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Processo n.º 7/09
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A.
reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei
da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do
despacho daquele Tribunal que não admitiu o recurso, por si interposto, para o
Tribunal Constitucional.
A reclamação tem o seguinte teor:
«[…] 1.
Nos termos do art.° 76.°, n.° 1 da Lei 28/82 de 15 de Novembro, o requerimento
para a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional deve ser
indeferido nos casos ai enumerados.
2.
Sendo esses casos a “não satisfação dos requisitos do art.° 75-A”, a
“interposição do recurso fora de prazo”, a “falta de legitimidade do requerente”
e a “manifesta falta de fundamento dos recursos previstos nas alíneas b) e f) do
n.° 1 do art.° 70.º”.
3.
No que toca aos requisitos enunciados no art.° 75.°-A, julgamos ser clara a
satisfação de todos os requisitos ai enunciados
4.
Como o respeito do prazo para a interposição do referido recurso, enunciado no
art.° 75.º.
5.
A legitimidade da recorrente parece não suscitar quaisquer dúvidas, atendendo ao
enunciado no n.° 2 do art.° 72.º.
6.
O despacho que indefere o referido recurso assenta então no argumento de que a
decisão recorrida não aplica nenhuma norma “cuja inconstitucionalidade haja sido
suscitada durante o processo”, pelo que não integrará o “fundamento de
admissibilidade p. no art.° 70.º, n.° 1, alínea b) da Lei 28/82 de 15 de
Novembro, invocado pelo recorrente”.
7.
Ora, assim se vê que esta decisão de não admissibilidade do recurso não se
fundamenta num juízo sobre se o recurso será “manifestamente infundado”, como se
prevê no art.° 76.º, n.º 2 desta Lei, que tem como epígrafe “Decisão sobre a
admissibilidade”, e para o qual referido despacho remete.
8.
Mas sim num raciocínio que considera a decisão recorrida não integrar o
“fundamento de admissibilidade” previsto no art.° 70.º, n.° 1 da Lei 28/82 de 15
de Novembro.
9.
Ora, o referido art.° 70.º, n.° 1 da Lei 2 8/82 de 15 de Novembro não elenca
“fundamentos de admissibilidade” destes recursos, mas sim as “Decisões de que
pode recorrer-se”, como se pode ler na sua epígrafe.
10.
Por outro lado e, salvo o respeito devido por outra opinião, não é inteiramente
exacto que a decisão de que se pretende recorrer não tenha aplicado norma cuja
inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo — decisão recorrível
portanto nos termos da alínea b) do n.° 1 do art.° 70.º da art.° 7.º, n.º 1 da
Lei 28/82 de 15 de Novembro.
11.
Assim é, na medida em que a referida decisão se pronuncia sobre a arguida
nulidade do acórdão de 03 de Setembro de 2008.
12.
Nulidade essa arguida com base na consideração de que esse acórdão não se terá
pronunciado sobre todas as questões a apreciar, pelo que se estaria perante uma
omissão de pronúncia.
13.
Sendo que as questões sobre as quais não se pronunciou versavam justamente sobre
a alegada inconstitucionalidade da aplicação e interpretação que era dada aos
artigos 113.°, n.º 2 do CPP e 245.°, n.°s 3 e 6 do CPC e que fora levantada pela
reclamante aquando da resposta apresentada nos termos do n.° 2 do art.° 417.° do
CPP ao parecer emitido pelo MP.
14.
Julgamos ser por demais claro que de facto central para a questão sub judice a
interpretação e aplicação que feita pela decisão recorrida dos artigos 113.º,
n.° 2 do CPP e 245.º n.°s 3 e 6 do CPC que assim resultam inconstitucionais.
15.
A que acresce o facto do acórdão de 15 de Outubro de 2008 de que se recorreu e
cujo recurso foi indeferido referir expressamente essas normas, como se nota:
«Na verdade, aquando da resposta (..) do parecer emitido pelo M°P° referiu a
recorrente que os normativas legais ai referidos, in casu, art.°s 113.°, n.°2 do
C.P.Penal e 254.° n.°s 3 e 6 do C.P. Civil eram inconstitucionais (…) A
reclamante arguiu a inconstitucionalidade material de tais normativos legais,
atenta a interpretação e aplicação que o acórdão recorrido, na esteira do
decidido na 1.ª instância, deles fez questão que, por isso deveria ter sido
apreciada no acórdão.»
16.
Não se diga portanto que a decisão recorrida de 15 de Outubro de 2008) cujo
recurso foi julgado improcedente por decisão de 3 de Setembro de 2008 “não
aplicou a norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o
processo”.
