestação nuclear a figura da
nacionalização de unidades produtivas. Através deste acto, do que, fundamentalmente,
se trata ? como lapidarmente expressou o Acórdão n.º 39/88 ? ?é, pois, de
subtrair à propriedade privada determinados bens, em virtude de [?] se entender
que é do interesse da colectividade que eles passem para a titularidade do
Estado e sejam geridos de acordo com o interesse geral? (pub. em ATC, 11º vol.,
pág. 233).
Embora a terminologia seja, nesta matéria, algo flutuante, não se abstendo a
Constituição de falar, neste quadrante normativo, de ?expropriação?, para
referir a apropriação de meios de produção ? cfr. os artigos 88.º, n.º 1, e 94.º,
n.º 1 ?, a verdade é que a nacionalização não se confunde com a expropriação, em
sentido estrito e próprio. De múltiplos pontos de vista as duas figuras se
distinguem. Quer quanto ao objecto, fundamento e fim, quer, reflexamente, quanto
aos respectivos regimes (designadamente quanto ao procedimento de efectivação),
as notas características da nacionalização demarcam-na da expropriação por
utilidade pública, como mais desenvolvidamente se pôs em destaque no Acórdão n.º
452/95 (pub. em ATC, 31º vol., pág. 135).
Também no que diz respeito aos critérios constitucionais de indemnização, não há
coincidência de regimes. Enquanto que o n.º 2, do artigo 62.º, da C.R.P.,
estabelece que a expropriação por utilidade pública só pode ter lugar ?mediante
o pagamento de justa indemnização?, o artigo 83.º, da C.R.P., aplicável à
nacionalização, como forma de apropriação pública dos meios de produção, limita-se
a remeter para a lei ?os critérios de fixação da correspondente indemnização?,
sem precisar qualquer pauta valorativa que à lei cumpra observar no cumprimento
desta tarefa.
Desta renúncia à predeterminação de um critério constitucionalmente ajustado de
indemnização, bem como da utilização do plural (?critérios?) para designar o
objecto da remissão para a lei, pode retirar-se a ideia de que o legislador goza,
em sede de nacionalizações, de um grau elevado de discricionariedade, inteiramente
afastada, no caso das expropriações por utilidade pública.
Nestas, o princípio da justa indemnização impõe uma compensação integral,
tendencialmente correspondente ao valor venal do bem, de acordo com a sua
cotação no mercado. A função da indemnização é a de fazer entrar, na esfera do
atingido, o equivalente pecuniário do bem expropriado, de tal modo que,
efectuada a expropriação, o seu património activo muda de composição, mas não
diminui de valor.
No caso das nacionalizações, atenta a natureza específica desta medida, a
Constituição deixou margem ao legislador para ponderar e fazer reflectir no
regime indemnizatório um conjunto de factores, complexos e variáveis, de
carácter político, económico e social, que podem justificar um quantum
indemnizatório não inteiramente correspondente à perda do anterior titular, bem
como modalidades e momentos de pagamento desviantes de uma regra estrita de
sinalagmaticidade funcional. Como se sustenta no supracitado Acórdão n.º 452/95,
a Constituição permite que as indemnizações a prestar pela expropriação e pela
nacionalização sejam diferentes ?no que respeita à sua extensão, ao seu valor ou
ao seu quantum, ao momento em que uma e outra sejam postas à disposição do
sujeito que delas beneficia e ainda à forma ou formas do seu pagamento?.
O que não significa, evidentemente, que o desempenho, pelo legislador, da
incumbência que o artigo 83.º, da C.R.P., lhe fixa esteja liberto de qualquer
parametrização constitucional, com incidência na conformação do modo e do
quantitativo da indemnização, em termos constitucionalmente adequados.
Simplesmente, na falta (justificada) de um específico e apertado critério
decorrente da justiça comutativa, como o vigente em sede de expropriação, são
aqui aplicáveis os menos exigentes princípios gerais de justiça, como princípios
elementares de um Estado de Direito.
Estes opõem-se apenas a que a indemnização perca grande parte da sua
efectividade e consistência, por conceder ao anterior titular um montante
irrisório ou manifestamente irrazoável.
«O artigo 82.º [actualmente 83.º] ? afirma-se no acima referido Acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 39/88? basta-se com que se trate de uma indemnização
razoável ou aceitável que cumpra a exigências mínimas de justiça que vão
implicadas na ideia de Estado de direito». Ou, como se pode ler em GOMES
CANOTILHO/VITAL MOREIRA: «A lei goza de alguma discricionariedade na definição
dos critérios de indemnização, podendo inclusivamente estabelecer critérios
diferentes, de acordo com o tipo e o montante dos bens desapropriados [?], mas
não pode deixar de haver uma indemnização razoável ou aceitável, que não pode
ser irrisória ou manifestamente exígua nem desproporcionada em relação ao valor
venal dos bens desapropriados». ( In ?Constituição da República Portuguesa
anotada?, vol. I, pág. 996, da ed. de 2007, da Coimbra Editora).
