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Processo n.º 69/09
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional
Relatório
A. e outros recorreram para o Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do
Tribunal Central Administrativo Sul, de 24.1.08, que rejeitou o recurso
contencioso interposto do “acto administrativo” contido no Decreto-lei n.º
252/02, de 22.11, cuja prática imputou ao Primeiro Ministro e outros.
O Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso, com a seguinte
fundamentação:
“1. Antes de mais, importa referir estarmos perante uma rejeição de um recurso
contencioso por se ter entendido que inexistia o acto administrativo impugnado.
Desta circunstância decorrem duas consequências inultrapassáveis. A apreciação a
que iremos proceder não pode passar daí, sendo, assim, irrelevantes todas as
considerações tecidas pelos recorrentes a respeito da legalidade do “acto
recorrido”; por isso, se o presente recurso proceder, o processo terá de baixar
para serem conhecidas as restantes questões suscitadas. A outra consequência
traduz-se na circunstância de a manutenção da rejeição do recurso não determinar
nenhuma limitação aos direitos que os recorrentes se arrogam, uma vez que têm ao
seu dispor outros meios processuais através dos quais os podem exercitar. Está
em causa, portanto, apenas, saber se o meio processual utilizado é o adequado,
ou seja, se o acto administrativo apontado pelas recorrentes efectivamente
existe. Nada mais.
2. Nas alíneas a/1 das conclusões da sua alegação os recorrentes vêm arguir a
nulidade do acórdão recorrido, com fundamento em contradição entre os
fundamentos e a decisão, invocando para o efeito o disposto no art.º 668º, n.º
1, al. c), do CPC, aplicável por força do art.º 1 da LPTA. A contradição
consistiria no facto de o tribunal, por um lado, para efeitos de definição da
competência, ter considerado ser a jurisdição administrativa a competente para
apreciar a legalidade de um acto administrativo que se dizia estar contido no DL
252/02, de 22.11 e, por outro, para efeitos de apreciação das restantes
excepções suscitadas pelo Primeiro Ministro, ter dado como inexistente qualquer
acto administrativo contido nesse diploma legal e, com esse fundamento, ter
rejeitado o recurso contencioso. Sem qualquer razão. Em primeiro lugar, convém
sublinhar que o conhecimento da competência precede o de qualquer outra matéria
(art.º 3 da LPTA). Depois, é inquestionável que a competência (ou jurisdição) de
um tribunal se determina pela forma como o autor configura a acção, definida
pelo pedido e pela causa de pedir, isto é, pelos objectivos com ela prosseguidos
(acórdãos do Tribunal dos Conflitos de 21.10.04 proferido no Conflito 8/04 e de
15.7.07 proferido no conflito 5/07, entre muitos outros). Sendo assim, quando o
tribunal está a proceder à definição da competência do tribunal está a ater-se à
versão trazida aos autos pelo interessado (art.º 36 da LPTA), fazendo dela uma
análise abstracta, superficial e meramente formal, sem curar de saber se essa
versão é verdadeira, decidindo afirmativamente se a hipótese colocada for
susceptível de se transformar em realidade. No âmbito dos recursos contenciosos,
decidida a questão da competência passa-se às fases seguintes apreciando-se, em
primeiro lugar, as condições de existência do processo – onde se inclui a
irrecorribilidade do acto impugnado - depois, as condições de procedibilidade ou
pressupostos processuais e, finalmente, as condições de procedência. Foi
justamente isso que o tribunal recorrido fez. Como os recorrentes disseram que o
aludido DL continha um acto administrativo impugnável, o que era perfeitamente
verosímil no plano teórico, os tribunais administrativos eram materialmente
competentes. Terminou essa fase. Importava, por isso, dar o passo seguinte,
saber se de facto um tal acto ali estava contido. Como é evidente, essa
apreciação tinha que ser livre e não estar dependente daquela que havia sido
feita anteriormente, com uma finalidade distinta. Agora, já não se estava no
campo das hipóteses mas sim no das realidades. Não existe, pois, qualquer
contradição se na primeira fase se admite a existência de um acto e na segunda
se decide pela sua inexistência.
