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Processo n.º 1030/08
Plenário
Relator : Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I – RELATÓRIO
1. O Representante da República para a Região Autónoma da Madeira veio requerer,
nos termos do disposto nos artigos 278.º, n.ºs 2 e 3 da Constituição da
República Portuguesa e 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), que o Tribunal aprecie
preventivamente a constitucionalidade das normas constantes dos artigos 1.º e
2.º do Decreto Legislativo Regional intitulado “Alteração à lei orgânica da
Assembleia Legislativa”, por eventual violação do disposto nos artigos 164.º,
alínea h), 227.º, n.º 1, alínea a), 228.º, n.º 1, 2.º, 3.º, n.º 3 e 13.º, todos
da Constituição.
O pedido de fiscalização de constitucionalidade apresenta a seguinte
fundamentação:
“II – O Decreto Legislativo Regional de “Alteração à lei orgânica da
Assembleia Legislativa”
1 – No preâmbulo do decreto sob sindicância começa por se destacar como sua
razão de ser essencial, ‘proceder a adaptações da Lei Orgânica da Assembleia
Legislativa da Madeira à nova realidade parlamentar regional, decorrente das
alterações operadas pela nova Lei eleitoral e aclarar, com sentido
interpretativo, os artigos 46º e 47º daquela Lei Orgânica relativos ao
financiamento dos partidos com assento parlamentar’.
E, após um longo e laborioso excurso na senda das diversas implicações
decorrentes das alterações introduzidas naquelas normas pelo Decreto Legislativo
Regional nº 14/2005/M, nomeadamente das consequências concretas resultantes da
interpretação que lhes foi dada pelas forças parlamentares regionais e também
por força do posicionamento a respeito de tal matéria assumido pelo Tribunal de
Contas, a Assembleia Legislativa uma vez mais veio conceder nova redacção
àqueles preceitos, aprovando ainda, como preceito complementar daqueles uma
disposição transitória indispensável à sua inteligibilidade.
Constituem assim estes dois artigos, o primeiro, subordinado à epígrafe
‘Alterações à Estrutura Orgânica da Assembleia Legislativa da Madeira’ e o
segundo, à epígrafe ‘Disposição Transitória’ o objecto do presente pedido.
O artigo 1º, para além de alterar o título do Capítulo VII que passou a referir
‘Apoios aos partidos’ em lugar da antecedente denominação ‘Apoio aos partidos e
grupos parlamentares’, estabelece nova redacção para os artigos 46º e 47º cujo
dispositivo foi fixado do modo seguinte:
Artigo 46º
(Gabinetes dos Partidos na Assembleia)
1. Os partidos com representação parlamentar dispõem, para a
utilização de gabinetes constituídos por pessoal da sua livre escolha, nomeação
e exoneração, de uma verba anual calculada nos seguintes termos:
a) 4×14 I.A.S (Indexante de Apoios Sociais/mês/número de deputados).
2. O Presidente da Assembleia Legislativa fixa, por despacho, o quadro
de pessoal de cada gabinete, por proposta vinculativa de cada partido.
3. Caso o encargo com o respectivo gabinete exceda a verba a que tem
direito, nos termos do n.º 1, o partido suportará o excedente, designadamente,
por via da subvenção prevista no artigo 47.º.
4. É aplicável aos membros dos gabinetes dos partidos, na Assembleia,
o disposto no artigo 11.º do presente diploma.
5. O pessoal referido neste artigo tem direito a uma indemnização
mensal equivalente a 8% da remuneração actualizável da categoria que teve nos
últimos três anos ou, quando exercendo funções há menos tempo, da categoria que
durante mais tempo exerceu, por cada ano completo de desempenho de funções e
durante o mesmo número de meses em que esteve afecto ao respectivo gabinete.
6. A indemnização referida no número anterior só tem lugar após a
cessação de funções comprovada pelo respectivo partido e tem como limite máximo
80% da remuneração referida.
7. O direito à indemnização referido no n.º 5 suspende-se quando o
pessoal que a ele tem direito auferir qualquer tipo de remuneração da função
pública.
8. A aplicação do disposto neste artigo não prejudica a situação
existente em cada gabinete dos partidos com assento parlamentar, nem a fixação
do quadro previsto no n.º 2 prejudica a utilização, pelo respectivo Partido, da
totalidade do montante referido no n.º 1 do presente artigo.
9. Os membros dos gabinetes dos partidos com assento parlamentar são
portadores de um cartão de identidade, conforme o Anexo III ao presente diploma.
10. O processamento dos vencimentos do pessoal dos gabinetes dos
partidos, bem como as despesas com os encargos sociais e respectivo
processamento, são da responsabilidade da Assembleia Legislativa com efeitos a
partir de 1/01/2009.
11. As contas relativas à subvenção referida no n.º 1 são entregues
pelos Grupos Parlamentares às respectivas direcções regionais dos Partidos a fim
de serem anexas às que a estrutura regional elabora, para integrarem as contas
nacionais a apresentar, anualmente, ao Tribunal Constitucional.
Artigo 47º
(Subvenção aos partidos)
1. É atribuída uma subvenção anual aos partidos com representação
Parlamentar na Assembleia Legislativa da Madeira, calculada nos seguintes
termos:
a) 16 x 12 I.A.S. (Indexante de Apoios Sociais/mês (12 meses x número de
deputados).
2. A subvenção referida no número anterior é paga em duodécimos, por
conta de dotações especiais inscritas no orçamento da Assembleia Legislativa e
entregue às estruturas regionais dos partidos com assento parlamentar”.
