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Processo n.º 849/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é
recorrente a Associação Cultural e Desportiva A. e recorridos o Conselho de
Justiça da Federação Portuguesa de Futebol e o Ministério Público, foi
interposto recurso de constitucionalidade, do acórdão daquele Supremo Tribunal
de 10.9.2008, nos seguintes termos:
«(…)- o recurso é interposto ao abrigo da al. B) do n.° 1 do art. 70.º da Lei
n.° 28/82, de 15- 11, na redacção da Lei n.° 85/89, de 7-9;
- pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade (material) da norma do
artigo 38.° do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol;
- tal norma regulamentar viola as normas dos artigos 1.º, 2.º, 25.°, n.° 1,
30.°, n.° 4, 32.°, n.° 10, 15.° e 269.°, n.° 3, 34.º, n.° 3, 13.º, 79.°, n.° 2,
da Constituição da Republica Portuguesa e os princípios nas mesmas consagrados.
- a questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos, nomeadamente nos
artigos 26.º a 110.° da petição de recurso, que nos autos está;
- o recurso tem efeito suspensivo e sobem nos próprios autos; (…)»
2. Por despacho de fls. 1061 foram as partes notificadas para alegar, com a
advertência de que o objecto do recurso «não abrange o artigo 38.º do
Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol, na sua totalidade,
mas apenas as normas das suas alíneas c) e d).»
A recorrente apresentou alegações onde conclui o seguinte:
«1ª- A pena disciplinar de desclassificação do art.º 38.º do RDFPF, tem, por
consequência directa, o impedimento do clube punido em prosseguir em prova e a
perda de todos os pontos conquistados, sem que estes revertam a favor dos
adversários.
2ª- Tal consta dos factos considerados provados a fls. 359 a 361 — items 2., 3.
e 13. - o único clube punido com tal sanção disciplinar foi o Clube Desportivo
B., que não a recorrente.
3ª- A aplicação da dita pena disciplinar de desclassificação teve, nos termos
das normas cuja constitucionalidade é ora apreciada, por consequência a não
consideração dos resultados obtidos por clubes terceiros nos jogos realizados
com clube punido com aquela pena.
4ª- Materialmente tal não consideração dos resultados dos corresponde a uma
subtracção ou dedução dos pontos obtidos em tais jogos, em caso de empate (1
ponto) ou de vitória (3 pontos).
5ª- À recorrente foi subtraído três pontos que ganhou no jogo que disputou com o
Clube Desportivo B., no dia 18.5.2003.
6ª- A desconsideração dos resultados [concretamente, subtracção dos pontos em
empate ou de vitória] aos demais clubes participantes na competição não foi
operada no âmbito de qualquer processo disciplinar instaurado contra esses
outros clubes, nomeadamente a recorrente.
7ª- O único processo disciplinar intentado pela recorrida Federação foi aquele
que teve como arguido o Clube Desportivo B. e no qual foi aplicada a pena de
desclassificação.
8ª- O Estado de Direito democrático e a sua organização postulam, por natureza,
a observância dos princípios - nucleares e constitucionalmente consagrados — do
respeito pela dignidade humana e do respeito e garantia dos direitos
fundamentais, e em matéria sancionadora, o princípio da culpa. — cfr. art.ºs,
l.º e 2.°, 25.°, n.° 1, CRP.
9ª- Tais princípios vedam a incriminação de condutas destituídas de qualquer
ressonância ética, impede a responsabilização objectiva, obrigando ao
estabelecimento de um nexo subjectivo entre o agente e o seu facto e obsta à
punição sem culpa e à punição que exceda a medida da culpa.
10ª- E a aplicação de penas ou medidas de segurança não pode “envolver como
efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou
políticos”.- cfr. art.º 30.º, n.° 4, CRP.
11ª- E tal proibição deste efeitos da penas criminais ou medidas de segurança
não pode deixar de ser considerada, mutatis mutandis, na aplicação de quaisquer
outras penas, concretamente disciplinares.
12ª- Em todo e qualquer procedimento sancionador, entre os quais o disciplinar
desportivo, é imposto a observância e o respeito dos direitos de audiência e de
defesa dos aí arguidos. - cfr. art.ºs 32.°, n.º 10, e 269.°, n.°3, CRP.
13ª- Neste quadro, a desconsideração dos resultados corresponde materialmente,
nos caso de empate e de vitória, à subtracção/dedução de pontos obtidos.
14ª- E esta subtracção corresponde no essencial à típica pena disciplinar de
derrota, que tem lugar nas provas por pontos e que é profusamente prevista no
RDFPF.
15ª- As normas das als. c) e d) do art. 38.° do RDFPF permitem, tal qual
interpretadas foram, a aplicação de tal concreta pena disciplinar de derrota —
subtracção de 3 pontos — sem precedência de processo disciplinar contra a
recorrente e sem a prévia imputação, de concreta e circunstanciada infracção
disciplinar.
16ª- Nem o prévio exercício do direito fundamental de audiência e de defesa no
âmbito de procedimento disciplinar, em clara infracção ao disposto nos art.ºs
32.°, n.° 10, 17.° e 267.°/3 CRP.
17ª- Uma tal interpretação das normas das als. c) e d) do RDFPF contende com as
normas constitucionais dos art.ºs 32.°/l0, 17.° e 267/3 da Constituição, em face
do qual padece a mesma e tal normativo regulamentar de inconstitucionalidade
material.
