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Processo n.º 838/08
1ª Secção
Relator: Carlos Pamplona de Oliveira
EM CONFERÊNCIA DA 1ª SECÇÃO ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. A., SA pretendeu interpor recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça do acórdão da Relação do Porto que confirmou a decisão do Tribunal do
Trabalho da Maia que decretara a suspensão do despedimento de B.. Porém, o Juiz
desembargador relator não admitiu tal recurso, considerando que “nos termos do
artigo 40.º do C. P. Trabalho é inadmissível recurso para o S.T.J. do acórdão
proferido pela Relação em processo cautelar de suspensão de despedimento”.
Desse despacho reclamou A., SA para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,
nos seguintes termos:
São duas as questões sob apreciação na presente reclamação: a questão de
direito material e a questão de direito processual.
Comecemos pela primeira, por ser essa a questão de fundo, que tem
necessariamente de dominar a questão adjectiva ou de direito processual.
O acórdão proferido pela Relação do Porto, em síntese, contém e fixa a seguinte
doutrina:
«Ora, e atento o teor da nota de culpa atrás transcrita, não temos dúvidas em
afirmar que a mesma contém apenas afirmações imputações genéricas sem
concretizar minimamente no tempo e no espaço as circunstâncias que rodearam a
prática dos factos. (...)
Em resumo: a nota de culpa e a decisão final (esta remeteu quanto aos factos
para a nota de culpa) contém apenas imputações genéricas e juízos de valor, a
determinar, assim, a nulidade do processo disciplinar.
E nem se diga, como defende a recorrente, que no caso concreto o trabalhador
entendeu e compreendeu a acusação e dela se defendeu.» (sic.)
Ou seja:
a) a nota de culpa tem obrigatoriamente de conter uma descrição minuciosa dos
factos, nas circunstâncias de tempo e lugar;
b) é irrelevante o arguido/trabalhador ter apresentado defesa, da qual demonstre
ter percebido claramente o teor e alcance da acusação.
Este acórdão contende directamente com:
1. o princípio jurídico consagrado no art. 236º, nº 1, do Código Civil;
2. o princípio jurídico consagrado no art. 1930, nº 3, do Código Processo Civi1;
3. o princípio jurídico consagrado no art. 283º, nº 3, alínea b), do Código
Processo Penal.
Este último é especialmente relevante, porque em processo penal, expoente máximo
da acusação, a lei permite que o libelo acusatório não contenha as
circunstâncias de lugar, tempo e motivação da prática dos factos.
Sem prejuízo do exposto, o acórdão recorrido contende ainda com a jurisprudência
unanimemente firmada pelos Tribunais Superiores.
Assim:
1. acórdão do STJ, de 27-02-2002, tirado no processo 497/01, publicado in
www.dgsi.pt, de que se junta cópia, o qual referencia jurisprudência em igual
sentido;
2. acórdão do STJ, de 14-01-1986, publicado in www.dgsi.pt, e in Acórdãos
Doutrinais. n.º 303, p. 444:
3. acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06-05-98, tirado no processo
9810731, publicado in www.dgsi.pt, de que se junta cópia, o qual referencia
jurisprudência em igual sentido;
4. acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08-05-95, tirado no processo
9440963, in www.dgsi.pt, de que se junta cópia.
Ou seja, o acórdão recorrido contradiz a jurisprudência firmada nos Tribunais
Superiores.
Dessa contradição nasce a questão processual ou adjectiva: do acórdão proferido
pelo Tribunal da Relação cabe recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, nos
termos do nº 2, do art. 754º, do CPC.
Não caberia recurso, se o agravo fosse ordinário, ou seja, se a sua motivação
não se inserisse na norma excepcional do nº 2, do art. 754º do CPC, se não
contradissesse expressamente a jurisprudência, seja do STJ, seja da Relação do
Porto.
A não se entender deste modo, fere-se directamente, com esta interpretação
restritiva do art. 754.º, nº 2, do CPC os princípios constitucionais de
segurança jurídica e estabilidade das decisões judiciais.
O Vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a
reclamação por despacho proferido em 23 de Outubro de 2008 com os seguintes
termos:
Nos termos do art. 387.º-A do CPC, “das decisões proferidas nos procedimentos
cautelares não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos
casos em que o recurso é sempre admissível”.
E para os procedimentos cautelares de suspensão de despedimento dispõe o art.
40.º do CPT que “da decisão final cabe sempre agravo para a Relação”.
Assim sendo, só cabe recurso para este Supremo Tribunal quando se verifiquem os
casos em que o recurso é sempre admissível, (v.g, no caso concreto, os n.ºs 2,
4, e 6 do art. 678.º do CPC).
