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Processo n.º 267/09
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. deduziu oposição relativamente a processo de execução fiscal contra si
revertido na qualidade de responsável subsidiário e, simultaneamente, requereu
isenção de prestação de garantia para efeito de suspensão da cobrança da
prestação tributária.
A administração tributária indeferiu o requerimento de isenção de prestação de
garantia e o executado reclamou desta decisão para o tribunal tributário de
primeira instância.
Esta reclamação foi julgada totalmente improcedente por sentença proferida pelo
Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, no âmbito do processo n.º 1054/08.7
BESNT, datada de 24 de Novembro de 2008.
O executado interpôs recurso desta decisão, ao qual foi negado provimento por
acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 10 de Março de 2009.
O executado interpôs então recurso deste acórdão para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º,
da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional
(LTC), nos seguintes termos:
“1. O presente requerimento de recurso visa reagir contra a
inconstitucionalidade dos arts. 52º nº 4 LGT e 199º nº 5 CPPT na interpretação
dada pela sentença do tribunal de primeira instância e pelo acórdão do TCA
proferidos no presente processo.
2. Tal inconstitucionalidade foi invocada pelo recorrente no recurso
para o Tribunal Central Administrativo Sul, que interpôs ao abrigo do art. 280º
CPPT, em 10 de Dezembro de 2008.
3. As normas que o recorrente considera violadas por aquela
interpretação inconstitucional dos arts. 52º nº 4 LGT e 199º nº 5 CPPT são
respectivamente o art. 27º CRP e o art. 266º nº 2 CRP.
A) Inconstitucionalidade do art. 52º nº 4 LGT na interpretação dada
pelo TCA
4. Invocou o recorrente perante o TCA que a “interpretação do art. 52º
nº 4 LGT [dada pelo Tribunal de ia Instância] é (...) inconstitucional por
violação do art. 27º da CRP porquanto num Estado que proclama a liberdade dos
indivíduos ninguém pode ser censurado por não ter bens ou ter poucos bens
patrimoniais e, em consequência, o art. 52º nº 4, in fine, LGT, só poderá ser
interpretado no sentido de que cabe à Administração Tributária negar a dispensa
de prestação de garantia nos casos em que tenha provas de que o executado
dissipou intencionalmente os seus bens para diminuir a garantia dos credores, o
que de todo, não se verificou no presente caso”.
5. Tanto a sentença do Tribunal que decidiu em primeira instância,
como o acórdão do TCA perfilaram a interpretação inconstitucional do art. 52º nº
4 LGT de que se recorre, porquanto, aplicaram a norma sindicada com o sentido
inconstitucional que o recorrente lhe atribui, afirmando que, de acordo com o
disposto naquele artigo, é ao executado subsidiário que cabe demonstrar que “a
insuficiência ou inexistência de bens” não é da sua responsabilidade, sob pena
de não ser isento da prestação de garantia, ainda que, a prestação de tal
garantia lhe possa causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios
económicos.
6. Sendo certo que tanto a sentença do tribunal de primeira instância
como o acórdão do TCA de que se recorre fizeram aplicação, como ratio
decidendi, dos «critérios normativos» impugnados, uma vez que o presente
processo tem como fundamento o pedido de isenção de prestação de garantia, pelo
responsável subsidiário, em processo tributário, e tal isenção foi negada
porque se considerou que cabia ao executado provar que não era da sua
responsabilidade a insuficiência ou inexistência de bens que fundamentam tal
isenção de prestação de garantia, o que o executado não fez, por considerar que
tal prova cabe, sob pena de inconstitucionalidade, à Fazenda Pública.
B) Inconstitucionalidade do art. 199º nº 5 CPPT na interpretação dada
pelo TCA
7. Alegou o recorrente no recurso para o Tribunal Central
Administrativo Sul que “não é admissível uma interpretação do art. 199º nº 5
CPPT que permite, nos casos de reversão, a determinação de montantes
exorbitantes de garantias para suspensão do processo de execução fiscal, sem
qualquer conexão com os rendimentos reais do revertido (uma vez que a dívida é
da sociedade originalmente executada)” por tal implicar uma actuação
desproporcional da Administração Tributária porquanto o benefício que a
Administração Tributária obteria, no caso concreto, com a penhora do salário do
recorrente não é proporcional, nem equilibrado face ao claro prejuízo que se
impõe ao revertido”, tudo em violação do art. 266º nº 2 CRP.