Tem sido esta a orientação uniformemente seguida por este Tribunal, desde o
referido acórdão n.º 39/88 (vide os acórdãos n.º 605/92, em ATC, 23.º vol., pág.
585, n.º 452/95, em ATC, 31.º vol., pág. 135, n.º 85/2003, em ATC, 55.º vol.,
pág. 509, n.º 148/2004, em 58.º vol., pág. 731, e n.º 144/2005, no D.R., II
Série, de 14-6-2005).
E, não ignorando as vozes que pugnam por uma equiparação dos critérios
indemnizatórios da nacionalização e da expropriação (vide JOÃO PAULO CANCELLA DE
ABREU, em Anotação ao acórdão n.º 39/88, em O Direito, Ano 121.º (1989), vol. IV,
pág. 831-837, OLIVEIRA ASCENSÃO, em ?Estudos sobre expropriações e
nacionalizações?, pág. 227 e seg., da ed. de 1989, da Imprensa Nacional, FREITAS
DO AMARAL e ROBIN DE ANDRADE, em ?As indemnizações por nacionalização em
Portugal, na R.O.A., Ano 49.º (1989), vol. I, pág. 5 e seg., RUI MEDEIROS, em ?Ensaio
sobre a responsabilidade civil do Estado por actos legislativos?, pág. 288-290 e
346, da ed. de 1992, da Almedina, RUI GUERRA DA FONSECA, em ?Comentário à
Constituição Portuguesa?, II vol., pág. 278-280, da ed. de 2008, da Almedina, e
MANUEL NOGUEIRA DE BRITO, em ?A justificação da propriedade privada numa
democracia constitucional?, pág. 1049-1050, da ed. de 2007 da Almedina)
entendemos que tal orientação é reiterar, pois mantém plena validade.
2.2. O Decreto-Lei n.º 280-C/75 de 5 de Junho, ponderando ?a grande importância
estratégica do sector dos transportes, quer no plano económico, quer no plano
político, e a necessidade de reestruturar e recuperar o sector dos transportes?,
procedeu à nacionalização de dezenas de empresas que operavam no sector dos
transportes colectivos de passageiros, entre as quais as empresas do chamado
grupo ?Claras?.
Nos termos referidos pelo n.º 2 da declaração preambular ?esta medida insere-se
na política de controle dos sectores básicos da economia pelo Estado, no sentido
de prosseguir na via da concretização de uma política colocada ao serviço das
classes trabalhadoras?.
O artigo 2.º, do referido Decreto-Lei, determinou que o Estado pagaria ?às
entidades privadas titulares de acções ou quotas representativas do capital
social das empresas nacionalizadas, contra a entrega dos respectivos títulos,
uma indemnização a definir, quanto ao montante, prazo e forma de pagamento, em
diploma a publicar?, uma vez que só ?uma análise ulterior mais detalhada
permitirá determinar com justeza as formas e os montantes da indemnização a
fixar para o capital pertencente ao domínio privado?.
Depois do Conselho da Revolução ter emitido um primeiro diploma sobre esta
matéria que ficou a aguardar regulamentação (o Decreto-Lei n.º 528/76, de 7 de
Junho), a Assembleia da República aprovou a Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, que
veio dispor sobre os termos e condições em que deveriam ser indemnizados os ex-titulares
de direitos sobre as empresas nacionalizadas após o 25 de Abril de 1974.
Segundo o artigo 18.º deste diploma, as indemnizações deveriam ser pagas, em
regra, mediante a entrega pelo Estado ao respectivo titular de títulos de dívida
pública de montante igual ao da indemnização fixada, o que se traduz no
cumprimento da obrigação de indemnização através da dação em pagamento daqueles
títulos.
Estes títulos de dívida pública correspondiam a obrigações ao portador
respeitantes a um empréstimo interno, amortizável, denominado ?Obrigações de
Tesouro, 1977 ? Nacionalizações e expropriações? exclusivamente destinado a ocorrer
ao pagamento de indemnizações por força de nacionalizações e expropriações,
estando o serviço deste empréstimo confiado à Junta do Crédito Público (artigo
26.º, n.º 1 e 2, da Lei n.º 80/77).
