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Processo n.º 989/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. O Município de Leiria apresentou reclamação para a
conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26
de Fevereiro (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 26 de Janeiro de
2009, que decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito,
não conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade por ele interposto.
1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte
fundamentação:
“1. O Município de Leiria interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da [LTC],
contra o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC), de 15 de Julho de
2008, que julgou improcedentes as apelações quer do ora recorrente
(expropriante), quer da expropriada A., confirmando a sentença do 3.º Juízo
Cível da Comarca de Leiria, de 21 de Dezembro de 2007, que fixou a indemnização
devida pela expropriação da “parcela de terreno n.º 31, com a área de 19 910 m2,
sita no lugar …, freguesia de …., inscrita na matriz predial rústica da
referida freguesia sob o n.º 5022 e descrita na Conservatória do Registo Predial
de Leiria sob o n.º …/…”, em € 1 179 070,20, a que acresce, em cada ano
decorrido, desde a declaração de utilidade pública até à data da decisão, a
actualização calculada de acordo com a evolução do índice de preços ao
consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo Instituto Nacional de
Estatística.
Refere o recorrente no requerimento de interposição de recurso:
«1 – No acórdão recorrido, de 15 de Julho de 2008, da 1.ª Secção
Cível do Tribunal da Relação de Coimbra, no processo n.º 4052/04.6TBLRA.C1,
decidiu‑se que ‘não é ilegal, nem inconstitucional, a interpretação dos artigos
25.º, n.º 2, e 26.º, n.º 12, do CE99, que permite a indemnização devida pela
expropriação de um solo, como “solo apto para a construção”, não obstante o
mesmo se encontrar incluído na RAN e no Perímetro de Rega do Vale do Lis, por
eventual violação dos artigos 13.º e 62.º, n.º 2, da Constituição da República
Portuguesa’.
2 – Decidiu‑se também que: ‘Assim sendo, no presente caso,
admitindo‑se não ter existido desafectação do terreno da RAN, não se verifica,
tão‑só, um uso não agrícola do solo nesta integrado, podendo concluir‑se,
afoitamente, que a expropriação se destinou à construção de um edifício urbano.
Por isso, neste caso de expropriação de terreno integrado na RAN, há que
considerar, para efeitos de cálculo do valor da indemnização, a pagar ao
expropriado, uma real potencialidade edificativa, que nasceu com a
expropriação, que esta gerou, porquanto nele se edificou uma construção urbana,
isto é, uma área intermunicipal de equipamento público estruturante’.
3 – As inconstitucionalidades que se pretendem ver apreciadas foram
suscitadas nas alegações e respectivas conclusões do recurso de apelação.
4 – O recorrente suscitou nas conclusões das alegações do recurso de
apelação que: ‘19 – A interpretação do artigos 25.º, n.º 2, e 26.º, n.º 12, do
Código das Expropriações, vertida na sentença recorrida, segundo a qual a
indemnização devida pela expropriação de um solo, como “solo apto para a
construção”, não obstante este se encontrar incluído na Reserva Agrícola
Nacional e no Perímetro de Rega do Vale do Lis, é ilegal e inconstitucional, por
violação do artigo 13.º e 62.º, n.º 2, da Constituição da República
Portuguesa’.
5 – E, suscitou nessas mesmas conclusões, que:
‘20 – Ao avaliar‑se a parcela expropriada como “solo apto para
construção”, privilegiou‑se, injustificadamente, a expropriada relativamente
aos restantes proprietários que vêem os seus terrenos valer muito menos em
função da limitação edificatória constante dos regimes jurídicos da RAN e do
Regime Jurídico do Aproveitamento Hidroagrícola.
21 – A expropriada é, em virtude da expropriação, objecto de um
tratamento privilegiado relativamente aos seus concidadãos que possuem terrenos
classificados em solos RAN e inseridos dentro do perímetro de obras de
aproveitamento hidroagrícola, no caso dos autos, do Perímetro de Rega do Vale
do Lis, os quais se encontram impedidos de lhe dar qualquer aproveitamento
económico a não ser o aproveitamento agrícola.
22 – A expropriada é, ainda, privilegiada relativamente aos
possuidores de terrenos com aptidão edificativa e que o PDM de Leiria destinou
a zonas verdes ou de equipamento.
23 – A expropriada, a ser indemnizada de acordo com o valor
determinado pela sentença recorrida, é, injustamente, privilegiada, pois é
indemnizada por um direito que nunca teve e que, consequentemente, nunca lhe
foi retirado, contrariamente aos proprietários referidos na antecedente
conclusão.
24 – Existe, assim, uma manifesta desproporção entre o valor fixado
a título de justa indemnização e o valor real e de mercado do bem, que é
manifestamente inferior ao que lhe foi atribuído.
25 – A interpretação do artigo 23.º, n.º 1, do Código das
Expropriações, plasmada na sentença, alicerçando‑se no relatório maioritário,
recorrida, na medida em que privilegia a expropriada, na medida em que vai
muito além do ressarcimento do prejuízo que da expropriação resultou para esta,
é ilegal e inconstitucional, por violação dos artigos 13.º e 62.º, n.º 2, da
Constituição da República Portuguesa.’
6 – Nas alegações do recurso de apelação, invocou o recorrente,
entre outros aspectos, em relação à inconstitucionalidade das normas contidas
nos n.º 2 do artigo 25.º e n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, na
interpretação efectuada pelo tribunal a quo, que:
‘… sobre a parcela expropriada, composta por terreno de regadio,
recaem diversos vínculos de inedificabilidade resultantes de
a) Se encontrar integrada no Perímetro de Rega do Vale do Lis, ou,
dito de outra maneira, na Obra do Aproveitamento Hidroagrícola do Vale do Lis,
desde meados dos anos 50;
b) Se encontrar classificada como RAN desde Fevereiro de 1993;
c) Se encontrar parcialmente classificada como zona verde desde
Setembro de 1995 (PDM).
Consequentemente, antes do PDM considerar a parcela em discussão
como zona verde, já esta estava sujeita a vínculos de inedificabilidade
provenientes da sua classificação como RAN e como terreno incluído no citado
Perímetro de Rega.
Todavia, e salvo o devido respeito, não é por o PDM classificar a
parcela expropriada como zona verde que esta deixa de encontrar inserida em
área RAN e no Perímetro de Rega e como tal poder ser avaliada com recurso ao n.º
12 do artigo 26.º do Código das Expropriações.
A sua classificação como zona verde não significa a sua
desafectação:
– da RAN;
– do Perímetro de Rega do Vale do Lis, cujos regimes jurídicos
aprovados, respectivamente, por Portaria e por Decreto‑Lei, são de hierarquia
superior ao PDM de Leiria, o qual constitui um regulamento administrativo.
Quer à data da DUP, quer antes desta, a expropriada não tinha
qualquer legítima expectativa de vir a construir ou transaccionar a parcela
expropriada no mercado imobiliário como se se tratasse de um solo apto para
construção.
Numa situação normal de mercado – não tendo em conta factores de
especulação imobiliária – a parcela expropriada teria um valor muito pequeno
devido aos vínculos de inedificabilidade que sobre ela recaíam.
Com a expropriação da parcela em causa, à recorrida apenas foi
expropriado:
a) O direito de propriedade que sobre ela detinha;
b) O direito de a cultivar.
A expropriação da parcela em questão não teve como consequência a
expropriação do direito de construir, pois a expropriada, em virtude dos
vínculos de inedificabilidade que oneravam a referida parcela, não tinha esse
direito.
Consequentemente, não poderá ser indemnizada pela ablação de um
direito que nunca deteve.
Recorde‑se que a circunstância que o facto da parcela em causa se
encontrar inserida em RAN e no Perímetro de Rega, com todas as consequências e
impedimentos daí resultantes, não gera na esfera jurídica da recorrida o
direito a ser indemnizada.
Por outro lado, e como também se refere em vasta jurisprudência,
entre a qual se inclui a supra citada, designadamente o Acórdão do Tribunal
Constitucional, “… no caso de expropriação de terrenos integrados na RAN, não
há que considerar para cálculo do valor da indemnização, a pagar ao
expropriado, qualquer potencialidade edificativa que não existe, nem nasce com
a expropriação”.
Ou, como também se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional
n.º 322/99, citado pelo Acórdão acima transcrito, a proibição de construir em
terreno incluído na RAN “é uma manifestação da hipoteca social que onera a
propriedade do solo”.
Assim, e de acordo com todo o exposto e na esteira da
jurisprudência do nosso Tribunal Constitucional, o valor da parcela expropriada
não se poderá calcular por referência à construção que nela seria possível
efectuar se não tivesse sido sujeita a expropriação, pois, de acordo com as leis
e os regulamentos em vigor, nada ali poderia ser construído, a não ser
construções de interesse público, excepcionadas pelo artigo 9.º do Decreto‑Lei
n.º 196/89, de 14 de Junho.’
7 – E, nas mesmas alegações, o recorrente suscitou, entre outros
aspectos, em relação à inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do
artigo 23.º do Código das Expropriações, na interpretação efectuada, que:
‘Ao avaliar‑se a parcela expropriada, como sucedeu no caso
vertente, de acordo com as regras por que são avaliados os terrenos
susceptíveis de serem edificados, privilegiou‑se, injustificadamente, a
expropriada relativamente aos restantes proprietários que vêem os seus terrenos
valer muito menos em função da limitação edificatória constante dos regimes
jurídicos da RAN, do Regime Jurídico do Aproveitamento Hidroagrícola.
Ou seja, a expropriação acaba por não causar um prejuízo à
expropriada, prejuízo este que justifica a atribuição de uma justa indemnização
– mas, antes pelo contrário, beneficia‑a em razão da expropriação, uma vez que,
ao considerar‑se que a parcela expropriada é apta para construção, como faz o
relatório maioritário, a recorrente é objecto de um tratamento privilegiado
relativamente aos seus concidadãos que possuem terrenos classificados em solos
RAN e inseridos dentro do perímetro de obras de aproveitamento hidroagrícola,
no caso dos autos, do Perímetro de Rega do Vale do Lis, os quais se encontram
impedidos de lhe dar qualquer aproveitamento económico a não ser o
aproveitamento agrícola.
Note‑se, ainda, que a expropriada é privilegiada relativamente aos
possuidores de terrenos com aptidão edificativa e que o PDM de Leiria destinou
a zonas verdes ou de equipamento.
Pois, estes, a serem indemnizados, são‑no pela expropriação de um
direito que detinham.
A expropriada, a ser indemnizada de acordo com o valor determinado
pela sentença recorrida, é, injustamente, privilegiada, pois é indemnizada por
um direito que nunca teve e que, consequentemente, nunca lhe foi retirado.
Se não existisse expropriação e a expropriada pretendesse vender a
parcela expropriada ao preço de mercado praticado para terrenos incluídos na
RAN e no Perímetro de Rega do Vale do Lis, esta nunca lograria obter o valor
exorbitante indicado no relatório maioritário e aceite pela M.ma Juiz a quo,
pois o mesmo é “injusto e desajustado da realidade”, razão pela qual o ora
recorrente o não aceita.
