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Processo nº 57/2009
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. A., notificado do despacho do Juiz Desembargador Relator no Tribunal da
Relação de Évora, de 18 de Dezembro de 2008, que não lhe admitiu o recurso
interposto para este Tribunal, vem reclamar nos termos do disposto no n.º 4 do
artigo 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal
Constitucional), invocando as seguintes razões:
A decisão de rejeição do recurso assenta na consideração de que o recorrente não
esgotou todos os recursos ordinários à disposição do mesmo.
O recorrente considera que apesar de se considerar as reclamações para os
Presidentes dos Tribunais Superiores, equiparadas aos recursos ordinários, pela
sua natureza unicamente formal, não deve a inexistência de reclamação ser
fundamento para indeferimento de recurso interposto, nos termos do art. 70º n°1
b) da Lei do Tribunal Constitucional.
Diz-nos o Despacho de indeferimento que o recorrente no momento em que interpôs
recurso para o [Tribunal] Constitucional deveria ter renunciado à reclamação
como meio de impugnação de uma decisão.
Ora, o recorrente ao interpor recurso do indeferimento do recebimento do Recurso
para o Supremo Tribunal de Justiça, directamente para o Tribunal Constitucional,
está com a sua atitude a renunciar à reclamação, pois se não fosse o caso teria
em vez do recurso reclamado para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
Por essa razão fez errada interpretação do art. 70º da Lei do Tribunal
Constitucional quando não considerou a interposição do recurso como uma renúncia
à apresentação da reclamação.
O despacho reclamado tem o seguinte teor:
Os arguidos A., B. e C. vieram interpor recurso para o STJ do acórdão proferido
em 1 de Julho do ano em curso (a fls.1411 a 1487).
Por despacho do relator proferido em 18 de Novembro, p.p. e com os fundamentos
que dele constam foi decidido não admitir os recursos interpostos para o STJ do
referido acórdão, por se entender não comportar tal acórdão recurso para esse
Tribunal (cf. fls. 1634 a 1637).
Inconformados com o decidido pelo relator, o arguido C. reclamou para o
Presidente do STJ, enquanto que os arguidos A. e B. vieram interpor recurso para
o Tribunal Constitucional (cf. fls. 1643 a 1648).
Constituem pressupostos específicos de admissibilidade do recurso de
constitucionalidade interposto ao abrigo da alin. b) do n.°1 do artigo 70.° da
Lei do Tribunal Constitucional, a suscitação, durante o processo, de uma questão
de inconstitucionalidade normativa; a aplicação dessa norma, com o sentido
alegadamente inconstitucional, como critério de decisão do caso; e o esgotamento
prévio dos recursos ordinários à disposição do recorrente (cf. n.º 2 do
mencionado artigo 70.º).
De acordo com o n.°3 do mesmo preceito, são equiparadas a recursos ordinários as
reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, nos casos de não
admissão ou de retenção do recurso, bem como as reclamações dos despachos dos
juízes relatores para a conferência.
Nos presentes autos, os recorrentes A. e B. interpuseram directamente recurso de
constitucionalidade do despacho do relator que não admitiu o recurso para o STJ
do acórdão proferido nesta Relação em 1 de Julho do ano em curso, sem
apresentarem a reclamação que tinha lugar, nos termos do art. 405.° do Código de
Processo Penal, para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (como o fez o
arguido C.), e sem renunciarem a ela no momento em que apresentaram o recurso
para o Tribunal Constitucional, para a qual estavam em tempo, já que o prazo da
reclamação, tal como o do recurso para o referido Tribunal é de 10 dias (cf.
art. 405.º n.º 2 do CPP e 75.° n.º 1 da Lei do Tribunal Constitucional).
