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Processo nº 841/08
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são
recorrentes A. e outra e recorrida a Câmara Municipal de Vizela, foi interposto
recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional
(LTC).
2. Em 9 de Dezembro de 2008, foi proferida decisão sumária, pela qual o Tribunal
decidiu, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º-A da LTC, não tomar
conhecimento do objecto do recurso.
Para o que agora releva foi utilizada a seguinte fundamentação:
«2. Os recorrentes requerem a apreciação da inconstitucionalidade do artigo 64º,
nº 1, do Código das Expropriações, quando interpretado no sentido dado na
decisão recorrida, segundo o qual as partes, ao abrigo do citado artigo 64º, não
deverão ser notificadas para alegar no prazo de 20 dias, após concluídas
diligências de prova realizadas em 2.ª instância, na Relação, mais concretamente
após avaliação realizada em segunda instância.
Ainda que não seja especificado, trata-se da interpretação que terá sido feita
no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Setembro de 2008. Os
recorrentes dirigiram o recurso de constitucionalidade a este Tribunal e o
Supremo Tribunal de Justiça admitiu o recurso interposto.
Um dos requisitos do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do nº
1 do artigo 70º da LTC é a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio
decidendi, da norma cuja apreciação é requerida. Face ao teor do acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça, não podemos dar como verificado este requisito, o
que obsta ao conhecimento do recurso e justifica a prolação da presente decisão
(artigo 78º-A, nº 1, da LTC).
Com efeito, como a decisão recorrida conclui pela “não ocorrência da nulidade
processual geral a que se reporta o artigo 201º, nº 1, do Código de Processo
Civil, nem consequentemente, a nulidade do acórdão que conheceu do mérito do
recurso de apelação proferido pela Relação no dia 8 de Novembro de 2007”,
negando por isso provimento ao recurso, é de concluir que o Supremo Tribunal de
Justiça aplicou, como razão de decidir, norma que integra o regime da nulidade
dos actos».
3. Os recorrentes reclamam agora desta parte da decisão, ao abrigo do disposto
no artigo 78º-A, nº 3, da LTC, com os seguintes fundamentos:
«A Ex.ma Senhora Conselheira Relatora decidiu não conhecer do objecto do
recurso, no referente ao pedido de apreciação da inconstitucionalidade do artigo
64º n.º 1 do Código das Expropriações, porquanto, segundo entende refere, no
caso concreto, não se verifica o requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da LTC.
Ou seja, a Ex.ma Conselheira Relatora fundamenta a sua decisão no facto de o
artigo 64º, n.º 1 do Código das Expropriações, cuja apreciação da
constitucionalidade foi requerida, não ter sido aplicado, como razão de decidir,
pelo Supremo Tribunal de Justiça, antes o tendo sido o artigo 201º, n.º 1 do
Código de Processo Civil, cuja apreciação da constitucionalidade não foi de
facto requerida.
Ora, salvo o devido respeito, os recorrentes não podem concorda com tal
entendimento, que nos parece alicerçado numa visão menos correcta do que no
processo se desenrolou.
Na verdade, a contenda que os recorrentes iniciaram na Relação e se concluiu no
Supremo Tribunal de Justiça, com a prolação do Acórdão de que ora se recorre,
prende-se, não com a interpretação do artigo 201º, n.º 1 do Código de Processo
Civil, mas com a interpretação do artigo 64.º do Código das Expropriações.
Ou seja, a questão colocada em juízo pelos recorrentes foi a de saber se a
notificação às partes, prevista no artigo 64º do CE, para produzirem alegações
de direito depois de concluídas as diligências de prova, é efectuada apenas na
primeira instância ou também na segunda instância, em sede de recurso, quando
nesta fase são também produzidas diligências de prova.
Conforme exposto pelos recorrentes, essa notificação prevista no artigo 64º do
CE deve ser efectuada no processo, seja em 1ª instância, seja em sede de
recurso, na sequência da produção de diligências de prova.
Se assim não suceder, omitindo-se portanto a referida notificação, atenta a
interpretação do artigo 64º do CE defendida pelos recorrentes, ocorre uma
nulidade processual prevista no artigo 201º, n.º 1 do CPC.
Ora, nos autos de Apelação, foram efectuadas diligências de prova em sede de
recurso, designadamente a realização de uma avaliação pericial, não tendo, na
sequência da mesma, sido efectuada a notificação das partes para alegarem, nos
termos do artigo 64º do CE.
No entender dos recorrentes e segundo a interpretação que os mesmos entendem por
correcta do artigo 64º do CE, ocorreu assim uma nulidade por omissão de uma
formalidade processual essencial.
Ora, quer o Tribunal da Relação, quer o Supremo Tribunal de Justiça entenderam
que não existe qualquer nulidade já que o artigo 64º do CE apenas se aplica na
1ª Instância e já não em sede de recurso.
Ou seja, entenderam a Relação e o Supremo que, realizadas diligências de prova
em sede de recurso, não há lugar à notificação das partes para alegarem nos
termos do disposto no artigo 64º do CE.
Quer isto dizer que, a Relação e o Supremo interpretam o artigo 64º do CE no
sentido de que a notificação aí prevista apenas tem lugar na 1ª instância e já
não em sede de recurso, mesmo quando nesta instância de recurso se produzem
novas provas, como sucedeu in casu, através da realização de uma perícia.
E daí que tenham decidido no sentido da inexistência de qualquer nulidade
processual.
Não há nem houve assim nos autos qualquer divergência de interpretação sobre a
interpretação a dar ao artigo 201.º do CPC, na medida em que em circunstância
alguma se divergiu sobre se a omissão referida constitui ou não nulidade.