Existe, assim, uma manifesta desproporção entre o valor fixado a
título de justa indemnização e o valor real e de mercado do bem, que é
manifestamente inferior ao que lhe foi atribuído.
A indemnização atribuída à expropriada ultrapassa, por excesso, o
que deverá ser uma justa indemnização.
Nesta medida, e uma vez que há excesso na atribuição dessa
indemnização, resulta inequívoca a violação do princípio da igualdade e do
princípio da justa indemnização constitucionalmente consagrados
(respectivamente nos artigos 13.º e 62.º, n.º 2, da CRP).’
8 – A interpretação das normas cuja inconstitucionalidade se
pretende que o Tribunal Constitucional aprecie é a dos artigos 25.º, n.º 2,
26.º, n.º 12, e 23.º, n.º 1, todos do Código das Expropriações, aprovado pela
Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro.
9 – A interpretação das normas identificadas no número anterior,
tal como efectuada no acórdão recorrido, viola claramente o princípio da justa
indemnização, previsto no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição da República
Portuguesa, bem como o princípio da igualdade, plasmado no artigo 13.º da mesma
Constituição.
Requer‑se, assim, a admissão do recurso para o Tribunal
Constitucional, no qual se aprecie:
a) A inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 23.º
do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de privilegiar a
expropriada, na medida em que vai muito além do ressarcimento do prejuízo que
da expropriação resultou para esta;
b) A inconstitucionalidade das normas contidas no n.º 2 do artigo
25.º e no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, quando
interpretadas no sentido de permitir a indemnização devida pela expropriação de
um solo, como ‘solo apto para a construção’, não obstante este se encontrar
incluído na Reserva Agrícola Nacional e no Perímetro de Rega do Vale do Lis.»
O recurso foi admitido pelo Desembargador Relator do TRC, decisão
que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3,
da LTC) e, de facto, entende‑se que o recurso em causa é inadmissível, o que
possibilita a prolação de decisão sumária de não conhecimento, ao abrigo do
disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a
competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da
inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade
constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas,
hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o
sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de
inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si
mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a
inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é
imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é
discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual
depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e,
por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda
hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por
relevantes às particularidades do caso concreto.
Tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade
depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de
inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida,
em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da
LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi,
das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
Acresce que, quando o recorrente questiona a conformidade
constitucional de uma interpretação normativa, deve identificar essa
interpretação com o mínimo de precisão, não sendo idóneo, para esse efeito, o
uso de fórmulas como «na interpretação dada pela decisão recorrida» ou
similares. Com efeito, constitui orientação pacífica deste Tribunal a de que
(utilizando a formulação do Acórdão n.º 367/94) «ao suscitar‑se a questão de
inconstitucionalidade, pode questionar‑se todo um preceito legal, apenas parte
dele ou tão‑só uma interpretação que do mesmo se faça. (...) [E]sse sentido
(essa dimensão normativa) do preceito há‑de ser enunciado de forma que, no caso
de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua
decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os
operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido
com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a
Constituição.»
3. O acórdão recorrido, a propósito da questão da qualificação do
solo expropriado, expendeu as seguintes considerações:
«II. DA QUALIFICAÇÃO DO SOLO
Sustenta a expropriante que, ao darem‑se como provados os factos,
pretensamente desconformes com a prova produzida, teria de concluir‑se no
sentido de que a parcela em causa não tem capacidade edificativa, constituindo
um solo apto para outros fins e, consequentemente, o seu valor deveria ser
calculado de acordo com as regras previstas no artigo 27.º do Código das
Expropriações (CE99).
Resulta, exaustivamente, dos autos que a parcela a expropriar
constitui um prédio rústico, localizado dentro do aglomerado urbano de Leiria, à
entrada da zona central de Leiria, e dentro do ‘Perímetro de Rega do Vale do
Lis’, detendo a capacidade de uso que lhe era atribuída pelo Plano Director
Municipal de Leiria.
Não estando dotada de acesso rodoviário directo, situava‑se a menos
de 50 m da Avenida 22 de Maio, que é uma via pavimentada com betuminoso,
equipada com passeios, rede de distribuição domiciliária de água, rede de
saneamento, rede de distribuição de energia eléctrica, em baixa tensão, rede de
drenagem de águas pluviais, estação depuradora, em ligação com a rede de
colectores de saneamento, rede distribuidora de gás, rede telefónica e rede de
iluminação pública.
A parcela estava integrada em zona verde, bem como em área de
Reserva Agrícola Nacional, podendo o respectivo espaço de implantação ser
equiparado a uma zona verde de lazer.
Foi considerada como tendo boa qualidade de acesso, localizada em
zona de construção de bom nível, próximo de infra‑estruturas de serviços e de
infra‑estruturas viárias.
O prédio expropriado destina‑se à execução das acessibilidades ao
Estádio Municipal Dr. Magalhães Pessoa e à construção de um espaço verde,
lúdico e de lazer.
Estipula o artigo 25.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CE99, que, para efeitos do
cálculo da indemnização por expropriação, o solo classifica‑se em ‘solo apto
para a construção’ e ‘solo para outros fins’, sendo de carácter residual este
último termo do binómio, a encontrar, por exclusão de partes, quando o solo ‘não
se encontra em qualquer das situações previstas no número anterior’, ou seja,
quando não se enquadra na categoria normativa do solo apto para a construção,
objectivada nas várias alíneas do respectivo texto legal.
E, como solo apto para a construção, atento o estipulado pelo artigo
25.º, n.º 2, do CE99, considera‑se, designadamente, ‘o que dispõe de acesso
rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de
saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele
existentes ou a construir’ [a] e, também, ‘o que apenas dispõe de parte das
infra‑estruturas referidas na alínea anterior, mas se integra em núcleo urbano
existente’ [b].
Efectivamente, antes de mais, convém dizer que a classificação do
solo como apto para construção não depende da existência de todas as
infra‑estruturas referidas na alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º do CE99, citado,
sendo marcante apenas a existência ou previsão da existência de um acesso
rodoviário, ainda que sem pavimento em calçada, betuminoso ou equivalente,
relevando a acumulação das demais infra‑estruturas para efeito do cômputo do
valor do solo apto para a construção, como bem resulta da conjugação do
disposto na aludida alínea com os n.ºs 2 e 3 do mesmo normativo.
O conceito de via pública, para efeito de considerar o terreno
expropriado como apto para construção, abrange, também, aquela que, embora de
terra batida, é perfeitamente utilizável e utilizada por veículos automóveis.
Aliás, as infra‑estruturas legalmente exigidas para qualificar o
terreno expropriado como apto para a construção não necessitam de se situar no
mesmo, sendo suficiente, tão‑só, que sirvam o aglomerado em que se situa, por
forma a poderem ser utilizadas ou aproveitadas por ele, porquanto o que revela
são as potencialidades do prédio para preencher determinados requisitos
requeridos pelas exigências urbanísticas, sendo, em princípio, indiferente a
forma como se atinge esse objectivo.
A classificação de um terreno expropriado como solo apto para a
construção não é de excluir, sem mais, em caso da omissão de verificação de
outros requisitos infra‑estruturais, impondo‑se uma interpretação que preserve
a unidade do sistema jurídico, de modo a que, em caso de várias interpretações
possíveis de uma norma, das quais apenas uma é conforme com a Constituição, deva
ser esta a preferida.
Porém, sendo ainda de qualificar como solo apto para a construção
aquele que apenas dispõe de parte das infra‑estruturas referidas na alínea a),
tal exige, igualmente, em conformidade com o disposto pelo artigo 25.º, n.º 2,
alínea b), do CE99, que o mesmo se integre em núcleo urbano existente.
E o núcleo urbano, área urbana ou aglomerado urbano, cuja definição
deve coincidir, com excepção da exigência da rede de drenagem de esgotos,
quando esta não exista na respectiva localidade, consiste no conjunto coerente
e articulado de edificações multifuncionais e terrenos contíguos, desenvolvido
segundo uma rede viária estruturante, podendo não dispor de todas as
infra‑estruturas urbanísticas do aglomerado urbano, delimitado nos termos do
estipulado pelo artigo 62.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 794/76, de 5 de Novembro
[Lei dos Solos], ou no conjunto de edifícios existentes e áreas de expansão,
isto é, no ‘núcleo de edificações autorizadas e respectiva área envolvente,
possuindo vias públicas pavimentadas e que seja servido por rede de
abastecimento domiciliário de água e de drenagem de esgoto, sendo o seu
perímetro definido pelos pontos distanciados 50 m das vias públicas onde
terminam as infra‑estruturas urbanísticas’.
O núcleo urbano ou aglomerado urbano pressupõe um grupo ou
ajuntamento de edificações que se não confunde com a existência de habitações
nas proximidades ou com a existência de um povoamento disperso.
E isto na consideração da figura da «zona diferenciada de
aglomerado urbano», cujos traços definidores se encontram no artigo 62.º, n.º
2, do Decreto‑Lei n.º 794/76, de 5 de Novembro, citado, onde como tal se
considera ‘... o conjunto de edificações autorizadas e terrenos contíguos
marginados por vias públicas pavimentadas que não disponham de todas as
infra‑estruturas urbanísticas do aglomerado’, em termos de poder afirmar‑se, ao
menos de uma forma geral, que ao aglomerado – ‘núcleo de edificações autorizado
e respectiva área envolvente’, com certas condições e determinado perímetro –
n.º 1 deste normativo legal –, se reporta a alínea a), enquanto que ao núcleo
urbano se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 25.º do CE99.
Por sua vez, o núcleo urbano identifica‑se, substancialmente, com a
zona diferenciada de aglomerado urbano, atento o preceituado pelo artigo 3.º do
Regime Jurídico dos Loteamentos Urbanos, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 334/95,
de 28 de Dezembro.
Com efeito, o n.º 2 do artigo 25.º do CE99 adopta, na determinação
das espécies de terreno que integram a classe ‘solo apto para a construção’, não
o critério abstracto da aptidão edificatória, mas sim um critério de
potencialidade edificativa, por se tratar de conceitos distintos, embora,
eventualmente, possam coincidir, como acontece quando o solo continua a ser
considerado apto para a construção e o normativo legal, designadamente, um plano
urbanístico vinculativo, permite que seja destinado a esse fim.
A qualificação do solo urbano determina a definição do perímetro
urbano, que constitui, no seu todo, ‘aquele para o qual é reconhecida vocação
para o processo de urbanização e de edificação, nele se compreendendo os
terrenos urbanizados ou cuja urbanização seja programada …’, de acordo com o
novo regime dos instrumentos de gestão territorial, consagrado pelo Decreto‑Lei
n.º 380/99, de 22 de Setembro, na redacção introduzida pelo Decreto‑Lei n.º
316/2007, de 19 de Setembro.