18ª- Do mesmo modo, as mesmas normas cuja constitucionalidade trata estes autos
de recurso permitem a efectiva punição de clubes terceiros, por factos [os
atinentes à desclassificação] imputáveis a outrem, que não aos punidos com tal
pena disciplinar.
19ª- Punição disciplinar sem que exista e se demonstre qualquer nexo de
causalidade objectiva e/ou subjectiva entre os factos que determinaram a
desclassificação de certo clube e a desconsideração/subtracção de pontos de
outros que não o concretamente desclassificado, infringe o princípio da culpa e
as normas que o corporizam (art.ºs 1.° e 25.°, n.° 1, e 17.° CRP).
20ª- Assim, as normas regulamentares sob apreciação padecem, uma vez mais, de
inconstitucionalidade material por violação das normas dos art.ºs 1.° e 25.°,
n.º 1, e 17.° CRP.
21ª- Se se entender que as normas das als. c) e d) do RDFPF não consubstanciam
verdadeiras e próprias sanções/penas disciplinares, afigura-se, ainda assim,
que, no mínimo, constituem penas acessórias ou efeito de uma pena disciplinar.
22ª- Com efeito, os resultados e os pontos obtidos pelos demais participantes na
competição são desconsiderados/subtraídos por factos exclusivamente imputáveis
aos clube/participante desclassificado, quando só este — e não aqueles — podia
ser sofrer as respectivas penas acessórias ou o(s) seu(s) efeito(s)
necessário(s).
23ª- Esta absoluta identidade — entre quem é punido numa pena disciplinar
principal e quem o é numa pena acessória ou num efeito necessário — decorre,
aliás, do nexo de acessoriedade e de dependência da pena acessória face à pena
principal e do efeito de certa pena face a esta mesma, como impõe o art.º 30.°,
n.º 4, CRP.
24ª- Um terceiro — como a recorrente — que é punido com pena acessória ou com um
efeito necessário da pena é objectivamente punido sem qualquer culpa, sob pena
de violar, como na situação vertente viola, as normas constitucionais dos art.ºs
l.º e 25.°, n.° 1, 30.º, n.°4, CRP..
25ª- As normas das als. c) e d) do art. 38.° do RDFPF ao permitir um tal
resultado padecem, em face da referida infracção, de inconstitucionalidade
material.
26ª- O Supremo Tribunal Administrativo na interpretação que sufraga trata de
forma igual situações totalmente desiguais.
27ª- Tanto os resultados negativos que não podem ser “desconsiderados”, como os
resultados positivos que desconsidera através da subtracção de tal pontuação,
ainda que, ainda assim, sejam situações materialmente diversas.
28ª- Como também são materialmente diversas as situações dos participantes que
defrontaram o clube desclassificado e aqueles que não o fizeram ou que só o
fizeram numa das voltas da competição.
29ª- Na interpretação do Supremo Tribunal nenhum critério ou justificação
ponderosa funda tal distorção ao princípio da igualdade, pois que, regra geral,
situações desiguais carecem de tratamento desigual, violando a norma do art.
13.° CRP.
30ª- E nem os recorridos lograram demonstrar — nem invocaram, de resto —
quaisquer factos conducentes à razoabilidade, proporcionalidade e logicidade na
interpretação desconforme à Constituição, que realizam.
31ª - Qualquer limitação a qualquer direito fundamental, como o é o princípio da
igualdade, carece de ser proporcional e de não infringir o seu conteúdo
essencial, o que na situação dos autos não ocorre, infringindo as normas dos
art.ºs 17.º e 18.° CRP.
32ª- A interpretação do Supremo Tribunal Administrativo na defesa da
conformidade das normas das als. c) e d) do art. 38.° RDFPF com a Constituição,
está ela própria e bem assim o normativo regulamentar da Federação eivado de
inconstitucionalidade material.
33ª Assim, em face das ora invocadas inconstitucionalidades, deve o Tribunal
Constitucional declarar inconstitucional as normas das als. c) e d) do artigo
38.° do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol, com as
legais consequências.
Nestes termos, deve o presente recurso de fiscalização concreta da
constitucionalidade ser julgado procedente e, em consequência, deve o Tribunal
Constitucional declarar inconstitucional as normas das alíneas c) e d) do artigo
38.° do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol e a
interpretação que das mesmas é sufragada pelo Supremo Tribunal Administrativo,
tudo com as legais consequências. (…)»
O Ministério Público contra-alegou, concluindo o seguinte:
«1º
Nos recursos de fiscalização concreta, incumbe ao recorrente o ónus
de questionar a precisa interpretação ou dimensão normativa dos preceitos legais
a que o recurso vem reportado, não podendo pugnar pela inconstitucionalidade de
uma interpretação normativa que o Tribunal “a quo”, no exercício dos seus
poderes de interpretar e aplicar o direito infraconstitucional, acolheu.
2°
No caso dos autos, o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão
recorrido, expressamente afastou o enquadramento ou qualificação do efeito
“preclusivo” decorrente da participação em competição desportiva com outro
clube, objecto de desclassificação disciplinar, como atinente a um qualquer
direito sancionatório público, considerando explicitamente que o regime
questionado não prossegue quaisquer fins preventivos ou retributivos para se
poder apelidar de “sanção”.