Por seu turno, o artigo 2.º do decreto sub judice, complemento obrigatório à
compreensão e aplicação do artigo 1.º, dispõe do modo seguinte:
Artigo 2º
(Disposição transitória)
1 – O Indexante de Apoios Sociais agora adoptado como unidade de referência para
o cálculo das subvenções destinadas aos partidos e aos gabinetes dos partidos
com assento parlamentar só tem aplicação quando o mesmo atingir o valor do
salário mínimo nacional fixado para a Região, no ano de 2008.
2 – Enquanto a convergência a que se refere o número anterior não ocorrer, os
montantes das subvenções públicas do financiamento dos partidos, incluindo os
gabinetes dos partidos com representação na Assembleia Legislativa, são
calculados com base no valor da retribuição mínima mensal garantida fixada no
ano de 2008, para a Região.
3 – O disposto no presente Diploma, no tocante à fiscalização financeira das
subvenções aos partidos, incluídas as destinadas aos gabinetes dos partidos com
assento na Assembleia Legislativa, tem natureza interpretativa.’
Uma leitura atenta da exposição preambular do decreto em análise permite
concluir que este visou, primacialmente, aclarar, com sentido interpretativo, os
artigos 46.º e 47.º da orgânica da Assembleia Legislativa, na redacção que lhes
foi conferida pelo Decreto Legislativo Regional n.º 14/2005/M, por forma a
esclarecer que as dotações a que se referem aqueles artigos, tanto a devida aos
grupos parlamentares como a destinada directamente aos partidos, são ambas
subvenção pública de financiamento partidário.
É especialmente elucidativo a este respeito, a passagem daquele exórdio quando
ali se consignou expressamente: ‘Por isso, introduziu-se no presente Projecto de
Decreto Legislativo Regional uma distinção clara entre a dotação destinada aos
Grupos Parlamentares, órgãos partidários, e a dotação directamente atribuída aos
partidos com assento na Assembleia Legislativa, através das suas estruturas
regionais. Deixa-se igualmente claro que tanto a dotação para os Grupos
Parlamentares como a destinada directamente aos partidos são ambas subvenção
pública de financiamento partidário’. (Sublinhado acrescentado).
E mais adiante: ‘Assim, claro é que, como meros órgãos partidários que são, não
dotados de qualquer personalidade jurídica, as subvenções públicas que lhes são
destinadas, sempre foram tratadas como financiamento partidário pois, na Região,
foram sempre anexadas às contas anuais dos partidos, apresentadas ao Tribunal
Constitucional, as contas dos Grupos Parlamentares, como estruturas autónomas,
em conformidade com o n.º 4 do artigo 12.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho’.
(Sublinhados acrescentados).
Procurando cumprir o desiderato explicitado preambularmente, para além das já
referidas substituições nas epígrafes do Capítulo VII e no artigo 46º das
expressões ‘partidos e grupos parlamentares’ por ‘partidos políticos’, cabe
especialmente destacar a modificação introduzida na redacção em vigor do nº 1 do
artigo 47º, de forma a que onde se lia ‘Às representações parlamentares é
atribuída uma subvenção mensal para encargos de assessoria, contactos com os
eleitores e outras actividades correspondentes aos respectivos mandatos (…)’
passou a ler-se ‘é atribuída uma subvenção anual aos partidos com Representação
Parlamentar na Assembleia Legislativa da Madeira (…)’, sendo que tal subvenção
será entregue ‘às estruturas regionais dos partidos com assento parlamentar’.
A redacção agora conferida a estes preceitos, quando confrontada com a
formulação anterior, denuncia a alteração da substância e da natureza que a
Assembleia Legislativa agora lhes pretendeu atribuir, o que é desde logo
revelado pelo elemento interpretativo a extrair das considerações preambulares.
Com efeito e contrariamente às normas sobre as quais o Tribunal Constitucional
se pronunciou no Acórdão nº 376/2005, o presente diploma, de modo expresso e
assumido, concede às verbas ali atribuídas a título de ‘apoio aos partidos’ a
natureza de subvenção aos partidos inscrita no âmbito do ‘financiamento dos
partidos políticos’.
Refira-se, a título complementar, que a substituição do valor de referência
‘salário mínimo nacional em vigor na Madeira’ por ‘Indexante de Apoios Sociais’,
para cálculo das subvenções referidas, operada pelo decreto em epígrafe, é a
solução que consta do Decreto n.º 257/X, da Assembleia da República, que aprova
o Orçamento de Estado para 2009, e que vem alterar a Lei n.º 19/2003, de 20 de
Junho, sendo que o ‘Indexante dos Apoios Sociais’ foi criado pela Lei n.º
53-B/2006, de 29 de Dezembro.
III – A matéria do financiamento público para a realização dos fins próprios dos
partidos políticos e a competência legislativa do parlamento regional
1 – Como já antecedentemente se deixou referido a propósito da argumentação
aduzida no pedido que culminou na prolação do Acórdão nº 376/2005, e que, por
inteiro, se confirma as regras respeitantes aos requisitos e limites do
financiamento público dos partidos políticos, enquanto elementos nucleares do
seu funcionamento, dos seus direitos e obrigações, à luz da preeminência que
detêm no sistema constitucional, hão-de, por imposição do princípio do Estado de
direito e do princípio democrático, integrar o âmbito da reserva do parlamento.
2 – Na delimitação do âmbito da reserva parlamentar em matéria de
financiamento dos partidos políticos, haverá ainda de considerar que o artigo
51.º, n.º 6, da Constituição, como sublinha GOMES CANOTILHO, in Direito
Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., pág. 321, ‘dá guarida a uma
concepção estadualista de financiamento público, pois neste financiamento cabem
não só os financiamentos das campanhas eleitorais [financiamento estadual
imediato], mas também os chamados financiamentos estaduais mediatos [atribuição
de subsídios aos partidos representados no parlamento]’.
