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Processo n.º 1012/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
Por decisão sumária proferida ao abrigo do disposto no artigo 78º-A da lei do
Tribunal Constitucional, entendeu-se ser de não conhecer do recurso de
constitucionalidade que a sociedade A., S.A. interpôs do acórdão do Supremo
Tribunal Administrativo de 29 de Outubro de 2008 (que incidiu sobre um pedido de
arguição de nulidade de um anterior acórdão desse mesmo Tribunal), por se
considerar que o acórdão se limitou a aplicar a norma do artigo 668º, n.º 1,
alínea d), 1ª parte, do Código de Processo Civil, e não qualquer das normas que
a recorrente considera eivadas de inconstitucionalidade – as dos artigos 150º,
n.º s 1 e 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 668º, n.º 3,
do Código de Processo Civil – que apenas poderiam ter sido aplicadas no acórdão
antecedente (de 11 de Setembro de 2008).
A recorrente vem agora reclamar para a conferência nos seguintes termos:
1. A decisão ora reclamada assenta no pressuposto único de que a decisão
recorrida “não aplicou a interpretação normativa que a recorrente questiona,
referente aos artigos 150.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos e 668.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, segundo a qual as
nulidades imputadas ao acórdão do Tribunal Central Administrativo, de que se
pretende interpor revista, devem ser arguidas perante este Tribunal, pois aquele
recurso não pode ser qualificado como um recurso ordinário, embora possam ser
ponderadas para o efeito da verificação do preenchimento dos pressupostos do
recurso de revista excepcional”.
2. Mais se considerou que “esta interpretação, embora só explicitada no
mencionado acórdão de 29 de Outubro de 2008, só podia, na verdade, ter sido
aplicada no acórdão de 11 de Setembro de 2008, que decidiu a questão de saber se
a revista que a recorrente pretendia interpor podia ou não ser admitida e que
não conheceu das nulidades do acórdão do Tribunal Central Administrativo que a
recorrente havia arguido: só para a resolução dessa questão e para o não
conhecimento dessas nulidades era necessário pressupor o entendimento (censurado
pela recorrente)...”
“Dito ainda de outro modo: o acórdão ora recorrido (o de 29 de Outubro de 2008)
limitou-se a aplicar a norma do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte, do
Código de Processo Civil, pois que lhe competia apenas apreciar a questão de
saber se o acórdão de 11 de Setembro omitira pronúncia; as normas referenciadas
pela recorrente – as dos artigos 150.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos e 668.º, n.º 3, do Código de Processo Civil – só
podiam ter sido aplicadas no acórdão antecedente (o de 11 de Setembro de 2008),
pois que foi este o acórdão que apreciou a verificação dos pressupostos do
recurso de revista excepcional (apreciação para a qual relevava a questão de
saber se o acórdão do Tribunal Central Administrativo padecia de nulidades, não
para o efeito de declará-las, mas para o efeito da admissibilidade da revista).
3. Perante o relato processual supra gizado, adianta a ora reclamante que nada
tem a controverter em relação aos pressupostos de direito assumidos pela decisão
sumária, mas sim em relação aos pressupostos de facto nos quais a mesma se
estribou, designadamente quando aí se considera que a decisão recorrida, para
efeitos de delimitação do objecto do recurso de constitucionalidade e para a
sindicância da verificação dos pertinentes pressupostos de admissibilidade é o
acórdão que indeferiu a arguição de nulidades e não a decisão anterior que não
tomou conhecimento das nulidades arguidas na revista e imputadas ao aresto do
Tribunal Central Administrativo.
É certo – e terá sido certamente esse facto que induziu a decisão reclamada ao
juízo quanto à decisão pretendida recorrer –, que a reclamante fez constar do
requerimento de interposição de recurso a menção de que:
“No acórdão ora notificado, considerou-se que:
“As nulidades imputadas ao acórdão do Tribunal Central Administrativo, em
relação ao qual se pretendia fosse admitida a revista, não integram o objecto do
conhecimento da decisão que admite ou não a revista.
