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Processo n.º 657/09
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I ? RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, A. e B. reclama (fls. 2 a 5), para a conferência
prevista no n.º 3 do artigo 78º-A da LTC, do despacho proferido pelo Juiz-Relator
da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, em 27 de Março de 2009 (fls. 112 a
113-verso), que rejeitou recurso interposto para o Tribunal Constitucional, com
fundamento no facto de a decisão recorrida não ter aplicado efectivamente a
interpretação normativa reputada de inconstitucional.
2. A reclamação foi apresentada nos seguintes termos:
?Os recorrentes interpuseram, junto do Tribunal da Relação do Porto, recurso a
ser apreciado por este Tribunal.
Não se pronunciando, verdadeiramente, sobre a interposição do recurso e a
admissibilidade desta interposição, o Tribunal da Relação conclui que deve ser
indeferido o presente recurso, quando o que se pedia é que fosse apreciado a
interposição e não o recurso, que ainda nem sequer foi motivado.
A decisão reclamada viola as mais elementares regras de competência, coarctando
assim aos arguidos o seu legítimo direito a verem apreciada a
constitucionalidade da decisão que os condena a prisão.
Na verdade, o número 2 do artigo 76. ° da Lei 28/82, fixa, de maneira taxativa,
os pressupostos do indeferimento do requerimento de interposição de recurso.
A verdade é que, analisado tal normativo, não consegue encontrar-se suporte
legal para o despacho de que se reclama.
Pois que, o despacho reclamado nem sequer invoca qualquer um dos pressupostos
legalmente fixados naquele normativo.
Em bom rigor, o requerimento de interposição de recurso, cumpre todas as
imposições legais, o que, aliás, também não é posto em causa pelo Tribunal da
Relação.
De facto, foram preenchidos todos os requisitos do artigo 75°-A,
? Indicada a alínea do n.º 1 do artigo 70° ao abrigo da qual o recurso é
interposto ? alínea b):
? As normas cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal
aprecie ? artigos 14°, n.º 1 do RGIT e 50. ° do Código Penal.
? A indicação das normas ? artigos 13. °, 20°, 24°, a 27°, e 32° da Constituição
da Republica Portuguesa ? e princípios constitucionais que se consideram
violados ? igualdade, direito fundamental à vida, integridade pessoal, liberdade
e segurança,
? Bem como da peça processual em que o recorrente suscitou a questão da
inconstitucionalidade ou ilegalidade ? na motivação do recurso apresentado junto
do Tribunal Judicial de Lamego e que foi apreciado pelo Tribunal da Relação do
Porto.
Sendo certo que, ainda que assim não se considerasse, sempre se impunha que, a
entender-se existir alguma falha, fossem os recorrentes convidados para prestar
a indicação do elemento considerado em falta, nos termos do número 5 daquele
normativo legal
O que também não aconteceu.
A decisão admita recurso,
O recurso foi interposto dentro do prazo,
O requerente não carece de legitimidade,
Nem o mesmo é manifestamente infundado.
Ao Tribunal da Relação do Porto, salvo o devido respeito, restava admitir ou não
o recurso, só e apenas com base nestes pressupostos.
Não pode o Tribunal da Relação do Porto, como faz, debruçar-se sobre a alegada
inconstitucionalidade, o que já antes havia feito, impedindo que o Tribunal
Constitucional possa, como deve, pronunciar-se sobre esta matéria.
Ao Tribunal da Relação compete apreciar da admissibilidade do recurso, dentro
dos requisitos taxativamente definidos e cumpridos e não da constitucionalidade
invocada.
Quem deve apreciar da invocada inconstitucionalidade é o Tribunal Constitucional.
É o Tribunal Constitucional que tem competência em matéria de aferir da
improcedência do recurso interposto.
Não sendo manifestamente infundado, como não é, não pode, por tudo o mais, ser
indeferido.
Na verdade, o Tribunal da Relação do Porto não sustenta o seu despacho em
qualquer dos pressupostos previstos, taxativamente, no artigo 75. °A da Lei 28/82.?
3. Em sede de vista, para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 77º, da LTC, o
Ministério Público pronunciou-se do seguinte modo:
?1. Nos termos do artigo 76°, nº 2, da LTC, o recurso para o Tribunal
Constitucional, previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º, deve ser indeferido,
para além de outras razões que agora não estão em causa, quando for
manifestamente infundado.
Ora, cabendo reclamação para o Tribunal Constitucional dessa decisão, é evidente
que, contrariamente ao que diz o reclamante, é àquele Tribunal que cabe a última
palavra sobre a admissibilidade do recurso ou seja, no caso, sobre a
qualificação como ?manifestamente infundada? da questão.
2. No despacho de não admissão refere-se que a interpretação que constitui a
ratio decidendi foi a seguinte:
?(...) a imposição legal decorrente do artigo 14°, nº 1, do RGIT é dirigida ?à
reposição das prestações tributárias em dívida, eliminando, tanto quanto
possível, a danosidade social criada pela correspondente conduta criminosa? (...)?.
Na reclamação não é posto em causa que é esta a interpretação relevante.
Tendo em atenção esta concreta interpretação e face à jurisprudência
constitucional citada, parece-nos que, efectivamente, a questão é manifestamente
infundada.
Que uma questão de inconstitucionalidade possa ser considerada manifestamente
infundada pela análise de jurisprudência do Tribunal sobre a matéria, é o que
decorre dos Acórdãos nºs 87/2006 e 256/2009.
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.? (fls. 138 e 139)
Cumpre agora apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
Afigura-se evidente que a decisão recorrida não aplicou a interpretação
normativa reputada de inconstitucional pelos ora reclamantes, em sede de
requerimento de interposição de recurso, segundo o qual estaria em causa a norma
?constante dos artigos 14.º, n.º 1, do RGIT e, 50.º, do Código Penal, se
interpretada conforme o Tribunal recorrido, no sentido de que a suspensão da
pena de prisão pode depender das condições económicas dos arguidos. Ou seja, a
prisão só é suspensa se os arguidos tiverem dinheiro para pagar a quantia
determinada pelo Tribunal recorrido? (fls. 103). Ora, conforme bem demonstrado
pela decisão reclamada, não foi essa a interpretação normativa aplicada pela
decisão recorrida, tendo antes sido entendido que ?(...) a imposição legal
decorrente do artigo 14°, nº 1, do RGIT é dirigida «à reposição das prestações
tributárias em dívida, eliminando, tanto quanto possível, a danosidade social
criada pela correspondente conduta criminosa»? (fls. 113).
Na medida em que o artigo 79º-C da LTC, apenas permite que o Tribunal
Constitucional conheça da alegada inconstitucionalidade de interpretações
normativas efectivamente aplicadas pela decisão recorrida, não têm qualquer
razão os reclamantes quando afirmam que o tribunal recorrido não apreciou os
pressupostos processuais de interposição do recurso, tendo logo apreciado de
fundo a questão de constitucionalidade colocada. Pelo contrário, conforme já
demonstrado, a efectiva aplicação da interpretação normativa que é objecto de
recurso constitui pressuposto processual necessário e indispensável à admissão
deste tipo de recursos.
Tanto basta para que improceda a reclamação.
III ? DECISÃO
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3
do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada
pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente
reclamação.
Custas devidas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 24 de Setembro de 2009
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão
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