3 – E o mesmo Autor, acompanhado por Vital Moreira, igual entendimento sustenta
na “Constituição da República Portuguesa Anotada”, vol. I, Coimbra Editora,
2007, a p. 688, quando ali se considera que ‘A Constituição estabelece uma
imposição legislativa ao conferir à lei (da Assembleia da República) a definição
das regras do financiamento dos partidos políticos, bem como das exigências de
publicidade referente ao património e às contas.
4 – A natureza constitucional dos partidos políticos, o seu âmbito nacional e os
condicionamentos impostos aos actos normativos que lhes digam respeito reclamam
a conclusão de que o regime do seu financiamento público bem como das
actividades eleitorais em que participem, há-de ser obrigatoriamente
estabelecido por lei da Assembleia da República.
5 – Deste modo, adquirido que a matéria do financiamento dos partidos políticos
e das actividades das campanhas eleitorais, entre estas se incluindo as
respeitantes às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, integra
obrigatoriamente a reserva absoluta da competência legislativa da Assembleia da
República, deve concluir-se ser vedado às regiões autónomas legislar sobre esta
matéria.
6 – A autonomia legislativa das regiões autónomas incide sobre as matérias
enunciadas no respectivo Estatuto Político-Administrativo ‘que não estejam
reservadas aos órgãos de soberania’ (artigo 228º, nº 1), decorrendo também este
limite negativo da competência legislativa regional do artigo 227º, nº 1, alínea
a), da Constituição.
7 – Integrando as matérias em causa o âmbito da reserva absoluta da Assembleia
da República, resulta manifesto que o parlamento regional não dispõe de
competência legislativa para aprovar actos normativos respeitantes a essa
disciplina jurídica.
IV – As normas objecto do pedido e os princípios constitucionais
da igualdade e da proporcionalidade
1 – Mesmo quando se reconheça ao parlamento regional competência legislativa
para aprovar as normas postas em crise à luz do enquadramento orgânico referido,
sempre caberá indagar, agora numa perspectiva e num enquadramento material, se
para tanto goza de inteira disponibilidade ou se, pelo contrário, tal
competência deverá ser exercida no quadro de determinados parâmetros
condicionadores, atendo-se a critérios de igualdade e proporcionalidade que não
briguem com a unidade legislativa do ordenamento jurídico nacional.
2 – Pese embora a revisão constitucional de 2004 haver eliminado os princípios
fundamentais das leis gerais da República como limite condicionador da
competência legislativa regional, acha-se esta ainda vinculada ao princípio da
unidade do Estado e do sistema legislativo bem como aos princípios
constitucionais que daquela são tradução, entre estes avultando os princípios da
proporcionalidade, decorrente do Estado de direito democrático, e da igualdade
(cfr. artigos 2º, 3º, nº 3, e 13º).
3 – O reconhecimento do princípio da igualdade como valor constitucional,
converte-o em critério geral que modela o ordenamento jurídico no seu conjunto e
releva como elemento de interpretação e de integração desse mesmo ordenamento,
logo, por isso, também da própria Constituição (cfr. Acórdão do Tribunal
Constitucional nº 400/91, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 20.º vol., pp.
137 e ss).
4 – Ora, no sistema regional em vigor, a subvenção a que se reporta a redacção
concedida aos artigos 46.º e 47º da orgânica da Assembleia Legislativa conduziu
a uma diferenciação retributiva considerável, por confronto com o montante
devido por aplicação das regras em vigor em matéria de subsidiação dos grupos
parlamentares da Assembleia da República, órgão de soberania (artigo 46º da Lei
nº 28/2003), revelando-se altamente desfavorável para estes.
5 – E o sistema que agora se pretende instituir através da nova redacção que o
decreto em crise confere àqueles preceitos, muito em especial, ao artigo 47º,
quando confrontado com a redacção vigente, vem agravar manifestamente a
diferenciação actual, traduzindo uma realidade tanto no plano material, como no
plano jurídico, distinta da que foi contemplada no Acórdão nº 376/2005.
6 – Na verdade, de acordo com a nova redacção dada ao artigo 47.º, ‘é atribuída
uma subvenção anual aos partidos com representação parlamentar na Assembleia
Legislativa da Madeira, calculada nos seguintes termos: a) 16 x 12 I.A.S.
Indexante de Apoios Sociais/mês (12 meses x número de deputados)’, sendo que,
enquanto não se atingir uma convergência entre o valor do Indexante de Apoios
Sociais e o valor do salário mínimo nacional, os montantes das subvenções
públicas são calculados com base no valor da retribuição mínima mensal garantida
fixada no ano de 2008, para a Região (cfr. artigo 2.º, n.º 2, do decreto em
apreço). Sucede que, nos termos do artigo 47.º da orgânica em vigor a subvenção
devida aos partidos corresponde ‘ao valor de dois terços do salário mínimo
nacional aplicável nesta Região Autónoma (SMNR) por deputado eleito, mais a
ponderação dos seguintes factores: a) representação de um só deputado e grupos
parlamentares – 1 SMNR x número de deputados’.
7 – Todavia, o diploma em causa não invoca qualquer justificação material
fundada para um tratamento legislativo desigualitário com o que vigora no plano
nacional.
8 – Por outro lado, como se extrai das normas em causa quando observadas no
contexto global dos preceitos e do sistema em que se integram, não foi
acrescentado qualquer acréscimo de funções, de competências, de actividades,
susceptíveis de servir de suporte e fundamento ao reforço do ‘Apoio aos
partidos’ através das verbas concedidas aos ‘Gabinetes dos Partidos na
Assembleia’ e aos ‘Partidos’.
9 – Deste modo, e seja qual for a natureza e o destino da subsidiação a que se
reportam as normas impugnadas, tem-se por altamente duvidoso que se verifique a
existência de particularidades ou especificidades regionais justificativas de
tão grande diferenciação de tratamento, recordando-se que o regime dos partidos
políticos é unitário e uniforme no todo nacional, achando-se constitucionalmente
vedada a existência de partidos com índole ou âmbito regional.