Podem ser tomadas em consideração, não para se declarar ou não a nulidade da
decisão de que se pretende recorrer, mas sim para aquilatar da verificação ou
não dos pressupostos de admissão do recurso de revista excepcional (cfr. ac.
deste STA, de 27/2/08, P.º 131/08).
Esta interpretação não é inconstitucional, designadamente por violação do
direito a um processo justo e equitativo, ao invés do alegado pela Reclamante,
pois, não sendo obrigatória a admissão do recurso de revista excepcional, não
pode o mesmo ser qualificado como um recurso ordinário, pelo que, as nulidades
do acórdão poderiam e deveriam ter sido arguidas no tribunal que proferiu a
decisão, no caso o T.C.A. (art.º 668, n.º 3 do C.P.Civil)”. (itálico aditado)
No entendimento da recorrente, esta decisão encontra-se sustentada por um
critério normativo eivado de inconstitucionalidade, pretendendo-se que o
Tribunal Constitucional sindique a norma resultante dos artigos 150.º, n.º 1 e
2, do CPTA, conjugada com o disposto no artigo 668.º, n.º 3, do CPC, na
específica dimensão normativa acolhida como ratio decidendi pelo Supremo
Tribunal Administrativo”
Contudo, como resulta desse trecho, tal transcrição apenas foi realizada quanto
à definição explicitadora do objecto do recurso de constitucionalidade – pois,
como a própria decisão reclamada admite, só nesse aresto é que se explicitou o
critério normativo –, razão pela qual se efectuou a referida referência aos
fundamentos normativo-decisórios evidenciados no excerto transcrito.
Melhor dizendo, a recorrente sindicou o critério normativo pelo qual se
considerou que “não sendo obrigatória a admissão do recurso de revista
excepcional, não pode o mesmo ser qualificado como um recurso ordinário, [para o
efeito do conhecimento das nulidades do acórdão recorrido], pelo que, as
nulidades do acórdão deveriam ter sido arguidas no tribunal que proferiu a
decisão, no caso o T.C.A. (art.º 668, n.º 3 do C.P.Civil)”, considerando que
essa decisão de não qualificação do recurso de revista excepcional como recurso
ordinário assenta numa norma inconstitucional, como transparece do próprio
requerimento de interposição quando aí se deixa consignado que “o recurso de
revista referido no artigo 150.º do CPTA é aí tratado no Capítulo dos “Recursos
Ordinários”, o mesmo resultando do disposto nos artigos 140.º do CPTA e 676.º,
n.º 2, do CPC, na versão aplicável aos autos”.
Por esse motivo, e não outro, a recorrente suportou-se, ao nível da definição do
objecto do recurso, na decisão que o explicitou.
A falta de conhecimento das nulidades arguidas no recurso para o STA, no acórdão
deste Tribunal que nega a revista, não compelia, por inexistência de elementos
argumentativos expressos necessariamente concludentes ou indutores da solução,
que ele tivesse sido efectuada qualquer pronúncia, que nesse caso só poderia ser
de natureza implícita, no sentido que veio a ser feito na decisão posterior que
recaiu sobre a arguição de nulidade, que pudesse ser relevada pela decisão
sumária agora reclamada.
Na verdade, jamais num juízo sobre a inexistência dos pressupostos do recurso de
revista se poderia descortinar como estando também incluída uma pronúncia sobre
questão que lhe é materialmente estranha como é o do momento e tribunal que deve
conhecer das nulidades da decisão recorrida, alegadas na oportunidade da
interposição do recurso de revista e, principalmente, a não qualificação do
recurso como sendo ordinário, como transparece do acervo normativo que, como
tal, o caracteriza.