Estes empréstimos, nos termos do quadro anexo referido no artigo 19.º, da Lei n.º
80/77, encontravam-se escalonados por classes (I a XII), tendo como critério
distintivo o valor da indemnização atribuída, às quais correspondiam diferentes
períodos de diferimento, prazos de amortização e taxas de juro. Quanto maior
fosse o montante da indemnização fixada, tanto mais longo seriam os prazos de
diferimento e de amortização e menor a taxa de juro remuneratória,
correspondendo à classe XII, que abrangia os montantes indemnizatórios acima de
6.050.000$00, um prazo de diferimento de 5 anos, um prazo de amortização de 23
anos e uma taxa de juro anual de 2,5%.
As taxas de juro venciam-se desde a data da nacionalização, sendo capitalizados
os juros vencidos até à data da emissão das obrigações destinadas ao pagamento
das indemnizações provisórias e pagos anualmente os vencidos a partir dessa data
(artigo 24.º, da Lei n.º 80/77).
As obrigações eram transaccionáveis na Bolsa de Valores (artigo 26.º, da Lei n.º
80/77) e eram mobilizáveis pelo titular originário ou, em caso de morte, os seus
herdeiros, para diferentes e relevantes finalidades, sendo o seu valor
actualizado à taxa de juro correspondente à da classe I, que era de 13% ao ano (artigo
29.º, n.º 1, do Lei n.º 80/77).
Os fins da mobilização das obrigações entregues para pagamento das indemnizações
podiam ser os seguintes:
- Para pagamento de dívidas contraídas antes da nacionalização pelo titular do
direito à indemnização perante a Caixa Geral de Aposentações ou outras
instituições de previdência, o Fundo de Desemprego ou instituições de crédito (artigo
31.º, da Lei n.º 80/77, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 343/80);
- Para caucionar operações de crédito para investimento produtivo e saneamento
financeiro, especialmente para investimentos integrados em contratos de
viabilização e contratos de desenvolvimento para a exportação (artigo 32.º, da
Lei n.º 80/77, na redacção dada pela Lei n.º 36/81);
- Para investimento produtivo ou para saneamento financeiro de empresas (artigo
33.º, da Lei n.º 80/77, na redacção do Decreto-Lei n.º 343/80, alterado pela Lei
n.º 36/81);
- Para aquisição de participações no sector empresarial do Estado susceptíveis
de alienação (artigo 34.º, da Lei n.º 80/77, na redacção do Decreto-Lei n.º 343/80,
alterado pela Lei n.º 36/81);
- Para pagamento de impostos directos referentes a obrigações fiscais nascidas
antes de 1 de Janeiro de 1977 e correspondentes encargos (artigo 30.º, da Lei n.º
80/77); e
- Para aquisição de habitação própria (mais precisamente: como meio de pagamento
da entrada inicial ou das prestações de amortização referentes à aquisição ou
construção de habitação própria, quando financiada por instituições de crédito,
Caixa Geral de Aposentações ou outras instituições de previdência) (artigo 35.º,
da Lei n.º 80/77).
A Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, não fixou um prazo específico para a entrega
dos referidos títulos de dívida pública, pelo que a mesma era imediatamente
exigível após se mostrar fixada a respectiva indemnização provisória, sendo
certo que o artigo 9.º, daquele diploma determinava que ?dentro de 60 dias a
contar da presente lei, o Ministro das Finanças fixará, por despacho publicado
no Diário da República, o valor provisório das acções ou partes de capital das
empresas nacionalizadas?(n.º 1) e ?nos trinta dias seguintes à publicação do
despacho referido no número precedente a Junta do Crédito Público apurará o
valor provisório da indemnização a atribuir a cada interessado? (n.º 2).
2.3. Na sentença recorrida sustentou-se que a longa duração da soma dos prazos
de diferimento e de amortização, conjugada com a baixa taxa de juros fixa,
constantes do quadro anexo referido no artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 80/77, de
26 de Outubro, face aos índices de inflação entretanto verificados, determinou o
recebimento de indemnizações irrisórias, devendo, portanto afastar-se, por
inconstitucionalidade, a aplicação de tais critérios normativos.
É uma posição que tem apoios doutrinários (v.g. Oliveira Ascenção, na ob. cit.,
pág. 254-255), mas que este Tribunal tem rejeitado em sucessivos acórdãos (vide
os acima referidos acórdãos n.º 39/88, 85/2003, 148/2004 e 144/2005)
Para a resolução desta questão é importante realçar que se é problemática a
ponderação da capacidade financeira do Estado como entidade indemnizante para se
ajuizar da razoabilidade da indemnização fixada, já relativamente à forma de
pagamento dessa indemnização é perfeitamente legítimo que esse elemento tenha um
papel decisivo na sua determinação, nomeadamente justificando o recurso ao
pagamento em títulos de dívida pública, o qual corresponde a uma dação em pagamento
imposta por lei como forma de extinção da obrigação indemnizatória (vide, neste
sentido, SOUSA FRANCO, em ?As indemnizações e as privatizações como instituto
jurídico-financeiro?, em ?Direito e Justiça?, vol. V (1991), pág. 123-125).