3°
Pelo que não deverá conhecer-se do recurso, na medida em que a
argumentação do recorrente, expressa nas conclusões da sua alegação, insiste num
enquadramento normativo que foi expressamente afastado pelo acórdão recorrido —
por traduzir a formulação de uma interpretação normativa que não foi
efectivamente aplicada pelo tribunal, “a quo”.»
O recorrido concluiu as suas alegações da forma que se segue:
«I. A ora recorrente apresentou requerimento de ampliação do objecto do recurso,
requerimento este que nunca foi notificado à ora recorrida.
II. O STA deliberou não atender a pretensão da ora recorrente tendo ordenado a
“baixa dos autos para conhecimento dos demais vícios imputados ao acto “.
III. Quanto a uma parte da matéria dos autos, não existe uma decisão definitiva,
pois que o STA ordenou a baixa dos autos para conhecimento dos demais vícios
imputados ao acto.
IV. Um dos pressupostos processuais exigidos para se poder recorrer para o
Tribunal Constitucional, com fundamento na alínea b) do artigo 70.° da Lei
28/82, de 15 de Novembro é, nos termos do n.° 2 do citado artigo, o esgotamento
dos recursos ordinários.
V. Pressuposto este que não se encontra preenchido uma vez que o STA
ordenou a baixa dos autos para conhecimento dos demais vícios invocados na
petição de recurso.
VI. Deve o presente recurso ser julgado improcedente por falta de verificação de
pressuposto processual: esgotamento dos recursos ordinários exigido no n.° 2 do
artigo 70.° da Lei 28/82 de 15 de Novembro.
VII. Outro requisito para o recurso ao Tribunal Constitucional, ao abrigo da
alínea b) do n.°1, do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, é o de que a
inconstitucionalidade da norma impugnada ter de ser suscitada no decurso do
processo.
VIII. Esta invocação da inconstitucionalidade da norma terá de ser feita de
forma clara e perceptível durante o processo, identificando a norma que
considera inconstitucional, a norma constitucional que considera violada e a
respectiva fundamentação da inconstitucionalidade.
IX. Na sua petição de recurso contencioso a ora recorrente não suscitou a
questão da inconstitucionalidade de modo claro e preciso, de forma a configurar
“uma quaestio decidendi de conhecimento imperativo para o tribunal a quo.”
(sublinhado nosso).
X. A ora recorrente não invocou, quer perante o Tribunal Administrativo e Fiscal
do Funchal quer perante o Supremo Tribunal Administrativo, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa em termos de vincular os tribunais ao seu
conhecimento.
XI. Faltando o pressuposto essencial de a questão de inconstitucionalidade ter
de ser suscitada durante o processo de forma clara e precisa, deve o presente
recurso considerado improcedente.
XII. Outro dos requisitos para a interposição do recurso para o Tribunal
Constitucional, com base na alínea b) do artigo 70.° da Lei 28/82, de 15 de
Novembro, reside no facto da dimensão normativa impugnada ter sido efectivamente
aplicada pelo tribunal, na decisão recorrida, como verdadeira ratio decidendi.
XIII. A dimensão normativa suscitada pela ora recorrente parte do reconhecimento
da necessidade da existência de procedimento disciplinar e da existência de
culpa para se poder aplicar o artigo 38.°, alíneas c) e d) do Regulamento
Disciplinar da FPF.
XIV. A questão que a ora recorrente invoca, de se estar perante uma sanção
disciplinar, não foi reconhecida pelo STA, tendo este tribunal entendido que o
regime questionado não prossegue quaisquer fins preventivos ou “retributivos”
para se poder apelidar de sanção.
XV. A dimensão normativa que a ora recorrente invoca não foi ratio decidendi do
acórdão recorrido.
XVI. A dimensão normativa impugnada não corresponde ao sentido com que a norma
questionada foi aplicada na decisão recorrida, por isso, deve o presente recurso
ser julgado improcedente.
XVII. O Conselho de Disciplina da FPF, por acórdão de 04 de Julho de 2003, puniu
o C.D. 1° de B. com a pena de desclassificação e multa de 5.000,00€, no âmbito
do Processo Disciplinar n.° 6564.
XVIII. Tal acórdão do Conselho de Disciplina foi devidamente notificado por fax,
à A.C.D.S. de A., no dia 04 de Julho de 2003, para efeitos do competente
recurso para o Conselho de Justiça.
XIX. A Associação Cultural e Desportiva A., sendo participante nas competições
da FPF, sabia e tinha a obrigação de conhecer os regulamentos que norteiam a
competição na qual estava inserida, nomeadamente, o Regulamento Disciplinar
aplicável à mesma competição.
XX. Ao tomar conhecimento da decisão do Conselho de Disciplina da FPF, aplicada
ao Clube Desportivo B., ficou a Associação Cultural e Desportiva A. com perfeito
conhecimento das implicações que tal decisão iria produzir na sua esfera
jurídica, nomeadamente as previstas no Artigo 38.° do Regulamento Disciplinar da
FPF.
XXI. Sabendo destas consequências, a Associação Cultural e Desportiva A. nada
fez para ver anulada a decisão proferida no Processo Disciplinar, apesar de lhe
ter sido reconhecido interesse nos autos, através da notificação da decisão do
Conselho de Disciplina.