3. Vejamos o que está em causa. Vê-se na matéria de facto que “entre cada um dos
Recorrentes e a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos
Portugueses (CNCDP, hoje extinta) foi celebrado um «contrato de prestação de
serviços, a prazo», conforme os documentos de fls. 50 a 148, cujo conteúdo se
considera aqui reproduzido. Por outro lado, relembremos que o recurso
contencioso foi rejeitado (art.ºs 54 LPTA e 57 § 4 do RSTA) por falta de
objecto, por se ter entendido que o DL 252/2002 não continha nenhum acto
administrativo, e muito menos, lesivo de direitos dos recorrentes. Diz-nos o
acórdão recorrido que “Os Recorrentes, por força dos contratos «de prestação de
serviços» documentados nos autos, prestaram serviço e desempenharam funções na
CNCDP. Considerando o tempo e o modo do exercício de tais funções, alegadamente
regidas segundo a disciplina jurídica típica do funcionalismo público, postulam
os mesmos Recorrentes que se estabeleceu assim uma relação de emprego público
que lhes deveria possibilitar finalmente o ingresso nos quadros de pessoal da
função pública, mediante o processo estabelecido no Decreto-Lei 195/97, de 31 de
Julho, com vista à regularização das situações precárias do pessoal que, sem
título jurídico adequado, desempenhava funções correspondentes a necessidades
permanentes dos serviços. Apesar de não terem sido incluídos nesse processo de
regularização, os Recorrentes continuaram a alimentar a expectativa de
integração na função pública, que entendiam ser-lhes devida e, assim, quando a
Lei 16-A/2000, de 31 de Maio, operou a extinção do CNCDP, a par de outros
institutos e organismos, reputaram-se abrangidos pelo respectivo Artigo 2º/3,
por força do qual o Governo ficou autorizado a legislar, além do mais, sobre «a
reafectação do pessoal» dos serviços extintos. No entanto, o Decreto-Lei n.º
252/02, de 22 de Novembro, que veio regular o processo de extinção da CNCDP,
nada prevê quanto à reafectação dos Recorrentes a outro serviço. É esta omissão
de regulamentação, caracterizada pelos Recorrentes como uma decisão concreta,
individual e imediatamente lesiva dos seus direitos e interesses, em suma como
um acto materialmente administrativo sob a forma de lei, que aparece
configurada como objecto do presente recurso.” E, mais adiante, “Um acto
administrativo é uma decisão de um órgão da Administração (artigo 120º CPA).
Não um indício de vontade psicológica mas uma resolução expressa, isto é, uma
pronúncia como se vê claramente no artigo 9º do CPA sobre o dever de decisão
(“Os órgãos administrativos têm... o dever de se pronunciar...”). Por outras
palavras, é um comportamento declarativo que incorpora, expressa, uma
manifestação de vontade destinada à obtenção de certos efeitos jurídicos. É
verdade que o silêncio dos órgãos da Administração pode valer como declaração
jurídica, mas apenas quando esse valor lhe for atribuído por lei (pelo menos no
campo do exercício unilateral da autoridade, pois no plano das relações
contratuais, tal como no direito comum, artigo 218º C.C., também no uso ou
convenção podem fundar-se declarações negociais).
Assim o silêncio pode equivaler a indeferimento tácito quando (e só quando) se
formar sobre uma pretensão (requerimento) dirigida pelo particular ao órgão
administrativo (artigos 9º e 109º CPA). Trata-se de um expediente, que consiste
em ficcionar uma manifestação de vontade para facilitar o exercício do direito
de impugnação contenciosa. É claro que nos referimos aqui ao regime da LPTA, mas
acrescente-se que mesmo no novo regime do contencioso administrativo
(inaplicável nestes autos) o meio que substitui o abolido recurso do
indeferimento tácito (acção de condenação à prática do acto devido) igualmente
pressupõe uma prévia recusa, ou omissão de decisão, sobre um requerimento do
particular - cfr. Artigo 67º CPTA. Também as operações materiais que excedam os
limites do acto exequendo são susceptíveis, por extensão, de impugnação
contenciosa (artigo 151º/1 CPA), mas tal como no caso do indeferimento tácito,
trata-se de excepção à regra geral devidamente caracterizada na lei, onde a
situação dos autos não tem enquadramento. Em conclusão, é procedente a questão
prévia em análise, visto a omissão de regulamentação da situação dos Recorrentes
no Decreto-Lei n.º 252/02, de 22 de Novembro não constituir acto administrativo
nem configurar qualquer situação de facto susceptível de ser contenciosamente
impugnada.”
