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Processo n.º 1023/08
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que são
recorrentes A. e B. e recorridos o Ministério Público e Instituto de Segurança
Social, I.P. – Centro Distrital Social de Braga, a Relatora proferiu a seguinte
decisão sumária:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que são recorrentes A. e B. e recorridos o
Ministério Público e Instituto de Segurança Social, I.P. – Centro Distrital
Social de Braga, foi interposto recurso, ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, alínea
b) da CRP e do artigo 70º, n.º 1, alínea b) da LTC, do acórdão do Tribunal
Central Administrativo do Norte, proferido em 23 de Outubro de 2008 (fls. 297 a
304), para que seja apreciada a constitucionalidade de norma extraída da
conjugação dos “artigos 1º, nº 1, 8º, nº 1 e artigo 8º, nº 5, artigo 20, nº 1,
da Lei 34/2000 e a Portaria 1085/A/2000, de 31/08, tal como interpretadas e
aplicadas” (fls. 311).
2. Tendo verificado que os recorrentes não tinham precisado qual a concreta
interpretação normativa que reputavam de inconstitucional, a Relatora proferiu
convite para aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso.
Notificados para tal, os recorrentes limitaram-se a remeter para o teor do
requerimento inicial, em suma, afirmando que:
“1. Interpretação normativa dada pelos tribunais a quo: vai nos artºs 16º, in
fine e 19º in fine do requerimento de interposição de recurso. E conforme consta
dos artºs 13º e 19º do requerimento, as normas foram interpretadas no sentido da
prevalência do direito interno sobre o direito internacional. E vem ainda no
artº 19 (nºs 12 e 15);
2. A interpretação que deviam ter vem no requerimento de interposição de
recurso;
3. Dá-se aqui por reproduzido todo o requerimento de interposição de recurso;
4. No final do requerimento está escrito: «Interpretação dada e que deveria ter
e sugerida: A atrás constante.” (fls. 323).
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
3. Apesar de convidados para precisarem qual a interpretação normativa que
reputavam ter sido aplicada pela decisão recorrida, os recorrentes limitaram-se
a remeter este Tribunal para excertos dos articulados através dos quais haviam
mencionado alegadas violações do princípio da igualdade e contradições entre o
Direito português e o Direito Internacional (a saber, para o artigo 16º da
impugnação perante o tribunal de primeira instância e para o artigo 19º das
alegações para o Tribunal Central Administrativo do Norte).
Assumindo que o recorrente entende que a decisão recorrida aplicou as
interpretações normativas mencionadas por aquele nas referidas peças
processuais, temos que aquela decisão teria então, segundo o recorrente,
interpretado:
i) “(…) aquelas disposições legais no sentido de que
pode haver uma discriminação entre pessoas no acesso ao apoio judiciário e ao
direito, mesmo que estejam nas mesmas circunstâncias e não tenham posses” (fls.
311-verso);
ii) Aqueles mesmos preceitos legais “no sentido da
prevalência do direito ordinário sobre a Convenção Europeia, até em contradição
com a unanimidade da doutrina, v.g. Constituição Portuguesa Anotada, p. 94,
Jorge Miranda, Tomo I, Coimbra Editora, 2005” (fls. 312).
É por demais evidente que o Tribunal Central Administrativo do Norte, através da
decisão ora recorrida, jamais se pronunciou quanto a qualquer daquelas
interpretações normativas, tendo-se, aliás, limitado a adoptar jurisprudência
administrativa consolidada no sentido da inadmissibilidade do recurso interposto
da decisão de primeira instância (fls. 304).
De igual modo, a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga nunca
tomou partido por qualquer daquelas interpretações normativas, limitando-se a
considerar, por um lado, que não foi produzida prova bastante da insuficiência
económica dos ora recorrentes (fls. 4 da sentença proferida em 20 de Junho de
2007) e, por outro lado, que não se encontram violadas quaisquer disposições de
Direito Internacional, designadamente, as constantes dos artigos 6º, n.º 1 e 14º
da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (fls. 5 e 6 da sentença proferida em
20 de Junho de 2007). É assim flagrante que esta decisão nem afirmou, de modo
algum, que os preceitos legais em análise permitiam discriminar pessoas
colocadas nas mesmas circunstâncias, no acesso ao apoio judiciário, nem tão
pouco afirmou que o Direito português prevalecia sobre o Direito Internacional.
Ora, como por força do artigo 79º-C da LTC, este Tribunal só pode conhecer de
interpretações normativas que tenham sido efectivamente aplicadas pela decisão
alvo de recurso, mais não resta do que recusar o conhecimento do objecto do
presente recurso.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A
da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º
13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se não conhecer do objecto do presente
recurso.
Custas devidas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 7
UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de
Outubro.»
2. Inconformados com esta decisão, vieram os recorrentes reclamar, para a
conferência, contra a não admissão do recurso, concluindo do seguinte modo:
«(…)
III
Conclusão
1. Considera a decisão que os tribunais não tomaram partido por qualquer
das interpretações normativas das normas em causa.
2. Mas se não o fizessem declaradamente, faziam-no implicitamente.
3. Na verdade, a página 3 e ss. da fundamentação jurídica da sentença de 1ª
instância refere-se expressamente ao artigo 20º da CRP e ao artigo 13º e 8º da
CRP, que foram aplicados e interpretados, tendo as normas, tal como
interpretadas e aplicadas, sido subsumidas àquelas normas constitucionais.
4. Mas também foi alegada a violação de princípios constitucionais. Porém,
a decisão sobre eles nada diz. Assim, há omissão de pronúncia.» (fls.
333-verso).
3. Notificado da reclamação, para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 77º da
LTC, o Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal veio pronunciar-se
no seguinte sentido:
«1°
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2°
Na verdade, a argumentação do recorrente em nada abala os fundamentos da decisão
reclamada, no que toca à evidente inverificação dos pressupostos do recurso.»
(fls. 336)
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. A presente reclamação não traz aos autos qualquer argumento adicional no
sentido da demonstração de que a decisão do tribunal “a quo” aplicou
efectivamente as interpretações normativas reputadas de inconstitucionais pelos
ora reclamantes. Com efeito, apesar de afirmar que a decisão recorrida o teria
feito implicitamente, os reclamantes não apresentam um só argumento ou indício
que seja susceptível de o comprovar. Claro está que tal ausência de argumentos
decorre, evidentemente, da circunstância de a decisão recorrida não ter
efectivamente aplicado qualquer uma das interpretações normativas reputadas de
inconstitucionais pelos ora reclamantes.
Por outro lado, mal se compreende que só agora venham os reclamantes aludir a
uma alegada omissão de pronúncia por parte da decisão recorrida. Ora, este
Tribunal não dispõe de poderes legais para apreciar tais questões, salvo se
tivesse sido suscitada a inconstitucionalidade da interpretação da norma
jurídica que impunha ao tribunal recorrido o conhecimento daquela questão.
Sucede, porém, que nem os recorrentes suscitaram a inconstitucionalidade de
qualquer norma relativa ao dever de pronúncia pelo tribunal recorrido, nem muito
menos fixaram tal norma jurídica como objecto do presente recurso.
Como tal, confirma-se integralmente o teor da decisão sumária, não subsistindo
quaisquer motivos para que a mesma seja reformada.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo
78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei
n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 24 de Março de 2009
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão
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