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Processo n.º 912/08
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
A. recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC), dos acórdãos proferidos na
Relação de Coimbra em 16 de Julho de 2008 e em 22 de Outubro de 2008. Pretende
ver apreciada a inconstitucionalidade dos artigos 80.º nº 1 do Código Penal e
214º nº 1, alínea e) e 218º, ambos do Código de Processo Penal, quando
interpretados no sentido de que «a detenção domiciliária iniciada
necessariamente por despacho judicial se extingue automaticamente, seja pelo
trânsito em julgado da decisão, seja por ter atingido o seu limite máximo, não
se exigindo despacho judicial a declará-lo e a comunicá-lo ao arguido, sendo,
pois, possível que alguém se mantenha em tal situação e que o atinente tempo não
seja considerado cumprimento da pena». Sustenta que tal interpretação viola,
nomeadamente, 'os artigos 13.º,17.º, 18º,22.º,27.º e 32.º da CRP.'
O recurso foi admitido.
Na sua alegação, o Ministério Público sustentou, porém, o seguinte:
a) Ao longo do processo, as instâncias, nas diversas intervenções processuais,
centraram a questão quanto à necessidade ou não, de despacho (decisão judicial)
a declarar extintas as medidas de coacção, propugnando sempre que a lei não o
exige e que tal cessação opera automaticamente, como contemplado na lei (artigo
214º CPP).
b) Todavia, e ao invés do que considera o recorrente, as instâncias não
interpretaram a norma sindicada no sentido de que o “atinente tempo não seja
considerado no cumprimento da pena” (cfr. ponto 12, de II).
Bem pelo contrário, as instâncias não só defendem que esse tempo [relativo,
v.g., à detenção no domicilio] é descontado, como, realmente, esse tempo foi
objecto do oportuno desconto!
c) Logo, a dimensão normativa que o recorrente atribui como tendo sido a que as
instâncias fizeram não corresponde à verdade.
d) Ora, o Tribunal Constitucional tem vindo a entender que, esses casos, não é
de admitir o recurso.
O recorrente foi ouvido a esta matéria, tendo respondido:
1. Não é verdade que as instâncias venham entendendo que o tempo de detenção
domiciliária cumprido até que haja um despacho a declará-la extinta seja
descontado.
2. E é essa e não outra a questão colocada.
3. O que as instâncias entenderam é que a detenção domiciliária se extingue ope
legis, independentemente do que aconteceu no caso concreto, face às infirmações
policiais que, no entanto, nunca o procuraram no sítio onde se encontrava no seu
domicilio.
4. A dimensão normativa que o recorrente atribui como tendo sido a que as
instâncias fizeram corresponde, pois, à efectivamente feita.
5. O recorrente contesta a dimensão normativa dos preceitos legais aplicados e
não a decisão.
Deve, pois, a matéria do recurso ser apreciada.
No seu acórdão de 16 de Julho de 2008, a Relação de Coimbra decidiu o seguinte:
Questão a decidir:
Apreciar se a aplicação ao arguido da prisão preventiva e posteriormente a
medida de obrigação de permanência na habitação, se extinguiram ou não
automaticamente com o trânsito em julgado da decisão condenatória do arguido e,
consequentemente, se se deve ou não considerar que o arguido continuou desde
26/2/2003, em detenção domiciliária, o que levaria ao cumprimento total da pena.
Vejamos então.
Conforme se alcança dos autos, o despacho ora recorrido foi proferido em
18/4/2008 e as motivações de recurso do arguido foram apresentadas em 14 de Maio
de 2008.
Por sua vez, também se alcança dos autos que o arguido apresentou no Supremo
Tribunal de Justiça a providência de Habeas Corpus, a qual foi decidida pelo
Venerando Supremo Tribunal, em 30/4/2008, tendo aquela sido indeferida.
Temos assim que o nosso mais alto Tribunal já se pronunciou, conforme se alcança
de fls. 126 a 131 e o arguido, ou de tal não tinha conhecimento quando
apresentou as motivações do presente recurso ou, estranhamente fez tábua rasa
das brilhantes considerações tecidas na providência de habeas corpus.
Na verdade as medidas de coacção, de acordo com o disposto no art. 214, nº 1,
al. e) do C.P.P., extinguem-se “com o trânsito em julgado da sentença
condenatória “. Por isso a medida de coacção de permanência na habituação que
havia sido imposta ao arguido por decisão deste Tribunal da Relação cessou, em
29/4/2004, data do trânsito em julgado da sentença condenatória.
Vem agora o recorrente alegar que esteve sempre na sua residência e que se deve
considerar que o mesmo já cumpriu a pena de prisão por se dever descontar os
dias de permanência na habitação, como prisão cumprida (art. 80, nº 1 do C.