8. Tanto o tribunal de primeira instância como o TCA aplicaram a norma
com o sentido inconstitucional de que se recorre considerando que o montante de
cálculo da garantia é fixado “de forma indiferenciada quer para os responsáveis
principais, quer para os subsidiários” estando verificado o requisito previsto
no art. 70º nº1 b) da Lei nº 28/82.”
Em 28-4-2009 foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, com
os seguintes fundamentos:
“1. Da questão da inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo
52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária
O n.º 4, do art. 52.º da Lei Geral Tributária, dispõe que “a administração
tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de
garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou
manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens
penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em
qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da
responsabilidade do executado”.
O recorrente pretende que o Tribunal Constitucional leve a cabo a fiscalização
da constitucionalidade da referida norma na interpretação segundo a qual impende
sobre o executado o ónus da prova de que não houve dissipação de bens com o
intuito de diminuir a garantia dos credores.
Porém, a interpretação normativa acabada de enunciar – igualmente perfilhada
pelo tribunal a quo – surgiu como um mero considerando na decisão recorrida
(obiter dictum) e não chegou a ser efectivamente aplicada como fundamento da
decisão recorrida (ratio decidendi).
Para ilustrar esta afirmação, passa-se a transcrever a fundamentação da decisão
recorrida na parte que ora releva:
«[...]
Do erro de interpretação e aplicação do art. 52º nº 4 da LGT
Afirma-se na sentença recorrida que a isenção da prestação da garantia apenas se
pode fundamentar nas circunstâncias referidas no nº 4, do artº 52º da LGT,
cabendo ao requerente demonstrar que a mesma lhe causa prejuízo irreparável, ou
que se verifica a manifesta falta de meios económicos para o pagamento daquela
dívida, o que o interessado não fez aquando do pedido formulado perante o Órgão
de Execução Fiscal, nem perante este Tribunal, sendo que a invocação do
rendimento por si auferido em comparação do montante da garantia a prestar, não
permite aferir da sua verificação em termos de causalidade adequada entre a
garantia a prestar e o prejuízo que lhe advém da sua prestação que não se pode
ater aos montantes envolvidos como bem refere o D.M.M.P no seu parecer, citando
o douto Aresto do TCA - Sul, de 02.10.07, proferido no Proc. Nº 01998/07, nem
que tal insuficiência não é da sua responsabilidade - cfr. ponto 3 do
probatório. Quanto ao mais é também óbvio que a determinação da garantia pela
Adm. Fiscal foi efectuada nos termos da lei, atento para mais, ao valor da
divida exequenda apurada, não relevando nesta sede a apreciação do tipo de
responsabilidade tributária que lhe é imputada no processo.
Sob a epígrafe “Dispensa da prestação de garantia” dispõe o art. 170º do CPPT,
que:
1 - Quando a garantia possa ser dispensada nos termos previstos na lei, deve o
executado requerer a dispensa ao órgão da execução fiscal (...)
2- (...).
3 - O pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de
facto e de direito e instruído com a prova documental necessária.
4- (...).
Por sua vez, o art. 199º, do mesmo diploma legal, sob a epígrafe Garantias,
prescreve:
“1- (...).
2- (...)
3 - Se o executado considerar existirem os pressupostos da isenção da prestação
de garantia, deverá invocá-los e prová-los na petição.
(...)”.
Por seu turno, o art. 52º da LGT, sob a epígrafe Garantia da cobrança da
prestação tributária, refere:
«1- (...).
2- (...)
3 - (...)
4 - A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da
prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo
irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência
de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que
em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da
responsabilidade do executado.
(…)'.
O despacho reclamado, conforme o ponto 3 dos factos provados, indeferiu a
pretensão da ora reclamante, na parte em que requeria a dispensa da prestação
de garantia por não provar o prejuízo irreparável efectivamente causado pela
prestação da garantia e determinando a prestação da garantia devida para os
efeitos do disposto no nº 6, do artº 199º do CPPT. - cfr. Informação de fls.