Situada dentro do aglomerado urbano de Leiria, a parcela
expropriada dispõe de acesso rodoviário directo, ainda que sob a forma de um
caminho em terra batida, e indirecto, a menos de 50 m, através de uma avenida
pavimentada com betuminoso, equipada com passeios, rede de distribuição
domiciliária de água, saneamento, distribuição de energia eléctrica, em baixa
tensão, drenagem de águas pluviais, estação depuradora, em ligação com a rede
de colectores de saneamento, rede distribuidora de gás, rede telefónica e rede
de iluminação pública.
Por seu turno, em relação ao limite da faixa envolvente da parcela
expropriada, com o perímetro exterior de 300 m, existem construções, nas zonas
de enquadramento da Quinta do Cabeço, do Estádio Municipal, da Nova Leiria, e ao
longo da Estrada do Arrabalde.
Sustenta ainda a expropriante que, à data da DUP, recaíam sobre a
parcela expropriada diversos vínculos de inedificabilidade, resultantes da sua
integração no Perímetro de Rega, desde meados dos anos 50, na RAN, desde
Fevereiro de 1993, e da sua classificação como zona verde, desde Setembro de
1995.
A proibição de construir edificações urbanas que incide sobre os
solos integrados na RAN é uma consequência da ‘vinculação situacional’ da
propriedade que recai sobre os solos com tais características, como decorre do
ordenamento jurídico que rege a situação dos terrenos abrangidos pela RAN
[Decreto‑Lei n.º 196/89, de 14 de Junho, com as alterações introduzidas pelos
Decretos‑Leis n.ºs 274/92, de 12 de Dezembro, e 278/95, de 25 de Outubro].
Trata‑se, com efeito, de restrições que se mostram necessárias e,
funcionalmente, adequadas para acautelar uma reserva de terrenos agrícolas que
propiciem o desenvolvimento da actividade agrária, o equilíbrio ecológico e
outros interesses públicos; e que não violam, quer o princípio da justa
indemnização, dada aquela sua ‘vinculação situacional’, quer os princípios da
igualdade e da proporcionalidade, porquanto atingem todos os proprietários e
outros interessados que se encontrem, quer em concreto, quer em abstracto, no
âmbito da mesma situação jurídica.
Por isso, o que importa apurar, com vista à decisão do objecto da
apelação, é a questão de saber se, na parcela em causa, incluída na RAN,
expropriada para efeitos de execução das acessibilidades ao Estádio Municipal
Dr. Magalhães Pessoa, em Leiria, e construção de um espaço verde, lúdico e de
lazer e respectivas infra‑estruturas, existe uma ‘muito próxima ou efectiva
potencialidade edificativa’.
Efectivamente, o artigo 25.º, n.º 2, do CE99, ao definir os índices
de qualificação do solo apto para a construção, adoptou um critério concreto de
potencialidade edificativa, que é o único idóneo para o efeito, ou seja, o da
valorização efectiva, no cálculo da indemnização a pagar pelo bem expropriado,
do direito de edificar, ao menos naquelas situações em que os respectivos bens
envolvam uma ‘muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa’.
Na verdade, a alteração da destinação agrícola de um terreno não
impõe, só por si, uma indemnização arbitrada de acordo com a qualificação de
‘solo apto para a construção’, a qual não pressupõe a existência de uma ‘muito
próxima ou efectiva potencialidade edificativa’ de construções urbanas, como
acontece no caso da construção de uma auto‑estrada, ao contrário do que se
verifica se a expropriação, com desafectação da RAN, for para a construção de
um qualquer prédio urbano, em que a expropriação visa, justamente, a
concretização da aptidão edificativa, cujo afastamento estava subjacente à
exclusão da classificação como ‘solo apto para construção’.
Na hipótese em apreço, a parcela de terreno onde vieram a ser
executadas as acessibilidades ao Estádio Municipal Dr. Magalhães Pessoa, em
Leiria, e construído um espaço verde, lúdico e de lazer, estava integrada na
RAN, pelo menos, desde a aprovação do PDM de Leiria, pela Assembleia Municipal
de Leiria, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 84/95,
publicada no Diário da República, I Série‑B, de 4 de Setembro de 1995, tendo
sido declarada, a pedido do Município de Leiria, a utilidade pública da
expropriação, pelo Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente
que, em definitivo, foi publicada no Diário da República, II Série, de 26 de
Novembro de 2003, não havendo conhecimento de qualquer portaria que,
entretanto, tenha vindo libertar da RAN o terreno onde se encontra a parcela em
causa, a qual foi integrada nessa Reserva, muito antes da decisão de a
expropriar, por entidade diversa da expropriante.
Por outro lado, desconhece‑se a existência de parecer favorável à
utilização de solo agrícola para a aludida construção, nos termos da alínea d)
do n.º 2 do artigo 9.º do Decreto‑Lei n.º 196/89, de 14 de Junho, por parte da
respectiva Comissão Regional da Reserva Agrícola.
A isto acresce que a decisão recorrida não se refere à questão da
prévia desafectação da parcela de terreno expropriada, inexistindo nos autos
documentos que permitam concluir nesse sentido, nomeadamente, a convocação da
Comissão da Reserva Agrícola Nacional, para decidir sobre a desafectação da RAN,
o parecer da Comissão Regional da Reserva Agrícola sobre a alteração à carta da
RAN e a deliberação da Comissão Regional da Reserva Agrícola sobre a alteração à
carta da RAN, donde resulte o parecer favorável daquela Comissão à
desafectação das diferentes parcelas, nem o parecer da Comissão Técnica do PDM
de Leiria sobre as áreas a desafectar, isto é, no sentido da ausência de
objecções urbanísticas para o uso exclusivo deste equipamento.
Como assim, a eventual desafectação da RAN do terreno expropriado,
para efeitos da execução das acessibilidades ao Estádio Municipal Dr.
Magalhães Pessoa e construção de um espaço verde, lúdico e de lazer,
equipamento público de interesse intermunicipal, de relevante importância, será
susceptível de gerar nesse terreno uma ‘muito próxima ou efectiva
potencialidade edificativa’?
Com efeito, mesmo a admitir‑se que não tenha existido desafectação
do terreno expropriado em causa, o certo é que, desde logo, a construção de um
estádio municipal e respectivas infra‑estruturas, embora se trate de um
empreendimento para fins diferentes dos agrícolas a que o terreno se destinava,
ao ser integrado na RAN, é, por si só, susceptível de atrair para a sua órbita a
construção de edifícios para habitação ou escritórios, de instalações e
edifícios de equipamento, de interesse colectivo, de edifícios residenciais,
comerciais e de serviços, geradores de uma ‘muito próxima ou efectiva’
potencialidade edificativa, relevante para a qualificação do terreno como ‘solo
apto para a construção’.
Assim sendo, no presente caso, admitindo não ter existido
desafectação do terreno da RAN, não se verifica, tão‑só, um uso não agrícola
do solo nesta integrado, podendo concluir‑se, afoitamente, que a expropriação se
destinou à construção de um edifício urbano.
Por isso, neste caso de expropriação de terreno integrado na RAN, há
que considerar, para efeitos de cálculo do valor da indemnização, a pagar ao
expropriado, uma real potencialidade edificativa, que nasceu com a
expropriação, que esta gerou, porquanto nele se edificou uma construção urbana,
isto é, uma área intermunicipal de equipamento público estruturante.
E nem se diga, ao contrário, que as parcelas de terreno circundante
que não foram objecto de expropriação se mantêm, igualmente, integradas na RAN,
sem qualquer aptidão edificativa, razão pela qual considerar o terreno
expropriado como ‘solo apto para a construção’ e valorá‑lo, em conformidade, no
caso de expropriação destinada a uma das limitadas utilizações, legalmente
permitidas, conduz não só à atribuição de uma indemnização que não corresponde
ao seu «justo valor», mas, também, a uma intolerável desigualdade, em relação a
todos os restantes proprietários de terrenos limítrofes, integrados naquela
Reserva, mas que não tenham sido ‘contemplados’ com a expropriação.
É que, a não ser assim, poderia, eventualmente, vir a configurar‑se
uma situação de desigualdade entre os proprietários de parcelas contíguas,
consoante fossem ou não ‘contemplados’ com a expropriação, com um ocasional
locupletamento injustificado dos primeiros, pois que, enquanto estes viriam a
ser indemnizados, com base num valor significativamente superior ao valor de
mercado, os outros, proprietários de prédios contíguos, igualmente integrados
na RAN e dela não desafectados, se acaso pretendessem alienar os seus prédios,
não alcançariam senão o valor que resulta da limitação edificativa, legalmente
estabelecida.
Ora, se é verdade que o princípio da igualdade de encargos entre os
cidadãos obriga a que o expropriado não seja penalizado, no confronto com os
não expropriados, também não se afigura curial que, pela via da expropriação,
devam os expropriados vir a ser, manifestamente, favorecidos, em relação aos não
expropriados.
De facto, se é verdade que a indemnização só é justa se conseguir
ressarcir o expropriado do prejuízo que ele, efectivamente, sofreu, a qual, por
isso, não pode ser irrisória ou meramente simbólica, também não deverá ser
desproporcionada à perda do bem expropriado para fins de utilidade pública.
Assim, se a parcela a expropriar não permite, legalmente, a
construção, não pode ser paga pelo preço que teria se pudesse ser‑lhe
implantada uma edificação.
Porém, esta posição, que se assinala, não resiste à consideração de
que a aptidão edificativa mais não significa do que um determinado potencial de
capacidade edificativa, do que um certo coeficiente de edificabilidade,
susceptível de poder vir a acontecer, na sequência de uma nova alteração de
pormenor do PDM de Leiria, na zona envolvente à área de implantação do complexo
do Estádio Municipal de Leiria e seus acessos, como já sucedeu, por força da
iminente declaração de utilidade pública da expropriação, e que é razoável
poder vir a repetir‑se, na aludida zona, atendendo à pressão imobiliária que
aquele espaço, inevitavelmente, virá a conhecer.
A isto acresce que, não obstante o solo objecto de expropriação se
encontrar integrado na RAN, a verificação dos índices definidos pelo artigo
25.º, n.º 2, do CE99, sendo certo que, na hipótese em apreço, se demonstrou que
dispõe de acesso rodoviário, rede de distribuição domiciliária de água,
saneamento, energia eléctrica, drenagem de águas pluviais, estação depuradora,
em ligação com a rede de colectores de saneamento, distribuição de gás, rede
telefónica e de iluminação pública, com características adequadas para servir as
edificações a construir, é suficiente para a qualificação do mesmo, para efeitos
indemnizatórios, como ‘solo apto para a construção’.
Foi por esta razão, de facto, que o legislador eliminou, no CE99, a
norma do n.º 5 do artigo 24.º do Código das Expropriações de 1991, que estatuía
que, ‘para efeitos da aplicação do presente Código é equiparado a solo para
outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na
construção’, evitando quaisquer referências a proibições ou restrições
constantes da lei.
Pelo exposto, o solo da parcela expropriada, para efeitos do
cálculo da indemnização a atribuir à expropriada, deve ser classificado,
também, com base neste fundamento, como solo apto para a construção, em
conformidade com o preceituado pelo artigo 25.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea
b), do CE99.