XXII. Conformando-se com a decisão que desclassificou o Clube Desportivo B. e
aceitando os efeitos daí decorrentes.
XXIII. A Associação Cultural e Desportiva A. não é terceiro alheio à decisão do
processo disciplinar n.° 6564, mas sim sujeito interessado no mesmo processo.
XXIV. A Associação Cultural e Desportiva A. tinha interesse directo e legitimo
em recorrer contra a decisão do Processo Disciplinar n.° 6564 para evitar os
efeitos da referida decisão, nos termos do disposto no artigo 23.° do Regimento
do Conselho de Justiça.
XXV. O Clube Desportivo B. interpôs recurso do acórdão do Conselho de Disciplina
no processo disciplinar n.° 6564, para o Conselho de Justiça da FPF.
XXVI. O Conselho de Justiça da FPF julgou improcedente o recurso apresentado
pelo Clube Desportivo B., através de acórdão datado de 25 de Julho de 2003,
mantendo a decisão recorrida.
XXVII. Tal decisão já não admitia novo recurso, transitando imediatamente em
julgado.
XXVIII. Nos termos dos Estatutos da FPF, cabe à Direcção cumprir e fazer cumprir
as decisões dos órgãos da federação.
XXIX. O acórdão do Conselho de Justiça foi também notificado à Direcção da FPF,
para efeitos de execução do mesmo.
XXX. A Direcção da FPF procedeu à classificação final de Série E, do Campeonato
Nacional da 3ª Divisão, em função do acórdão do Conselho de Justiça.
XXXI. Através da execução do acórdão do Conselho de Justiça ficou a Associação
Cultural e Desportiva A. classificada em 15.° lugar, com 36 pontos, na série E,
do Campeonato Nacional da 3ª Divisão, na época desportiva 2002/2003.
XXXII. A tabela classificativa, publicada pela Direcção da FPF resulta das
classificações obtidas na competição desportiva.
XXXIII. Os efeitos da desclassificação previstos no Regulamento Disciplinar têm
por objectivo salvaguardar a verdade desportiva da competição, colocando todos
os participantes em pé de igualdade, motivo pelo qual não são considerados os
pontos dos jogos disputados pelo clube infractor.
XXXIV. À Associação Cultural e Desportiva A. não foi aplicada nenhuma sanção
disciplinar pois não praticou nenhuma infracção.
XXXV. Em função da prática de ilícito disciplinar, por parte de um clube
concorrente, dando origem à sua desclassificação, ficam os resultados
desportivos dos jogos em que o mesmo participou inquinados.
XXXVI. A única forma de “limpar” a participação do clube infractor é eliminar os
resultados da sua participação, mantendo, para efeitos classificativos, os
resultados obtidos entre os clubes que não cometeram qualquer infracção
disciplinar que ponha em causa a veracidade dos mesmos resultados.
XXXVII. Ao atacar a publicação da tabela classificativa, procurou a Associação
Cultural e Desportiva A. alterar, por via deste expediente, os efeitos que já se
tinham consolidado na sua esfera jurídica, por efeito da decisão proferida no
âmbito do Processo Disciplinar n.° 6564.
XXXVIII. O reordenamento da tabela classificativa, em função da verificação da
aplicação da pena de desclassificação, não está dependente da instauração de
novos processos disciplinares aos demais clubes participantes na competição,
pois que tais efeitos decorrem directamente da aplicação da Lei.
XXXIX. As alíneas c) e d) do n.° 1 do artigo 38.° do RD não revestem qualquer
natureza punitiva ou disciplinar, limitam-se a regulamentar quais os efeitos que
advêm da sanção de desclassificação aplicada a um determinado clube que integra
uma competição, os quais recaem em todos os clubes participantes na mesma
competição, de forma a equipará-los.
XL. Não estamos perante qualquer medida acessória da pena de desclassificação
aplicada ao C.D. B., mas sim perante um efeito justo e absolutamente necessário
para o alcance da verdade desportiva.
XLI. Não foi a publicação da tabela classificativa que determinou a
classificação dos clubes na competição, mas sim os resultados desportivos
obtidos e as incidências disciplinares ocorridas no decurso do campeonato, sendo
que, no caso dos autos, foi a decisão do processo disciplinar n.° 6564 que
determinou a dita tabela.
XLII. A A.C.D.S. A. quer, por um lado, a aplicação do artigo 38.° do Regulamento
Disciplinar para efeitos da sua manutenção no Campeonato Nacional da 3ª Divisão
mas, por outro lado, não quer essa aplicação, para efeitos da sua descida de
divisão.
XLIII. A A.C.D.S. A. apenas quer que seja aplicado o artigo 38.° do RD para
obter a descida de divisão do Clube Desportivo B., mas não para si.
XLIV. No fim do Campeonato Nacional da 3ª Divisão, antes da decisão do processo
disciplinar n.° 6564, a A.C.D.S. A. encontrava-se posicionada em 15º lugar.
XLV. Caso não existisse qualquer processo disciplinar que alterasse a tabela ou
caso o artigo 38.° do RD não fosse aplicado, quem desceria ao campeonato
distrital seria a ora recorrente, pois, de acordo com o Regulamento de Provas
Oficiais da FPF, descem ao campeonato distrital os últimos 4 classificados.