No entanto, quando se utiliza esta forma de cumprimento da prestação
indemnizatória devida por um acto de nacionalização, se é justificado que o
regime dos títulos entregues em substituição do dinheiro reflicta as específicas
dificuldades do Estado em solver aquela obrigação, não pode do mesmo resultar a
atribuição duma indemnização irrisória ou manifestamente irrazoável.
A avaliação desta exigência constitucional deve ser feita perante esse regime
legal reportada ao momento previsto para a entrega dos títulos de dívida pública,
e não a um momento posterior, nomeadamente a data da amortização desses títulos,
em que o valor real destes já foi influenciado pelo evolução superveniente do
mercado económico financeiro. A indemnização pela nacionalização não é paga com
a amortização dos títulos, mas sim com a entrega destes ao seu titular.
Ora, a Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, visou atribuir indemnizações relativamente
à maior parte das nacionalizações efectuadas após o 25 de Abril de 1974, as
quais abrangeram as principais empresas dos sectores mais importantes do tecido
económico nacional (vide, dando nota de todas as operações de nacionalização
realizadas no período que decorre entre 15 de Maio de 1974 e 29 de Julho de 1976,
FERNANDO JOSÉ BRONZE, em ?As indemnizações em matéria de nacionalizações?, na R.D.E.,
Ano II, n.º 2, pág. 478 e seg.), sendo notória a incapacidade financeira do
Estado para assegurar num curto ou médio prazo o pagamento das respectivas
indemnizações.
Daí que se tenha justificado plenamente o seu pagamento através do recurso à
dação em pagamento de títulos de dívida pública que se traduziam em obrigações
ao portador respeitantes a um empréstimo interno.
A fixação de prazos de amortização, que relativamente às indemnizações de
montante mais elevado (superiores a 6.050.000$00), atingiam 23 anos, com um
período de 5 anos de diferimento, se dificultavam a possibilidade dos titulares
dessas indemnizações receberem num curto prazo a respectiva importância dinheiro,
não a inviabilizavam, uma vez que aqueles títulos eram livremente transacionáveis
e podiam ser mobilizados para determinadas finalidades, nem, só por si, punham
em causa o valor da indemnização atribuída, uma vez que o empréstimo titulado
era remunerado.
Na verdade, tendo em consideração o fenómeno da natural desvalorização da moeda
numa economia em crescimento, a previsão do pagamento de juros compensatórios é
um mecanismo que previne os riscos da fixação de longos prazos de amortização.
O legislador previu o pagamento de taxas de juro fixas diferenciadas, sendo de 2,5%
ao ano para as obrigações correspondentes às indemnizações acima de 6.050.000$00.
Na altura, a taxa de inflação no ano de 1976 havia sido de 18,3%, a taxa de
desconto do Banco de Portugal era de 13%, e a taxa de juro legal vigente, nos
termos do artigo 559.º, do Código Civil, era de 5% ao ano.
Apesar de todas as incertezas que na altura se viviam pode dizer-se que para
estes títulos, correspondentes às indemnizações de valor elevado, se fixou uma
taxa de juro inalterável inferior às que previsivelmente iriam ser praticadas no
mercado monetário e financeiro durante o longo prazo de amortização de tais
títulos, o que diminuía, à partida, o valor real destes, pela sua fraca
rentabilidade, e, na prática, afectava a sua negociabilidade.
Este efeito negativo foi, porém, minorado pela possibilidade concedida aos
titulares de direito de indemnização provenientes de nacionalização de mobilizarem
antecipadamente, para diversas finalidades, aqueles títulos pelo seu valor actualizado
à taxa de juro correspondente à da classe I, que era de 13% ao ano (artigo 29º,
n.º 1, da Lei n.º 80/77), não sendo possível concluir que a entrega de tais
títulos em substituição do pagamento em dinheiro das quantias indemnizatórias,
mesmo relativamente às de montante mais elevado, atento o seu regime, resulte
numa degradação das indemnizações para valores irrisórios ou manifestamente
irrazoáveis.
Note-se que a circunstância de algumas das hipóteses de mobilização antecipada
dos títulos de dívida pública previstas na Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, não
terem chegado a ter uma aplicação efectiva, por falta ou por inadequada regulamentação
(vide, dando nota destas situações, FREITAS DO AMARAL e ROBIN DE ANDRADE, na ob.
cit., pág. 30-39) não inutiliza a ponderação daquela possibilidade, pois ela
integrava o regime daqueles títulos, devendo qualquer vício neste domínio ser
imputado à referida regulamentação ou à sua ausência (vide, neste sentido
MARCELO REBELO DE SOUSA, em ?As indemnizações por nacionalização e as comissões
arbitrais em Portugal?, na R.O.A., Ano 49.º (1989), vol. II, pág. 450-456).