Assim sendo, não é ilegal, nem inconstitucional, a interpretação dos
artigos 25.º, n.º 2, e 26.º, n.º 12, do CE99, que permite a indemnização
devida pela expropriação de um solo, como ‘solo apto para a construção’, não
obstante o mesmo se encontrar incluído na RAN e no Perímetro de Rega do Vale do
Lis, por eventual violação dos artigos 13.º e 62.º, n.º 2, da Constituição da
República Portuguesa.»
4. Tendo presentes, face às transcrições efectuadas, os critérios
normativos arguidos de inconstitucionais pelo recorrente perante o tribunal
recorrido, os critérios normativos efectivamente aplicados como ratio decidendi
pelo acórdão ora impugnado e os critérios normativos identificados no
requerimento de interposição do presente recurso, há que concluir pela
inadmissibilidade deste, determinante do não conhecimento do respectivo objecto,
embora por razões diversas relativamente a cada uma das duas questões que
integram esse objecto.
4.1. Quanto à primeira questão, identificada pelo recorrente como
versando «a inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 23.º do
Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de privilegiar a
expropriada, na medida em que vai muito além do ressarcimento do prejuízo que da
expropriação resultou para esta», é patente que a mesma carece de natureza
normativa.
O recorrente não identifica, de todo, o sentido da «interpretação
normativa», extraída da norma do artigo 23.º, n.º 1, do Código das
Expropriações, que reputa inconstitucional, limitando‑se a questionar a
conformidade constitucional do resultado de uma interpretação cujo sentido se
ignora qual seja.
Como já se referiu no n.º 2 desta Decisão Sumária, quando o
recorrente questiona a conformidade constitucional de uma interpretação
normativa, deve identificar essa interpretação com o mínimo de precisão, não
sendo idóneo, para esse efeito, o uso de fórmulas como «na interpretação dada
pela decisão recorrida» ou similares, e, recordando a formulação usada no
Acórdão n.º 367/94, que traduz orientação pacífica deste Tribunal,
reiterou‑se: «ao suscitar‑se a questão de inconstitucionalidade, pode
questionar‑se todo um preceito legal, apenas parte dele ou tão‑só uma
interpretação que do mesmo se faça. (...) [E]sse sentido (essa dimensão
normativa) do preceito há‑de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser
julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos
de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito
ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em
causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a Constituição.»
Como é evidente, a enunciação proposta pelo recorrente não preenche
minimamente este requisito, sendo inimaginável que, na hipótese de provimento
do recurso, o Tribunal Constitucional viesse a proferir decisão no sentido
julgar inconstitucional a norma contida no n.º 1 do artigo 23.º do Código das
Expropriações, «quando interpretada no sentido de privilegiar a expropriada,
na medida em que vai muito além do ressarcimento do prejuízo que da expropriação
resultou para esta».
Pelo exposto, por falta de adequada definição de uma questão de
inconstitucionalidade normativa, não se pode conhecer da primeira parte do
recurso interposto.
4.2. E também não se pode conhecer da segunda parte do recurso por o
critério normativo aí enunciado pelo recorrente não corresponder ao critério
normativo que foi efectivamente aplicado, como ratio decidendi, no acórdão
recorrido.
Não se nega que o acórdão recorrido, na sua argumentação, considerou
que a inclusão da parcela expropriada na Reserva Agrícola Nacional e no
Perímetro de Rega do Vale do Lis não constituía obstáculo insuperável à
aplicação do regime especial do n.º 12 do artigo 26.º do Código das
Expropriações. Mas o que foi determinante para esta qualificação foi o
reconhecimento de que a parcela em causa dispunha de uma «muito próxima ou
efectiva potencialidade edificativa», dado que:
«Situada dentro do aglomerado urbano de Leiria, a parcela
expropriada dispõe de acesso rodoviário directo, ainda que sob a forma de um
caminho em terra batida, e indirecto, a menos de 50 m, através de uma avenida
pavimentada com betuminoso, equipada com passeios, rede de distribuição
domiciliária de água, saneamento, distribuição de energia eléctrica, em baixa
tensão, drenagem de águas pluviais, estação depuradora, em ligação com a rede de
colectores de saneamento, rede distribuidora de gás, rede telefónica e rede de
iluminação pública.
Por seu turno, em relação ao limite da faixa envolvente da parcela
expropriada, com o perímetro exterior de 300 m, existem construções, nas zonas
de enquadramento da Quinta do Cabeço, do Estádio Municipal, da Nova Leiria, e ao
longo da Estrada do Arrabalde.»
E, além disso, atribuiu‑se relevância decisiva, para a qualificação
do terreno, às seguintes considerações:
«Com efeito, mesmo a admitir‑se que não tenha existido desafectação
do terreno expropriado em causa, o certo é que, desde logo, a construção de um
estádio municipal e respectivas infra‑estruturas, embora se trate de um
empreendimento para fins diferentes dos agrícolas a que o terreno se destinava,
ao ser integrado na RAN, é, por si só, susceptível de atrair para a sua órbita a
construção de edifícios para habitação ou escritórios, de instalações e
edifícios de equipamento, de interesse colectivo, de edifícios residenciais,
comerciais e de serviços, geradores de uma ‘muito próxima ou efectiva’
potencialidade edificativa, relevante para a qualificação do terreno como ‘solo
apto para a construção’.
Assim sendo, no presente caso, admitindo não ter existido
desafectação do terreno da RAN, não se verifica, tão‑só, um uso não agrícola
do solo nesta integrado, podendo concluir‑se, afoitamente, que a expropriação se
destinou à construção de um edifício urbano.
Por isso, neste caso de expropriação de terreno integrado na RAN, há
que considerar, para efeitos de cálculo do valor da indemnização, a pagar ao
expropriado, uma real potencialidade edificativa, que nasceu com a
expropriação, que esta gerou, porquanto nele se edificou uma construção urbana,
isto é, uma área intermunicipal de equipamento público estruturante.»
(sublinhados acrescentados).
Não existe, assim, coincidência entre o critério normativo enunciado
na segunda parte do requerimento de interposição de recurso e o critério
normativo aplicado, como ratio decidendi, no acórdão recorrido, o que determina
a inadmissibilidade total do presente recurso.
Aliás, se fosse possível conhecer da segunda parte do recurso e,
assim, apreciar a constitucionalidade do critério normativo adoptado no acórdão
recorrido, seria então possível proferir decisão sumária de improvimento do
recurso, dada a existência de anteriores decisões deste Tribunal no sentido da
não inconstitucionalidade de tal critério.
Para citar apenas as mais recentes decisões, registe‑se que o
Acórdão n.º 276/2007 não julgou inconstitucionais as normas constantes dos
artigos 23.º, n.º 1, e 26.º, n.ºs 1 e 12, do Código das Expropriações de 1999,
«quando interpretadas no sentido de incluírem na classificação de ‘solo apto
para a construção’, e a serem indemnizados de acordo com as regras constantes
deste n.º 12, os solos adquiridos em data anterior à entrada em vigor de Plano
Director Municipal que os integrou em ‘Zona de Salvaguarda Estrita’, ‘RAN’ e
‘Espaço Florestal’ e expropriados para a implantação de ‘áreas de serviço’ de
auto‑estradas». Este juízo de não inconstitucionalidade foi alcançado por uma
dupla via: para quem comunga da orientação traçada pelos Acórdãos n.ºs 114/2005,
234/2007 e 239/2007, por directa aplicação do critério aí tido por
constitucionalmente conforme; mas mesmo para quem não defenda a tese que fez
vencimento nesses arestos, por se entender que «a edificação das ‘áreas de
serviço’ e a actividade e fins que, prevalentemente, prosseguem mais não
representa, quando se verifica a situação prevista no artigo 26.º, n.º 12, do
CE/99, do que a manifestação de uma objectiva aptidão anterior de
edificabilidade, pelo que a valoração do solo como sendo para construção não
deixa de corresponder a uma forma de ‘evitar a manipulação das regras
urbanísticas por parte dos planos municipais’ (cf. Fernando Alves Correia, ‘A
Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade
Pública e o Código das Expropriações de 1999’, in Revista de Legislação e de
Jurisprudência, ano 133, pp. 53/54)»; e, assim, «numa tal situação, a
expectativa do expropriado em nada sai privilegiada relativamente a outros não
expropriados que tenham os seus terrenos sujeitos a idêntico regime jurídico
‘situacional’», donde se conclui «que a norma questionada não ofende nem o
princípio da justa indemnização nem o princípio da igualdade, na sua vertente
externa».
E no Acórdão n.º 469/2007 julgou‑se mesmo «inconstitucional, por
violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, a
interpretação dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º
do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro,
acolhida no acórdão recorrido, segundo a qual o valor da indemnização devida
pela expropriação, para construção de um terminal ferroviário, de um terreno,
que objectivamente preenche os requisitos elencados no n.º 2 do artigo 25.º
para a qualificação como ‘solo apto para a construção’, mas que foi integrado
na Reserva Agrícola Nacional por instrumento de gestão territorial em data
posterior à sua aquisição pelos expropriados, deve ser calculado de acordo com
os critérios definidos no artigo 27.º para os ‘solos para outros fins’, e não
de acordo com o critério definido no n.º 12 do artigo 26.º, todos do referido
Código».
5. Em face do exposto, decide‑se, ao abrigo do artigo 78.º‑A, n.º 1,
da LTC, não conhecer do objecto do recurso.”
1.2. A reclamação do recorrente assenta nos seguintes
fundamentos:
“I – Por decisão sumária, já identificada, foi decidido não conhecer
do objecto do recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º
da LTC e admitido no tribunal a quo.
O requerimento de recurso tem o teor reproduzido na decisão
reclamada.
No requerimento de recurso foi suscitada a inconstitucionalidade da
interpretação de certas normas jurídicas, tal como realizada pelo tribunal a
quo.
A decisão sumária reclamada apresenta três componentes distintas:
Primeira, «falta de adequada definição de uma questão de
inconstitucionalidade normativa» quanto à primeira parte do objecto do recurso;
Segunda, falta de «coincidência entre o critério normativo enunciado
na segunda parte do requerimento de interposição de recurso e o critério
normativo aplicado, como ratio decidendi, no acórdão recorrido»;
Terceira, «se fosse possível conhecer da segunda parte do recurso e,
assim, apreciar a constitucionalidade do critério normativo adoptado no acórdão
recorrido, seria então possível proferir decisão sumária de improvimento do
recurso, dada a existência de anteriores decisões deste Tribunal no sentido da
não inconstitucionalidade de tal critério».
Nenhuma das asserções aduzidas na decisão sumária se revela
conforme com as normas legais aplicáveis, como de seguida se demonstrará.
II – Quanto à alegada falta de adequada definição de uma questão de
inconstitucionalidade normativa:
a) Adequada definição de uma questão de inconstitucionalidade
normativa
O requerimento de interposição de recurso enuncia do seguinte modo a
questão de inconstitucionalidade a dirimir:
«a) A inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 23.º
do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de privilegiar a
expropriada, na medida em que vai muito além do ressarcimento do prejuízo que
da expropriação resultou para esta;»
Para tanto, no mesmo requerimento, aduziu‑se, com detalhe, o modo
como a questão em causa foi suscitada nas alegações do recorrente perante o
tribunal a quo.