1100, 'Parecer' e 'Despacho' de fls. 1099 e Ofício de fls. 1102 e 1104 e
correspondência postal de fls. 1102-A e 1103 e de fls. 1104 e 1104- A, do
proc. de exe. apenso.
No caso em apreço, tal como no tratado no Acórdão do Tribunal Central
Administrativo Sul de 06/05/2003, Proc. 00155/03, a questão a decidir prende-se,
além do mais, com a interpretação do disposto no nº 3 do art. 170º do CPPT.
A tal propósito, foi referido no citado acórdão:
'4.1. Nos termos do disposto no nº 4 do art. 52º da LGT «a administração
tributária pode, a requerimento do interessado, isentá-lo da prestação de
garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou
manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens
penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que, em
qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência dos bens não seja da
responsabilidade do executado».
Daqui resulta que os pressupostos da isenção citada são a existência de prejuízo
irreparável que seja causado pela prestação da garantia e a manifesta falta de
meios económicos para a prestar. Todavia, em relação a ambos os casos, a lei
impõe, ainda, que a insuficiência ou inexistência de bens não seja da
responsabilidade do executado.
Ou seja, da interpretação conjugada do disposto nos dois normativos citados (nº
4 do art. 52º da LGT e nº 3 do art. 170º do CPPT) vemos que aquele primeiro
impõe que «em qualquer dos casos» (quando a prestação da garantia causar
prejuízo irreparável ou quando haja manifesta falta de meios económicos, que
pode ser revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, para pagamento da
dívida exequenda e acrescido) a insuficiência ou inexistência de bens não pode
ser da responsabilidade do executado.
Ora, se, como (...) acentuam Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e
Jorge Lopes de Sousa (Lei Geral Tributária, comentada e anotada, reimpressão,
pág., 153, «a responsabilidade do executado, prevista na parte final do nº 4, se
deve entender em termos de dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia
dos credores, e não como mero nexo de causalidade desprovido de carga de
censura ou simples má gestão dos seus bens, então só pode concluir-se que ao
executado incumbe provar que, apesar da insuficiência de bens penhoráveis para
o pagamento da dívida exequenda e acrescido, não houve dissipação de bens com
intuito de diminuir a garantia dos credores.
E esta conclusão resulta, igualmente, da conjugação do disposto no nº 3 do art.
170º do CPPT (o pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser
fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental
necessária) com o também disposto no art. 342º do Código Civil (quem invoca um
direito ou pretensão tem o ónus da prova dos respectivos factos constitutivos,
cabendo à contraparte, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou
extintivos).
Neste mesmo sentido se pronunciam, ainda, Alfredo José de Sousa e José da Silva
Paixão (Código de Procedimento e de Processo Tributário, comentado e anotado,
Almedina, pag. 422): «o pedido deve ser alicerçado em razões de facto e de
direito, justificativas, designadamente, do prejuízo irreparável ou da manifesta
falta de meios económicos.
E deve ser instruído com a indispensável prova documental».'.
No caso que nos ocupa, à semelhança do tratado no aresto que se vem
transcrevendo, o reclamante não provou os pressupostos legais da dispensa de
garantia, sendo que sobre ele impende o ónus da prova da insuficiência de bens
penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido e de que não houve
dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores.
Na verdade, atenta a matéria de facto provada, não pode concluir-se que a
reclamante recorrida tenha provado os referidos pressupostos para a concessão
da isenção, nomeadamente, que tenha provado que, apesar da insuficiência de
bens penhoráveis, não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a
garantia dos credores, requisito de que o nº 4 do art. 52º da LGT faz depender a
isenção da prestação de garantia quer no caso de invocação de prejuízo
irreparável, quer no caso de invocação de manifesta falta de meios económicos
revelada pela insuficiência de bens penhoráveis.
(...)
4.3. É verdade que, em relação ao pressuposto «manifesta falta de meios
económicos» a lei adianta que essa falta pode ser revelada quando ocorra
insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e
acrescido.
Todavia, esta é questão que se reporta, apenas à prova do pressuposto da falta
de meios económicos, e não já à prova (ou não prova) de que tal insuficiência
ou inexistência de bens não é da responsabilidade do executado. A prova da
inexistência desta responsabilidade recai, nos termos gerais, sobre o
executado, já que é sabido que o ónus consiste na necessidade de observância de
determinado comportamento, não para satisfação do interesse de outrem, mas como
pressuposto de uma vantagem para o próprio (cfr. A. Varela, Obrigações, pág.