4. O acórdão sob recurso é para confirmar, nos seus precisos termos. Pese embora
o exercício interpretativo subjacente ao juízo contido no trecho decisório acima
transcrito, que procurou cobrir todas as hipóteses teóricas que a situação
factual trazida aos autos podia colocar, parece, nos termos da petição de
recurso, que as recorrentes vêem o acto impugnado na não transposição do
conteúdo do art.º 2, n.º 3, da Lei n.º 16-A/2002, de 31.5 (designadamente o
segmento referente à reafectação de pessoal), segundo o qual “no prazo de 45
dias, a contar da data da entrada em vigor da presente lei, serão aprovadas por
decreto-lei as alterações resultantes do disposto no número anterior, a cessação
de funções do pessoal dirigente, a reafectação do pessoal e do património dos
serviços extintos, bem como dos respectivos direitos e obrigações” (o n.º 2 do
preceito havia extinto a Comissão onde exerciam funções), para o DL 252/2002, de
22.11, diploma que veio regular “o processo de extinção da Comissão Nacional
para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses” (art.º 1), e que apenas
determinou a cessação das comissões de serviço do pessoal dirigente (art.º 2),
o destino do património (art.ºs 3 e 4) e a sucessão como parte nos litígios
pendentes (art.º 5). De resto, é essa perspectiva que vem colocada nas suas
alegações como pode ver-se das conclusões p) e q) (“o Artigo 2º, n.º 3 do
diploma impôs ao Governo que as alterações a que podia proceder, deviam
contemplar, entre outras coisa, «a reafectação do pessoal», o que omitido” e
“esta omissão de reafectação dos Alegantes, é imediatamente definidora das
situações jurídicas dos Alegantes e traduz-se em violação de lei de que enferma
o acto impugnado no recurso em primeira instância, por violação directa do
citado preceito da lei n.º 16-A/2002”). Por outras palavras, referem-no
igualmente nas alegações apresentadas no recurso contencioso, “como vem
equacionado no recurso, impugna-se nos presentes autos o Decreto-Lei n.º
252/2002, não enquanto diploma legal, na sua face legislativa do ponto de vista
formal, mas sim enquanto acto que encerra efeitos jurídicos concretos imediatos,
redutíveis a acto administrativo lesivo dos direitos e interesses legalmente
protegidos dos Recorrentes, ora Alegantes”. Não se vê onde está o acto
administrativo, a “conduta voluntária de um órgão da Administração que, no
exercício de um poder público e para prossecução de interesse postos por lei a
seu cargo, produza efeitos num caso concreto”, conceito extraído de Marcelo
Caetano, que o art.º 120 do CPA acolheu. Essa conduta voluntária, no caso dos
autos, não existe. Aquilo que se aponta como sendo o acto administrativo não é
uma acção mas uma (pretensa) omissão. Ou melhor, uma inacção traduzida na não
efectivação do comando do art.º 2, n.º 3, da Lei n.º 16-A/2002 para o DL
252/2002. Observe-se que o recurso contencioso não foi interposto com vista à
declaração de ilegalidade de normas regulamentares1 (artº 66 da LPTA), ao
reconhecimento de direitos ou interesses legítimos (art.º 69) ou, finalmente,
com vista à efectivação de responsabilidade civil por omissão de normas
regulamentares (art.º 71). Não, o recurso foi intentado visando anular um acto
administrativo lesivo dos direitos dos recorrentes que, não sendo um acto
expresso, como se viu, só pode ter sido um acto tácito (art.º 109 do CPA).
Sucede, contudo, que esse tipo de acto, como de extrai da norma, apenas se
coloca quando e se existir uma “pretensão dirigida a órgão administrativo”. Não
foi esse o caso. Os recorrentes não formularam qualquer pedido à Administração
sobre o qual tivesse recaído o silêncio. Portanto, naquela eventual discrepância
não existe acto administrativo nem assenta nenhuma opção definidora da situação
dos recorrentes. Improcedem, assim, as conclusões m/p.
Face ao que ficou dito, tudo quanto se diz nas conclusões seguintes, por se
situar fora do âmbito do recurso, é completamente irrelevante não podendo ser
apreciado.”