XLVI. A A.C.D.S. A.desceria sempre de divisão, pois no fim do campeonato ficou
classificada em 15.° lugar com 39 pontos e, após a aplicação dos efeitos
previstos no artigo 38.° para a desclassificação do C.D. B., ficou igualmente
classificada em 15.° lugar mas com 36 pontos.
XLVII. O que a A.C.D.S. A. pretende é o desvirtuamento da verdade desportiva,
pois pretende obter um benefício em detrimento dos restantes clubes seus
adversários.
XLVIII. Só com o desvirtuamento da aplicação da norma, conseguiria a ora
recorrida manter-se no Campeonato Nacional da 3ª Divisão.
XLIX. Não resulta da aplicação das alíneas c) e d) do artigo 38.° do RD qualquer
punição para os clubes intervenientes na prova em causa, uma vez que os mesmos
não se destinam a sancionar qualquer comportamento ilegítimo, mas sim
regulamentar a situação que decorre para os demais intervenientes, da
desclassificação de um clube, ao qual são retirados todos os pontos
conquistados, sem que os mesmos revertam a favor dos adversários.
L. Se os pontos lhe são retirados e não revertem a favor dos seus adversários,
não é lógico que os adversários beneficiassem dos pontos obtidos nos jogos
disputados com o clube desclassificado.
LI. Não foi violado qualquer direito constitucionalmente consagrado, nem o
artigo 38.° do RD viola qualquer princípio constitucional.»
3. Notificada para se pronunciar sobre as questões prévias suscitadas nas
contra-alegações, a recorrente disse o seguinte:
«1.- Vem o M.P., bem como, o recorrido, alegar que o Tribunal a quo,
contrariamente ao entendimento do recorrente, não considera ser norma sanção o
artigo 38.° do RDFPF aplicado ao caso sub judice, norma acerca da qual se
suscitou a questão da inconstitucionalidade.
2.- Pelo que, consideram inútil o recurso, na medida em que, o recurso “não tem
por objecto a precisa e exacta dimensão normativa que, no caso, o Supremo
Tribunal Administrativo, de forma expressa acolheu como suporte dos acórdãos que
proferiu”.
3.- Sucede que a recorrente, como claramente expõe nas suas conclusões, entende
que:
i) as alíneas c) e d) do art. 38.° são inconstitucionais por
configurarem sanções/penas ou, no mínimo, penas acessórias ou efeitos de uma
pena disciplinar; e/ou,
ii) é inconstitucional a interpretação dada pelo Tribunal a quo
àquelas normas jurídicas, independentemente da qualificação atribuída às normas
indicadas.
4.- Na verdade, no ponto 21. das conclusões apresentadas, concede-se, sem
prejuízo do alegado anteriormente, que as normas das alíneas c) e d) do art.
38.° do RFFPF não consubstanciam verdadeiras sanções/penas disciplinares, mas
que, constituem, no mínimo, penas acessórias ou efeito de uma pena disciplinar.
5.- Ainda que assim seja, defende-se a inconstitucionalidade daquelas normas,
nomeadamente, por violação do princípio constitucionalmente consagrado da culpa.
6.- Entendimento que o Tribunal a quo em momento algum afastou, nem poderia
afastar.
7.- No entanto, se assim não se entender, conforme o exposto nos itens 26. e
seguintes das conclusões, a interpretação sufragada pelo STA é, com o devido
respeito, inconstitucional por violar frontalmente o principio da igualdade
consagrado na CRP.
8.- Com efeito, independentemente da qualificação atribuída às normas em apreço,
e apesar do STA não considerar aquelas sanções/penas, sempre se terá de
considerar a interpretação do Tribunal a quo desconforme à CRP.
9.- O recorrente de modo algum afasta a dimensão normativa subjacente à
interpretação defendida pelo STA, aliás essa interpretação constituí o
fundamento das inconstitucionalidades alegadas.
10.- Nessa medida, presente recurso é útil, porquanto o recorrente pretende que
seja apreciada, designadamente, a constitucionalidade da interpretação defendida
pelo Tribunal a quo das alíneas e) e d) do art. 38.° do RDFPF.
11.- Assim, deve ser julgada improcedente a questão prévia suscitada pelo
recorrido, com as legais consequências.
****
12.- O motivo da baixa dos autos prendeu-se unicamente com apreciação de vícios
que em nada influem na apreciação da questão da inconstitucionalidade aqui em
apreço.
13.- De facto, o STA apreciou de forma total, inequívoca e definitiva a
inconstitucionalidade das alíneas c) e d) do art.º 38.° do RDFPF, conforme se
depreende da decisão de que aqui se recorre.
14.- Esta matéria não é susceptível de recurso ordinário, estando esgotados
todos os recursos que no caso cabiam e é, nessa medida, passível de recurso para
o Tribunal Constitucional.
15.- Pelo que, deve ser julgada improcedente a questão prévia alegada, com os
devidos efeitos legais.
16.- Invoca o recorrido que o recorrente na sua petição de recurso, apresentada
no TAFF, não fundamentou a inconstitucionalidade da norma.
17.- Com todo o respeito que o recorrido nos merece, nada podia estar mais em
desacordo com a realidade.
18.- O recorrente não só enumerou as normas constitucionais violadas, como
largamente explanou as razões de direito que permitiram, e permitem, concluir
como se concluiu, e se concluí.