Essas alegações, no que a esta específica questão tange, apresentam
o seguinte teor:
«Ao avaliar‑se a parcela expropriada, como sucedeu no caso
vertente, de acordo com as regras por que são avaliados os terrenos
susceptíveis de serem edificados, privilegiou‑se, injustificadamente, a
expropriada relativamente aos restantes proprietários que vêem os seus terrenos
valer muito menos em função da limitação edificatória constante dos regimes
jurídicos da RAN, do Regime Jurídico do Aproveitamento Hidroagrícola.
Ou seja, a expropriação acaba por não causar um prejuízo à
expropriada, prejuízo este que justifica a atribuição de uma justa indemnização
– mas, antes pelo contrário, beneficia‑a em razão da expropriação, uma vez que,
ao considerar‑se que a parcela expropriada é apta para construção, como faz o
relatório maioritário, a recorrente é objecto de um tratamento privilegiado
relativamente aos seus concidadãos que possuem terrenos classificados em solos
RAN e inseridos dentro do perímetro de obras de aproveitamento hidroagrícola,
no caso dos autos, do Perímetro de Rega do Vale do Lis, os quais se encontram
impedidos de lhes dar qualquer aproveitamento económico a não ser o
aproveitamento agrícola.
Note‑se, ainda, que a expropriada é privilegiada relativamente aos
possuidores de terrenos com aptidão edificativa e que o PDM de Leiria destinou a
zonas verdes ou de equipamentos.
Pois, estes, a serem indemnizados, são‑no pela expropriação de um
direito que detinham.
A expropriada, a ser indemnizada de acordo com o valor determinado
pela sentença recorrida, é, injustamente, privilegiada, pois é indemnizada por
um direito que nunca teve e que, consequentemente, nunca lhe foi retirado.
Se não existisse expropriação e a expropriada pretendesse vender a
parcela expropriada ao preço de mercado praticado para terrenos incluídos na
RAN e no Perímetro de Rega do Vale do Lis, esta nunca lograria obter o valor
exorbitante indicado no relatório maioritário e aceite pela M.ma Juiz a quo,
pois o mesmo é ‘injusto e desajustado da realidade’, razão pela qual o ora
recorrente o não aceita.
Existe, assim, uma manifesta desproporção entre o valor fixado a
título de justa indemnização e o valor real de mercado do bem, que é
manifestamente inferior ao que lhe foi atribuído.
A indemnização atribuída à expropriada ultrapassa, por excesso, o
que deverá ser uma justa indemnização.
Nesta medida e uma vez que há excesso na atribuição dessa
indemnização, resulta inequívoca a violação do princípio da igualdade e do
princípio da justa indemnização constitucionalmente consagrados (respectivamente
nos artigos 13.º e 62.º, n.º 2, da CRP).»
Se se pode admitir que não foi efectuada com completude a
delimitação da questão de inconstitucionalidade, no que se refere à sua
enunciação conclusiva, não pode deixar de se admitir que a questão foi
suscitada em termos que configuram um perfeito enquadramento na definição de uma
específica inconstitucionalidade normativa.
Para tanto foi claramente invocada:
– A inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 23.º
do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de admitir a
avaliação da parcela expropriada, incluída em RAN e no Perímetro de Rega do
Vale do Lis, de acordo com as regras por que são avaliados os terrenos
susceptíveis de serem edificados, na medida em que privilegia a expropriada e
vai muito para além do ressarcimento do prejuízo que da expropriação resultou
para esta.
– A inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 23.º
do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de admitir a
avaliação da parcela expropriada, incluída em RAN e no Perímetro de Rega do
Vale do Lis, de acordo com as regras por que são avaliados os terrenos
susceptíveis de serem edificados, na medida em que privilegia a expropriada por
permitir que a indemnização decorrente da expropriação tenha por base um direito
que nunca teve e que, por isso, não lhe foi retirado.
– A inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 23.º
do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de admitir a
avaliação da parcela expropriada, incluída em RAN e no Perímetro de Rega do
Vale do Lis, de acordo com as regras por que são avaliados os terrenos
susceptíveis de serem edificados, na medida em que confere um tratamento
privilegiado à expropriada em comparação com todos os restantes proprietários de
terrenos, incluídos em RAN e no Perímetro de Rega do Vale do Lis, que apenas
podem dar, aos seus terrenos, um aproveitamento agrícola.
O contexto de suscitação da questão de inconstitucionalidade é de
molde a definir, com clareza meridiana, os termos da inconstitucionalidade
normativa que se pretende apreciada pelo Tribunal Constitucional.
Recorrendo aos próprios termos do relator da decisão sumária
reclamada, existe uma clara identidade entre os critérios normativos arguidos
de inconstitucionalidade pelo recorrente perante o tribunal recorrido e os
critérios normativos identificados no requerimento de interposição do recurso de
inconstitucionalidade.
Atente‑se que, até em termos literais, a questão foi apresentada nos
mesmos exactos moldes.
Neste sentido, deve entender‑se que o critério normativo, quanto à
concreta questão de inconstitucionalidade normativa suscitada, há‑de extrair‑se
do modo como resulta configurado no requerimento de interposição de recurso,
efectuando‑se uma leitura conjugada dos seus diversos itens.
b) A falta de adequada definição de uma questão de
inconstitucionalidade normativa – Convite ao aperfeiçoamento
A admitir‑se que não seria assim, no que se admite sem conceder,
caberia lançar mão do disposto no n.º 5 do artigo 75.º‑A da LTC, que determina:
«Se o requerimento de interposição do recurso não indicar algum dos
elementos previstos no presente artigo, o juiz convidará o requerente a prestar
essa indicação no prazo de 10 dias.»
Esta disposição, dirigida, de modo directo, ao relator no tribunal a
quo, é expressamente aplicável ao relator no Tribunal Constitucional, como
preceitua o n.º 6 do mesmo artigo 75.º‑A da LTC.
Assim, admitindo o relator no Tribunal Constitucional que não se
encontra identificado de modo completo – apesar de o requerimento conter a sua
clara e completa enunciação – o critério normativo arguido de
inconstitucionalidade, haveria lugar à aplicação imperativa do disposto no
artigo 75.º‑A, n.ºs 5 e 6, da LTC, que determina a prolação de convite de
aperfeiçoamento.
Como bem se sustenta na doutrina, a falta ou insuficiência de
qualquer dos elementos devidos determina a prolação de despacho de
aperfeiçoamento, na medida em que se trata de suprir irregularidades ou
deficiências reparáveis, (cf. Blanco de Morais, Justiça Constitucional, tomo II,
Coimbra, 2005, pp. 740 e 756).
Constitui regra geral do direito processual, e por isso também
aplicável em sede de processo constitucional, que a ocorrência de imperfeições
ou omissões em sede de recurso jurisdicional cominam ao relator o dever de
convidar o recorrente a completar, esclarecer ou sintetizar os termos da
formulação da sua pretensão.
Tal regra encontra, por exemplo, guarida no artigo 266.º do Código
de Processo Civil, no qual é identificado um dever de prevenção do tribunal em
relação às partes, no quadro da cooperação intersubjectiva.
Alega‑se, inclusive, que quando as partes são convidadas pelo juiz a
suprir deficiências se está «a garantir ‘objectivamente’ a realização da função
do processo: a justa composição do litígio» (Lopes do Rego, Comentário ao Código
de Processo Civil, vol. I, Coimbra, 2004, 2.ª ed., p. 38).
Atente‑se que o próprio Tribunal Constitucional já considerou que «o
equilíbrio entre as partes não pressupõe o direito de cada uma delas à
retaliação da parte contrária, através do insucesso do correspondente pedido,
sempre que essa parte tenha cometido erros processuais» (Acórdão n.º 517/2000,
de 29 de Novembro de 2000, processo n.º 131/2000).
Argumentos que valem, sem rebuço, para a situação reclamada.
A falta de formulação do referido convite de aperfeiçoamento – se
fosse considerado necessário, ante a explícita enunciação da questão no cômputo
do requerimento – constitui nulidade processual de que padece, nessa parte, a
decisão sumária reclamada, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), 1.ª
parte, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 69.º da LTC.
Se se não considerar, como é devido, que o critério normativo da
questão de inconstitucionalidade suscitada em primeiro lugar pelo recorrente,
ora reclamante, foi devidamente enunciada no seu enquadramento contextual,
então, deverá ser ordenado pelo relator no Tribunal Constitucional o convite de
aperfeiçoamento nessa estrita [componente].
A sua falta gera a nulidade da decisão reclamada, nessa componente,
e, além do mais, representa uma evidente violação da tutela jurisdicional
efectiva, constitucionalmente consagrada, ao vedar o acesso à discussão de uma
relevante questão de constitucionalidade normativa, num tipo de processo de
enorme relevância social, atento o impacto gerado na comunidade e nos encargos
financeiros que gera na esfera do recorrente, ora reclamante, e, por essa via,
nos contribuintes.
Assim,
Cabe concluir que:
i) foi enunciado, no contexto do requerimento de interposição de
recurso, o critério normativo que se reputa inconstitucional, razão pela qual
deve ser determinado o conhecimento do objecto do recurso, nesta componente;
ii) se assim não se atender, no que não se concede, deve ser
ordenada a notificação do recorrente, ora reclamante, para aperfeiçoar o
requerimento, completando, por referência ao respectivo contexto e às alegações
aduzidas no tribunal a quo, a enunciação conclusiva do critério normativo
arguido de inconstitucionalidade.
III – Quanto à falta de coincidência entre o critério normativo
enunciado e o critério normativo aplicado, como ratio decidendi, no acórdão
recorrido:
A decisão sumária reclamada refere que «não se pode conhecer da
segunda parte do recurso por o critério normativo aí enunciado pelo recorrente
não corresponder ao critério normativo que foi efectivamente aplicado, como
ratio decidendi, no acórdão recorrido».
Para em seguida aditar que:
«Não se nega que o acórdão recorrido, na sua argumentação,
considerou que a inclusão da parcela expropriada na Reserva Agrícola Nacional e
no Perímetro de Rega do Vale do Lis não constituía obstáculo insuperável à
aplicação do regime especial do n.º 12 do artigo 26.º do Código das
Expropriações. Mas o que foi determinante para esta qualificação foi o
reconhecimento de que a parcela em causa dispunha de uma ‘muito próxima ou
efectiva potencialidade edificativa’».
A plena compreensão do argumento expendido para fundar o não
conhecimento do objecto da segunda parte do recurso depende de visita ao
acórdão recorrido, para aclaração da respectiva ratio decidendi.
Neste acórdão, além das passagens escolhidas pela decisão reclamada,
enunciam‑se, com relevo para a questão, as seguintes asserções:
«Assim, se a parcela a expropriar não permite, legalmente, a
construção, não pode ser paga pelo preço que teria se pudesse ser‑lhe implantada
uma edificação.
