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Processo n.º 636/09
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A ? Relatório
1 ? A., melhor identificado nos autos, reclama para o Tribunal Constitucional ao
abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro,
na sua actual redacção (LTC), do despacho proferido pelo Tribunal da Relação de
Évora que não admitiu o recurso de constitucionalidade aí interposto pelo
reclamante da decisão sumária proferida pelo relator naquela instância.
2 ? O despacho reclamado tem o seguinte teor:
?O recorrente inconformado com a Decisão Sumária proferida a fls. 450 e ss.
Deveria ter reclamado para a conferência nos termos do n.º 8 do artigo 417 do
CPP, só assim esgotando os meios processuais comuns.
Só o acórdão de conferência seria recorrível para o Tribunal Constitucional,
caso se verificassem os respectivos pressupostos.
Termos em que, por inadmissibilidade legal, se não admite o recurso?.
3 ? Por seu turno, o reclamante estriba a sua argumentação nas seguintes
considerações:
«1°.
O requerente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional perante este
Tribunal da Relação com o seguinte teor:
««««««««««
A., arguido nos autos, vem muito respeitosamente interpor recurso para o
Tribunal Constitucional da Douta Decisão deste Tribunal da Relação de Évora que
indeferiu a Reforma do Acórdão proferido em recurso interposto da sentença
proferida no processo de origem, ao abrigo do disposto no artigo 70° nº 1,
alínea b) da Lei que regula a competência, funcionamento e processo do Tribunal
Constitucional, recurso que deduz nos termos e com os fundamentos seguintes:
Indica como norma violada a que resulta da conjugação do disposto no nº 1 do
artigo 74° do Decreto-Lei 433/82 e 411° do GPP quando dela decorre o prazo de
dez dias para o recorrente interpor e motivar o recurso quando este foi
interposto antes da publicação do Acórdão do STJ para Uniformização de
Jurisprudência nº 1/2009 e depois da publicação dos Acórdãos do Tribunal
Constitucional nº. 462/2003 e nº 27/2006.
Indica também como violados os princípios constitucionais da não aplicação
retroactiva das leis restritivas de direitos e garantias dos cidadãos e os
princípios da confiança e segurança jurídica.
A questão da inconstitucionalidade foi suscitada (apenas) no pedido de Reforma
do Acórdão do Tribunal da Relação que (apenas este) fez aplicação das referidas
normas.
Fundamentos:
1°.
O recorrente interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal da Comarca, de uma
deliberação do Município de Olhão que, em processo de contra-ordenação, lhe
havia aplicado uma coima (processo de origem com o número 2l0/07.OTBOLH, 1°.
Juízo).
2°.
Da sentença proferida nestes autos de origem o recorrente recorreu para o
Tribunal da Relação em 28 de Julho de 2008 (a folhas 410 dos autos).
3°.
O Tribunal da Comarca admitiu este recurso, fixou-lhe o regime de subida e
efeito e ordenou a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Évora.
4°.
A Comarca considerou o recurso tempestivo ao abrigo da corrente jurisprudencial
que se formou após a publicação do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 462/2003
(Diário da República, série II, de 24 de Novembro de 2003) que julgou
inconstitucional a norma resultante da conjugação do disposto no nº 1 do artigo
74° do D. L. nº 433/82 e do artigo 411º do CPP porquanto destes decorre um prazo
mais curto para o recorrente motivar o recurso do que aquele previsto para
contra-motivação, que era de 15 dias em virtude da aplicação subsidiária do art.
413° nº 1 do CPP, na versão anterior à Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto.
5º.
A comarca admitiu o recurso também e fundamentalmente na sequência do Acórdão do
Tribunal Constitucional nº 27/2006 (publicado no Diário da República, Série I de
3 de Março de 2006) que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória
geral da norma constante do artigo 74° nº 1 do D.L. nº 433/82 de 27 de Outubro
conjugada com o artigo 411º do CPP, quando dela decorre que, em processo de
contra-ordenação, o prazo para o recorrente motivar o recurso é mais curto do
que o prazo da correspondente resposta, por implicar violação do principio da
igualdade de amas inerente ao princípio do processo equitativo consagrado no nº
4 do artigo 20° da CRP.
6°.
Quando o recurso foi interposto na Comarca estava em curso o prazo de 20 dias
previsto no artigo 411° do CPP que estipula ser de 20 dias o prazo de resposta (redacção
resultante da Lei nº 48/200 7 de 29 de Agosto).
7°.
Ou seja, de acordo com a corrente jurisprudencial que se firmou, em especial, na
sequência do Acórdão do T.C. nº 27/2006 de 10 de Janeiro de 2006, o Tribunal da
Comarca admitiu o recurso por o mesmo ter sido interposto no prazo de 20 dias
após a sua notificação ao arguido.
8°.