Conforme foi afirmado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 228/2005
(disponível em www.tribunalconstitucional.pt) “A solução decorrente destes
preceitos encontra a sua razão de ser no facto de a nossa Constituição ter
adoptado um sistema difuso e instrumental de controlo da constitucionalidade das
leis, ao impor aos tribunais o dever de “não aplicarem normas que infrinjam o
disposto na Constituição ou os princípios nela consignados” (art.° 204.° da
CRP), donde resulta que, quando exista uma hierarquia de tribunais com
possibilidade de recurso dentro dela, apenas possam ser sindicadas pelo Tribunal
Constitucional, como órgão jurisdicional de fiscalização concentrada de
constitucionalidade, as decisões jurisdicionais que constituam a palavra
definitiva dessas ordens desses tribunais nos casos em que estes se tenham
pronunciado pela conformidade da norma questionada com a Constituição e os
princípios nela consignados [cf. Cardoso da Costa – A jurisdição constitucional
em Portugal – in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Afonso Rodrigues
Queiró, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1, 1984, pp.
210 e ss.].
Ora, como se referiu, no presente caso os recursos de constitucionalidade foram
interpostos imediatamente do despacho do relator que não admitiu os recursos
interpostos pelos arguidos, sendo certo que dessa decisão cabia reclamação para
o Presidente do STJ.
E entendendo-se que se acham esgotados todos os recursos ordinários, nos termos
do n.° 4 do artigo 70.° da Lei do Tribunal Constitucional, apenas “quando tenha
havido renúncia, haja decorrido o respectivo prazo sem a sua interposição ou os
recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual”,
verifica‑se que a imposição de exaustão do meio processual em questão (bem como
o meio processual em si mesmo considerado) não foi posta em causa em sede
(própria) de recurso de constitucionalidade interposto e que não havia decorrido
o prazo para reclamar para o Presidente do STJ quando foi interposto o recurso
de constitucionalidade.
Assim, por falta de esgotamento dos recursos ordinários que no caso cabiam no
presente caso, por falta de reclamação para o Presidente do Tribunal a que se
dirigiam os recursos não admitidos –, não podem, pois, admitir-se também os
recursos de constitucionalidade interpostos.
Assim, tendo presente o disposto nos art.70.° n.° 1, alin. b), n.° 2, 3 e 4,
75.º-A n.° 1 e 2 e 76.° da LTC, não admito os recursos interpostos pelos
sobreditos arguidos para o Tribunal Constitucional.
O representante do Ministério Público neste Tribunal apresentou resposta nos
termos seguintes:
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Na verdade – no momento em que foi interposto o recurso de fiscalização concreta
– não se mostrava exaurido o meio impugnatório ordinário, consistente na
reclamação para o Presidente do Tribunal Superior da decisão que havia rejeitado
o recurso que se pretendeu interpor para o STJ.
E, ao contrário do que sustenta o reclamante, não vale como renúncia “tácita” a
tal meio impugnatório a mera interposição de recurso para este Tribunal, num
momento em que se não mostrava “esgotada” ou precludida irremediavelmente a dita
reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentos
2. Adianta-se que a presente reclamação não pode obter provimento, pois o
Tribunal Constitucional não poderia tomar conhecimento do recurso interposto
pelo reclamante, por falta de verificação de um dos pressupostos processuais
para o recurso que se pretendeu interpor: o esgotamento dos recursos ordinários,
exigido pelo artigo 70.º, n.ºs 2 e 3, da Lei do Tribunal Constitucional. Segundo
aquele n.º 2, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 deste artigo 70.º cabe
apenas “de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou
por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam”. E, nos termos do n.º
3, são equiparadas a recursos ordinários, para este efeito – isto é, tornando-se
necessário o seu esgotamento, se couberem no caso, antes do recurso para o
Tribunal Constitucional –, “as reclamações para os presidentes dos tribunais
superiores, nos casos de não admissão ou de retenção do recurso, bem como as
reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência.”