Como será compreensível, perante o objecto do recurso de constitucionalidade que
a recorrente definiu, tivesse o STA, no primeiro aresto, explicitado o
entendimento impugnado, que de certo não haveria lugar a qualquer arguição de
nulidade desse aresto por omissão de pronúncia, mas apenas ao recurso de
constitucionalidade com o mesmo teor do que foi interposto pela recorrente, dado
que o fundamento do recurso se prende não com a omissão de pronúncia, mas com a
desqualificação do recurso como ordinário.
A partir do momento que o Tribunal procedeu à explicitação do critério normativo
que determinou a prolação do juízo anterior (mente implícito), é que o Tribunal
a quo forneceu expressis verbis a fundamentação pertinente para que fossem
compreendidos os pressupostos e o alcance do decidido em matéria das nulidades
imputadas ao aresto do TCA, razão pela qual a recorrente, manifestando expressa
discordância dos fundamentos posteriormente explicitados – mas sem controverter,
no mínimo que fosse o sentido e a decisão do segundo aresto quanto à
inexistência de omissão de pronúncia –, se apoiou no critério normativo então
evidenciado, dele interpondo recurso de constitucionalidade.
Ora, tendo em consideração estes elementos, não será difícil concluir ou
perceber que a menção ao segundo aresto constante do requerimento de
interposição de recurso apenas cumpre o desiderato de esclarecer o sentido do
critério normativo contestando já que o mesmo apenas fora explicitado no acórdão
aí referido.
4. Não olvida ora reclamante que o Tribunal poderá dizer que competia à
recorrente ter individualizado com a devida precisão a decisão recorrida com
expressa menção do acórdão recorrido.
E, de facto, é de reconhecer que essa menção teria evitado a prolação da decisão
reclamada. Contudo, haverá também que convir que, em face do pedido de arguição
de nulidade apresentado junto do STA, o recurso de constitucionalidade só podia
ser interposto depois de decidida tal questão tendo em conta o nexo de
instrumentalidade e utilidade no conhecimento do recurso, tal como o mesmo tem
sido ponderado pela jurisprudência desse Alto Tribunal, dado que a eventual
procedência desse pedido determinaria a inutilidade do conhecimento do recurso
de constitucionalidade, ao que acresce, face à tempestividade do recurso, que a
reclamante cumpriu as exigências previstas no artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2, da LTC,
indicando a “alínea do n.º 1 do artigo 70.º ao abrigo da qual o recurso é
interposto e a norma cuja inconstitucionalidade (...) se pretende que o Tribunal
aprecie” com “indicação da norma ou princípio constitucional (...) que se
considera violado, bem como da peça processual em que o recorrente suscitou a
questão da inconstitucionalidade (...)”.
Ora, sendo certo que a reclamante podia, em abstracto, ter recorrido quer do
acórdão de 11 de Setembro (sindicando o não conhecimento das nulidades imputadas
ao aresto do TCA), quer do acórdão de 29 de Outubro (controvertendo nesse caso a
decisão quanto à omissão de pronúncia sobre o não conhecimento dessas
nulidades), é incontornável que o objecto do recurso individualiza/concretiza,
bem qual o acórdão pretendido sindicar na medida em que em o mesmo não contende
com o decidido em relação à então alegada omissão de pronúncia, que se aceita,
mas com o critério que determina o não conhecimento das nulidades imputadas ao
aresto do TCA, daí se colhendo, logicamente, a decisão recorrida para efeitos da
sindicância da(s) normas considerada(s) inconstitucional(is), e isto tendo em
conta que as menções formalmente exigidas pela LTC relativamente ao requerimento
de recurso não contemplam a necessidade de concretizar expressis verbis o aresto
de que se recorre, o qual se encontrará implícito ao objecto do recurso definido
perante o Tribunal a quo.