A divergência de opinião entre os recorrentes e as instâncias esteve antes no
facto de aquelas entenderem que sequer ocorreu qualquer omissão, por o artigo
64.º referido não prescrever a notificação para produção de alegações em segunda
instância, enquanto que os recorrentes se manifestaram no sentido de que, uma
vez realizada produção de novas provas na segunda instância, é de aplicar aquele
mesmo artigo 64.º, com o que se cumpre o incontornável contraditório.
Só após a se concluir pela verificada omissão, é que poderemos passar a dizer
que foi cometida uma nulidade. Ou seja, a questão da interpretação do artigo 64º
do CE é que está em causa na contenda iniciada pelos recorrentes e que foi
decidida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de que se recorre.
A existência ou não de uma nulidade processual prevista no artigo 201.º do CPC
será sempre apenas uma consequência processual que advém da dita interpretação.
Quer dizer, se a melhor interpretação do artigo 64º do CE for a defendida pelos
recorrentes, existe nulidade processual. Se for a sufragada no Acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça, que os reclamantes, com o devido respeito, entendem
ser inconstitucional, não existirá obviamente qualquer nulidade processual, pelo
que a aplicação e interpretação do artigo 201.º do CPC jamais esteve em causa
nos autos.
Tanto assim é que o artigo 201.º n.º 1 do CPC nunca poderá ser aplicado sem que
seja em conjugação com outra qualquer disposição legal de natureza adjectiva
(como o é aquele artigo 64.º), que prescreva a realização de um determinada
formalidade ou proíba a sua realização. Só após se constatar a partir do
processado, que um acto processual prescrito por determinada norma ou proibido
por outra, foi, respectivamente, omitido ou praticado, é que estaremos perante
uma nulidade.
No caso, a decisão recorrida proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, não
aplicou de facto o artigo 201º n.º 1 do CPC, não porque o tenha interpretado em
divergência com os recorrentes, mas sim porque interpretou o artigo 64.º de
forma diferente da pugnada pelos recorrentes. Isto é, a decisão recorrida,
aplicou de facto e de forma totalmente incontroversa, o artigo 64.º, dando-lhe
um sentido que colocou o processado fora da aplicação daquele artigo 201.º.
Posto isto, o artigo 64º n.º 1 do Código das Expropriações, cuja apreciação da
constitucionalidade foi requerida, foi de facto interpretado e aplicado no
tribunal recorrido, tendo-lhe sido dada uma interpretação que afastou a
aplicação do artigo 201º n.º 1 do Código de Processo Civil, que, assim, não foi
aplicado.
E assim, interpuseram os recorrentes este recurso para o Tribunal Constitucional
para que se aprecie a constitucionalidade do artigo 64º do CE quando
interpretado da forma sufragada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça,
segundo a qual as partes não deverão ser notificadas para alegar no prazo de 20
dias, após concluídas novas diligências de prova, realizadas em 2.ª instância,
na Relação, mais concretamente após avaliação realizada em segunda instância.
Defendem os recorrentes que esta interpretação viola os artigos 13º e 20º da
Constituição da República Portuguesa».
Notificada, a recorrida não respondeu.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
O Tribunal decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto, por
ter entendido, entre o mais, que não se pode dar como verificado o requisito da
aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja
apreciação foi requerida.
Contrariando o decidido, os reclamantes sustentam que o tribunal recorrido
interpretou e aplicou o artigo 64º, nº 1, do Código das Expropriações, na medida
em que a decisão sobre a existência ou não de nulidade processual, por
referência ao artigo 201º, nº 1, do Código de Processo Civil, dependeu da
interpretação que o Supremo Tribunal de Justiça fez deste artigo do Código das
Expropriações.
Importa começar por dizer que a decisão reclamada conclui que o acórdão
recorrido aplicou, como razão de decidir, norma que integra o regime da nulidade
dos actos e não, propriamente, que foi feita aplicação, como razão de decidir,
do artigo 201º, nº 1, do Código de Processo Civil. Na medida em que nulidade
prevista neste preceito supõe a omissão de um acto ou de uma formalidade que a
lei prescreva, é verdade que a decisão sobre a existência ou não do vício começa
por depender do que se prescreve em outras disposições legais. Pode até ser
condicionada pela interpretação prévia que, em concreto, seja feita de
determinada disposição legal, mas tal não significa que seja esta a norma
aplicada, como razão de decidir, quando se acorda sobre a existência ou não de
um acto nulo. Neste caso, a norma aplicada, como ratio decidendi, é
obrigatoriamente norma integrante do regime da nulidade dos actos.
Nos presentes autos, ainda que o Supremo Tribunal de Justiça tenha interpretado
o nº 1 do artigo 64º do Código das Expropriações no sentido de as partes não
deverem ser notificadas para alegar no prazo de 20 dias, depois de concluídas
diligências de prova realizadas em 2.ª instância, na Relação, mais concretamente
após avaliação realizada em segunda instância, é óbvio que esta norma, por si
só, não suporta decisão sobre a existência ou não de vício de nulidade. Pelo
que, questionada isoladamente a constitucionalidade do artigo 64º do Código das
Expropriações, em determinada interpretação, tal nunca poderia ser apreciado por
este Tribunal.
Isto mesmo é revelado na decisão recorrida, quando se conclui que:
«Conforme já decorre do exposto, não foi omitida a notificação dos recorrentes
para produzirem alegações, pelo que não tem apoio legal a afirmação da
ocorrência da nulidade processual geral a que se reporta o artigo 201º, nº 1, do
Código de Processo Civil, nem, consequentemente, a nulidade do acórdão que
conheceu do mérito do recurso de apelação proferido pela Relação no dia 8 de
Novembro de 2007».
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a parte da decisão sumária que foi reclamada.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 11 de Março de 2009
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão
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