Penal).
Porém, como acima já se referiu, aquela medida de coacção cessou em 29/04/2004 e
desde então que se tem procurado deter o arguido e ora recorrente, a fim de o
mesmo cumprir a pena de prisão que lhe faltava cumprir, o que não foi possível
devido ao facto de o arguido não ter sido encontrado. Isto mesmo se alcança das
informações da PSP do Porto, de fls. 2538 e 3051 e da Policia Judiciária, de
fls. 2542 e 2849, as quais informaram, por diversas vezes, que não era conhecido
o paradeiro do arguido, pelo que não tem razão o recorrente quando diz que
esteve sempre em casa.
Devido a tal, a detenção do arguido só foi possível em 14/4/2008, quando o mesmo
foi encontrado.
Permitimo-nos concluir, como é referido pelo Venerando Supremo Tribunal de
Justiça, a fls. 130, destes autos, “…as medidas de coacção extinguem-se com o
trânsito em julgado da sentença condenatória Por outro lado, e bem ao contrario
do entendimento perfilhado pelo requerente, a extinção de medidas de coacção não
tem que ser previamente determinada, decorrendo a sua extinção automaticamente
da lei”
Por isso, não assiste qualquer razão ao recorrente, e, sem necessidade de
grandes considerações, entendemos dever rejeitar sem mais, o recurso interposto,
mantendo-se na íntegra o despacho recorrido.
Decisão:
Pelos fundamentos expostos, decidem os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da
Relação de Coimbra, negar provimento ao recurso interposto pelo arguido,
mantendo-se o despacho recorrido.
2. O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC cabe das
decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido
levantada durante o processo, devendo o recorrente ter suscitado a questão da
inconstitucionalidade de modo processualmente adequado, perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer –
n.º 2 do artigo 72º da LTC. O recurso radica-se no pressuposto de que a norma
cuja conformidade constitucional o recorrente visa apreciar tenha sido
efectivamente aplicada na decisão recorrida enquanto seu fundamento, pois só
assim a eventual procedência do recurso terá utilidade, determinando a
pretendida alteração daquela decisão.
Daqui decorre que a tarefa do Tribunal se não estende à verificação dos
pressupostos de aplicação da norma impugnada, nem visa apurar se a interpretação
com que foi aplicada ao caso é correcta e própria. Isto é: não cabe ao Tribunal
Constitucional sindicar a decisão recorrida em si mesmo considerada,
incumbindo-lhe apenas averiguar, num primeiro passo, da verificação dos
pressupostos do recurso e, depois, se a norma que o Tribunal recorrido aplicou
se mostra desconforme com a Constituição.
Na lógica do recurso interposto, tem decisiva importância a norma identificada
pelo recorrente na parte em que se afirma ser 'possível que alguém se mantenha
em tal situação [detenção domiciliária] e que o atinente tempo não seja
considerado no cumprimento da pena', pois é essa circunstância que determinaria
a sua libertação imediata.
Ora, o Tribunal recorrido não aplicou a norma impugnada com o sentido que o
recorrente identifica.
Com efeito, assume aqui particular relevo o trecho do aresto da Relação no qual
se pondera que «como acima já se referiu, aquela medida de coacção cessou em
29/04/2004 e desde então que se tem procurado deter o arguido e ora recorrente,
a fim de o mesmo cumprir a pena de prisão que lhe faltava cumprir, o que não foi
possível devido ao facto de o arguido não ter sido encontrado. Isto mesmo se
alcança das informações da PSP do Porto, de fls. 2538 e 3051 e da Policia
Judiciária, de fls. 2542 e 2849, as quais informaram, por diversas vezes, que
não era conhecido o paradeiro do arguido, pelo que não tem razão o recorrente
quando diz que esteve sempre em casa. Devido a tal, a detenção do arguido só foi
possível em 14/4/2008, quando o mesmo foi encontrado.»
Resulta da decisão que a Relação não aplicou a formulação normativa impugnada
pelo recorrente, como é patentemente demonstrado no texto reproduzido,
designadamente quando se afirma que aquela medida de coacção cessou em
29/04/2004 e desde então que se tem procurado deter o arguido e ora recorrente,
a fim de o mesmo cumprir a pena de prisão que lhe faltava cumprir, o que não foi
possível devido ao facto de o arguido não ter sido encontrado.
Conclui-se, portanto, que o Tribunal recorrido não adoptou a norma impugnada.
3. Por esse fundamento, o Tribunal decide não conhecer do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 12 UC.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 2009
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão
José Borges Soeiro
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
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