5. Tendo em consideração o exposto, sem contudo conceder na exactidão do
alegado, não pode olvidar-se que a prolação dde decisão sumária nos casos em que
se julga o não conhecimento do objecto do recurso é, nos termos do artigo
78.º-A, n.º 2, aplicável quando o recorrente depois de notificado não indique os
elementos exigidos pelo artigo 75.º-A, estabelecendo essa norma um regime
aproximado ao do artigo 704.º do CPC, quanto ao desiderato finalístico nele
reflectido.
O que, por seu turno, densifica um critério processual de acordo com o qual é
facultado ao recorrente o preenchimento de eventuais lacunas do requerimento de
interposição de recurso ou o esclarecimento de imprecisões que o mesmo contenha,
como tem sido apanágio da prática processual desenvolvida nesse Tribunal
Superior.
Ora, não tendo a recorrente sido convidada a indicar, com a necessária precisão,
qual o acórdão pretendido recorrer e assumindo a decisão reclamada um equívoco
pressuposto de facto, há-de considerar-se que a presente reclamação para a
conferência constitui ainda momento processual idóneo para proceder, em termos
inequívocos, a essa indicação por ter inexistido, previamente à sua prolação,
qualquer instante processual que permitisse à recorrente obviar à decisão de não
conhecimento do recurso com base nos fundamentos que foram relevados pelo MM.º
Senhor Juiz Conselheiro Relator.
Pelo que, suprindo alguma eventual ambiguidade do requerimento anterior,
coloca-se à apreciação da douta conferência o anterior requerimento de
interposição de recurso, devidamente completado quanto à matéria
circunstancialmente em causa. Assim: “(...) [A] A., S.A., recorrente nos autos
supra identificados, vem, com o presente, recorrer para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, [do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de
11 de Setembro] nos termos seguintes:
No acórdão ora notificado [explicitando-se o critério normativo anteriormente
aplicado de forma implícita], considerou-se que:
“As nulidades imputadas ao acórdão do Tribunal Central Administrativo, em
relação ao qual se pretendia fosse admitida a revista, não integram o objecto do
conhecimento da decisão que admite ou não a revista.
Podem ser tomadas em consideração, não para se declarar ou não a nulidade da
decisão de que se pretende recorrer, mas sim para aquilatar da verificação ou
não dos pressupostos de admissão do recurso de revista excepcional (cfr. ac.
deste STA, de 27/2/08, P.º 131/08).
Esta interpretação não é inconstitucional, designadamente por violação do
direito a um processo justo e equitativo, ao invés do alegado pela Reclamante,
pois, não sendo obrigatória a admissão do recurso de revista excepcional, não
pode o mesmo ser qualificado como um recurso ordinário, pelo que, as nulidades
do acórdão poderiam e deveriam ter sido arguidas no tribunal que proferiu a
decisão, no caso o T.C.A. (art.º 668, n.º 3 do C.P.Civil)”. (itálico aditado)
No entendimento da recorrente, esta decisão encontra-se sustentada por um
critério normativo eivado de inconstitucionalidade, pretendendo-se que o
Tribunal Constitucional sindique a norma resultante dos artigos 150.º, n.º 1 e
2, do CPTA, conjugada com o disposto no artigo 668.º, n.º 3, do CPC, na
específica dimensão normativa acolhida como ratio decidendi pelo Supremo
Tribunal Administrativo.