35).
Daí que, (...), não baste afirmar-se a distinção de que a imposição de instrução
do pedido de isenção com a prova documental necessária se reporta apenas ao
pedido com base no prejuízo irreparável a causar pela prestação da garantia.
(...) o cerne da questão não está em saber sobre quem é que recai o ónus de
demonstrar que os bens penhoráveis são insuficientes para pagamento da quantia
exequenda e acrescido (se é sobre o requerente ou sobre a Fazenda Pública). Ao
dispor que a falta manifesta de meios económicos pode ser revelada pela
insuficiência de bens penhoráveis, não se inverte o ónus da prova quanto à
existência daquele pressuposto (falta de meios económicos).'.
Aqui chegados e sem necessidade de mais alongadas considerações, já podemos
concluir pela improcedência da presente reclamação, já que, o despacho
reclamado, à luz da doutrina plasmada no acórdão referido, não merece qualquer
censura.
Acrescente-se, que a suspensão da execução está condicionada à existência ou
prestação de garantia por força das disposições conjuntas e combinadas dos
artºs. 52º, nº 2 da LGT e 169º, nº 1 e 5, e 199º, nº 1, estes do CPPT, sendo
facultada ao executado a sua dispensa pelos artºs. 169º, nº 2 e 170º deste
último diploma legal.
Ora, apreciando a situação patrimonial do recorrente e o seu volume de
rendimentos, na esteira do parecer do EPGA, devendo presumir-se verdadeiras e
de boa fé as declarações dos contribuintes, onde se inclui a declaração Modelo
3, nos termos do art. 75 da LGT a prova do contrário, como sabido é, compete à
AT cujos processos para a infirmar se encontram anunciados na nos art. 75º nº 2,
78, 81 e s.s. da dita LGT.
Se é certo que é conhecido o volume de rendimentos declarados e o montante da
garantia fixada, também o é que o recorrente não fez diligências para apurar e
indicar o custo de uma garantia bancária.
Também para nós se afiguram suficientes os rendimentos do agregado familiar
para fazer face à prestação de garantia bancária, em qualquer modalidade, pois,
como bem refere o EPGA, “os encargos com o seu financiamento não impedirão o
recorrente de levar uma vida compatível com o seu estatuto social, embora com
alguns sacrifícios, que, (…), serão normais em face da situação em que se
colocou que é de falta de pagamento dos impostos em dívida da responsável
originária.
E porque os rendimentos invocados na reclamação não correspondem aos declarados
na declaração Modelo 3, que são os correspondentes ao rendimento do casal,
patente se mostra que uma parte destes pode ser afectada ao custo da prestação
da garantia. Ora, em face do exposto, antevê-se uma situação difícil mas, em
todo o caso, não se pode considerar grave ao ponto de causar uma situação de
prejuízo irreparável.
Em face de todo o exposto, não se colocando a necessidade de conhecer dos
outros fundamentos do recurso, somos pois de parecer que se deve dar provimento
ao recurso e que deve ser aditada a matéria de facto assinalada com o que,
conhecendo-se da reclamação, deve a mesma ser indeferida por o ora recorrente
não reunir os requisitos para a isenção da prestação da garantia.”
A ser assim, teremos de concluir que a recorrente tem possibilidades económicas
para prestar a garantia fixada.”.
[...]».
Resulta à saciedade da decisão recorrida que o Tribunal Central Administrativo
Sul negou provimento ao recurso (relativo ao indeferimento da pretensão de
dispensa de prestação de garantia) porque entendeu, no caso concreto, que o
recorrente tinha possibilidades económicas para prestar a garantia fixada pela
Administração Tributária, bem como que essa prestação não lhe causaria prejuízo
irreparável.
Logicamente, mercê deste entendimento, o tribunal a quo não chegou sequer a
conhecer de quaisquer outros pretensos pressupostos da isenção da prestação da
garantia, nomeadamente da questão da distribuição do ónus da prova da
insuficiência patrimonial não culposa, a qual integra precisamente a
interpretação normativa que o recorrente pretende ver sindicada no plano
jurídico-constitucional.