10 – E, por fim, cumpre ter presente como princípio matricial que, se hoje em
dia o financiamento público aos partidos políticos e aos grupos parlamentares é
pacificamente aceite, não apenas relativamente às campanhas eleitorais, como, em
geral, à indispensável manutenção de uma estrutura administrativa permanente,
desde logo no âmbito parlamentar, importa acentuar que tal financiamento público
‘se deve conter dentro de certos limites, para que não se crie uma dependência
em relação ao Estado, que se repercuta depois sobre a liberdade dos próprios
partidos’.”
2. O Representante da República conclui e requer o pedido de fiscalização de
constitucionalidade nos seguintes termos:
“Na sequência do que vem de se expor, o Representante da República para a Região
Autónoma da Madeira requer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da
constitucionalidade das normas anteriormente especificadas – artigos 1.º e 2.º
do Decreto em apreço – por eventual violação do disposto nos artigos 164º,
alínea h), 227º, nº 1, alínea a), 228º, nº 1, 2º, 3º, nº 3, e 13º da
Constituição.”
3. O requerimento deu entrada neste Tribunal a 26 de Dezembro de 2008, tendo o
pedido sido admitido na mesma data.
4. Notificado para o efeito previsto no artigo 54.º da Lei do Tribunal
Constitucional, o Presidente da Assembleia Legislativa da Madeira veio
apresentar resposta com o seguinte teor:
“l.º O artigo 10.º, n° 2 da CRP estabelece que os partidos políticos concorrem
para a organização e para a expressão da vontade popular, no respeito pelos
princípios da independência nacional, da unidade do Estado e da democracia
política.
2.º O art. 51°, n° 6 da Lei Fundamental preceitua ‘A lei estabelece as regras de
financiamento dos partidos políticos, nomeadamente quanto aos requisitos e
limites do financiamento público, bem como às exigências de publicidade do seu
património e das suas contas.’
3.º É ainda a CRP que no artigo 164°, al. h) considera que é da exclusiva
competência da Assembleia da República legislar sobre ‘Associações e Partidos
Políticos.’
4.º Por sua vez, o artigo 227°, n° 1, al. a), da CRP confere às Regiões
Autónomas o poder de ‘legislar no âmbito regional em matérias enunciadas no
respectivo Estatuto Político-Administrativo que não estejam reservadas aos
órgãos de soberania.’
5.º A Lei Constitucional n° 1/2004, de 24 de Julho, estabeleceu como norma
transitória, e no que à Região Autónoma da Madeira diz respeito, o recurso ao
disposto no art. 40° do Estatuto Político-Administrativo vigente.
6.º Resulta, desde logo, da consagração constitucional da Autonomia
Político-Administrativa da Madeira e dos Açores que a referência à unidade do
Estado constante do transcrito n° 2 do art. 10° da CRP não equivale a unicidade,
nem, necessariamente, a uniformidade.
7.º As questões suscitadas pelo Representante da República quanto à
constitucionalidade dos artigos 1º e 2° do Decreto Legislativo agora em causa,
não podem, pois, ser apreciadas e valoradas sem ter presente que a Constituição,
no seu todo, concilia-se e, em nenhuma circunstância, se exclui a si própria.
8.º A este princípio fundamental devem, naturalmente, associar-se a história e
os antecedentes do diploma em apreço nestes 32 anos de Autonomia e de Democracia
Constitucional.
9.º O preâmbulo do diploma em causa tem, aliás, uma referência mais ou menos
detalhada à evolução, em sede de Lei Orgânica da Assembleia Legislativa da
Madeira, do financiamento público partidário, na Região, por via ou
associadamente aos grupos parlamentares com assento na Assembleia Legislativa.
10.º Seria fastidioso repetir aqui tal evolução legislativa e as nuances ou
variantes que esta componente da subvenção pública aos partidos vem registando
tal qual acontece, sem qualquer sobressalto constitucional ou especulação
mediática, na Região Autónoma dos Açores.
11.º Na Madeira, tal teve inicio com o Decreto Regional n° 4/77/M, de 19 de
Abril, ocorrendo agora a sua 9.ª alteração, por via do diploma cuja apreciação
preventiva da constitucionalidade é suscitada nos autos.
12.º Registe-se que, a nível da República, esta componente do financiamento
público partidário, associada, directa ou indirectamente, aos grupos
parlamentares, remonta à Lei n° 32/77, de 25 de Maio, e consta da actual Lei n°
77/88, de 1 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n° 28/2003, de 30
de Julho.
13.º Tendo a Constituição instituído para os Açores e para a Madeira um regime
de autonomia político-administrativa, e incluído entre os órgãos de governo
próprio as Assembleias Legislativas, eleitas por sufrágio universal e directo,
competindo-lhes, em cada uma das Regiões e relativamente aos governos regionais,
o papel que, na República, cabe ao Parlamento Nacional relativamente ao Governo
central, fácil é perceber que há, e muitas, especificidades regionais na
actividade partidária e nos seus custos.
14.º É a compreensão dessa circunstância, que não pode ser, obviamente, negada,
passados 30 anos sobre a Democracia e a Autonomia, que levou sempre, a par e
passo com a Assembleia da República, que as impropriamente designadas Leis
Orgânicas dos Parlamentos Regionais (Açores e Madeira) tenham contemplado, desde
sempre, associadamente aos grupos parlamentares, ou por via deles, esta
componente do financiamento público partidário.
15.º Aliás, o preâmbulo do diploma em apreço tem o cuidado de explicar, com
algum desenvolvimento, o custo acrescido que a maior envolvência politica dos
partidos, na Madeira e nos Açores, por razões da própria Autonomia,
necessariamente implica, importando especificidades com repercussão directa na
competência das Assembleias Legislativas para legislar, como sempre têm
legislado, sobre a matéria.