Porém, esta posição, que se assinala, não resiste à consideração de
que a aptidão edificativa mais não significa do que um determinado potencial de
capacidade edificativa, do que um certo coeficiente de edificabilidade,
susceptível de poder vir a acontecer, na sequência de uma nova alteração de
pormenor do PDM de Leiria, na zona envolvente à área de implantação do complexo
do Estádio Municipal de Leiria e seus acessos, como já sucedeu, por força da
iminente declaração de utilidade pública da expropriação, e que é razoável poder
vir a repetir‑se, na aludida zona, atendendo à pressão imobiliária que aquele
espaço, inevitavelmente, virá a conhecer.
A isto acresce que, não obstante o solo objecto de expropriação se
encontrar integrado na RAN, a verificação dos índices definidos pelo artigo
25.º, n.º 2, do CE99, sendo certo que, na hipótese em apreço, se demonstrou que
dispõe de acesso rodoviário, rede de distribuição de água, saneamento, energia
eléctrica, drenagem de águas pluviais, estação depuradora, em ligação com a
rede de colectores de saneamento, distribuição de gás, rede telefónica e de
iluminação pública, com características adequadas para servir as edificações a
construir, é suficiente para a qualificação do mesmo, para efeitos
indemnizatórios, como ‘solo apto para a construção’.
(…)
Pelo exposto, o solo da parcela expropriada, para efeitos do
cálculo da indemnização a atribuir à expropriada, deve ser classificado,
também, com base neste fundamento, como solo apto para a construção, em
conformidade com o preceituado pelo artigo 25.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea
b), do CE99.
Assim sendo, não é ilegal, nem inconstitucional, a interpretação dos
artigos 25.º, n.º 2, e 26.º, n.º 12, do CE99, que permite a indemnização devida
pela expropriação de um solo, como ‘solo apto para a construção’, não obstante o
mesmo se encontrar incluído na RAN e no Perímetro de Rega do Vale do Lis, por
eventual violação dos artigos 13.º e 62.º, n.º 2, da Constituição da República
Portuguesa.» (Sublinhados nossos).
Daqui se conclui que, contrariamente ao aduzido na decisão
reclamada, o tribunal a quo lavrou a sua decisão na expressa e inequívoca
consideração de que:
«a verificação dos índices definidos pelo artigo 25.º, n.º 2, do
CE99, (…) , é suficiente para a qualificação do mesmo, para efeitos
indemnizatórios, como ‘solo apto para a construção’»
Tendo concluído:
«Assim sendo, não é ilegal, nem inconstitucional, a interpretação
dos artigos 25.º, n.º 2, e 26.º, n.º 12, do CE99, que permite a indemnização
devida pela expropriação de um solo, como ‘solo apto para a construção’, não
obstante o mesmo se encontrar incluído na RAN e no Perímetro de Rega do Vale do
Lis.»
Decorre do excurso relevado no acórdão do Tribunal da Relação a
consideração de efeitos e a perspectivação de eventualidades de ocorrência
incerta, tais considerações resultariam, necessariamente, numa conclusão sem
suporte legal se não se contivessem nas normas legais citadas.
O exemplo mais evidente encontra‑se na passagem em que se refere:
«susceptível de poder vir a acontecer, na sequência de uma nova
alteração de pormenor do PDM de Leiria, na zona envolvente à área de implantação
do complexo do Estádio Municipal de Leiria e seus acessos, como já sucedeu, por
força da iminente declaração de utilidade pública da expropriação, e que é
razoável poder vir a repetir‑se, na aludida zona, atendendo à pressão
imobiliária que aquele espaço, inevitavelmente, virá a conhecer.»
Não constitui encargo dos tribunais, enquanto órgãos de soberania, a
perspectivação futura do conteúdo dos instrumentos de gestão do território,
cuja elaboração, alteração e aprovação está, legalmente, atribuída a outros
organismos públicos.
A atribuição de relevância a uma tal cogitação esbarraria, desde
logo, no princípio da separação de poderes, com suporte constitucional.
Do exposto resulta que, cogitadas certas e hipotéticas evoluções
futuras, daí não resultariam fundados argumentos, com alavanca legal, para a
conclusão a que o tribunal a quo veio a chegar. Por essa razão foi escorar‑se,
como principal e determinante fundamento para a decisão, nos preceitos legais
com aplicação ao caso concreto: os artigos 25.º, n.º 2, e 26.º, n.º 12, do
Código das Expropriações.
A não serem estas as normas legais nas quais se suportou o tribunal
a quo para emitir o aresto impugnado, teria então de se concluir, – o
contra‑senso, que não se aceita, – que a qualificação do solo como apto para
construção não derivou da aplicação daqueles normativos (na interpretação que
deles fez o referido Tribunal), nem de quaisquer outros porque não referidos.
Ora, como não pode deixar de se concluir, o arrazoado constante do
acórdão do tribunal a quo visa, na globalidade, justificar «a indemnização
devida pela expropriação de um solo, como ‘solo apto para a construção’, não
obstante o mesmo se encontrar incluído na RAN e no Perímetro de Rega do Vale do
Lis».
E visa fazê‑lo pela única forma possível (ainda que não unânime, nem
aceite pelo recorrente), através da interpretação das normas contidas no n.º 2
do artigo 25.º e no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, no
sentido de permitir a indemnização devida pela expropriação de um solo, como
«solo apto para a construção», não obstante este se encontrar incluído na
Reserva Agrícola Nacional e no Perímetro de Rega do Vale do Lis.
A consideração de justificações que têm de se inserir no quadro
legal das normas aplicadas não se desenquadra do modo como foi suscitada a
inconstitucionalidade normativa em apreço.
De tal desiderato decorre, com fluente clareza, a identidade entre o
critério normativo efectivamente aplicado como ratio decidendi pelo acórdão
impugnado e o critério normativo identificado no requerimento de interposição do
recurso de constitucionalidade.
Aliás, o argumento constante da decisão sumária reclamada constitui,
se se quiser, um índice enquadrado na previsão das normas, das quais terá de
decorrer, pelo menos, na perspectiva adoptada pelo tribunal a quo e pelo
relator. Não se afastando do cerne da questão de inconstitucionalidade
normativa suscitada pelo recorrente, ora reclamante.
O sentido contido nesse argumento é, ele próprio, tautológico, na
medida em que repete o resultado alcançado, sem aclarar ou aprofundar a sua
compreensão.
A não ser assim, não têm qualquer sentido as menções aos preceitos
em causa e ao sentido interpretativo que deles foi feito, atendo‑se o tribunal a
quo no mero afastamento liminar da inconstitucionalidade suscitada. Não foi
essa, no entanto, a sua opção.
E se não o fez, como se deduz, foi pela simples razão de que o
acórdão impugnado assentou, de modo determinante e decisivo, no sentido
interpretativo cuja inconstitucionalidade normativa foi arguida pelo
recorrente, ora reclamante.
A interpretação do critério normativo efectivamente aplicado pelo
acórdão impugnado não pode, em qualquer caso, servir de guarida a uma
perspectiva discricionária em sede de admissão de recursos de
constitucionalidade.
A Constituição e a Lei não concedem a adopção de critérios
discricionários ou implicitamente discricionários na decisão de admissão de um
recurso de constitucionalidade, ainda que situados no seu segundo momento de
admissão, no exercício de uma apreciação de competência da competência.
A decisão de não conhecimento da segunda parte do objecto do recurso
é, igualmente, nula, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), primeira
parte, do Código do Processo Civil, aplicável por força do artigo 69.º da LTC.
Cabe, assim, declarar a nulidade da decisão sumária, na componente
identificada e, em consequência, substituir a decisão de não conhecimento da
segunda parte do objecto do recurso por decisão que determine a notificação do
recorrente para apresentar alegações, nos termos do artigo 78.º‑A, n.º 5, da
LTC.
IV – Quanto à eventualidade de decisão sumária do mérito do recurso
de constitucionalidade:
Com vista a acautelar a evidente insegurança dos insuficientes
fundamentos aduzidos na decisão sumária reclamada que alicerçam a decisão de
não conhecimento da segunda parte do objecto do recurso, veio, como tábua de
salvação e meramente como hipótese abstracta, referenciada a conclusão de que,
ainda que fosse possível conhecer da segunda parte do objecto do recurso, tal
conhecimento conduziria ao não provimento do recurso.
Este argumento de último recurso, baseia‑se na «existência de
anteriores decisões deste Tribunal no sentido da não inconstitucionalidade de
tal critério».
Ao relator é conferido o poder de proferir decisão sumária, quanto
ao mérito do recurso, se a questão a decidir for simples (artigo 78.º‑A, n.º 1,
da LTC).
Este conceito indeterminado de «decisão simples» é concretizado, de
modo exemplificativo, quando a questão a decidir já foi objecto de decisão
anterior do Tribunal ou por ser manifestamente infundada (cf. mesmo artigo e
lei).
Ora, o relator enquadrou a questão simples na existência de
anteriores decisões do Tribunal e citou algumas delas.
Os acórdãos citados na decisão sumária reclamada foram proferidos na
2.ª Secção do Tribunal Constitucional.
No entanto, como decerto não é desconhecido, o Tribunal
Constitucional proferiu outros arestos nos quais adoptou orientação diversa da
invocada na decisão reclamada e que se alinham no sentido preconizado pelo
reclamante.
São disso exemplo, entre outros, o Acórdão n.º 243/2001, de 23 de
Maio de 2001, processo n.º 15/2001, o Acórdão n.º 347/2003, de 8 de Julho de
2003, processo n.º 794/2002, o Acórdão n.º 275/2004, de 20 de Abril de 2004,
processo n.º 3/2004, o Acórdão n.º 417/2006, de 11 de Julho de 2006, processo
n.º 538/2005, o Acórdão n.º 118/2007, de 16 de Fevereiro de 2007, processo n.º
785/2006, e o Acórdão n.º 416/2007, de 18 de Julho de 2007, processo n.º
149/2006.
Esta circunstância, tendo em conta o nível que se imputa ao conjunto
da jurisprudência emanada pelo Tribunal Constitucional, parece impedir a
configuração da questão de constitucionalidade suscitada como questão simples.
A simplicidade da questão – a existir – teria decerto conduzido à
uniformização do sentido jurisprudencial assumido pelo Tribunal. A sua falta
traduz, pela mesma razão, a conclusão inversa. A questão não é simples porque
nem sequer no Tribunal Constitucional é decidida no mesmo sentido por todas as
Secções.
A simplicidade da questão a decidir por juiz singular, em entorse à
regra do julgamento em formação de juízes, não pode ser afirmada, perante a
constatação da existência de várias decisões jurisdicionais, ao longo dos anos,
em sentidos diferentes e antagónicos.
Assim, a decisão de admissão do recurso apresentado, como se
peticiona, não pode ser seguida de decisão sumária, quanto ao mérito, pelo
relator, na medida em que não ocorre a simplicidade da questão, por existir
jurisprudência contraditória ao nível do Tribunal Constitucional.