Ora, nos termos do disposto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição
da República Portuguesa (CRP), e no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, a
fiscalização sucessiva concreta apenas tem lugar a propósito da aplicação
jurisdicional efectiva de uma norma jurídica cuja inconstitucionalidade haja
sido suscitada durante o processo, e tanto pode reportar-se apenas a certa
dimensão ou trecho da norma, como a uma certa interpretação da mesma.
O recurso de constitucionalidade tem uma função meramente instrumental aferida
pela susceptibilidade de repercussão útil no processo concreto de que emerge,
não servindo, assim, para dirimir questões meramente académicas.
Uma vez que interpretação normativa configurada pelo recorrente não corresponde
minimamente à ratio decidendi da decisão do Tribunal Central Administrativo
Sul, o presente recurso de constitucionalidade não seria dotado de qualquer
repercussão útil no processo concreto de que emerge, isto é, o tribunal a quo
nunca seria confrontado com a obrigatoriedade de reformar o sentido do seu
julgamento.
Verificada a falta de aplicação da referida interpretação normativa, importa
concluir que não estão preenchidos todos os requisitos de admissibilidade do
recurso de constitucionalidade previsto no artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC,
devendo, assim, ser proferida decisão sumária de não conhecimento, nos termos do
artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.
2. Da questão da inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo
199.º, n.º 5, do Código de Procedimento e de Processo Tributário
O n.º 5 do art. 199.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário
(CPPT), na redacção originária, prescreve que “a garantia será prestada pelo
valor da dívida exequenda, juros de mora até ao termo do prazo de pagamento
limite de 5 anos e custas a contar até à data do pedido, acrescida de 25% da
soma daqueles valores”.
O recorrente pretende que o Tribunal Constitucional leve a cabo a fiscalização
da constitucionalidade da referida norma na interpretação segundo a qual o
montante da garantia é calculado de forma indiferenciada para os responsáveis
principais e subsidiários.
O tribunal a quo adoptou implicitamente esta interpretação normativa, ainda que
por mera reprodução da sentença proferida em primeira instância, conforme
resulta da leitura da única parte da fundamentação da decisão recorrida que
aborda essa questão, que se passa a transcrever:
«[...]
E por isso não é também inconstitucional a interpretação do art. 199º nº5 CPPT,
por, no dizer do recorrente, permitir que o cálculo do montante da garantia a
prestar pelo devedor subsidiário (revertido) não tenha qualquer conexão com os
seus rendimentos reais (mas antes com os da sociedade originalmente devedora) o
que implica a sujeição à prestação de garantia em montante exorbitante, em
violação do princípio da proporcionalidade que deve pautar a actuação dos
órgãos da Administração Pública, nos termos do art. 266º nº2 CRP, pois o
benefício que a Administração Tributária obteria, no caso concreto, com a
penhora do salário do recorrente não é proporcional nem equilibrado face ao
claro prejuízo que se impõe ao revertido.
É que, a nosso ver, a sentença acatou o regime de dispensa da
prestação mediante a demonstração de que o executado tinha capacidade
económica de prestar garantia cujo montante será sempre calculado nos termos do
nº 5 do artº 199º do CPPT e de forma indiferenciada quer para os responsáveis
principais, quer para os subsidiários, atento o regime de responsabilidade pelas
dívidas ínsito no artº 24º da L.G.T..
De resto, a conclusão de que o recorrente tem possibilidades
económicas para prestar a garantia fixada, prejudicava o conhecimento dessas
questões, não incorrendo, pois, a sentença em omissão de pronúncia sobre as
mesmas.
[...]»
Também aqui a eventual procedência do recurso de constitucionalidade nesta
parte não seria dotada de qualquer utilidade para o recorrente na economia do
requerimento de isenção de prestação de garantia por si formulado perante a
Administração Tributária.
O recorrente requereu a isenção de prestação de garantia para efeito de
suspensão da execução fiscal, alegando para tanto que não tinha possibilidades
económicas para prestar a garantia fixada em conformidade com o disposto no art.
199.º, n.º 5, do CPPT.
A isenção em causa foi indeferida pelo tribunal a quo com fundamento na
circunstância de se mostrar provado que o recorrente tinha possibilidades
económicas para prestar a aludida garantia.