19.- Fê-lo de forma clara, perceptível e fundamentada.
20.- Contudo, ainda que assim se não entenda, o que só por mero dever de bom
patrocínio se admite, sempre importa notar que, como notam JORGE MIRANDA e RUI
MEDEIROS, no contencioso constitucional deve prevalecer a ideia de ‘favor
actionis” [art. 20.º CRP], que “aponta, outrossim, para a atenuação da natureza
rígida e absoluta das regras processuais (...). Ora, em rigor, o direito de
acesso ao direito e aos tribunais em geral abrange igualmente o direito de
recurso para o Tribunal Constitucional. Daí que, também neste domínio, se lhe
aplique a exigência constitucional de arredar uma interpretação normativa
assente em rigidez formal que, desrazoavelmente, imponha ónus de tal forma
injustificados ou desproporcionados que acabem por afectar a garantia de acesso
à justiça e aos tribunais mediante um processo equitativo (Ac. n.° 87/03).” —
cfr. “Constituição da República Portuguesa Anotada “, Tomo III, Coimbra Editora,
2007, p. 759.
21.- Em conformidade, deve ser julgada improcedente a questão prévia invocada,
com as legais consequências.»
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II − Fundamentação
A) Da delimitação e do conhecimento do objecto do recurso
4. No seu requerimento de interposição de recurso, a recorrente indicou, como
objecto do pedido de apreciação de inconstitucionalidade, a norma do artigo 38.º
do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol.
Em conformidade com a advertência constante do despacho de fls. 1061, nas
conclusões das suas alegações a recorrente especificou como objecto do pedido as
normas das alíneas c) e d) do referido artigo.
5. Do conjunto dos pressupostos de conhecimento do recurso, pode suscitar
dúvidas legítimas a verificação, in casu, do que se prende com a efectiva
aplicação, pelo tribunal recorrido, da dimensão normativa impugnada pelo
recorrente.
Tanto o representante do Ministério Público junto deste Tribunal, como o
recorrido, contestam que tal tenha ocorrido.
O primeiro sustenta que a recorrente vem “pugnar pela tese da
inconstitucionalidade de uma interpretação normativa diversa - e
substancialmente divergente – da que foi acolhida na decisão recorrida”,
conduzindo à inutilidade do recurso, “já que este não tem por objecto a precisa
e exacta dimensão normativa que, no caso, o Supremo Tribunal Administrativo, de
forma expressa, acolheu como suporte dos acórdãos que proferiu”.
O recorrido alinha pelo mesmo diapasão, afirmando, nas suas contra-alegações,
que “a dimensão normativa impugnada perante o tribunal recorrido não foi
aplicada pela decisão ora recorrida”.
Não damos o nosso acordo a esta posição.
As normas cuja constitucionalidade está em causa regulam as consequências, para
a classificação dos restantes clubes, da pena de desclassificação de um clube,
com o qual aqueles estavam em competição, dispondo o seguinte:
«c) Se a desclassificação tiver lugar durante a primeira volta da competição, os
resultados dos jogos disputados pelo Clube desclassificado não são considerados
para efeitos de classificação dos restantes clubes;
d) Se a desclassificação tiver lugar durante a segunda volta da competição
não são considerados apenas os resultados dos jogos disputados pelo Clube
desclassificado durante a segunda volta».
A “não consideração” dos resultados dos jogos disputados pelo clube
desclassificado pode traduzir-se, em caso de vitória do clube adversário, na
subtracção a este dos três pontos alcançados. É exactamente esta dimensão
normativa que foi aplicada pelo acórdão e é também ela a que suscita a questão
de constitucionalidade que o recurso coloca à apreciação deste Tribunal. Há
total correspondência de sentido entre uma e outra, sem que se detecte qualquer
divergência interpretativa quanto à dimensão das normas relevante para a
questão.
Divergência existe, sim, mas quanto à qualificação a dar a essa dimensão
normativa, quanto à natureza do regime por ela instituído. Entende a recorrente
que ele é enquadrável no âmbito de protecção dos artigos 30.º, n.º 4, e 32.º,
n.º 10, pois a subtracção de três pontos corresponde a uma sanção. Nesse
pressuposto, as proibições contidas naqueles preceitos são alegadamente
violadas, pois estamos perante um efeito automático de uma pena disciplinar
aplicada a outrem, infligido sem que tenham sido assegurados ao sujeito a quem
ele é imposto os direitos de audiência e de defesa.
Para o acórdão recorrido, pelo contrário, a perda de três pontos não
corresponde, contra as aparências, a uma pena, mas à consequência da
irrelevância dos resultados dos jogos disputados pelo clube desclassificado, em
salvaguarda da verdade desportiva. Nas palavras desse aresto:
«Ora, só aparentemente podemos falar numa pena, ou seja, num constrangimento,
imposta a alguém como consequência da sua conduta. Na verdade, nada há no
consequente jurídico que faz a igualação dos clubes não desclassificados, que
decorra de qualquer facto por estes praticado. Não há, portanto, a menor
censurabilidade no facto de se refazer a classificação. O que decorre do
preceito é que os clubes vão ser reclassificados de acordo com os pontos
decorrentes dos jogos disputados entre si (sem o desclassificado) realizados. O
consequente não tem assim por base qualquer comportamento destes clubes que se
queira evitar com a ameaça de sanção (pena)».
