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Processo n.º 992/08
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
EM CONFERÊNCIA DA 1ª SECÇÃO ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. A., interpôs, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do
artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), recurso do acórdão
proferido na Relação de Lisboa em 23 de Outubro de 2008, pretendendo a
apreciação da:
“(...) inconstitucionalidade da norma do nº 1 do art. 206º conjugado com o n.º 4
do art. 218º do C.P. com a interpretação com que foi aplicada na decisão
recorrida quando conjugada com o nº 4 do artº 2º do C.P. e artº 371º-A do C.P.P.
Entende aquela decisão que a aplicação da Lei nova está dependente da
verificação de pressupostos de facto que não ocorriam à data da publicação da
sentença da 1.ª instância.
Como refere na decisão da 1.ª instância:
“Por isso não se estando perante uma lei penal mais favorável, mostra-se
inviável a prolação de uma decisão de mérito na sequência da reabertura da
audiência de discussão e julgamento”.
Carece de razão o entendimento aplicado na decisão recorrida, pois que se a lei
nova considera relevante a desistência de queixa, o resultado da sua aplicação é
equivalente ao que decorre de uma lei que descriminaliza a conduta do agente.
Assim ter-se-ão de criar as circunstancias para que o arguido possa beneficiar
do resultado da nova lei, nomeadamente quando da reabertura de audiência ser
junta aos autos a desistência de queixa em consequência do ressarcimento dos
danos.
A se não entender desta forma cria-se uma desigualdade de tratamentos entre os
arguidos, que ainda não obtiveram sentença em 1.ª Instância e aqueles que já
foram julgados, mas que estão em cumprimento de pena. Podendo muitas vezes pelo
mesmo crime praticado na mesma data, o arguido que já foi julgado ficar
prejudicado em relação ao que ainda aguarda julgamento.
A interpretação dada pelo Tribunal no sentido de as normas do nº 1 do artº 206º
e nº 4 do artº 218º do Código Penal conjugadas com o artº 2 nº 4 do Código
penal, não configurarem lei penal mais favorável, que a anterior Lei, porque o
arguido anteriormente já deveria ter reparado o dano, plasma uma interpretação e
aplicação violadora dos princípios consignados nos arts. 13º e 29º nº 4 da
C.R.P..
Tal questão foi já suscitada quer na motivação, quer no pedido de aclaração”.
O recurso, no entanto, não foi admitido na Relação de Lisboa, por
despacho do seguinte teor:
“O acórdão dos autos aludiu já, após apreciação do objecto do recurso, que o
recorrente não suscitava qualquer questão de constitucionalidade normativa
susceptível de, eventualmente, constituir objecto de um recurso de
constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do
Tribunal Constitucional.
Assim, para lá de a pretensão ter, ou não, sido formulada em tempo, não se
suscitando, em rigor, qualquer inconstitucionalidade normativa, não se mostram
preenchidos os pressupostos essenciais do recurso – Lei do T.C. artigo 70.º,
n.º1, 77.º, n.º 4, artigo 75.º-A, n.º 5 e Ac. 450/04 – não se admite o recurso”.
2. Inconformado, o recorrente reclama ao abrigo do disposto no n.º
4 do artigo 76.º da LTC, dizendo, em suma:
“A decisão de rejeição do recurso assenta na consideração de que o recorrente
não suscitou em rigor qualquer inconstitucionalidade normativa, não se mostrando
preenchidos os pressupostos essenciais do recurso – Lei do TC, art. 20º-1, 77º
nº 4 com remissão ao artº 75º-A-5 e Ac. Nº 450/2004.
O recorrente suscitou a inconstitucionalidade normativa na sua Motivação e
inclusive à mesma se referiu no seu articulado onde requereu a Aclaração da
questão ali plasmada.