Não obstante, depois de admitido o recurso pela Comarca, o Tribunal da Relação
de Évora julgou-o intempestivo por força do Acórdão do SJT para uniformização de
Jurisprudência de 4 de Dezembro de 2008, que veio dizer, em suma, dever entender-se
que o prazo de interposição de recurso para a Relação é de dez dias, em processo
de recurso jurisdicional de contra-ordenação, e que o prazo de resposta é de dez
dias e não o prazo de resposta previsto no Código de Processo Penal.
9º.
O recurso da sentença da Comarca para o Tribunal da Relação foi interposto muito
antes de ser publicado o Acórdão do SJT para uniformização de Jurisprudência de
4 de Dezembro de 2008, no qual o Acórdão proferido pela Relação se fundou para
rejeitar o recurso, considerando-o intempestivo, por não respeitar a regra
introduzida pelo dito acórdão uniformizador.
10º.
O citado Acórdão do STJ foi publicado no DR, Série-I, nº 11 de 16 de Janeiro de
2009 e entrou em vigor cinco dias depois, por ao mesmo se aplicar também este
tempo de ?vacatio legis?.
11°.
Dado que o recurso interposto pelo arguido estava em tempo na sequência da
corrente jurisprudencial que se formou por força dos Acórdãos do TC acima
citados, rejeitar o recurso, por intempestivo, ao abrigo de um Acórdão
Uniformizador do STJ, superveniente ao facto interposição de recurso, viola os
princípios da confiança e segurança jurídica (no mesmo sentido já decidiu o Vice-Presidente
do Tribunal da Relação de Évora ? veja-se doc. Nº 1) e viola o principio da não
aplicação retroactiva das leis restritivas dos direitos e garantias dos cidadãos.
12º.
Os princípios da confiança e segurança jurídica estão ínsitos na ideia de Estado
de Direito Democrático, tal como consta do artigo 2° da CRP, e implicam um
mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhe são
criadas, não sendo de admitir alterações arbitrárias ou desproporcionadamente
gravosas, as quais os cidadãos comuns minimamente avisados não podem
razoavelmente prever.
13º.
De outra parte, o princípio da não aplicação retroactiva das leis que diminuem
ou restringem os direitos e garantias dos cidadãos tem assento constitucional no
artigo 18° nº. 3 da CRP.
14º.
A aplicação retroactiva do Acórdão do STJ viola de maneira inadmissível,
intolerável e desproporcionada o direito do arguido ao recurso, já admitido e
mandado subir à data da publicação daquele Acórdão.
15°.
Pelas apontadas razões o Acórdão do STJ para uniformização de jurisprudência nº
4/12/2008, publicado no D.R, Série I, nº 11 de 16 de Janeiro de 2009 é
inconstitucional, por ofensa desses princípios, quando aplicado retroactivamente,
ou seja aplicado ao facto interposição de recurso sucedido antes da sua
publicação e entrada em vigor.
16°.
Pelas razões e com os fundamentos aduzidos acima nos artigos 9° a 15°, o
recorrente, por a decisão não admitir mais nenhum recurso ordinário, pediu a
Reforma do Acórdão da Relação que havia considerado intempestivo o recurso.
17°.
Em resposta ao pedido de Reforma este Venerando Tribunal da Relação de Évora
veio dizer, em suma, que o recorrente faz uma grande confusão relativamente à
aplicação do artigo 414°. N° 3 do CPP, ao Acórdão do Tribunal Constitucional e
quanto à sua compatibilidade com o Acórdão do STJ nº 1/2009 e que não é
admissível Reforma do Acórdão, por não ser aplicável ao caso a norma do artigo
699° do CPC, e só ser admissível correcção da sentença nos termos do artigo 380°
do CPP, por este afastar aquela norma do CPC.
18°.
Também não se pronunciou sobre a questão suscitada de a aplicação retroactiva de
um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência ofender a Constituição da República.
19°.
Deve interpretar-se a lei no sentido de que em caso de erro grave de Direito,
como é a aplicação retroactiva de uma norma que desfavorece o arguido, a decisão
final, de que não caiba recurso ordinário, pode e deve ser reformada nos termos
do artigo 699° do CPC.
20°.
O artigo 380° do CPP aplica-se a correcção de erros materiais da sentença
proferida em matéria penal, mas, contrariamente ao que a decisão ora recorrida
afirma, o recorrente não pediu a aclaração da sentença, nem a sua correcção,
antes pediu a sua Reforma, com fundamento em clamoroso erro de Direito, que
corresponde à aplicação retroactiva de norma, interpretada de determinada
maneira por um Acórdão Uniformizador do STJ, que nem sequer estava publicado
quando o recurso, que a final veio ser rejeitado por causa desse Acórdão, foi
interposto.
Nestes termos requer muito respeitosamente a admissão deste recurso da decisão
que indeferiu a Reforma do Acórdão, o qual rejeitou o recurso interposto na
Comarca, por intempestivo, dado ser inconstitucional a aplicação da
interpretação dada às normas em causa pelo citado Acórdão do STJ a situações
ocorridas antes da sua entrada em vigor, para vir a ser declarada pelo Tribunal
Constitucional a tempestividade do recurso interposto da sentença da Comarca.
«««««««««««««««««
2°.