Como se vê, não estamos perante distintas interpretações do direito
infraconstitucional, mas perante distintas qualificações do regime nele contido
e das consequências dele resultantes. As alegadas diferenças de sentido são, na
verdade, diferenças de posições quanto à colisão da dimensão normativa aplicada
e impugnada (exactamente a mesma) com parâmetros constitucionais. Do que se
trata é de saber se a regulação questionada cai ou não dentro do âmbito de
previsão dos preceitos constitucionais invocados, atentos os conceitos neles
utilizados.
Mas essa é, precisamente, a questão de constitucionalidade que cumpre apreciar,
no exercício da competência deste Tribunal.
6. O recorrido Conselho de Justiça invocou, ainda, duas outras razões obstativas
do conhecimento do objecto do recurso: por um lado, o facto de a recorrente não
ter suscitado qualquer questão de constitucionalidade normativa no decurso do
processo e, por outro, o não estarem esgotados os recursos ordinários, nos
termos exigidos no n.º 2 do artigo 70.º da LTC.
Sem razão, em qualquer dos casos.
A recorrente suscitou, perante o tribunal recorrido, a questão de
constitucionalidade aqui em causa, como resulta claro da leitura das conclusões
das contra-alegações que apresentou junto do Supremo Tribunal Administrativo.
Tanto assim que este Supremo Tribunal dedicou parte significativa do acórdão
recorrido à apreciação e decisão dessa mesma questão.
No que respeita ao esgotamento dos recursos ordinários, alega o recorrido que
tal pressuposto não se mostra verificado, na medida em que não existe uma
decisão definitiva quanto a uma parte da matéria dos autos, uma vez que o
Supremo Tribunal Administrativo ordenou a “baixa dos autos para conhecimento dos
demais vícios imputados ao acto”.
De facto, o acórdão recorrido, depois de fundamentar a impossibilidade de
conhecer do pedido de ampliação do objecto do recurso (no qual se requeria que o
Supremo julgasse os vícios do acto, não apreciados em primeira instância),
ordenou a baixa dos autos para conhecimento “dos demais vícios imputados ao
acto”. O que significa que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal irá
ainda pronunciar-se sobre os vícios de violação de lei invocados pela
recorrente, nomeadamente, nos artigos 89.º e s. da petição de recurso.
Simplesmente, a questão de constitucionalidade que a recorrente pretende
submeter a este Tribunal Constitucional não respeita aos referidos vícios de
violação de lei que ainda não foram apreciados pela instância competente. Antes
se refere à (in)validade do acto em confronto com as normas do artigo 38.º,
alíneas c) e d), do Regulamento Disciplinar da FPF, cuja conformidade
constitucional se discute, questão que foi decidida − em última instância − pelo
acórdão do Supremo Tribunal Administrativo aqui recorrido.
O que significa que a matéria dos autos que importa à presente questão de
constitucionalidade encontra-se julgada e decidida, em definitivo, pelo tribunal
recorrido. Pelo que, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 70.º. n.º
2, e 75.º, n.º 1, da LTC, este é o momento próprio para interpor o recurso de
constitucionalidade.
B) Do mérito do recurso
7. Diga-se, desde já, que nos merece concordância a valoração do regime
impugnado feita pelo tribunal recorrido.
Esse regime responde à necessidade de normação objectivamente colocada pela
desclassificação de um clube participante numa competição, cuja tabela
classificativa final é resultante da pontuação obtida por cada clube em jogos de
todos contra todos, do somatório dos pontos alcançados por cada um no conjunto
de todos os jogos.
A pena de desclassificação implica, para o clube que dela é objecto, o
impedimento de prosseguir em prova e a perda de todos os pontos conquistados,
que não revertem, porém, em favor dos adversários que defrontou (alínea a) do
n.º 1 do art.º 38.º do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de
Futebol).
Pela própria natureza da competição desportiva em causa, a irrelevância do
resultado dos jogos já disputados em que participou o infractor, a título
punitivo para este, vai “mexer”, com fortíssima probabilidade, com a pontuação e
a classificação dos restantes clubes, dada a interdependência das suas
situações. Só não será assim se, por coincidência muito improvável, já se
tiverem disputado todos os jogos em que o infractor era interveniente, com o
mesmo resultado.
Esta projecção (quase) necessária da desclassificação sobre os demais clubes é
bem destacada pelo acórdão recorrido:
«Projecta-se, em primeiro lugar, porque o clube desclassificado pode ter jogado
apenas com alguns. Projecta-se, em segundo lugar, porque a pena de
desclassificação pode decorrer como no presente caso por força do art. 52.º, 1,
a) do Regulamento Disciplinar – corrupção da equipa de arbitragem. Nestes casos
seria inaceitável que o clube adversário, no jogo em que se verificou a
infracção, ficasse prejudicado. Admitindo a hipótese do adversário do clube que
corrompeu a arbitragem ter perdido o jogo devido à corrupção do árbitro, esse
clube deve ter um tratamento rigorosamente igual a todos os demais clubes».
Qualquer que seja o critério de solução adoptado, dele deve resultar, em
abstracto, o tratamento igualitário dos restantes clubes em prova.