Assim como a verificação de atrasos significativos na entrega daqueles títulos
não pode ter reflexos neste juízo de fiscalização de constitucionalidade dos
critérios legais, uma vez que apenas revela uma deficiente aplicação da lei.
Deste modo, ponderando a dimensão dos encargos financeiros resultantes da
indemnização dos actos de nacionalização contemplados pela Lei n.º 80/77, o
facto dos prazos de amortização e diferimento e das taxas de juro serem
diferenciados conforme o montante da indemnização e a possibilidade dos títulos
entregues como forma de pagamento das indemnizações poderem ser mobilizados
antecipadamente, não é possível concluir que tais prazos e taxas, mesmo
relativamente às indemnizações incluídas na classe XII, do quadro anexo à Lei n.º
80/77, de 26 de Outubro, para onde remete o artigo 19.º, n.º 2, deste diploma,
conduzam à atribuição de indemnizações que se possam considerar irrisórias ou
manifestamente irrazoáveis, encontrando-se aqueles critérios abrangidos pela
margem de liberdade que o legislador ordinário goza neste domínio.
Do exposto resulta que nem a norma constante do artigo 18.º, da Lei n.º 80/77,
de 26 de Outubro, nem a duração dos prazos e o valor das taxas de juro
constantes do quadro anexo, para onde remete o artigo 19.º, n.º 2, deste diploma,
violam o disposto no artigo 83.º, da C.R.P.
Por este motivo, deve ser julgado procedente o recurso interposto, ordenando-se
a reforma da decisão recorrida em conformidade.
*
Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional o artigo 18.º, da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro;
b) Não julgar inconstitucional o quadro anexo à Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro,
para onde remete o artigo 19.º, n.º 2, deste diploma.
c) Julgar procedente o recurso, ordenando-se a reforma da decisão recorrida em
conformidade.
*
Lisboa, 29 de Setembro de 2009
João Cura Mariano
Vítor Gomes
Maria João Antunes
Carlos Fernandes Cadilha
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão
Benjamim Rodrigues (vencido de acordo com a declaração anexa)
Carlos Pamplona de Oliveira ? vencido, conforme declaração
Joaquim de Sousa Ribeiro (vencido, de acordo com a declaração anexa)
Maria Lúcia Amaral (vencida, em geral, pelas razões constantes da declaração de
voto do Senhor Conselheiro Sousa Ribeiro, mas sublinhando o seguinte fundamento:
o regime decorrente do quadro anexo à Lei n.º 80/77, para onde remete o art. 19.º,
n.º 2, da mesma lei, faz impender sobre o nacionalizado, sem salvaguardas, os
riscos inerentes à depreciação monetária. Tanto basta, a meu ver, para que se
conclua que ele não assegura a percepção de uma indemnização que cumpra o
requisito Constitucional da razoabilidade.)
José Borges Soeiro (vencido, de harmonia, fundamentalmente com a declaração de
voto do Ex.mo Conselheiro Sousa Ribeiro para a qual, com a devida vénia, remeto).
Rui Manuel Moura Ramos (Vencido, nos termos da posição assumida no acórdão n.º
148/2004).
Tem voto de conformidade do Conselheiro Mário José de Araújo Torres
que não assina o acórdão por, entretanto, ter deixado de fazer parte do
Tribunal.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido essencialmente pelos fundamentos constantes do voto de vencido
aposto ao Acórdão n.º 148/04. Em síntese, entendemos que os critérios
legistativos constitucionalmente sindicados são manifestamente irrazoáveis, a
vários títulos: primeiro, porque os riscos da erosão monetária foram colocados
primacialmente sobre titular dos bens nacionalizados, ao ter-se fixado um prazo
muito longo de amortização ou de resgate dos títulos e uma taxa fixa de juros de
baixo valor; depois porque, não obstante subtrair os bens nacionalizados à
economia de mercado, o legislador dotou os títulos de pagamento do valor das
nacionalizações de um estatuto jurídico tal que afectou seriamente o seu valor
dentro das regras de uma economia de mercado: a mobilização condicionada dos
títulos, que foi estabelecida, e não segundo as regras próprias da economia de
mercado dos produtos financeiros fez com que o seu valor ficasse brutalmente
depreciado.
Benjamim Rodrigues
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido.
Aderi à solução defendida no projecto apresentado pelo Senhor Conselheiro
Joaquim de Sousa Ribeiro que não obteve vencimento. Remeto, por isso, para a
declaração de voto do primitivo Relator, cujos fundamentos, no essencial,
perfilho, nos termos sucintamente já enunciados na declaração de voto ao Acórdão
n.º 85/2003.