Logo, em primeiro lugar, a ser admissível recurso, com base em oposição de
acórdãos, seria ao abrigo do art. 678.º, n.º 4, e não do art. 754.º, n.º 2, do
CPC, porquanto, com a introdução do art. 387.º-A pelo Decreto-Lei n.º 375-A/99
de 20 de Setembro, pretendeu-se restringir os recursos para este Supremo
Tribunal, bastando que fique assegurado o segundo grau de jurisdição.
Ora, a admitir-se recurso para o S.T.J., com base no referido artigo,
estar-se-ia a possibilitar uma situação que o referido Decreto-Lei veio impedir
e a desrespeitar o art. 754.º, n.º 1, do CPC onde, além do mais, se excluem do
âmbito do recurso de agravo os casos que, por força de disposição expressa da
lei, não admitem recurso para o S.T.J.
E, nos termos do art. 678.º, n.º 4, do CPC, também o recurso não é admissível,
tendo em conta o valor do procedimento cautelar € 3740,99 (conforme se encontra
narrativamente certificado a fls. 37), inferior ao da alçada da Relação, e ainda
por não ter sido feita referência como é exigido pelo art. 687.º, n.º 1, do CPC,
no requerimento de interposição de recurso, ao acórdão ou acórdãos que se
encontram em contradição com o acórdão de que se pretende recorrer.
2. É dessa decisão que, inconformado, a reclamante pretende recorrer
para o Tribunal Constitucional, com fundamento no artigo 70.º, nº 1, alínea b)
da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, para efeito de ver apreciada «a
interpretação restritiva dos arts. 678º, nº 4, 754.º, n.º 2, 387º-A do CPC e
40º, nº 1, do CPT, os princípios constitucionais de segurança jurídica e
estabilidade das decisões judiciais, ínsitos ao princípio do Estado de Direito
do art. 2º e art. 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, bem como
o princípio de acesso ao direito e aos tribunais constante do art. 20.º».
Acrescentou a ora recorrente que a questão da constitucionalidade levantada se
refere às normas processuais supra citadas, na interpretação que foi feita pelas
instâncias, e que vai no sentido de não permitir o recurso nas causas em que
esteja em discussão uma decisão judicial de um tribunal superior que contraria a
jurisprudência firmada pelos Tribunais de Relação e Supremo Tribunal de Justiça,
sobre a mesma questão de direito e sob a mesma legislação.
Por despacho proferido em 23 de Outubro de 2008 no Supremo Tribunal de Justiça,
o recurso de inconstitucionalidade foi admitido nos seguintes termos para o
Tribunal Constitucional:
A requerida A., S.A., veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos
termos do art. 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, para ver apreciada a
inconstitucionalidade dos arts. 678.º, n.º 4, 754.º, n.º 2, e 387.º- A do CPC e
também do art. 40.º, n.º 1, do CPT, por violação dos arts. 2.º, 205.º, n.º 1 e
20.º da CRP.
Face ao disposto no n.º 2 do art. 72.º da LTC, o recurso previsto na alínea b)
do n.º 1 do art. 70.º da LTC só pode ser interposto pela parte que haja
suscitado a questão da inconstitucionalidade “de modo processualmente adequado
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar
obrigado a dela conhecer”.
Verifica-se da reclamação apresentada que não foi suscitada a
inconstitucionalidade das normas constantes dos arts. 678.º, n.º 4 e 387.º- A
ambos do CPC e do art. 40.º, n.º 1, do CPT, por violação dos arts. 2.º, 205.º,
n.º 1 e 20.º da CRP e que a interpretação normativa de que foram objecto no
despacho que indeferiu a reclamação não apresenta qualquer surpresa, dada a
previsibilidade da sua aplicação ao caso.
E, como a jurisprudência constitucional tem acentuado, é momento inidóneo para
suscitar a questão da inconstitucionalidade o requerimento de interposição de
recurso para o Tribunal Constitucional, por, após a sua apresentação, o tribunal
a quo já não poder emitir juízos de inconstitucionalidade.
Não se admite assim nesta parte o recurso interposto.
No que concerne ao art. 754.º, n.º 2, do CPC, cuja inconstitucionalidade também
se pretende ver apreciada, admite-se o recurso interposto por esta questão ter
sido suscitada na reclamação.
Com efeito, nela se disse que “a não se entender deste modo, fere-se
directamente, com esta interpretação restritiva do art. 754.º, n.º 2, do CPC os
princípios constitucionais da segurança jurídica e estabilidade das decisões
judiciais”.