16.º Com isto se quer dizer, com todo o respeito pelo requerente, que a
referência do n° 6 do art. 51º da CRP à ‘lei’ tem um sentido amplo ou material,
de diploma de natureza legislativa e não, necessária e restritamente a ‘lei’ da
Assembleia da República e, menos ainda, da sua reserva exclusiva.
17.º Acresce que a prática legislativa da Assembleia da República e das
Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas nesta matéria é absolutamente
inequívoca, no sentido de que a referência da al. h) do art. 164° da CRP às
“Associações e Partidos Políticos”, e ao contrário do que sustenta o requerente,
respeita tão-só à sua criação, extinção e regras gerais de organização e
funcionamento, mas não já à questão adjectiva ou instrumental do seu
financiamento.
18.º Se dúvidas houvesse, bastaria ver a forma de votação do texto que conduziu
à aprovação da Lei n° 19/2003, de 20 de Junho, adoptada pelo Plenário da
Assembleia da República, que a votou como lei geral comum e não como Lei
Orgânica, exactamente por não se incluir na reserva absoluta da Assembleia da
República, pois, em tal caso, teria de ser votada, na especialidade, no Plenário
(art. 168°, n° 4) e ter-se-ia de proceder à votação por maioria qualificada
(art. 166°, n° 2 e n° 5, do art. 168°), sendo que na acta do Plenário da
Assembleia da República em que se votou aquele diploma, em votação final global,
consignou-se o seguinte: ‘Neste caso, o entendimento geral é que não se trata de
uma lei orgânica mas, sim, de uma lei geral.’
19.º Ao invés, já relativamente à Lei dos Partidos Políticos – Lei Orgânica n°
2/2003, de 2 de Agosto – observou-se quer na elaboração, quer na votação o
disposto na al. h) do art. 164° conjugado com o art. 166°, n° 2 e n°s 4 e 5 do
art. 168°, todos da CRP.
20.º De outra forma, ter-se-ia de concluir que todos os diplomas, sem excepção,
que a Assembleia da República tem aprovado em matéria de financiamento
partidário seriam inconstitucionais, uma vez que jamais revestiram a forma de
lei orgânica e nunca foram submetidos à tramitação e às maiorias qualificadas
próprias desta forma de acto legislativo.
21.º Sendo que jamais foi colocada em causa a constitucionalidade desses
diplomas nem a legalidade dos financiamentos que os partidos têm auferido por
seu intermédio.
22.º Aliás, levado às últimas consequências, com o devido respeito, o raciocínio
que se desenvolve no pedido de apreciação prévia de constitucionalidade em causa
levaria a concluir que a Assembleia Legislativa não disporia sequer, de
competência para aprovar a lei da sua própria organização (correntemente
designada como Lei Orgânica).
23.º Naturalmente que, reconduzindo-se esta matéria à al. vv) do artigo 40° do
Estatuto Político-Administrativo da RAM em vigor (Lei n.º 13/91) pode
entender-se como razoavelmente exigível que se desenvolvam e expliquem as
especificidades e os antecedentes históricos que justificam a particular
configuração regional desta matéria, o que se fez, com detalhe, no preâmbulo do
diploma em causa, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente
reproduzido.
24.º Acresce que o próprio comportamento do legislador da República tem sido
sempre exemplar, no sentido de respeitar o espaço de intervenção próprio das
Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, nesta matéria.
25.º Na verdade, a Lei do Financiamento dos Partidos, salvo no tocante ao
financiamento das campanhas eleitorais, jamais se ocupou das subvenções a
auferir pelos partidos, a nível das suas estruturas regionais e dos grupos
parlamentares com assento nos parlamentos regionais, deixando, ao longo de mais
de 30 anos, tal matéria para as leis orgânicas das Assembleias Legislativas.
26.º É que no respeitante à subvenção pública, a nível nacional, há uma
simultânea previsão no artigo 5° da Lei n° 19/2003, de 20 de Junho, e no artigo
47° da Lei de Organização e Funcionamento dos Serviços da Assembleia da
República.
27.º Por sua vez, o artigo 3° da Lei n° 19/2003, de 20 de Junho, prevê na al. c)
do n° l como receitas próprias dos partidos políticos, ‘as subvenções públicas,
nos termos da lei’ e não, como seria se estivesse a excluir, à partida, outra
sede para prever tais subvenções, ‘nos termos da presente lei’.
28.º Reconhece-se, assim, pelo menos implicitamente, na Lei do Financiamento dos
Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais em vigor a possibilidade de
diploma regional se ocupar desta matéria.
29° Com o devido respeito, o diploma em apreço não exorbita das competências
legais, estatutárias e constitucionais das Assembleias Legislativas das Regiões
Autónomas e, consequentemente, não invade o âmbito da reserva, seja absoluta,
seja relativa, da Assembleia da República.
30.º Registe-se, aliás, a alusão que se faz à Auditoria da Secção Regional da
Madeira do Tribunal de Contas decorrente do equivoco, que não se podia deixar
que continuasse a subsistir de se confundirem as verbas estritamente destinadas
aos grupos parlamentares com as directamente destinadas aos partidos, sem
prejuízo da clara natureza de subvenção pública partidária de ambas as verbas.
31.º Como se considera dignificador da Democracia, da Autonomia e do Estado de
Direito, clarificar, de uma vez por todas, que, estando em causa financiamento
partidário, a fiscalização da sua utilização com vista a assegurar a sua
legalidade e transparência cabe exclusivamente ao Tribunal Constitucional.