Nos termos do disposto no artigo 75.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, a
recorrente não suscitou previamente a inconstitucionalidade de tal critério
normativo, porquanto o mesmo consubstancia uma autêntica decisão-surpresa tendo
em conta que o recurso de revista referido no artigo 150.º do CPTA é aí tratado
no Capítulo dos “Recursos Ordinários”, o mesmo resultando do disposto nos
artigos 140.º do CPTA e 676.º, n.º 2, do CPC, na versão aplicável aos autos,
razão pela qual não seria exigível segundo um critério de razoabilidade o
cumprimento do ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade em
face do entendimento de que o recurso de revista não pode ser qualificado como
um recurso ordinário.(...)” Reafirmando as considerações tecidas supra, acredita
a recorrente que o ora requerido, na procedência do alegado, corresponderá ao
melhor direitoaplicável aos autos, prevenindo também a aplicação de um critério
que se considera inconstitucional, por violação de um due process of law, qual
seja o resultante da interpretação conjugada da norma do artigo 78.º-A, n.ºs 1 e
3, da Lei n.º 28/82, na redacção vigente, no segmento normativo que
impossibilite em sede de reclamação o esclarecimento de eventuais ambiguidades
ou omissões do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade
quando a decisão reclamada for proferida sem exercício do contraditório quanto à
possibilidade do Tribunal não tomar conhecimento do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A reclamante requereu a reforma e arguiu a nulidade, por omissão de pronúncia,
do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de Setembro de 2008, que não
admitira o recurso de revista de um anterior acórdão do Tribunal Central
Administrativo, alegando, além do mais, o seguinte:
Por ser assim, não tendo o TCAN tomado conhecimento das nulidades suscitadas e
que constituam fundamento do recurso interposto para esse STA, devia o recurso
ter sido admitido para conhecimento daquelas, sendo inconstitucional, por
violação do direito a um processo justo e equitativo, a norma do artigo 668°,
n.° 3, do CPC, quando interpretada no sentido de que tendo sido arguidas
nulidades como fundamento de recurso, o Tribunal recorrido não conhecer delas
por ter admitido o recurso e o Tribunal de recurso igualmente não tomar
conhecimento da questão com fundamento em que o recurso não foi, por si,
admitido”.
Por acórdão de 29 de Outubro de 2008, o Supremo Tribunal Administrativo
indeferiu a referida arguição de nulidade, fundamentando a sua decisão, no que
se refere à invocada inconstitucionalidade, do seguinte modo:
As nulidades imputadas ao acórdão do Tribunal Central Administrativo, em relação
ao qual se pretendia fosse admitida a revista, não integram o objecto do
conhecimento da decisão que admite ou não a revista.
Podem ser tomadas em consideração, não para se declarar ou não a nulidade da
decisão de que se pretende recorrer, mas sim para aquilatar da verificação ou
não dos pressupostos de admissão do recurso de revista excepcional (cfr. ac.
deste S.T.A. de 27/2/08, Pº 131/08).
Esta interpretação não é inconstitucional, designadamente por violação do
direito a um processo justo e equitativo, ao invés do alegado pela Reclamante,
pois, não sendo obrigatória a admissão do recurso de revista excepcional, não
pode o mesmo ser qualificado como um recurso ordinário, pelo que, as nulidades
do acórdão poderiam e deveriam ter sido arguidas no tribunal que proferiu a
decisão, no caso o T.C.A. (art.º 668º, nº 3 do C. P. Civil) […]”.
A reclamante veio então interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal
Constitucional, nos seguintes termos:
“[…] No acórdão ora notificado, considerou-se que:
As nulidades imputadas ao acórdão do Tribunal Central Administrativo, em relação
ao qual se pretendia fosse admitida a revista, não integram o objecto do
conhecimento da decisão que admite ou não a revista.
Podem ser tomadas em consideração, não para se declarar ou não a nulidade da
decisão de que se pretende recorrer, mas sim para aquilatar da verificação ou
não dos pressupostos de admissão do recurso de revista excepcional (cfr. ac
deste STA, de 27/2/08, P.° 131/08).
Esta interpretação não é inconstitucional, designadamente por violação do
direito a um processo justo e equitativo, ao invés do alegado pela Reclamante,
pois, não sendo obrigatória a admissão do recurso de revista excepcional não
pode o mesmo ser qualificada como um recurso ordinário pelo que, as nulidades do
acórdão poderiam e deveriam ter sido arguidas no tribunal que proferiu a
decisão, no caso o TC.A. (art. ° 668, n°3 do C.P.Civil)”. (itálico aditado)
No entendimento da recorrente, esta decisão encontra-se sustentada por um
critério normativo eivado de inconstitucionalidade, pretendendo-se que o
Tribunal Constitucional sindique a norma resultante dos artigos 150°, n.° 1 e 2,
do CPTA, conjugada como disposto no artigo 668°, n.° 3, do CPC, na específica
dimensão normativa acolhida como ratio decidendi pelo Supremo Tribunal
Administrativo.