Assim sendo, admite-se o recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 70.º,
da LTC, apenas para apreciação da inconstitucionalidade da referida norma, na
interpretação normativa que lhe foi dada na decisão que indeferiu a reclamação.
3. Remetido o processo ao Tribunal Constitucional, foi proferida decisão
sumária de não conhecimento do objecto do recurso. Em suma, a decisão assentou
nos seguintes fundamentos:
«[...] O objecto do presente recurso cinge-se, por isso, unicamente à questão da
inconstitucionalidade suscitada relativamente ao disposto no artigo 754.º, n.º 2
do Código de Processo Civil no sentido de do acórdão proferido pelo Tribunal da
Relação caber recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, por o acórdão de que
se pretende recorrer contrariar jurisprudência firmada nos tribunais superiores
(…).
É, todavia, bem certo que a decisão que indeferiu a reclamação onde é suscitada
a questão de constitucionalidade supra identificada – a decisão aqui recorrida –
não aplicou a norma contida no artigo 754.º n.º 2 do Código de Processo Civil,
pois ancorou a sua fundamentação no artigo 678.º do mesmo Código, nomeadamente
os seus n.ºs 2, 4 e 6.
Ora, nos recursos interpostos ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da LTC, a norma cuja conformidade constitucional se visa apreciar
deve ter sido aplicada na decisão recorrida enquanto seu fundamento decisório,
pois só assim a eventual procedência do recurso teria utilidade, determinando a
pretendida alteração daquela decisão.
Verificando-se, neste caso, que a norma objecto do recurso não foi aplicada na
decisão sob recurso, impõe-se concluir pelo seu não conhecimento.
(...) Nestes termos, e ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC,
decide-se não conhecer do objecto do recurso interposto [...].»
Sempre inconformada, a recorrente reclama para a conferência contra tal decisão
sumária, dizendo:
[...] São fundamentos:
Não se discutem bagatelas no presente recurso. Discute-se uma questão estrutural
do Estado de Direito. O resultado dessa discussão pode dignificar o Estado
português ou pode demonstrar uma aparência de Estado de Direito, cujos
resultados terão que ser apreciados pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
O cidadão que recorre aos tribunais tem o direito de exigir que o Estado lhe
garanta certeza na aplicação do Direito e segurança nas decisões proferidas.
Se não fosse assim, não se justificaria o recurso para fixação de
jurisprudência, como forma de dirimir decisões contraditórias dos tribunais
superiores.
Como se disse, pensa-se, com clareza, no requerimento de interposição de recurso
e na reclamação perante o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, não está em
causa a decisão concreta, mas a questão de direito a ela subjacente.
Viola os Princípios da Confiança, da Segurança Jurídica e da Estabilidade das
Decisões Judiciais a decisão que contraria jurisprudência firmada pelo mesmo
tribunal superior ou da mesma categoria.
Na interpretação de uma mesma norma jurídica, não pode a Relação do Porto
decidir que é quadrado e, depois, decidir que é redondo; não pode o Supremo
Tribunal de Justiça decidir que é branco, para, depois, a Relação de Lisboa
decidir que é preto!
Em situações deste teor, o conflito normativo deve ser decidido de uma forma
uniforme. Não podem existir decisões contraditórias.
Esta é a questão fundamental do recurso interposto.
No entanto, o recurso não foi admitido por questões formais.
São elas duas:
1ª O recurso foi admitido no Supremo Tribunal de Justiça apenas quanto ao artigo
754°, n°2, do Código de Processo Civil;
2ª O indeferimento da reclamação não suscitou qualquer questão de
constitucionalidade, verificando-se, neste caso, que a norma objecto do recurso
não foi aplicada na decisão sob recurso.
Fica mal o Estado de Direito, quando o Tribunal Constitucional se estriba em
questões formais para impedir a discussão de uma questão fundamental de direito
material.
São essas, no entanto, as questões que devem agora ser apreciadas.
Quanto à primeira questão, ela está expressamente prevista e, portanto,
resolvida pelo nº 3, do art. 76º, da Lei do Tribunal Constitucional: «A decisão
que admita o recurso ou lhe determine o efeito não vincula o Tribunal
Constitucional e as partes só podem impugná-la nas suas alegações».
O objecto do recurso foi restringido no Supremo Tribunal de Justiça.
Foi mal restringido.
Caberia ao Tribunal Constitucional apreciar essa questão.
O recorrente só poderia impugnar essa decisão em alegações.
Logo, o recorrente não pôde impugnar a decisão do Supremo Tribunal de Justiça,
mas impugná-la-ia em alegações.