32.º Seria, aliás, absurdo que o Tribunal Constitucional, fiscalizando, há
largos anos, as contas dos partidos nunca tivesse considerado ou referido que a
Lei n° 19/2003, do 20 de Junho, enfermava de inconstitucionalidade, o mesmo
acontecendo relativamente às disposições das Leis Orgânicas das Assembleias
Legislativas relativas ao financiamento público dos partidos.
33.º Bem pelo contrário, nos seus Acórdãos e, designadamente, no Acórdão n°
376/2005, de 8 de Julho, e em várias declarações de voto se lembra que estas
dotações atribuídas aos partidos a nível das Regiões Autónomas, conferidas pelas
Leis Orgânicas das Assembleias Legislativas, são incluídas e aditadas pelas
estruturas regionais, nas contas que os partidos apresentam anualmente ao
Tribunal Constitucional.
34.º Acresce que, se quanto às Leis Orgânicas das Assembleias Legislativas
jamais se colocou a questão da inconstitucionalidade, seria, de todo,
incompreensível que se considerasse tal ocorrer, agora, depois da Revisão
Constitucional de 2004 e do alargamento, reforço e clarificação de competências
que a mesma importou para as Assembleias Legislativas.
35.º De forma sintética, poder-se-á dizer que, no presente caso, a
especificidade que fundamenta e justifica a plena competência das Assembleias
Legislativas, nesta matéria, repete-se, desde sempre respeitada pelo legislador
da República, se resume à existência da incontornável realidade constitucional
que é a existência de Parlamentos Regionais e a Autonomia
político-administrativa dos Açores e da Madeira.
36.º Lembre-se que as Regiões Autónomas, funcionando em democracia de base
partidária, têm toda a problemática das eleições nacionais, com grandes
diferenciações nas estruturas autárquicas, sejam municípios, sejam freguesias, a
que acrescem as eleições legislativas regionais.
37.º E como consta do preâmbulo do diploma em apreço, ‘nas Regiões Autónomas os
partidos estruturam-se em termos de, a nível regional acompanharem, na sua
organização interna, o quadro constitucional da autonomia política.’
38.º No tocante à alegada violação dos princípios da igualdade e da
proporcionalidade e salvo o devido respeito, tais violações não ocorrem.
39.º Em primeiro lugar, o princípio da igualdade pressupõe tratar de forma igual
o que é igual mas tem, necessariamente, como reverso, tratar de forma diferente
o que é efectivamente diferente.
40.º É que como resulta da jurisprudência constitucional: ‘a igualdade consiste
no tratar por igual o que é essencialmente igual e em tratar diferentemente o
que essencialmente for diferente. A igualdade não proíbe, pois, o
estabelecimento de distinções; proíbe isso sim, as distinções arbitrárias ou sem
fundamento material bastante. ‘ (Ac. TC 433/87).
41.º No mesmo sentido, veja-se o Prof. Jorge Miranda, que, referindo-se ao
sentido positivo do princípio da igualdade, ensina que este compreende:
‘tratamento desigual em situações desiguais mas substancial e objectivamente
desiguais e não criadas ou mantidas artificialmente pelo legislador.’
42.º Quem tiver o mínimo de vivência da especificidade que a Autonomia politica
comporta na intervenção partidária e nos custos acrescidos que o esforço que aos
partidos é exigido a nível das Regiões, e sem falar no mais elevado custo de
vida que a insularidade implica, percebe bem qualquer eventual diferença que o
diploma em causa possa comportar, mas sempre dentro de parâmetros da maior
razoabilidade.
43.º Acresce que, com o devido respeito, a contabilidade comparativa do
requerente não é a adequada e correcta, uma vez que, na Assembleia da República,
e para calcular a dotação partidária propriamente dita, toma-se por base o
número de votos obtidos pelos respectivos partidos, enquanto que, no diploma em
apreço, reporta-se ao número de deputados eleitos, por cada partido, para a
Assembleia Legislativa.
44.º Por outro lado, na Assembleia da República, esta assume, nos termos do
artigo 46° da Lei de Organização e Funcionamento dos Serviços da AR, os encargos
com o pessoal dos grupos parlamentares, aos quais é ainda atribuída uma
subvenção para assessoria (cf. n°4 do citado art. 46°)
45.º Ora, no diploma em apreciação, é através da dotação atribuída aos grupos
parlamentares que estes custeiam integralmente o seu funcionamento, o que o
requerente não teve em devida conta.
46.º Aliás, o Tribunal Constitucional, no já referido Acórdão n.º 376/2005, e a
propósito da comparação para efeitos do princípio da igualdade entre a Lei de
Organização e Funcionamento dos Serviços da A.R. e a Lei Orgânica da Assembleia
Legislativa da Madeira, a propósito das disposições agora alteradas chamava a
atenção no sentido de que ‘as realidades normativas que se pretendem comparar
são substancialmente diferentes (…) e trata-se de diferentes realidades, porque
a Assembleia da República e a Assembleia Legislativa da Região Autónoma têm
diferentes atribuições e poderes legislativos constitucionalmente reconhecidos e
desenvolvem a sua actividade legislativa dentro de um quadro jurídico e de facto
diferentes. Na verdade, enquanto nas Regiões Autónomas o poder legislativo está
atribuído apenas à Assembleia Legislativa, já no que importa ao âmbito nacional
que, fora do domínio da reserva absoluta ou relativa da Assembleia da República,
uma concorrência de poderes legislativos entre o parlamento e o governo,
demonstrando a prática que a maior parte da legislação é produzido por este.’
47.º Assim sendo, como é, não decorre do diploma em causa qualquer ofensa aos
princípios da igualdade e da proporcionalidade que o possa nem de perto, nem de
longe, afectar por inconstitucionalidade.
48.º Conclui-se, pois, que as disposições do Decreto Legislativo Regional que
procede à alteração à Lei Orgânica da Assembleia Legislativa não enfermam de
qualquer inconstitucionalidade, devendo, assim, improceder as questões
suscitadas pelo Representante da República nos presentes autos.”