A disciplina presente nas normas impugnadas obedece plenamente a essa
preocupação, ao estabelecer que os jogos com o infractor não contam para a
classificação, tudo se passando como se a competição se processasse, ab initio,
apenas com os clubes não abrangidos pela desclassificação.
É claro que um tratamento nivelador (o adoptado ou o seu inverso, de atribuição
dos mesmos pontos a todos), justificadamente fundado em razões de equidade,
afecta desvantajosamente, nos seus efeitos práticos, aqueles que, já tendo
jogado com o infractor, somaram pontos nesses encontros. A perda desses pontos
pode reflectir-se negativamente sobre o lugar na ordenação final ou, até,
contribuir, para a descida de divisão (no caso sub judicio, mais rigorosamente,
essa perda impediu que o clube recorrente beneficiasse da desclassificação de um
outro, para fugir à despromoção ditada pelos resultados alcançados).
Mas não pode ver-se nessa consequência uma sanção, aplicada como reacção a um
facto ilícito e culposo praticado pelo clube atingido. Nem pelo seu fundamento,
nem pela sua teleologia, à perda de pontos, eventualmente gerada com a não
consideração dos resultados dos jogos celebrados com o clube punido, se pode, na
verdade, atribuir natureza sancionatória.
Ela corresponde antes a um efeito, dependente de uma variável fáctica aleatória,
da aplicação de uma disciplina, igual para todos, que pretende regular o facto
objectivo criado pela desclassificação de um clube. Esta gera necessariamente
efeitos sobre a classificação dos outros clubes, que cumpre regular por forma a
evitar distorções classificativas para além das necessariamente postuladas pela
exigência da igualdade de tratamento entre os clubes não desclassificados.
A sanção aplicável ao desclassificado é, no contexto da disciplina a que ficam
sujeitos os não desclassificados, um dado objectivo (ainda que criado pela
conduta de terceiro), constituindo apenas o facto gerador da situação que torna
necessário o refazer da pontuação por eles obtida. É esta situação a directa e
exclusivamente visada pelo comando normativo dirigido aos clubes classificados,
não relevando, nem podendo relevar, na opção pelo regime aplicável, a valoração
da conduta desses clubes, uma vez que esta em nada condiciona, nem na sua
aplicação, nem na sua conformação, uma medida de recomposição da pontuação
tornada inevitável.
Sendo assim, não estando na base de uma eventual perda de pontos qualquer
conduta do clube que a sofre, perde inteiramente sentido a aplicação dos
resguardos garantísticos consagrados nos artigos 30.º, n.º 4, e 32.º, n.º 10, da
nossa Constituição. Os princípios da culpa e da jurisdicionalidade que sustentam
o primeiro, e as garantias de defesa em procedimentos sancionatórios,
estabelecidas no segundo, só cobram espaço operativo em face de penas ou sanções
retributivas e preventivas assentes num juízo de censura sobre comportamentos
imputáveis ao sujeito atingido.
Um juízo desse tipo é completamente alheio à regulação impugnada, a que não
preside qualquer intenção sancionatória. Ela não é, pois, abarcada pelas
proibições constitucionais invocadas.
8. Nem pode dizer-se, por outro lado, que estejamos perante uma solução
irrazoável ou desproporcionada.
É certo que a reacção perante um comportamento censurável de um clube pode
indirectamente vir a ter consequências desfavoráveis para um outro. Mas não pode
ver-se nisso algo de excessivo, pois, como já se evidenciou no ponto anterior,
esse efeito é praticamente ineliminável, repousando na lógica da competição e
nos constrangimentos que ela gera.
A desclassificação – não contestada, aliás, pela recorrente – é uma reacção
imprescindível para sancionar as condutas dos clubes mais gravemente lesivas dos
regulamentos que presidem às competições, e muito em particular, das que põem em
causa a verdade desportiva, com recurso a formas de corrupção.
Essa sanção, na medida em que implica que não sejam tidos em conta os resultados
alcançados pelo faltoso nos jogos já disputados, e que o inibe de continuar em
prova, vai também obrigar a refazer a pontuação dos restantes, dada a projecção
bilateral do resultado, obtido ou a obter, em cada encontro em que o
desclassificado foi, ou seria, interveniente. Uma coisa arrasta necessariamente
a outra, não se detectando alternativas que, com igual eficácia sancionatória e
preventiva e com observância do princípio de igual tratamento, deixem intocadas
as posições dos não desclassificados.
Diga-se, até, que a solução consagrada na alínea d) do artigo em causa, ao
evitar a modificação desnecessária dos resultados da primeira volta, traduz, de
forma expressiva, a contenção, no limite do possível, da interferência
“contrafáctica” na pontuação.
O princípio da proporcionalidade não se mostra pois, ferido pelo regime
impugnado.
9. Revelando-se os restantes parâmetros constitucionais invocados pela
recorrente absolutamente falhos de pertinência para a apreciação da validade, à
luz da Constituição, das normas das alíneas c) e d) do artigo 38.º do
Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol, há que concluir pela
sua constitucionalidade.
III − Decisão
Pelo exposto, acordam em:
a) Não julgar inconstitucionais as normas das alíneas c) e d) do artigo
38.º do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol;
b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco)
unidades de conta.
Lisboa, 8 de Julho de 2009
Joaquim de Sousa Ribeiro
João Cura Mariano
Benjamim Rodrigues
Mário Torres
Rui Manuel Moura Ramos
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