Assim, o eventual juízo de inconstitucionalidade material da referida
interpretação normativa não conduz ao deferimento da pretensão de isenção de
prestação de garantia, pois o tribunal a quo sempre entenderia que o recorrente
tem possibilidades económicas para prestar a garantia fixada, sendo certo que
não está em causa neste processo o seu montante.
Diferente seria a solução se o recorrente se tivesse oferecido para prestar a
garantia e se tivesse limitado a impugnar a respectiva forma de cálculo, o que
não sucede no caso dos autos.
Verificada a falta de interesse processual no recurso, com fundamento na
inutilidade do eventual juízo positivo de inconstitucionalidade, importa
concluir, mais uma vez, que não estão preenchidos todos os requisitos de
admissibilidade do recurso de constitucionalidade previstos no artigo 70.º, n.º
1, b), da LTC, devendo, assim, ser proferida decisão sumária de não
conhecimento, nos termos do art. 78.º-A, nº 1, da LTC.
Desta decisão reclamou o recorrente, com os seguintes argumentos:
“A. Da Questão da Inconstitucionalidade da interpretação normativa do art. 52º,
nº 4, da LGT
1º - Entendeu o colendo Juiz Conselheiro-Relator que a interpretação normativa
configurada pelo recorrente como inconstitucional “não corresponde minimamente à
ratio decidendi da decisão do TCA Sul” concluindo pelo “não preenchimento dos
requisitos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade previsto no
art. 70º nº 1 b) LTC”.
2º - A decisão do Juiz Conselheiro-relator assentou, salvo o devido respeito, em
pressupostos erróneos, porquanto,
3º - Considerou que “o TCA Sul negou provimento ao recurso porque entendeu que o
recorrente tinha possibilidades económicas para prestar a garantia fixada pela
Administração tributária, bem como que essa prestação não lhe causaria prejuízo
irreparável. Logicamente, mercê deste entendimento, o tribunal a quo não chegou
sequer a conhecer de quaisquer outros pretensos pressupostos da isenção da
prestação da garantia, nomeadamente da questão da distribuição do ónus da prova
da insuficiência patrimonial não culposa, a qual integra precisamente a
interpretação normativa que o recorrente pretende ver sindicada no plano
jurídico-constitucional”.
4º - Diversamente, a decisão do TCA Sul, transcrita na decisão do Tribunal
Constitucional de não conhecimento do recurso, entendeu negar a isenção de
prestação de garantia com fundamento exactamente na falta de prova da
insuficiência patrimonial não culposa, sendo portanto, a falta desse pressuposto
a ratio decidendi do acórdão recorrido.
5º - Veja-se nesse sentido o seguinte excerto, transcrito a fls. 8 da decisão de
não admissão do TC:
“na verdade, atenta a matéria de facto provada, não pode concluir-se que o
reclamante tenha provado os referidos pressupostos para a concessão da isenção,
nomeadamente, que tenha provado que, apesar da insuficiência de bens
penhoráveis, não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos
credores, requisitos de que o art. 52º nº 4 LGT faz depender a isenção da
prestação de garantia...”
6º - O TCA Sul reconhece a prova da “insuficiência de bens penhoráveis”, aquilo
que nega é que tenha sido provada a insuficiência patrimonial não culposa.
7º - Veja-se, neste sentido, dando razão à interpretação que o recorrente
defendia nas suas alegações de recurso, o seguinte parágrafo da decisão do TCA
Sul: “É verdade que, em relação ao pressuposto manifesta falta de meios
económicos, a lei adianta que essa falta pode ser revelada quando ocorra
insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da divida exequenda e
acrescido. Todavia, esta é questão que se reporta, apenas à prova do pressuposto
da falta de meios económicos, e não já à prova (ou não prova) de que tal
insuficiência ou inexistência de bens não é da responsabilidade do executado”.
8º - Novamente, se reitera que a ratio decidendi da decisão do TCA Sul, como
resulta do que se acabou de transcrever, foi única e exclusivamente, a
consideração de que o recorrente não tinha provado que a insuficiência ou
inexistência de bens não era da sua responsabilidade.