Este recurso interposto para o Tribunal Constitucional não foi admitido pelo
Tribunal recorrido com o argumento, novo, de que «o recorrente, inconformado com
a decisão sumária proferida a folhas 450 e seguintes, deveria ter recorrido para
a conferência nos termos do nº 8 do artigo 417° do CPP, só assim esgotando os
meios processuais comuns. Só o acórdão da conferência seria recorrível para o
Tribunal Constitucional caso se verificassem os respectivos pressupostos».
3º.
Salvo o devido respeito, não foi este o fundamento, o de não ter o recorrente
recorrido para a conferência, que serviu de fundamento à rejeição do pedido de
Reforma da decisão da Relação que rejeitou o recurso por extemporâneo.
4º.
O recorrente arguido pediu a Reforma da decisão e esta foi-lhe negada com
fundamento em que a Reforma não é admitida pelas regras do Código do Processo
Penal, tendo antes aplicação, segundo a mesma decisão, o artigo 380° do Código
de Processo Penal (veja-se a decisão do Juiz Relator em relação ao requerimento
de folhas 464 e seguintes, decisão que se encontra, salvo erro, a folhas 476 dos
autos)
5º.
Não pode agora o Juiz ?a quo? vir acrescentar novo fundamento para a rejeição da
pretensão do recorrente, antes, se entendia que o meio processual não era o
próprio, deveria ter rejeitado a pretensão com esse fundamento ou, no mínimo,
deveria ter remetido o recurso oficiosamente para a conferência e não pronunciar-se
e decidir sobre o mesmo, pois segundo o seu novo entendimento, seria, nesse caso,
incompetente para decidir.
6º.
A Reforma da decisão foi negada por o Juiz ?a quo? ter entendido que ao caso era
aplicável o artigo 380° do CPP e não por não ter sido apresentado recurso para a
conferência de Juízes mencionada no nº 8 do artigo 417° do CPP.
7°.
Daí que o recurso interposto para o Tribunal Constitucional deva ser admitido,
uma vez que, de uma parte, é tempestivo e encontram-se esgotados os recursos
ordinários, e porque a situação, de outra parte, tal como se invocou no
requerimento de interposição de recurso, acima transcrito, constitui clamoroso
erro de interpretação e de aplicação do Direito e afronta as normas e princípios
constitucionais invocados de forma suficiente e ao abrigo da lei do processo do
Tribunal Constitucional, além do que viola também o princípio da igualdade e da
confiança na Justiça e nas instituições, porquanto o vice-presidente da mesma
Relação de Évora já se pronunciou no sentido de ser aceite e mandou receber
outro recurso interposto e rejeitado por extemporâneo exactamente nas mesmas
circunstâncias, o que decorre do documento nº 1, que se junta, e o qual não
mereceu a mínima atenção do Juiz ?a quo?.
Termos em que requer muito respeitosamente a V. Excelências a admissão do
recurso interposto nos presentes autos para esse Tribunal Constitucional.».
4 ? O representante do Ministério Público junto deste Tribunal considerou a
reclamação improcedente, pugnando pelo seu indeferimento.
B ? Fundamentação
5 ? O recurso para este Tribunal foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1
do artigo 70.º da LTC, sendo um dos pressupostos da sua admissibilidade o
esgotamento dos recursos ordinários, em consonância com o disposto no n.º 2 do
referido artigo ? ?os recursos previstos nas alíneas b) e f) do número anterior
apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não
prever ou por já haverem sido esgotados todos os que ao caso cabiam (?)?.
Nos presentes autos foi proferida, nos termos do artigo 417.º, n.º 6, do Código
de Processo Penal, pelo Juiz Desembargador relator do Tribunal da Relação de
Évora a decisão sumária de fls. 29 a 32 dos presentes autos que rejeitou, por
extemporaneidade, que o ora reclamante interpôs de decisão da 1.ª instância.
Ora, nos termos do n.º 8 do artigo 417.º do mesmo diploma, ?cabe reclamação para
a conferência dos despachos proferidos nos termos dos n.os 6 e 7? de tal norma.
Assim sendo, constata-se que in casu o recurso de constitucionalidade foi
interposto num momento em que ainda não se encontravam esgotados os recursos
ordinários, atenta a referida regulamentação.
Este juízo não resulta obviamente prejudicado pelo facto do reclamante ter
controvertido a decisão mediante incidente legalmente inadmissível e que a
fortiori não consubstancia a reclamação para a conferência prevista na lei,
sendo que o Tribunal da Relação jamais proferiu qualquer juízo do qual se
pudesse inferir a inadmissibilidade de tal reclamação.
Nestes termos, tendo sido interposto o recurso de constitucionalidade num
momento sem que se tivesse deduzido reclamação da decisão sumária proferida pelo
relator e não tendo existido renúncia expressa ao exercício desse direito
processual, é manifesta a improcedência da presente reclamação.
C ? Decisão
6 ? Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a
presente reclamação.
Custas pelo Reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 Ucs.
Lisboa, 28 de Setembro de 2009
Benjamim Rodrigues
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos
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