A existência de divergência jurisprudencial constitui requisito para
determinar, inclusive, a intervenção do plenário do Tribunal, conforme estatui
o artigo 79.º‑A, n.º 1, da LTC.
A jurisprudência invocada na decisão sumária reclamada é da 2.ª
Secção e não do Plenário do Tribunal, esta diferente circunscrição da
composição das formações de julgamento em apreço condiciona de modo irreversível
a possibilidade de ser proferida decisão sumária quanto ao mérito do objecto do
recurso.
Não se ignorando que, se vier a ser julgada a questão de
inconstitucionalidade em sentido divergente ao anteriormente adoptado quanto à
mesma norma, por qualquer das Secções, pode ser interposto recurso para o
Plenário do Tribunal (artigo 79.º‑D, n.º 1, da LTC).
A circunstância de existir jurisprudência do Tribunal Constitucional
nos dois sentidos permite, à partida, considerar a possibilidade de interposição
de recurso para o Plenário.
Também por este motivo não é admissível a decisão sumária do mérito
do recurso por tal consubstanciar um obstáculo inconstitucional e ilegal ao
direito ao recurso por parte do recorrente, ora reclamante.
Nestes termos e por não se verificarem os requisitos que o concedem,
não é possível o recurso ao disposto no artigo 78.º‑A, n.º 1, da LTC, devendo o
julgamento do mérito do recurso ser efectuado pela Secção a que foi
distribuído, admitindo‑se, conforme acima se referiu, a intervenção do Plenário
do Tribunal, ao abrigo do citado artigo 79.º‑A, ou, se esta não ocorrer, a
posterior interposição de recurso para esse Plenário, de acordo com o artigo
79.º‑D, da LTC.
Nestes termos, deve ser declarada nula a decisão sumária reclamada,
nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), primeira parte, do Código de
Processo Civil, por força do artigo 69.º da LCT, e, consequente, deve ser
determinado o conhecimento da totalidade do objecto do recurso, mandando
notificar‑se o recorrente para apresentar alegações, nos termos do artigo
78.º‑A, n.º 5, da LTC.
Ou, se assim não se entender, quanto à primeira parte do objecto do
recurso, deve ser ordenado ao recorrente o aperfeiçoamento do requerimento, nos
termos do artigo 75.º‑A, n.ºs 5 e 6, da LTC.
Ao qual se seguirá a competente apreciação quanto ao conhecimento do
seu objecto.
Em qualquer dos casos, não deve ser adoptada decisão sumária do
mérito do recurso pelo relator, por não se encontrarem preenchidos os
respectivos pressupostos.”
1.3. A recorrida, notificada da apresentação da
precedente reclamação, apresentou a seguinte resposta:
“I – Metodologia adoptada.
Na presente resposta adoptaremos a seguinte metodologia de análise
das questões colocadas em sede da presente reclamação para a conferência:
1 – Enunciaremos os critérios de admissibilidade do recurso
interposto, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, conforme
restrição indicada pelo próprio recorrente (Ponto II).
2 – A partir da enunciação desses critérios de admissibilidade do
recurso interposto para este Tribunal Constitucional, analisaremos a decisão
sumária que decidiu não dever ser conhecido o recurso, por inadmissibilidade do
mesmo e deter‑nos‑emos na análise das razões de discordância dessa decisão,
aduzidas pelo recorrente (Pontos III e IV).
3 – Por fim, concluiremos expondo qual deverá ser o sentido da
decisão a proferir nesta sede (Ponto V).
II – Critérios de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
O Ex.mo Senhor Dr. Juiz Conselheiro Relator, que decidiu
sumariamente não conhecer do objecto do recurso interposto para este Tribunal
Constitucional, enunciou com exactidão o seguinte (a fls. 8 e 9):
«No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a
competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da
inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade
constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas,
hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o
sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de
inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si mesmas
consideradas. (…) na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a
adopção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em
apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, susceptível de aplicação a
outras situações (...).
Tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade
depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de
inconstitucionalidade haver sido suscitada ‘durante o processo’, ‘de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida,
em termos de este estar obrigado a dela conhecer’ (n.º 2 do artigo 72.º da LCT),
e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das
dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
Acresce que, quando o recorrente questiona a conformidade
constitucional de uma interpretação normativa, deve identificar essa
interpretação com o mínimo de precisão (…).»
III – Inconstitucionalidade do artigo 23.º, n.º 1, do Código das
Expropriações, quando interpretado no sentido de privilegiar a expropriada,
indo além do ressarcimento do prejuízo que lhe resultou da expropriação.
Esta primeira questão de inconstitucionalidade suscitada como
versando «a inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 23.º do
Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de privilegiar a
expropriada, na medida em que vai muito além do ressarcimento do prejuízo que
da expropriação resultou para esta» foi entendida pelo Ex.mo Senhor Dr. Juiz
Conselheiro Relator, de modo correcto, como carecendo de carácter normativo.
Efectivamente, corno se esclarece na decisão sumária proferida (a
fls. 21, 2.º parágrafo), «o recorrente não identifica, de todo, o sentido da
‘interpretação normativa’, extraída da norma do artigo 23.º, n.º 1, do Código
das Expropriações, que reputa inconstitucional, limitando‑se a questionar a
conformidade constitucional do resultado de uma interpretação cujo sentido se
ignora qual seja».
No sentido do preenchimento desse requisito de admissibilidade do
recurso, sustentando a definição de uma específica inconstitucionalidade
normativa, vem, agora, em sede da reclamação para esta Conferência, explicitar
(a fls. 4 da sua reclamação) que considera claramente invocada:
«– A inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 23.º
do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de admitir a
avaliação da parcela expropriada, incluída em RAN e no Perímetro de Rega do
Vale do Lis, de acordo com as regras por que são avaliados os terrenos
susceptíveis de serem edificados, na medida em que privilegia a expropriada e
vai muito para além do ressarcimento do prejuízo que da expropriação resultou
para esta.
– A inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 23.º
do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de admitir a
avaliação da parcela expropriada, incluída em RAN e no Perímetro de Rega do
Vale do Lis, de acordo com as regras por que são avaliados os terrenos
susceptíveis de serem edificados, na medida em que privilegia a expropriada por
permitir que a indemnização decorrente da expropriação tenha por base um
direito que nunca teve e que, por isso, não lhe foi retirado.
– A inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 23.º
do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de admitir a
avaliação da parcela expropriada, incluída em RAN e no Perímetro de Rega do
Vale do Lis, de acordo com as regras por que são avaliados os terrenos
susceptíveis de serem edificados, na medida em confere um tratamento
privilegiado à expropriada em comparação com todos os restantes proprietários
de terrenos, incluídos em RAN e no Perímetro de Rega do Vale do Lis, que apenas
podem dar, aos seus terrenos, um aproveitamento agrícola.»
Mais uma vez não tem razão a recorrente, atendendo a que incorre em
erro manifesto, ao explicitar meros juízos conclusivos acerca de uma alegada
situação de privilégio da expropriada, obtido por via do acórdão proferido.
Não alicerçando tal juízo conclusivo sequer em matéria provada nos
autos – não tendo efectivamente sido nestes produzida prova acerca do valor de
parcelas nas circunstâncias que refere, para que pudesse, nesse caso,
concluir‑se por qualquer tratamento privilegiado, injusto e violador do
princípio da igualdade, da expropriada; ou do valor real e corrente do bem
expropriado de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização
económica normal (diferente do apurado conforme o foi nos autos); ou
circunstâncias e condições de facto existentes a ponderar, que não tivessem sido
atendidas.
Não explicita, uma vez mais, com o mínimo de concretização, qual a
exacta proposição contida no artigo 23.º, n.º 1, do Código das Expropriações,
que entende ter sido interpretada e aplicada no sentido de privilegiar a
expropriada, na medida em que vai muito além do ressarcimento do prejuízo que
da expropriação resultou para esta (conforme indica).
Nem poderia fazê‑lo, pelas razões referidas, atendendo a que um
juízo de privilégio exigiria sempre a definição concreta do elemento não
privilegiado, como definidor comparativo e, inexistindo este (nos termos que
anteriormente indicámos), nunca tal juízo poderia ser realizado.
Pelos motivos expostos, carecendo de carácter normativo a primeira
questão de inconstitucionalidade suscitada, não poderá, conforme correctamente
se concluiu na decisão sumária proferida pelo Ex.mo Senhor Dr. Juiz Conselheiro
Relator, ser conhecida a primeira parte do recurso interposto para este Tribunal
Constitucional.
Não poderá igualmente atender a pretensão da recorrente de dever ser
formulado convite ao aperfeiçoamento nos termos do n.º 5 do artigo 75.º‑A da
LTC, porquanto este apenas tem aplicação nos casos em que falte a indicação de
algum dos elementos previstos nesse artigo e tais elementos são somente os
seguintes in casu – os quais foram indicados pela recorrente:
– a alínea do n.º 1 do artigo 70.º ao abrigo da qual o recurso é
interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o
Tribunal aprecie (n.º 1 do artigo 75.º‑A da LTC);
– indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se
considera violado, bem como da peça processual em que o recorrente suscitou a
questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade (n.º 2 do artigo 75.º‑A da LTC).
Deste modo, não poderá ser usado o mecanismo do convite previsto no
n.º 5 do artigo 75.º‑A da LTC, para que a recorrente possa suprir a carência de
carácter normativo da primeira questão de inconstitucionalidade suscitada –
sendo este o motivo pelo qual não poderá conhecer‑se dessa questão.
IV – Inconstitucionalidade do artigo 25.º, n.º 2, e do artigo 26.º,
n.º 12, do Código das Expropriações, quando interpretados no sentido de permitir
a indemnização devida pela expropriação de um solo como «apto para a
construção» não obstante este estar incluído na Reserva Agrícola Nacional e no
Perímetro de Rega do Vale do Lis.
A segunda questão de inconstitucionalidade suscitada prende‑se com a
alegada inconstitucionalidade do artigo 25.º, n.º 2, e do artigo 26.º, n.º 12,
do Código das Expropriações, quando interpretados no sentido de permitir a
indemnização devida pela expropriação de um solo como «apto para a construção»
estando o mesmo incluído em Reserva Agrícola Nacional e em Perímetro de Rega.
Também esta segunda questão suscitada não pode ser conhecida pelo
Tribunal Constitucional.
A razão de impossibilidade do conhecimento desta questão é, neste
caso, como bem expõe a decisão sumária proferida, a de o critério normativo
enunciado pelo recorrente não corresponder ao aplicado como ratio decidendi no
acórdão recorrido.
Neste sentido, esclarece o Ex.mo Senhor Dr. Juiz Conselheiro Relator
que, sendo certo que «o acórdão recorrido, na sua argumentação, considerou que o
inclusão da parcela expropriada na Reserva Agrícola Nacional e no Perímetro de
Rega do Vale do Lis não constituía obstáculo insuperável à aplicação do regime
especial do n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, (...)
determinante para esta qualificação foi o reconhecimento de que a parcela em
causa dispunha de uma ‘muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa’» e
atribuiu relevância a demais considerações decisivas para a qualificação do
terreno, que impuseram de modo sustentado concluir pela «real potencialidade
edificativa, que nasceu com a expropriação, que esta gerou, porquanto nele se
edificou uma construção urbana, isto é, uma área intermunicipal de equipamento
público estruturante» (fls. 22 e 23 da decisão sumária proferida).