Conclusão: o Tribunal Constitucional não tinha de aceitar como definitiva e
válida, tout court, a decisão do STJ, cabendo-lhe apreciar se o recurso foi bem
ou mal admitido, bem ou mal restringido.
Essa decisão do STJ tem de ser objecto de apreciação na presente reclamação,
devendo tê-lo sido no despacho reclamado.
Quanto à segunda questão, a decisão proferida (a) inverte o sentido cronológico
das coisas e (b) não apreciou o teor, quer do requerimento de interposição de
recurso, apresentado na Relação do Porto, quer da reclamação apresentada para o
presidente do STJ.
Foi proferido o acórdão da Relação do Porto.
Esse acórdão fere jurisprudência dos tribunais superiores, devidamente
identificada no requerimento de interposição do recurso para o STJ.
Ora a recorrente só podia suscitar a questão da inconstitucionalidade, depois do
acórdão proferido.
A recorrente não podia antecipar o teor da decisão, logo, que o acórdão da
Relação iria jurisprudência firmada.
Sendo jurisprudência firmada, era expectável precisamente o oposto, ou seja, que
o acórdão iria sustentar essa jurisprudência e que o recurso teria provimento.
Perante esse acórdão, a recorrente imediatamente levantou a questão da
inconstitucionalidade da decisão, em dois momentos:
1 – pelo facto da decisão contrariar a jurisprudência dos tribunais superiores,
logo, os princípios constitucionais supra referidos;
2 – pelo facto da eventual não admissão de recurso ferir identicamente esses
princípios.
O recurso não foi admitido.
Perante esse despacho, a recorrente reclama para o Presidente do STJ e,
novamente, invoca a inconstitucionalidade supra referida.
O Vice-Presidente do STJ indefere a reclamação e não admite o recurso.
Dessa decisão, é interposto o actual recurso para o Tribunal Constitucional.
A questão da constitucionalidade foi levantada no processo, logo e imediatamente
após ter sido proferido o acórdão da Relação do Porto.
Era o primeiro e único momento em que a questão se poderia levantar.
Todas, mas todas as decisões proferidas após esse momento – despacho de não
admissão do recurso para o STJ, reclamação para o STJ, despacho de admissão do
recurso para o Tribunal Constitucional - apreciaram, expressa ou tacitamente, a
questão da constitucionalidade.
Consequentemente, não se entende a argumentação do despacho sob reclamação.
O despacho sob reclamação faz uma interpretação restritiva da alínea b), do nº
1, do art. 70º.
O despacho que indeferiu a reclamação «ancorou a sua fundamentação no artigo
678º do CPC, nomeadamente os seus nºs 2, 4 e 6».
Certo.
Essa norma está intimamente ligada e articulada com a do artigo 754º, nº 2.
Esta é a concretização formal da primeira.
Foi a constitucionalidade das normas do artigo 678º do CPC, nomeadamente o seu
nº 4, e do art. 754º, nº 2, que foi objecto de apreciação nos recursos
interpostos, precisamente na interpretação que as instâncias efectuaram, de
considerarem que não há violação dos Princípios da Confiança, da Segurança
Jurídica e da Estabilidade das Decisões Judiciais, logo, do Estado de Direito
Democrático, quando é negado o recurso para fixação de jurisprudência de um
acórdão que fere a jurisprudência firmada pelos tribunais superiores sobre a
mesma questão de direito, fazendo prevalecer a norma do art. 40º do Código de
Processo de Trabalho e as normas respeitantes às alçadas.
Em conclusão:
1º O despacho de admissão do recurso proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça
não vincula o Tribunal Constitucional, nos termos do art. 76º da LTC;
2º O recurso foi mal restringido;
3º A norma do art. 754º do CPC, cuja constitucionalidade, na interpretação
restritiva efectuada pelas instâncias, se discute, foi objecto de apreciação
pelas instâncias;
4ª A apreciação da constitucionalidade foi levantada atempadamente no processo
logo após ter sido proferido o acórdão da Relação do Porto, tendo sido recusada
a sua apreciação por todas as instâncias de recurso.
Nestes termos, deve dar-se provimento à reclamação e revogar-se o despacho
reclamado, substituindo-o por outro que admita o recurso interposto.
4. A recorrida não respondeu, importando agora decidir.
Conforme, aliás, bem detectou a reclamante, a decisão sumária ora em reclamação
fundamentou-se, essencialmente, em duas circunstâncias cuja evidência não é
desmentida: o recurso interposto tem como objecto unicamente a norma que se
extrai do n.º 2 do artigo 754º n.º 2 do Código de Processo Civil; tal norma não
foi aplicada, como ratio decidendi na decisão recorrida.