Nos termos do disposto no artigo 75°-A, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a
recorrente não suscitou previamente a inconstitucionalidade de tal critério
normativo, porquanto o mesmo consubstancia uma autêntica decisão-surpresa tendo
em conta que o recurso de revista referido no artigo 150° do CPTA é ai tratado
no Capítulo dos ‘Recursos Ordinários”, o mesmo resultando do disposto nos
artigos 140° do CPTA e 676º, n.° 2, do CPC, na versão aplicável aos autos, razão
pela qual não seria exigível segundo um critério de razoabilidade o cumprimento
do ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade em face do
entendimento de que o recurso de revista não pode ser qualificado como um
recurso ordinário […]”
Como se vê, o reclamante, referindo-se ao acórdão de que pretende interpor de
recurso constitucionalidade, transcreve, no requerimento de interposição de
recurso, o excerto da fundamentação constante do acórdão de 29 de Outubro de
2008 do Supremo Tribunal Administrativo, acrescentando que esta decisão
(sublinhado agora) se encontra sustentada por um critério normativo eivado de
inconstitucionalidade, o qual é reportado às normas do artigo 150°, n.° 1 e 2,
do CPTA, conjugadas como disposto no artigo 668°, n.° 3, do CPC.
Não pode haver margem para dúvidas, por todo o contexto verbal do requerimento
de interposição de recurso e pelos antecedentes processuais, que o recorrente
pretendia impugnar a referida decisão de 29 de Outubro de 2008, configurando o
recurso de constitucionalidade como uma reacção jurisdicional quanto à tomada de
posição do tribunal recorrido, nessa decisão, em relação à matéria de
constitucionalidade que havia sido suscitada no anterior requerimento de
arguição de nulidade.
Pretende agora o reclamante que a menção, no requerimento de interposição de
recurso, ao segundo aresto cumpria apenas o desiderato de esclarecer o sentido
do critério normativo impugnado, que, no seu entender, fora explicitado nesse
acórdão, e que, nessa circunstância, haveria lugar ao suprimento da ambiguidade
gerada pelo requerimento de interposição de recurso, que deverá passar a ser
lido com os aditamentos que a seguir vão destacados:
A A., S.A., recorrente nos autos supra identificados, vem, com o presente,
recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º,
n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, [do acórdão do Supremo
Tribunal Administrativo de 11 de Setembro] nos termos seguintes:
No acórdão ora notificado [explicitando-se o critério normativo anteriormente
aplicado de forma implícita], considerou-se que: (…).
Ora, nos termos do artigo 75º-A, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional, o
despacho de aperfeiçoamento é aplicável apenas quando o requerimento de
interposição de recurso não indique algum dos elementos a que se refere esse
artigo, a saber (no que ao presente caso interessa): a alínea do n.º 1 do artigo
70º ao abrigo da qual o recurso é interposto, a norma cuja inconstitucionalidade
se pretende que o Tribunal aprecie e a norma ou princípio constitucional que se
considera violado, bem como a peça processual em que o recorrente suscitou a
questão de inconstitucionalidade (artigo 75º-A, n.ºs 1 e 2).
Por outro lado, contrariamente ao que a reclamante pretende fazer crer, a
faculdade de proferir decisão sumária nos termos do artigo 78°-A da Lei do
Tribunal Constitucional, não tem lugar apenas quando o impugnante, tendo sido
convidado para completar o requerimento de interposição de recurso, não tenha
satisfeito integralmente esse convite (hipótese a que se refere o n.º 2 desse
artigo), mas também quando, e em primeira linha, se verifique alguma das
situações previstas no n.º 1 do mesmo artigo: (a) quando se entenda que se não
pode conhecer do objecto do recurso; (b) quando a questão a decidir seja
simples, designadamente por a mesma já ter sido objecto de decisão anterior do
Tribunal Constitucional ou ser manifestamente infundada.