Carlos Pamplona de Oliveira
DECLARAÇÃO DE VOTO
A sentença recorrida recusou a aplicação, com fundamento em
inconstitucionalidade material, dos artigos 18.º e 19.º da Lei n.º 80/77, de 25
de Outubro (alterada pela Lei n.º 5/84, Lei n.º 36/81 e Decreto-Lei n.º 332/91).
A primeira disposição prevê, basicamente, o pagamento das indemnizações por
nacionalização mediante a entrega de títulos de dívida pública; a segunda,
integrada por um quadro anexo para que remete, fixa doze classe de títulos,
consoante o montante em dívida, a que correspondem específicos prazos de
amortização (progressivamente mais longos) e diferenciadas taxas de juro (progressivamente
mais baixas). No escalão mais alto, aplicável em 86,54% às indemnizações dos
recorrentes, o prazo de amortização é de 28 anos e a taxa de juro de 2,5%.
Considero inteiramente conforme à Constituição (contrariamente à decisão
recorrida) a forma de pagamento estabelecida. Mas o seu diferimento no tempo ?
em si mesmo, também, de validade não contestável ?, por um prazo muitíssimo
longo ? o que, só por si, é problemático, do ponto de vista da garantia de
efectividade da indemnização ? imporia a previsão de mecanismos de salvaguarda
perante o fenómeno da depreciação monetária. Na sua falta, pode verificar-se uma
muito significativa perda de valor do quantum indemnizatório, no momento em que
é recebido pelos beneficiários, com redução drástica da indemnização, em termos
reais.
Esse risco, deixado em aberto pela estatuição normativa, concretizou-se
flagrantemente no caso sub judicio, em resultado da muito elevada taxa de
inflação verificada no período em questão, por contraponto a uma taxa fixa de
remuneração do capital em dívida, de valor várias vezes abaixo das taxas de
inflação registadas. De facto, segundo cálculo da sentença recorrida (resposta
ao quesito 7, a fls. 1169), os recorrentes, findo o prazo de amortização,
receberam 38, 814% do valor nominal da indemnização. O que corporiza uma
indemnização que, não sendo ?irrisória?, é ?de valor manifestamente
desproporcionado?, por aplicação do próprio critério, a que inteiramente adiro,
que o Tribunal sempre tem utilizado.
Nessa medida, pronunciei-me pela inconstitucionalidade do artigo 19.º da Lei n.º
80/77, e respectivo quadro anexo.
Para mais desenvolvida explicitação da razão de ser desta posição, tomo a
liberdade de transcrever um trecho do projecto de acórdão por mim elaborado,
como primitivo relator:
«A esta luz, a questão decisiva será a de ajuizar se a indemnização recebida
pelos recorrentes está ou não dentro dos limites do que pode ainda ser
considerado razoável, sem sacrifício desmesurado e injustificado dos interesses
patrimoniais afectados com a nacionalização.
Para uma tomada de posição, é de relevo determinante decidir se o que conta é a
situação no momento da atribuição da indemnização ou a situação no momento em
que ela é efectivamente percebida pelos sujeitos beneficiários. Pois, na verdade,
quando se institui um regime de dilação do pagamento, ainda para mais, como no
caso dos autos, por um período total extremamente alongado, que chega, no
escalão mais alto, aos vinte e oito anos, o objecto da prestação pecuniária que
ingressa na esfera do credor pode sofrer, atento o fenómeno inflacionário, uma
diminuição muito sensível de valor aquisitivo. Tudo dependerá da previsão, ou
não, de adequados mecanismos de compensação.
Ora, não sofre dúvida de que a apreciação que a questão suscita deve se
reportada ao segundo momento, aquele em que o titular dos bens nacionalizados
passa a dispor do montante pecuniário correspondente à indemnização que lhe foi
atribuída. Só o ingresso, na sua esfera, desse valor tem eficácia solutória e
extintiva da obrigação estadual de indemnização. A realização de uma prestação
diversa da devida, no exclusivo interesse do Estado e decorrente de um acto de
exercício do seu poder soberano, tem uma função pro solvendo, não desonerando o
devedor. Como se enuncia na epígrafe do capítulo IV da Lei n.º 80/77, os títulos
de dívida pública são ?títulos representativos do direito à indemnização?,
direito que se conserva e só será satisfeito com o vencimento desses títulos e a
prestação aos detentores do valor que eles incorporam.
Saber se esse valor é ou não o bastante para traduzir a indemnização aceitável
que os princípios gerais de justiça exigem é a ultima e decisiva questão sobre
que urge tomar posição. Dela nos passaremos a ocupar.
A sentença recorrida deu como provado que, tendo em conta a distribuição pelas
várias classes de títulos de indemnização, o capital correspondente aos
atribuídos aos autores venceu juros a uma taxa média de 3,09%, por um prazo
médio, também ponderado, de quase 28 anos.