Não existindo, portanto, coincidência entre o critério normativo
enunciado na segunda parte do requerimento de interposição de recurso e o
critério normativo aplicado, como ratio decidendi, no acórdão recorrido, também
quanto a esta segunda questão não pode ser admitido o recurso interposto para o
Tribunal Constitucional.
V – Conclusões:
1.ª – Interposto recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da
verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade
haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar
obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LCT), e de a decisão
recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões
normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente; bem como, questionada
a conformidade constitucional de uma interpretação normativa, dever ser
identificada essa interpretação com o mínimo de precisão.
2.ª – A suscitada «inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1
do artigo 23.º do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de
privilegiar a expropriada, na medida em que vai muito além do ressarcimento do
prejuízo que da expropriação resultou para esta» carece de carácter normativo,
nos termos formulados pelo recorrente, porquanto este não identificou o sentido
da «interpretação normativa» extraído dessa norma que reputa inconstitucional,
limitando‑se a questionar a conformidade constitucional do resultado de uma
interpretação cujo sentido se ignora qual seja.
3.ª – Não poderá ser formulado convite ao aperfeiçoamento, nos
termos previstos no n.º 5 do artigo 75.º‑A da LTC, porquanto este apenas tem
aplicação nos casos em que falte a indicação de algum dos elementos previstos
nesse artigo, não sendo estes os elementos em falta neste caso.
4.ª – Quanto à questão de inconstitucionalidade suscitada, por
alegada inconstitucionalidade do artigo 25.º, n.º 2, e do artigo 26.º, n.º 12,
do Código das Expropriações, quando interpretados no sentido em que o foram no
acórdão recorrido, o critério normativo enunciado pelo recorrente não
corresponde ao aplicado como ratio decidendi nesse acórdão e, por esta razão,
está o Tribunal Constitucional impedido de conhecer tal matéria.
5.ª – A decisão sumária proferida nestes autos não merece qualquer
censura e não deve, consequentemente, ser alterada em sede da presente
reclamação.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2.1. Pela decisão sumária ora reclamada decidiu‑se não
conhecer do objecto do presente recurso, por falta de verificação, relativamente
às duas questões que integravam esse objecto, dos respectivos requisitos da sua
admissibilidade: (i) quanto à primeira, identificada pelo recorrente como
versando “a inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 23.º do
Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de privilegiar a
expropriada, na medida em que vai muito além do ressarcimento do prejuízo que
da expropriação resultou para esta”, por ser “patente que a mesma carece de
natureza normativa”, já que “o recorrente não identifica, de todo, o sentido da
«interpretação normativa», extraída da norma do artigo 23.º, n.º 1, do Código
das Expropriações, que reputa inconstitucional, limitando‑se a questionar a
conformidade constitucional do resultado de uma interpretação cujo sentido se
ignora qual seja”; e (ii) quanto à segunda, “por o critério normativo aí
enunciado pelo recorrente não corresponder ao critério normativo que foi
efectivamente aplicado, como ratio decidendi, no acórdão recorrido”.
Após alcançada essa conclusão de impossibilidade de
conhecimento do mérito do recurso, teceram‑se considerações no sentido de que,
na hipótese (que não se verificava) de ser possível conhecer da segunda parte do
objecto do recurso, “seria então possível proferir decisão sumária de
improvimento do recurso, dada a existência de anteriores decisões deste Tribunal
no sentido da não inconstitucionalidade de tal critério”. Mas, como é óbvio,
estas últimas considerações – reconhece‑se que, em rigor, desnecessárias – em
nada afectam o sentido da decisão tomada, que foi unicamente de não
conhecimento do recurso, e não de improvimento do mesmo.
Por isso, o objecto da presente reclamação tem de
cingir‑se à apreciação da correcção dos fundamentos dessa decisão sumária de
não conhecimento do recurso.
2.2. Em segundo lugar, saliente‑se que as razões pelas
quais se entendeu não ser possível conhecer do recurso (falta de identificação
de uma questão de inconstitucionalidade normativa, quanto ao primeiro ponto; e
falta de identidade entre o critério normativo aplicado, como ratio decidendi,
no acórdão recorrido e o critério normativo enunciado pelo recorrente, quanto ao
segundo ponto) são estranhas aos requisitos a que devem obedecer os
requerimentos de interposição de recurso de constitucionalidade, elencados nos
n.ºs 1 a 4 do artigo 75.º‑A da LTC, pelo que não tem qualquer cabimento a tese
do recorrente de que deveria ter sido formulado o convite previsto no n.º 6 do
mesmo preceito.
2.3. O recorrente veio tentar, na presente reclamação,
desenvolver e enriquecer o conteúdo da formulação que utilizou, no requerimento
de interposição de recurso, na parte relativa à primeira questão, o que, porém,
surge como imprestável, já que, como é sabido, o objecto do recurso deve ser
definido no requerimento através do qual é interposto, sendo inadmissível a sua
posterior ampliação ou modificação (excepto se no sentido da sua restrição), em
peças processuais entretanto produzidas pelo recorrente.
Ora, tal como a primeira questão foi enunciada no
requerimento de interposição de recurso – versando sobre «a
inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 23.º do Código das
Expropriações, quando interpretada no sentido de privilegiar a expropriada, na
medida em que vai muito além do ressarcimento do prejuízo que da expropriação
resultou para esta» – é patente que a mesma carece de natureza normativa, por o
recorrente não identificar, de todo, o sentido da “interpretação normativa”,
extraída da norma do artigo 23.º, n.º 1, do Código das Expropriações, que reputa
inconstitucional, limitando‑se a questionar a conformidade constitucional do
resultado de uma interpretação cujo sentido se ignora qual seja.
Sabido que, em conformidade com firme jurisprudência
deste Tribunal, quando o recorrente questiona a conformidade constitucional de
uma interpretação normativa, deve identificar essa interpretação com o mínimo de
precisão – pois, repetindo‑se a já citada formulação usada no Acórdão n.º
367/94: “ao suscitar‑se a questão de inconstitucionalidade, pode
questionar‑se todo um preceito legal, apenas parte dele ou tão‑só uma
interpretação que do mesmo se faça. (...) [E]sse sentido (essa dimensão
normativa) do preceito há‑de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser
julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos
de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito
ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em
causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a Constituição” –, é
evidente que a enunciação proposta pelo recorrente não preenche minimamente
este requisito, sendo inimaginável que, na hipótese de provimento do recurso, o
Tribunal Constitucional viesse a proferir decisão no sentido julgar
inconstitucional a norma contida no n.º 1 do artigo 23.º do Código das
Expropriações, “quando interpretada no sentido de privilegiar a expropriada,
na medida em que vai muito além do ressarcimento do prejuízo que da expropriação
resultou para esta”.
Confirma‑se, por isso, a decisão sumária reclamada, no
que concerne ao não conhecimento da primeira questão, por falta de adequada
definição de uma questão de inconstitucionalidade normativa.
2.4. Quanto à segunda questão que integrava o objecto do
recurso, tal como definido no respectivo requerimento de interposição, o
fundamento da decisão de não conhecimento foi a constatação de que o critério
normativo aí enunciado pelo recorrente não correspondia ao critério normativo
que foi efectivamente aplicado, como ratio decidendi, no acórdão recorrido.
É que o acórdão recorrido não aplicou o dito critério
com a vastidão que o recorrente lhe assinala, isto é, não entendeu que nunca
constitui obstáculo insuperável à aplicação do regime especial do n.º 12 do
artigo 26.º do Código das Expropriações a inclusão da parcela expropriada na
Reserva Agrícola Nacional e no Perímetro de Rega do Vale do Lis. O que decidiu é
que esse regime é aplicável a parcelas que disponham de uma «muito próxima ou
efectiva potencialidade edificativa», como acontecia especificamente com a
parcela expropriada nestes autos. Recordem‑se, mais uma vez, os fundamentos
desse entendimento do acórdão recorrido, em que, para além de características
objectivas do terreno, que preenchiam os requisitos do n.º 2 do artigo 25.º do
Código das Expropriações (situação dentro do aglomerado urbano de Leiria;
disposição de acesso rodoviário directo, ainda que sob a forma de um caminho em
terra batida, e indirecto, a menos de 50 m, através de uma avenida pavimentada
com betuminoso, equipada com passeios, rede de distribuição domiciliária de
água, saneamento, distribuição de energia eléctrica, em baixa tensão, drenagem
de águas pluviais, estação depuradora, em ligação com a rede de colectores de
saneamento, rede distribuidora de gás, rede telefónica e rede de iluminação
pública; existência, em relação ao limite da faixa envolvente da parcela
expropriada, com o perímetro exterior de 300 m, de construções, nas zonas de
enquadramento da Quinta do Cabeço, do Estádio Municipal, da Nova Leiria, e ao
longo da Estrada do Arrabalde), se atribuiu relevância decisiva à existência de
factores (construção de um estádio municipal e respectivas infra‑estruturas,
susceptível de atrair para a sua órbita a construção de edifícios para habitação
ou escritórios, de instalações e edifícios de equipamento, de interesse
colectivo, de edifícios residenciais, comerciais e de serviços) geradores de
uma “muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa”, “podendo
concluir‑se, afoitamente, que a expropriação se destinou à construção de um
edifício urbano”, concluindo‑se que “neste caso de expropriação de terreno
integrado na RAN, há que considerar, para efeitos de cálculo do valor da
indemnização, a pagar ao expropriado, uma real potencialidade edificativa, que
nasceu com a expropriação, que esta gerou, porquanto nele se edificou uma
construção urbana, isto é, uma área intermunicipal de equipamento público
estruturante”.
Nestes termos, não se pode considerar que a questão ora
em causa tenha integrado a ratio decidendi da decisão recorrida, nos termos
amplos em que o recorrente pretende que a mesma seja apreciada, isto é, que é
inconstitucional a aplicação do regime do n.º 12 do artigo 26.º do Código das
Expropriações à expropriação de qualquer parcela integrada na RAN e em Perímetro
de Rega, pois o acórdão recorrido apenas entendeu como possível essa
qualificação quando a parcela se revista de efectiva potencialidade edificativa
(tendo sido expropriada justamente para esse fim). Ora, este elemento, que se
mostra decisivo na fundamentação do acórdão recorrido, não consta da
interpretação normativa que o recorrente identificou, no requerimento de
interposição de recurso, como integrando o objecto da segunda questão de
inconstitucionalidade que pretendia ver apreciada, não se mostrando nele
contido, o que determina o não conhecimento dessa questão, por falta de
identidade entre o critério normativo aplicado e o critério normativo
questionado (cf., para situação similar, o recente Acórdão n.º 93/2009, desta
2.ª Secção).
3. Termos em que acordam em indeferir a presente
reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 11 de Março de 2009.
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos
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