Elaborado o memorando a que se refere o artigo 58.º, n.º 2, da Lei do Tribunal
Constitucional, e tendo este sido submetido a debate, cumpre agora decidir de
acordo com a orientação que o Tribunal fixou.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A. Do Objecto
5. A questão a resolver nos autos prende-se com as alterações aos artigos 46.º e
47.º da Estrutura Orgânica da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da
Madeira, criada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 24/89/M, de 7 de Setembro,
com as alterações introduzidas pelos Decretos Legislativos Regionais n.ºs
2/93/M, de 20 de Fevereiro, 11/94/M, de 28 de Abril, 10-A/2000/M, de 27 de
Abril, e 14/2005/M, de 5 de Agosto. Para além das referidas alterações, integra
ainda o objecto do pedido a disposição transitória relativa à entrada em vigor
do Indexante de Apoios Sociais, que passa a constituir a unidade de referência
para o cálculo das subvenções destinadas aos partidos e aos gabinetes
parlamentares, bem como à natureza interpretativa do que se consagra no diploma
de alteração quanto à competência para a fiscalização financeira das subvenções
aos partidos previstas na referenciada Estrutura Orgânica. Este é o objecto dos
presentes autos, e não qualquer outro, nomeadamente os diplomas referidos pelo
Autor da norma na sua resposta.
6. Não é a primeira vez que o Tribunal Constitucional é chamado a analisar a
conformidade jusconstitucional de alterações a normas da Estrutura Orgânica da
Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira. Com efeito, no Acórdão n.º
376/2005 (publicado no Diário da República, II Série, de 19 de Agosto de 2005),
o Tribunal, a requerimento do então Ministro da República para a Região Autónoma
da Madeira, em processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade,
debruçou-se sobre normas constantes de decreto legislativo regional que
alteravam precisamente os artigos 46.º e 47.º de tal diploma orgânico – os
mesmos preceitos cujas alterações vêm agora questionadas pelo Requerente.
Nesse aresto, tirado com quatro votos de vencido, o Tribunal Constitucional
pronunciou-se pela não inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos
29.º, e 30.º, do que veio a ser publicado como Decreto Legislativo Regional n.º
14/2005/M, de 5 de Agosto, face às invocadas desconformidades constitucionais.
Entendeu então o Requerente que os preceitos em causa respeitavam a matérias
integradas na reserva, aliás absoluta, da Assembleia da República e,
adicionalmente, enfermavam de inconstitucionalidade material por violação dos
princípios da igualdade e da proporcionalidade.
O Tribunal decidiu que as subvenções em causa nas alterações então apreciadas
constituíam financiamento em virtude e por causa da actividade parlamentar
desenvolvida. A decisão assentou no facto de, atendendo ao fundamento
subvencional em análise, não estarem em questão financiamentos aos partidos qua
tale, isto é, afectos à realização dos seus fins próprios, mas sim subvenções
geneticamente fundadas no exercício da actividade parlamentar. No exercício
desta actividade residia, portanto, não só a justificação constituinte de tais
subvenções públicas como também o limite material último à respectiva disposição
por parte dos partidos e grupos parlamentares beneficiários. Vejam-se os
seguintes excertos do citado aresto, ilustrativos do que se acabou de dizer:
“Recortado o quadro legislativo, ficam desenhados os traços que permitem, numa
primeira consideração, adivinhar já uma destrinça entre as subvenções em causa
no presente pedido de constitucionalidade e as que são outorgadas aos partidos
políticos independentemente do desenvolvimento de uma concreta actividade de
natureza parlamentar. (…)
Nesta linha de pensamento, não pode desconsiderar-se o facto de o regime
aplicável ao financiamento dos partidos políticos qua tale assumir como
fundamento subvencional do financiamento público a realização dos seus fins
próprios independentemente da afectação de recursos relativos à prossecução de
uma actividade parlamentar. Na verdade, ainda que a representatividade na
Assembleia da República seja assumida como critério do montante subvencional a
atribuir pelo Estado, é manifesto que a ratio, subjacente a tal financiamento,
não tem a natureza instrumental da subvenção que é concedida para realização de
fins estritamente parlamentares e que a estes está funcionalmente condicionada.
(…) Contudo, é igualmente inegável que o sistema constitucional reserva aos
partidos políticos um importante papel ao nível da “participação no
funcionamento do sistema de governo constitucionalmente instituído” – aí se
integrando a “que se efectua através dos órgãos de soberania, a que se exerce
noutros órgãos do Estado e ainda a que respeita aos órgãos de governo próprio
das regiões autónomas” (cf. Marcelo Rebelo de Sousa, Os partidos políticos no
direito constitucional português, cit., p. 446). E, nessa participação, vai
assumido um conjunto de “diferenças sensíveis” que demarcam a actuação dos
partidos solus ipse da que é institucionalmente enquadrada como dimensão
componente – e constitutiva – do funcionamento dos próprios órgãos do Estado.
Por outro lado, acentuando agora a especificidade da representação de cariz
parlamentar, não deixa de resultar dos pertinentes dados constitucionais que a
intervenção dos partidos, nesta sede, é, em boa medida, mediatizada pelos grupos
parlamentares que assim se configuram como específicos sujeitos da actividade,
organização e funcionamento do órgão parlamentar (…). E dessa estruturação
orgânica (…) decorrerá, também entre nós, uma forçosa ponderação diferenciadora
entre as condições de funcionamento dos partidos – a que concernem as subvenções
outorgadas no seio do artigo 5.º da Lei n.º 19/2003 – e as condições de
funcionamento dos órgãos de natureza parlamentar, norteadas pelo quid specificum
de estarem instrumentalizadas, vinculadas e predispostos ao funcionamento desse
complexo orgânico. E, assim, enquanto as primeiras são compreendidas no âmbito
de uma escolha opção (sic) legiferante na composição de um modelo de
financiamento da actividade partidária, as segundas não podem deixar de ser
reclamadas pela própria natureza das coisas, não só em função do exercício da
função parlamentar mas igualmente atendendo às exigências materiais que aí vão
assumidas e que são vistas como condição de dignidade desse exercício e dos seus
resultados.