Os impugnantes recorreram então para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do
disposto do artigo 70.º, n.º 1, al. b), da Lei 28/82, de 15 de Novembro, nos
seguintes termos:
“O presente recurso é interposto ao abrigo do Artigo 70º, n.º 1, al. b) da Lei
n.º 28/82 de 15 de Novembro e é restrito à inconstitucionalidade suscitada no
recurso de anulação interposto pelos Recorrentes, relativa ao Decreto-Lei
252/2002, na parte em que daí resulta uma violação directa da disciplina
constitucional relativa às autorizações legislativas em matéria de lei do
orçamento, como consagrado nos Artigos 161º, al. g) e 165º, n.º 5 da
Constituição da República Portuguesa – Artigo 71º da Lei n.º 28/82.”
O Conselheiro Relator não admitiu o recurso com o seguinte fundamentação:
“As recorrentes vêm, assim, referir, nisso consistindo, exclusivamente, os
fundamentos do seu recurso, que “o presente recurso é interposto ao abrigo do
Artigo 70º, n.º 1, al. b) da lei n.º 28/82 de 15 de Novembro e é restrito à
inconstitucionalidade suscitada no recurso de anulação interposto pelos
Recorrentes, relativa ao Decreto-lei 252/2002, na parte em que daí resulta uma
violação directa da disciplina constitucional relativa às autorizações
legislativas em matéria de lei do orçamento”. De acordo com aquele preceito
“cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos
tribunais: que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada
durante o processo”.
Todavia, a simples leitura do acórdão recorrido mostra à evidência que nele se
não aplicou qualquer norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada
durante o processo. De resto, este Tribunal limitou-se a confirmar uma decisão
do TAF que rejeitara o recurso contencioso por falta de objecto, por se não
vislumbrar a existência de qualquer acto administrativo como alvo do recurso
contencioso. Não se passou ao mérito do recurso, não se entrando na análise das
ilegalidades imputadas a tal acto. Nem, tão pouco, nas conclusões das alegações
apresentadas no recurso para este STA, se imputou um tal vício à decisão
recorrida.
O que as recorrentes pretendem, verdadeiramente, é conseguir a fiscalização
abstracta da Constituição, não sendo esta via a adequada.
Os recursos para o Tribunal Constitucional têm que se fundar ou na recusa em
aplicar normas com fundamento na sua inconstitucionalidade ou na aplicação de
preceitos que violem a Constituição. As recorrentes invocam como fundamento do
seu recurso a alínea b) do nº 1 do artigo 70 da Lei do Tribunal Constitucional.
Como se não aplicou nenhuma das normas referidas pelos recorrentes o recurso
para o Tribunal Constitucional não é admissível.”
Os recorrentes reclamaram desta decisão, argumentando o seguinte:
“1. Nos presentes autos, iniciados ainda ao tempo do regime processual do
recurso contencioso directo de anulação, os Recorrentes, ora Reclamantes,
impugnaram o acto administrativo contido no Decreto-Lei n.º 252/2002 de 22 de
Novembro, na parte em que encerra efeitos jurídicos concretos e imediatos –
redutíveis, portanto, a acto administrativo.
2. Trata-se do diploma legal que extinguiu a ex-Comissão Nacional para as
Comemorações dos Descobrimentos Portugueses (CNCDP), produzido ao abrigo da Lei
n.º 16-A/2002, de 31 de Maio – lei orçamental que alterou a Lei n.º 1 09-B/2001,
de 27 de Dezembro que, no que a este âmbito se refere, tem natureza de
autorização legislativa.
3. Os Reclamantes suscitaram, desde logo, na petição de recurso – artigos 93º a
100º, e demais artigos com estes conexos, v.g. artigo 90º – a
inconstitucionalidade do diploma, por violação da referida Lei n.º 16-A/2002,
Artigo 2º, n.º 3 e, daí resultante, das regras constitucionais relativas às
autorizações legislativas, no quadro das normas de competências constitucionais
– no caso, dos Artigos 161º, al. g) e 165º, conjugados com o Artigo 112º, n.º 2
da CRP.
4. A inconstitucionalidade concretamente suscitada foi reiterada em alegações em
primeira instância de recurso contencioso directo de anulação e em alegações de
recurso jurisdicional junto do Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se
a fls.
5. Daí que – e como o determina os Artigos 70º e 72º, n.º 2 da Lei n.º 28/82 –
os Reclamantes tenham delimitado o objecto do recurso para este Tribunal
Constitucional à inconstitucionalidade suscitada nos autos.