9º - Já que o outro pressuposto de que depende a concessão da isenção,
“manifesta falta de meios económicos”, é revelado pela “insuficiência de bens
penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido”, o que resultava
dos autos e não era sequer controvertido, sendo aceite pela própria Fazenda
Pública, por resultar da declaração de rendimentos anual do recorrente e da
inexistência de património em nome do recorrente no sistema informático da DGCI.
10º - Forçoso se mostra então concluir que, o TCA Sul negou provimento ao
recurso porque considerou que, não obstante a prova da manifesta falta de meios
económicos (revelada pela insuficiência de bens penhoráveis) cabia ao executado
provar que a insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis não era culposa,
o que este não fez por considerar que a exigência de tal prova diabólica compete
à Administração Tributária, sob pena de inconstitucionalidade.
11º - Assim, um eventual juízo de inconstitucionalidade por parte do TC teria
efeitos úteis no processo concreto de que emerge, sendo o tribunal a quo
confrontado com a obrigatoriedade de reformar o sentido do seu julgamento.
12º - Estando assim verificados todos os requisitos de admissibilidade do
recurso de constitucionalidade previstos no art. 70º nº 1 b) LTC, devendo ter
sido proferida decisão sumária de conhecimento do recurso.
B. Da Questão da Inconstitucionalidade da interpretação normativa do art. 199º,
nº 5, do CPPT
13º - Entendeu o Colendo Juiz Conselheiro-Relator que a procedência do recurso
de constitucionalidade relativo à interpretação normativa do art. 199º, nº 5
CPPT aplicada no acórdão recorrido e que implicava um cálculo do montante da
garantia bancária a prestar para suspensão do processo de execução fiscal, de
forma indiferenciada para os responsáveis principais e subsidiários, “não seria
dotado de qualquer utilidade para o recorrente na economia do requerimento de
isenção de prestação de garantia por si formulado perante a Administração
Tributária”.
14º - Salvo o devido respeito, não pode o recorrente concordar.
15º - O colendo Juiz Conselheiro-Relator considerou que “não está em causa neste
processo o montante da garantia fixada” e que “diferente seria a solução se o
recorrente se tivesse oferecido para prestar a garantia e se tivesse limitado a
impugnar a respectiva forma de cálculo, o que não sucede no caso dos autos”.
16º - Ora, o recorrente requereu a isenção de prestação da garantia fixada no
valor de € 1.254.475,95.
17º - Obviamente, o pedido de isenção refere-se a uma garantia concreta, no
caso, fixada em € 1.254.475,95, e não a uma qualquer garantia, de qualquer,
diferente, montante.
18º - O recorrente pediu isenção da prestação da garantia no valor de €
1.254.475,95, sendo certo que tal pedido de isenção deveu-se unicamente ao valor
exorbitante da garantia fixada, impossível de obter por qualquer indivíduo, com
as mesmas condições económicas do recorrente, e colocado em iguais
circunstâncias.
19º - Por isso, para este efeito, não é indiferente, como se invoca na decisão
de não admissão do TC, que o recorrente tenha requerido a isenção da prestação
da garantia fixada no valor de € 1.254.475,95 e não “que se tivesse oferecido
para prestar uma garantia inferior, impugnando a forma de cálculo da mesma”,
20º - Até porque, a lei não permite que o executado se ofereça para prestar
garantia inferior à fixada pela Administração Tributária,
21º - Sendo o pedido de isenção nos termos do art. 52º, nº 4 LGT, o meio
próprio, e o único, para os casos em que o executado não tem capacidade
económica para prestar o valor de garantia bancária que resulta da lei.
22º - De iure condendo, a norma ideal conjugaria a redacção do art. 52º, nº 4,
LGT e do art. 199º, nº 5, CPPT, estabelecendo a possibilidade de, nos casos em
que a prestação de garantia no valor fixado nos termos do actual art. 199º, nº
5, CPPT, ser economicamente impossível ao devedor subsidiário, a Administração
Tributária fixar o valor da garantia em valor inferior, mais próximo das reais
capacidades económicas do devedor subsidiário.
23º - Contudo, tal não se verifica.
24º - De iure constituto as duas normas que existem determinam:
Art. 199º nº 5 CPPT – o valor exacto da garantia a prestar para suspensão do
processo de execução fiscal e a sua forma de cálculo objectiva.