Todavia, sustenta, em primeiro lugar, a reclamante que o Tribunal Constitucional
deveria ter oficiosamente sindicado o despacho que, no Supremo Tribunal de
Justiça, admitiu o recurso, restringindo o seu objecto à norma do n.º 2 do
artigo 754º n.º 2 do Código de Processo Civil; diz, para este efeito: 'o
Tribunal Constitucional não tinha de aceitar como definitiva e válida, tout
court, a decisão do STJ, cabendo-lhe apreciar se o recurso foi bem ou mal
admitido, bem ou mal restringido. Essa decisão do STJ tem de ser objecto de
apreciação na presente reclamação, devendo tê-lo sido no despacho reclamado.'
Mas não é assim.
Na verdade, o que o n.º 3 do artigo 76º da LTC dispõe é que não vincula o
Tribunal Constitucional a decisão que admite o recurso e lhe fixa o efeito;
todavia, o que o reclamante pretende extrair da norma é uma determinação
normativa contrária, que o preceito não contém, nos termos da qual o Tribunal
Constitucional deveria sindicar oficiosamente o despacho que não admite o
recurso. Ora, o mecanismo de impugnação da decisão que – no tribunal recorrido –
não admite o recurso, subordina-se ao impulso da parte, conforme claramente
decorre do n.º 4 do artigo 76º e do artigo 77º da LTC. Isto é; a decisão do
tribunal recorrido desfavorável à pretensão do recorrente – quer quanto ao
indeferimento do recurso, quer quanto à sua retenção – pode ser sindicada
mediante reclamação do interessado, mas nunca por intervenção oficiosa do
Tribunal. Cabia, assim, à ora reclamante ter impugnado a decisão que não admitiu
o recurso quanto às normas contidas nos artigos 678º, nº 4, 387º-A do CPC e 40º,
nº 1, do CPT, o que não fez, deixando fixar-se na ordem jurídica tal
determinação.
Em segundo lugar, a reclamante sustenta, em suma, que foi a
constitucionalidade das normas do artigo 678º do CPC, nomeadamente o seu nº 4, e
do art. 754º, nº 2, que foi objecto de apreciação nos recursos interpostos,
precisamente na interpretação que as instâncias efectuaram, de considerarem que
não há violação dos Princípios da Confiança, da Segurança Jurídica e da
Estabilidade das Decisões Judiciais, logo, do Estado de Direito Democrático,
quando é negado o recurso para fixação de jurisprudência de um acórdão que fere
a jurisprudência firmada pelos tribunais superiores sobre a mesma questão de
direito, fazendo prevalecer a norma do art. 40º do Código de Processo de
Trabalho e as normas respeitantes às alçadas.
Parece estar, deste modo, a concluir que, efectivamente, a ratio
decidendi da decisão recorrida se objectiva em outros preceitos que não no n.º 2
do artigo 754º n.º 2 do Código de Processo Civil. E a verdade é que decisão
recorrida é bem expressa ao afirmar que 'a ser admissível recurso, com base em
oposição de acórdãos, seria ao abrigo do art. 678.º, n.º 4, e não do art. 754.º,
n.º 2, do CPC', concluindo que, para além disso, 'também o recurso não é
admissível, tendo em conta o valor do procedimento cautelar € 3740,99 (conforme
se encontra narrativamente certificado a fls. 37), inferior ao da alçada da
Relação, e ainda por não ter sido feita referência como é exigido pelo art.
687.º, n.º 1, do CPC, no requerimento de interposição de recurso, ao acórdão ou
acórdãos que se encontram em contradição com o acórdão de que se pretende
recorrer.'
Pode, por isso, concluir-se – e com toda a segurança – que a norma identificada
pela reclamante como objecto do recurso não constitui a ratio decidendi da
decisão recorrida; nenhum sentido faria um julgamento sobre a conformidade
constitucional da apontada norma do n.º 2 do artigo 754º n.º 2 do Código de
Processo Civil, se, mesmo que fosse concedido procedência ao recurso, outros
fundamentos da decisão recorrida permanecessem incólumes, impedindo o efeito
útil do recurso que é a sua directa repercussão na decisão recorrida.
Em suma, a reclamação é manifestamente improcedente.
5. Decide-se, em consequência, indeferir a reclamação, mantendo a decisão
sumária de não admissão conhecimento do objecto do recurso. Custas pela
reclamante, fixando a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 20 de Janeiro de 2009
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão
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