Comparando essa taxa com a taxa de juro legal, vigente no período em questão,
constata-se que ela foi, na maior parte desse período, significativamente
inferior, pois aquela taxa, fixada em 5% até Agosto de 1980, subiu depois para
15%, dessa data até Maio de 1983, tendo depois atingido o máximo de 23%, até
Abril de 1987, descendo depois para 15%, até Setembro de 1995. Só a partir de
Abril de 1999, baixou dos dois dígitos, para 7%, vigorando, desde Maio de 2003,
a taxa de 4%. Tal significa que a compensação remuneratória da privação do
capital ficou bastante aquém do que, numa avaliação em abstracto, o legislador
entendeu que, em geral, era adequado ao ressarcimento das perdas sofridas pelos
credores com a não disponibilidade imediata do quantitativo monetário a que têm
direito.
Por outro lado, mantendo-se essa taxa inalterada durante todo o período de
amortização, ela não reflectiu a depreciação monetária ocorrida em tal período.
Depreciação que atingiu taxas muito elevadas, sempre na casa dos dois dígitos,
até 1991, abeirando-se, no seu pico mais alto (1984), dos 30%.
Somando os dois dados ? taxa remuneratória fixa, mais baixa do que a vigente, em
geral, no mercado, por força da lei, e muito inferior à taxa de inflação ? temos
que a taxa nominal traduziu-se, em termos reais, numa taxa fortemente negativa.
O que equivale a dizer que o capital se degradou, pela erosão provocada por tais
dados económicos, levando a que a importância recebida, quando o foi, ?valesse
menos? ? significativamente menos ? do que a importância atribuída como
indemnização, fosse ela prestada uno actu, no momento em que, pela
desapropriação, era devida.
Ora, vimos já que a indemnização por nacionalização não tem que corresponder, na
íntegra, ao valor efectivo do bem dela objecto. Pode acrescentar-se que os
concretos critérios legais de cálculo indemnizatório, constantes, em particular,
dos artigos 21.º, 24.º e 28.º da Lei 80/77 e dos artigos 1.º a 8.º do Decreto-Lei
n.º 332/91, não merecem censura constitucional, conforme repetidamente decidido
por este Tribunal, em jurisprudência referida (e reiterada) na decisão sumária
proferida no âmbito deste processo (fls. 1327 e s.). E, neste quadro normativo,
o tribunal recorrido entendeu que a indemnização fixada unilateralmente pelo
Governo, ainda que correspondente a apenas 43,66% do valor atribuído
anteriormente por comissões arbitrais, não era, em si própria, irrisória, pelo
que rejeitou o pedido, na parte em que respeitava à condenação do Estado ao
pagamento da diferença.
Mas a admissibilidade, sem reservas, destes pressupostos, tem como reverso a
aplicação rigorosa do parâmetro da razoabilidade ou da proporcionalidade, o
único aqui vigente. Há que ?levar a sério? as exigências que dele decorrem, sob
pena de se transformar a inaplicação do critério da justa indemnização na
legitimação apriorística de qualquer resultado ressarcitório, com um grau de
elasticidade valorativa que aquele parâmetro manifestamente não comporta.
Na verdade, se esse critério rejeita uma medida rígida e fixa de indemnização,
como única admissível, impõe uma proibição de insuficiência notória, o respeito
por um limite mínimo correspondente ao limite do sacrifício exigível ao
particular afectado, na prossecução do interesse público que fundamenta a
nacionalização. A ultrapassagem desse limite importa a violação de princípios
elementares de justiça, a que está sujeita, num Estado de direito, qualquer
intrusão dos poderes públicos na esfera dos particulares.
Em nosso juízo, tal ocorreu, no caso dos autos. De facto, em função do montante
global a indemnizar, a grande maioria (86,54%) dos títulos atribuídos aos
autores ficaram integrados no escalão sujeito às condições mais desfavoráveis,
quer quanto ao prazo de pagamento (28 anos), quer quanto à taxa de juro
aplicável (2,5%). Trata-se, como facilmente se constata, de um vencimento a
prazo muito dilatado (tão dilatado que, só por si, torna problemática a
efectividade da reparação) e de uma taxa de juros bastante inferior à taxa legal
de remuneração e de carácter fixo, sem indexação à taxa de inflação. Tendo isto
em conta, ao montante nominal da indemnização há que deduzir as menos-valias
decorrentes da desvalorização da moeda. Ora, esta processou-se, no período em
questão, de forma contínua e pronunciada, a uma taxa várias vezes superior à da
remuneração do capital em dívida ? retido e usufruído pelo Estado, dele privando
o particular.