No caso concreto, nenhum motivo havia para emitir um despacho de
aperfeiçoamento, porquanto o requerimento de interposição de recurso preenchia
todos os requisitos formais de que dependia o exame preliminar do processo (o
único requisito que poderia ser considerado em falta – a não indicação da peça
processual em que foi suscitada a questão de constitucionalidade foi suprido
mediante a invocação de que se tratava de uma decisão surpresa). Por outro lado,
o requerimento não padecia de qualquer obscuridade ou ambiguidade que carecesse
de ser esclarecida, identificando de forma clara – como se deixou entrever – a
decisão que constituía o objecto do recurso.
E, como se viu, nada obstava a que o relator pudesse proferir decisão sumária,
nos termos do n.º 1 do artigo 78°-A da Lei do Tribunal Constitucional, quando se
verificasse a falta de algum dos pressupostos processuais. Deve a este propósito
dizer-se que os requisitos formais do requerimento de interposição de recurso a
que aludem os n.ºs 1 a 4 do artigo 75º-A, e que justificam, em caso de
incumprimento, o convite para aperfeiçoamento, não se confundem com os
pressupostos processuais, sendo que a inexistência destes impede que se conheça
do objecto do recurso, o que pode, desde logo, ser declarado em decisão sumária.
No caso, estes pressupostos procesuais consistiam na aplicação, pela decisão
recorrida, da norma cuja inconstitucionalidade se pretendia ver apreciada e na
suscitação da questão de constitucionalidade no decurso do processo – artigos
70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tibunal Constitucional. Pela
decisão sumária reclamada entendeu-se que se não encontrava preenchido o
primeiro desses pressupostos processuais, tendo em consideração que o acórdão
recorrido (o de 29 de Outubro de 2008), se limitou a desatender a arguição de
nulidade, e não aplicou a interpretação normativa que a recorrente questiona,
que é referente aos artigos 150º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos e 668º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Não pondo a reclamante em causa que esse acórdão não aplicou as referidas normas
como ratio decidendi, o que de facto ela pretende através da presente reclamação
e do pretendido suprimento do requerimento de interposição de recurso, é que lhe
seja concedida a possibilidade de formular um novo requerimento ou reformular o
requerimento anterior, de molde a que o objecto do recurso passe a ser, não o
acórdão que desatendeu a arguição de nulidade, mas o acórdão anterior que não
admitiu o recurso de revista.
Mas já se viu que os pressupostos processuais do recurso teriam de ser
apreciados em função do acórdão que foi indicado como constituindo o seu
objecto, sendo essa indicação um ónus processual do recorrente; e a errada
identificação do acórdão recorrido não constitui motivo para suprimento do
requerimento de interposição de recurso.
A admitir-se este suprimento, o que sucederia, na prática, é que o recorrente
teria oportunidade, sem qualquer fundamento legal, para apresentar, já fora do
respectivo prazo, um novo recurso de constitucionalidade.
Diga-se por fim que a não admissibilidade da pretendida correcção do
requerimento de interposição de recurso, contrariamente ao que sugere a
reclamante, não viola qualquer princípio constitucional, e, designadamente, não
afronta o princípio do processo equitativo, justamente porque, no caso, não
houve qualquer obscuridade ou ambiguidade nesse requerimento que carecesse de
ser corrigida por iniciativa do tribunal.
Não há, pois, motivo para alterar julgado ou proceder à pretendida regularização
do requerimento de interposição do recurso.
III. Decisão
Termos em se decide indeferir a reclamação e confirmar a decisão reclamada.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 12 de Março de 2009
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão
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