17.
A ela foi feita referência como se constata do excerto transcrito supra, no
art.° 15.°.
18.
Deste modo, tal norma — neste caso, normas, pois estão em causa os art.°s 113.°,
n.° 2 do CPP e o art.° 254.°, n.° 3 do CPC — é essencial na decisão a que se
chegou no acórdão recorrido e como tal, será de uma excessiva rigidez e
formalidade linguística considerar que tal decisão não a “aplicou”, na medida em
que) como se viu, tais normas são centrais para a referida decisão.
19.
A este entendimento deverá ser aliada uma adequada interpretação da alínea b) do
n.° 2 do art.° 70.° da Lei 28/82 de 15 de Novembro que, ao contrário da leitura
que dela faz o despacho de que se reclama estatui claramente que “Cabe recurso
para o Tribunal Constitucional” da decisão que apliquem norma “cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”.
20.
Como tal, e por tudo o que ficou escrito, é evidente que esta
inconstitucionalidade foi claramente suscitada durante o processo.
21.
Desta forma, crê-se estarem reunidas todas as condições para que do referido
despacho se reclame, com razão, nos termos do art.° 77.°, n.° 1 da Lei 28/82 de
15 de Novembro.
22.
De facto, a questão da inconstitucionalidade é central sendo da maior
importância o esclarecimento desta questão e o julgamento como inconstitucional
dos artigos 113.°, n.° 2 do CPP e o art.° 254.°, n.° 3 do CPC no sentido em que
o Tribunal da Relação de Lisboa o faz no Processo 1300/08-3.
Termos em que, deve ser considerada procedente, por provada, a presente
Reclamação e, consequentemente, deve ser proferida decisão, ordenando a admissão
do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, pela reclamante, com as
legais consequências.»
2. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional emitiu
parecer, nos termos seguintes:
«A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Na verdade, a argumentação da reclamante assenta num evidente equívoco,
confundindo as aplicações normativas feitas num dos arestos que serve de base à
interposição do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência e a
aplicação normativa, feita no acórdão proferido pela Secção Criminal do STJ que
não admite o prosseguimento de tal recurso, por considerar inexistir a
pretendida contradição jurisprudencial − e que, naturalmente, se funda apenas na
norma constante do art. 437.º do CPP.»
3. Com relevância para a presente decisão resulta dos autos o seguinte:
− Por acórdão da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, de 03.09.2008,
foi rejeitado o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência,
interposto por A. com fundamento em que «não sendo coincidente a situação de
facto sobre que se pronunciaram os acórdãos, e distintas as decisões, não se
verifica a oposição de julgados com o sentido do artigo 437.º do CPP».
− Na sequência de requerimento da referida A., arguindo a nulidade deste
acórdão, a Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça proferiu o acórdão de
15.10.2008 indeferindo o requerido.
− Ainda inconformada, A. interpôs recurso daquele acórdão de 03.09.2008 para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC,
invocando que «a decisão recorrida está ferida de inconstitucionalidade».
− Por despacho de 07.11.2008 não foi admitido o recurso, com o seguinte
fundamento: «A decisão recorrida, fundamentada na interpretação do artigo 437.º
do CPP, não aplica norma cuja inconstitucionalidade “haja sido suscitada durante
o processo”, não sendo, assim, caso que integre o fundamento de admissibilidade,
p. no art. 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, invocado
pela recorrente.»
− É este despacho que é objecto da presente reclamação.
4. Pelas razões que constam do despacho reclamado e da resposta do representante
do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional, é manifesto que não se
verificam os pressupostos necessários à admissão do recurso de
constitucionalidade interposto pela ora reclamante.
Como resulta do teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.10.2008, a
reclamante terá suscitado − resta saber se em termos processualmente adequados −
a inconstitucionalidade dos artigos 113.º, n.º 2, do CPP, e 254.º, n.ºs 3 e 6,
do CPC.
Acontece que a decisão recorrida − o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de
03.09.2008 − apenas apreciou a questão da admissibilidade do recurso
extraordinário para fixação de jurisprudência e, como tal, fundou-se unicamente
na norma do artigo 437.º do CPP. Da mesma forma, o acórdão de 15.10.2008, que
indeferiu a arguição de nulidade daquela primeira decisão, não fez aplicação de
tais normas, como sua ratio decidendi.
Não tendo o acórdão recorrido feito efectiva aplicação das normas cuja
inconstitucionalidade terá sido suscitada no decurso do processo, é evidente que
o recurso de constitucionalidade não pode ser admitido.
5. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação do despacho que não admitiu o
recurso de constitucionalidade.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2009
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos
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