Art. 52º nº 4 LGT – a possibilidade de a Administração Tributária dispensar o
executado que não tenha possibilidades económicas, da prestação de garantia
objectivamente fixada nos termos do art. 199º nº 5 CPPT.
25º - Não existe, assim, qualquer possibilidade de o devedor subsidiário
requerer a fixação da garantia em montante inferior ao definido nos termos do
art. 199º nº 5 CPPT.
26º - Fazer depender o conhecimento da questão da inconstitucionalidade
verificada à circunstância de ter sido requerido pelo recorrente algo que a lei
não lhe permite (na tese do TC, que “o recorrente se tivesse oferecido para
prestar a garantia e se tivesse limitado a impugnar a respectiva forma de
cálculo”) equivale a criar um obstáculo ilegal ao acesso à jurisdição
jurídico-constitucional do TC.
27º - Certo é que, julgando-se inconstitucional uma interpretação do art. 199º,
nº 5 CPPT que permite a fixação do mesmo montante de garantia para os devedores
originários e subsidiários, teria a garantia para suspensão do presente
processo de ser fixada em atenção ao rendimento do responsável subsidiário, o
que,
28º - Em face da lei existente, implicaria considerar que não tendo
possibilidades económicas para prestar a garantia no valor que resulta do art.
199º nº 5 CPPT, deveria a Administração Tributária ter isentado o requerente da
prestação de tal garantia por ser essa a ÚNICA consequência que a lei fixou para
tais casos.”
*
Fundamentação
1. Do não conhecimento da questão da inconstitucionalidade da interpretação
normativa do artigo 52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária
O reclamante defende que a interpretação cuja inconstitucionalidade pretendia
ver sindicada consta da fundamentação da decisão recorrida.
Da leitura atenta e completa do acórdão recorrido constata-se que, se é verdade
que essa interpretação é aí enunciada, por concordância com a sentença da
primeira instância, ela surge como um mero considerando na decisão recorrida
(obiter dictum), não sendo, contudo, a sua ratio decidendi.
O acórdão recorrido não indefere o pedido de isenção de prestação de garantia
porque o executado não provou que tem uma situação de insuficiência económica
que não é da sua responsabilidade, mas sim por entender que se provou que o
executado goza de uma situação económica que lhe permite prestar a garantia
fixada.
Faltando este requisito essencial ao conhecimento do recurso de
constitucionalidade, atenta a sua natureza instrumental, revela-se correcta a
decisão de não conhecer o mérito do recurso interposto nesta parte.
2. Do não conhecimento da questão da inconstitucionalidade da interpretação
normativa do artigo 199.º, n.º 5, do Código de Procedimento e de Processo
Tributário
O recorrente pretendia que se apreciasse a constitucionalidade da fórmula de
cálculo do montante da garantia a prestar pelos devedores subsidiários.
Contudo, a decisão recorrida apenas apreciou um pedido de isenção de prestação
dessa garantia por alegada insuficiência económica do requerente.
Este pedido foi indeferido por se ter entendido que o requerente tinha uma
situação económica que lhe permitia prestar aquela garantia, pelo que a
inconstitucionalidade invocada, a existir, não teria qualquer repercussão nesta
decisão, uma vez que não estava em discussão o seu montante, mas sim a
possibilidade do recorrente prestar a garantia fixada.
Com este raciocínio não se está a fazer depender o conhecimento da questão da
inconstitucionalidade colocada pelo recorrente à circunstância de ter sido
requerido pelo recorrente algo que a lei não lhe permite (o recorrente sempre
poderia impugnar o montante da garantia com fundamento na inconstitucionalidade
por si suscitada), mas apenas a constatar que a eventual declaração de
inconstitucionalidade pretendida não teria qualquer efeito útil na decisão do
incidente de isenção de prestação de garantia, uma vez que não obrigaria à
alteração do seu sentido.
3. Conclusão
Impondo-se pelas razões expostas o não conhecimento das duas questões de
constitucionalidade colocadas pelo recorrente no recurso por si interposto deve
ser indeferida a reclamação apresentada.
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Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A. da decisão sumária
proferida nestes autos em 28-4-2009.
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Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta,
ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do D.L. n.º 303/98, de 7
de Outubro (artigo 6.º, n.º 2, do mesmo diploma).
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Lisboa, 17 de Junho de 2009
João Cura Mariano
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos
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