Conjugando todos estes elementos de valoração, pode concluir-se, mesmo operando
aqui, como é devido, com um critério de evidência, que a indemnização, ainda que
não irrisória (pelo menos em valor absoluto), acabou por ser manifestamente
desproporcionada ao valor dos bens nacionalizados. Ela não era (no momento em
que foi atribuída), mas tornou-se (no momento em que foi recebida)
excessivamente reduzida, manifesta e desrazoavelmente exígua, em relação ao
valor efectivo das participações sociais objecto de nacionalização. Se podia
considerar-se, no momento em que foi calculada, aceitável (mas apenas isso), é
forçoso concluir que, tendo sido sujeita, pelo decurso do tempo, a uma drástica
perda de valor real, ela deixou de o ser, pelo que não satisfaz padrões mínimos
de justiça.
Dir-se-á, em contrário, que tal não resulta necessariamente do critério legal de
cálculo, só se tendo verificado por força do evoluir do mercado económico e
financeiro. A situação de facto poderia, em teoria, ter-se desenhado em sentido
diferente, ou até oposto, conduzindo a um resultado perfeitamente consentâneo
com aqueles padrões.
Mas o argumento não procede. Na verdade, o que precisamente está em causa é
saber se é justo fazer recair sobre o titular dos bens nacionalizados o risco de
depreciação monetária ? risco de concretização perfeitamente expectável, nas
circunstâncias da época, e de consequências sobremodo gravosas para os titulares
activos de obrigações a muito longo prazo.
Ora, há que atentar em que a colocação nesta situação não resultou de uma opção
livre dos sujeitos afectados pela nacionalização, mas antes da forma de
pagamento imperativamente fixada na lei. Não estamos em face de uma aplicação
financeira voluntária, em que faz sentido deixar à auto-responsabilidade do
interessado a ponderação do risco trazido por uma taxa de juro fixa. Do que se
trata é da sujeição, contra o interesse próprio, e no exclusivo interesse do
Estado (para evitar sobrecargas orçamentais e o aumento súbito do défice público),
a um regime de pagamento que o protela para uma data longínqua, em relação ao
momento de constituição do débito indemnizatório. Tal só seria, no limite,
admissível com manutenção, em medida razoável, da eficácia reparadora presente
no cálculo inicial, através de resguardos adequados, de cariz compensatório,
designadamente no que concerne a correcções adaptativas às taxas de inflação. É
à omissão completa dessas medidas, ou seja, a uma dada forma de conformação
normativa do pagamento das indemnizações, que é imputável o resultado
desproporcionado, que a indemnização, quando acaba por ser recebida, traduz.
Reflexamente, o critério normativo que a ele conduz não pode ser validado
constitucionalmente.
Para esse juízo não releva determinantemente o instrumento jurídico adoptado, de
titularização da dívida em obrigações do Tesouro. Ainda que se trate de uma
dação em função do pagamento subtraída ao regime comum, porque imposta ao credor,
ela seria, em si mesma, ainda compatível com as exigências constitucionais, por
atendimento do interesse público subjacente â nacionalização, nas condições em
que foi prosseguido. A Constituição não impõe a imediata disponibilidade, pelo
titular, da importância monetária objecto da indemnização decorrente de
nacionalização, e o desvio à legislação cível não configura, de per si, uma
violação constitucional. Esta resulta antes da previsão de um longuíssimo
período de amortização e de diferimento a uma taxa de juro baixa e não
actualizável, o que conduziu, por conjunção com uma taxa de inflação
continuamente muito mais elevada, à significativa redução da indemnização, em
termos reais.
Estar o capital em dívida, correspondente ao montante da indemnização,
representado por títulos de dívida pública apenas serve de instrumento ao
diferimento da prestação monetária a cargo do Estado, mas não é causa necessária
do regime de remuneração que, tal como fixado, conduz, esse sim, à depreciação
daquele montante. As duas soluções não estão indissoluvelmente interligadas,
sendo certo que a obrigação de aceitação de títulos, se associada a uma taxa de
juro actualizável pelos valores do mercado e a um regime de mobilização ?aberto?
e livre, sem as rígidas condicionantes estabelecidas, não ocasionaria, por si
própria, um prejuízo patrimonial significativo aos seus detentores. Essa
imposição não se mostra, assim, nem condição necessária, nem condição suficiente,
da exiguidade desproporcionada da indemnização, pelo que não pode ser englobada
no juízo de inconstitucionalidade que ela suscita. Como esclarece
pertinentemente o Acórdão n.º148/2004, ?o que está em causa não é propriamente a
forma de pagamento da indemnização, pela entrega de títulos, mas o valor da
mesma, pela fixação de classes com prazos de amortização e taxas de juro fixas
[?]?».
Lisboa, 29 de Setembro de 2009
Joaquim de Sousa Ribeiro
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