6. Ainda que no douto Acórdão de fls. –, produzido em recurso jurisdicional, se
haja sufragado a decisão tomada em 1ª instância de recurso contencioso directo
de anulação no sentido de que o Decreto-Lei n.º 252/2002 não conteria efeitos
concretos e imediatos lesivos dos direitos e interesses legítimos dos
Reclamantes e, nessa medida, de que não seria um acto administrativo na parte
questionada no recurso, não pode derivar daí não ter sido aplicada, nas duas
instâncias, norma cuja inconstitucionalidade foi legalmente suscitada.
7. Com efeito, o iter decisório seguido nas duas instâncias passou
necessariamente pela ponderação da relação entre os dois diplomas legais, i.é.,
entre o Decreto-Lei n.º 252/2002 e a lei de autorização legislativa em que se
suporta.
8. O que se discute é a natureza da omissão dos efeitos jurídicos regulados
neste diploma legal vis a vis a respectiva lei de autorização legislativa, cuja
valoração não pode deixar de se colocar no plano da relação entre um e outro.
9. Nem de outra forma se poderia salvaguardar e tutelar a defesa dos direitos
essenciais dos Reclamantes neste caso, tendo presente que o Governo,
participando do exercício das duas Funções de Estado Legislativa e
Administrativa – a par da política – como é óbvio, e é uma decorrência normal
desse modo de repartição das funções de Estado, o mesmo facilmente se refugia na
forma legislativa para administrar.
10. Como se pode ler no douto Acórdão de fls. -, proferido pelo Supremo Tribunal
Administrativo, para concluir pela inexistência de acto administrativo no caso,
discute-se e analisa-se essa relação entre os dois diplomas legais em causa.
11. Ou seja, a conclusão decisória tirada sobre a natureza ou não de acto
administrativo dos efeitos concretos e imediatos regulados pelo Decreto-Lei n.º
252/2002 passou pela análise da sua relação com a lei de autorização legislativa
em que se suporta, e contém um juízo de valor sobre a sua validade
constitucional, nos seus pontos 3 e 4.
12. Daí que deve considerar-se ter o douto Acórdão de fls. - aplicado norma cuja
inconstitucionalidade foi expressamente suscitada no processo, devendo, por
isso, ser o recurso interposto admitido, para ser julgado até final.”
Os recorridos e o Ministério Público responderam, pronunciando-se no sentido de
ser indeferida a reclamação apresentada.
*
Fundamentação
No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência
atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da
inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade
constitucional imputadas a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e
já não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões
judiciais, em si mesmas consideradas.
Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º
1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua
admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão
de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo
72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio
decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo
recorrente.
Esta última exigência destina-se a garantir a natureza instrumental do recurso
de constitucionalidade. De modo a que este não tenha um mero interesse académico
é necessário que o juízo de inconstitucionalidade peticionado possa ter
influência no sentido da decisão recorrida.
No recurso interposto os reclamantes pretendem a declaração de
inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei n.º 252/2002, “na parte em que daí
resulta uma violação directa da disciplina constitucional relativa às
autorizações legislativas em matéria de lei do orçamento”.
Ora, conforme se acentuou na decisão recorrida, nesta apenas se efectuou a
verificação se aquele diploma podia encerrar um acto administrativo susceptível
de recurso contencioso, tendo-se concluído pela negativa.
A decisão recorrida, apesar de ter analisado o referido Decreto-lei n.º
252/2002, para poder concluir que o mesmo não continha qualquer acto
administrativo, não aplicou qualquer dos seus conteúdos como fundamento da sua
decisão, pelo que uma eventual pronúncia no sentido da sua inconstitucionalidade
orgânica nunca se reflectiria no juízo efectuado pela decisão recorrida – o
Decreto-lei n.º 252/2002 continuaria a não conter qualquer acto administrativo
susceptível de recurso contencioso, pelo que a impugnação deduzida pelos
recorrentes nos tribunais administrativos nunca poderia ser conhecida.
Assim, atenta a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, não
pode o recurso interposto ser conhecido, devendo, por esse motivo, ser
indeferida a reclamação apresentada.
*
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A. e outros, do despacho
que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido
nestes autos pelo Supremo Tribunal Administrativo.
*
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta,
ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º
303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2009
João Cura Mariano
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos
1 O pedido de declaração de ilegalidade por omissão regulamentar para além de
não ter sido colocado em discussão não estava contemplado na LPTA e só veio a
admitido no CPTA (art.º 77).
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