Com efeito a interpretação dada à norma constante do nº 4 do art. 2º do C.P.,
conjugada com a norma do nº 1 do art. 206º do C.P. na parte em que a lei penal
nova permite que após o ressarcimento dos prejuízos, quanto ao crime de burla
agravada, possa ser passível de desistência de queixa, caso seja essa a vontade
do ofendido até ao proferimento da decisão em 1.ª Instância, violou quer o
princípio da igualdade, quer o da aplicação retroactiva da lei penal mais
favorável e do direito de defesa do próprio arguido”.
3. O representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional,
pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação em virtude de o
reclamante não haver suscitado, durante o processo, em termos processualmente
adequados, qualquer questão de constitucionalidade normativa.
Cumpre apreciar e decidir.
4. Exige-se, nos recursos interpostos ao abrigo do disposto na
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, que o recorrente haja previamente
suscitado perante o tribunal recorrido a questão de inconstitucionalidade que
pretende ver discutida no Tribunal Constitucional.
Acontece, porém, que o recurso previsto na mencionada alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da LTC tem natureza normativa e, por essa razão, a questão suscitada
no tribunal comum deve também apresentar essa específica natureza, para efeito
de habilitar o interessado a propô-la ao Tribunal Constitucional por via do
aludido recurso.
Todavia, a questão que subjaz ao presente recurso não tem natureza normativa;
com efeito, o resultado desconforme com a Constituição é nitidamente imputado à
decisão recorrida, em vez de o ser à norma aplicada como sua ratio decidendi. É
que, invocar, como faz o recorrente, que a interpretação dada pelo Tribunal 'no
sentido de as normas do nº 1 do artº 206º e nº 4 do artº 218º do Código Penal
conjugadas com o artº 2 nº 4 do Código Penal, não configuram lei penal mais
favorável que a anterior lei, porque o arguido anteriormente já deveria ter
reparado o dano, plasma uma interpretação e aplicação violadora dos princípios
consignados nos arts. 13º e 29º nº 4 da C.R.P.' é, na realidade, imputar ao
resultado decisório a desconformidade constitucional. Com efeito, o que
verdadeiramente está em causa, ainda nas palavras do recorrente, é o
entendimento de que a 'não se entender desta forma cria-se uma desigualdade de
tratamento entre os arguidos, que ainda não obtiveram sentença em 1.ª Instância
e aqueles que já foram julgados, mas que estão em cumprimento de pena, podendo
muitas vezes pelo mesmo crime praticado na mesma data, o arguido que já foi
julgado ficar prejudicado em relação ao que ainda aguarda julgamento.'
Torna-se assim claro que o vício de inconstitucionalidade é imputado à decisão,
por não ter sido adequadamente interpretada a norma infraconstitucional.
Conclusão que, na realidade, se reforça perante os termos em que foi suscitada
esta matéria, na motivação apresentada ao Tribunal recorrido:
[...] 5. O Tribunal “a quo” ao não ter reaberto a audiência quanto a esta
questão violou o preceituado no artº 2º nº 4 do C.P. e 371º-A do C.PP, pois que
deveria ter reaberto e apreciado os documentos de desistência junto aos autos e
valorá-los como valorou outra matéria de facto, posteriormente junta,
nomeadamente o relatório social, aplicando a nova lei, referente à redacção do
artº 218º nº 4 conjugado com o artº 206º nº 1 do Código Penal.
6. O Tribunal “a quo” fez errada interpretação e aplicação das normas contidas
no nº 4 do artº 218º que remete para o nº 1 do artº 206º ambos do C.P. na sua
actual redacção conjugado com as normas contidas no nº 4 do artº 2º do C.P. e
artº 371º-A do C.P.P., interpretação essa violadora dos princípios consignados
pela C.R.P. — parte do nº 4 do artº 29º, 32º nº 5 e 283º, artº 13 nº 1 e 18º.
Deve, pois, concluir-se que a questão colocada não tem natureza normativa e que,
por essa razão, o recurso não pode ser admitido.
5. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 20 de Janeiro de 2009
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão
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