Conforme foi afirmado no Acórdão deste Tribunal n.º 228/2005 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt, aliás citado pelo tribunal a quo):
(…)
A solução decorrente destes preceitos encontra a sua razão de ser no facto de a
nossa Constituição ter adoptado um sistema difuso e instrumental de controlo da
constitucionalidade das leis, ao impor aos tribunais o dever de “não aplicarem
normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela
consignados” (art.º 204.º da CRP), donde resulta que, quando exista uma
hierarquia de tribunais com possibilidade de recurso dentro dela, apenas possam
ser sindicadas pelo Tribunal Constitucional, como órgão jurisdicional de
fiscalização concentrada de constitucionalidade, as decisões jurisdicionais que
constituam a palavra definitiva dessas ordens desses tribunais nos casos em que
estes se tenham pronunciado pela conformidade da norma questionada com a
Constituição e os princípios nela consignados [cfr. Cardoso da Costa - A
jurisdição constitucional em Portugal - in Estudos em homenagem ao Professor
Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade
de Coimbra, I, 1984, pp. 210 e ss.].
3. Ora, no presente caso, como bem salienta o tribunal a quo e o Magistrado do
Ministério Público em funções neste Tribunal, o recurso de constitucionalidade
foi interposto imediatamente do despacho do Juiz Desembargador Relator no
Tribunal da Relação de Évora, de 18 de Novembro de 2008, que, por irrecorrível,
não admitiu os recursos interpostos pelos arguidos para o Supremo Tribunal de
Justiça do acórdão proferido a fls. 1411 a 1487, sendo certo que dessa decisão
do Juiz Desembargador Relator no Tribunal da Relação de Évora cabia reclamação
para o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do n.º 1 do artigo
405.º do Código de Processo Penal, segundo o qual, “(d)o despacho que não
admitir ou que retiver o recurso, o recorrente pode reclamar para o presidente
do tribunal a que o recurso se dirige.”
E é totalmente improcedente a tese que o reclamante sustenta na presente
reclamação de que a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional
significou a renúncia à possibilidade de reclamar para o Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça. Na verdade, como este Tribunal tem reiteradamente afirmado,
“a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional não é um facto
concludente inequívoco da vontade de não interposição de recurso ordinário
(incluindo-se aqui as reclamações para o presidente do tribunal ou para a
conferência)” (Acórdão n.º 153/2008, igualmente disponível em
www.tribunalconstitucional.pt). Assim, pode ler-se no Acórdão n.º 18/2004
(também disponível em www.tribunalconstitucional.pt):
A renúncia tácita ao recurso é a que deriva da prática de qualquer facto
inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer (art. 681º/3 do CPC).
Transpondo este conceito para a hipótese versada, a interposição de recurso para
o Tribunal Constitucional não é, seja de modo geral, seja no caso particular, um
facto concludente inequívoco da vontade de não interposição de recurso ordinário
(hoc sensu). Que não tem, em geral, esse significado inequívoco resulta do
próprio sistema legal, designadamente da conjugação do nº 2 e do nº 4 do artigo
70º da Lei n.º 28/82. Não teria sentido útil, seria uma previsão legal
redundante – que o intérprete não deve presumir; cf. art. 9º/3 do Cod. Civil –,
fazer depender a admissibilidade de recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade de renúncia ao recurso ordinário (art.º 70º/4) se a
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional valesse ipso facto como
renúncia àquele outro recurso.
Assim, por falta de esgotamento dos recursos ordinários que no caso cabiam – no
presente caso, por falta de reclamação para o presidente do Supremo Tribunal de
Justiça do despacho do Juiz Desembargador Relator no Tribunal da Relação de
Évora, de 18 de Novembro de 2008, de que se pretendeu logo recorrer –, não
podia, pois, admitir-se o recurso de constitucionalidade interposto, não
merecendo, por conseguinte, censura o despacho reclamado.
III
Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a
presente reclamação e condenar o reclamante em custas, que se fixam em 20
(vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2009
Maria Lúcia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão
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