7. O objecto do presente pedido versa, de igual modo, sobre as alterações aos
artigos 46.º e 47.º, da estrutura orgânica da Assembleia Legislativa da Região
Autónoma da Madeira, juntamente com a disposição transitória inerente à entrada
em vigor do novo critério referencial de cálculo das subvenções atribuídas aos
partidos com representação naquele órgão. Tal não significa que se possa
concluir, sem mais, pela aplicabilidade aos presentes autos do que foi então
decidido no Acórdão n.º 376/2005.
Na verdade, e face ao disposto no artigo 180.º, n.º 3, da Constituição,
respeitante aos grupos parlamentares, entendeu-se que de tal norma não poderia
deixar de decorrer a faculdade de o órgão parlamentar “prover à existência dos
meios humanos e materiais por el[e] considerados necessários para o cabal
exercício dos mandatos parlamentares, maxime através da intervenção dos grupos
parlamentares.” E, embora esse preceito, integrado no Capítulo III do Título II
referente à Assembleia da República se reporte directamente a este órgão,
aplica-se de igual modo às Assembleias Legislativas das regiões autónomas, nos
termos do artigo 232.º, n.º 4. Terá portanto de se reconhecer às Assembleias
Legislativas das regiões autónomas, tal como à Assembleia da República, uma
“legítima faculdade de autoconformação do seu próprio funcionamento” (cfr.
Acórdão n.º 85/2008, publicado no Diário da República, I Série, de 11 de Março
de 2008), de modo a lograr a efectivação dos direitos dos grupos parlamentares e
dos deputados não integrados em grupos parlamentares nos termos do referido
artigo 180.º, n.º 3.
Assim, considerando quer o disposto no artigo 232.º, n.ºs 3 e 4, quer o teor do
artigo 227.º, n.º 1, alínea a), ambos da Constituição, decidiu então o Tribunal
não se pronunciar pela inconstitucionalidade orgânica das alterações que vieram
posteriormente a ser aprovadas pelo Decreto-Legislativo Regional n.º 14/2005/M.
Confrontadas tais alterações com os restantes parâmetros invocados e atinentes
aos princípios da igualdade e da proporcionalidade, concluiu-se de igual modo
pela não verificação de qualquer violação constitucional.
8. É agora o Tribunal Constitucional confrontado com novas alterações às mesmas
normas. Metodologicamente impõe-se que se proceda à averiguação e qualificação
da matéria versada no projecto legislativo por forma a apreciar a questão de
inconstitucionalidade orgânica invocada pelo Requerente.
8.1. O artigo 1.º do Decreto começa por alterar a epígrafe do Capítulo VII da
estrutura orgânica, eliminando a referência aos grupos parlamentares, o qual
passa a dispor, apenas, sobre “Apoios aos partidos”. Também na epígrafe do
artigo 46.º é suprimida a expressão “grupos parlamentares”, limitando-se agora a
referir “Gabinetes dos partidos na Assembleia”. Aliás, todas a menções
posteriores aos “grupos parlamentares” são eliminadas do corpo de tal preceito,
voltando a mesma a surgir apenas no novo n.º 11, referente às contas relativas à
subvenção atribuída nos termos do n.º 1 desse artigo. Deste modo, onde, à luz da
redacção em vigor, se lê “grupo” ou “grupos parlamentares”, passa a ler-se, com
as alterações em análise, “gabinete” (n.º 2), “gabinete dos partidos” (n.ºs 4 e
10) e “gabinetes dos partidos com assento parlamentar” (n.ºs 8 e 9). Também na
alínea a), do n.º 1, é suprimida a referência ao “deputado único/partido e
grupos parlamentares”, sendo igualmente alterado o critério de referência para o
cálculo da subvenção em causa.
8.2. Já o artigo 47.º, mantendo a mesma epígrafe, vê o seu n.º 1 alterado,
prevendo-se agora a atribuição de uma subvenção anual aos partidos com
representação parlamentar no valor de 16 x 12 I.A.S, em vez da anterior
subvenção mensal às representações parlamentares (de um só deputado e grupos
parlamentares) para encargos de assessoria (no valor de um SMN x número de
deputados). Por outro lado, no n.º 2, prevê-se agora que tal subvenção seja
entregue às estruturas regionais dos partidos com assento parlamentar.
8.3. Importa portanto apreciar, em primeira linha, o tipo de subvenções
previstas nos citados artigos 46.º e 47.º, face às alterações introduzidas, de
forma a aferir se a respectiva qualidade face ao que já se adiantou
relativamente a subvenções públicas atribuídas com base no critério do exercício
da actividade parlamentar. Só daqui se poderá então avançar para a questão da
competência do órgão autor das normas para a respectiva normação.
8.4. Para melhor esclarecimento do sentido das alterações ora impugnadas,
saliente-se desde já a intentio legislatoris expressamente assumida e visada
pelo Autor da norma no preâmbulo do diploma que agora foi submetido à apreciação
do Tribunal:
“Importa, porém, fazer um pouco de história, a nível nacional e a nível regional
da evolução legislativa desta componente do financiamento público partidário,
por via dos Grupos Parlamentares, dos partidos com assento nas Assembleias.
É o que passamos a fazer.
É público e sabido que a Secção Regional da Madeira, do Tribunal de Contas, vem
adoptando uma interpretação que considera que as dotações atribuídas aos
partidos com assento Parlamentar, incluindo as destinadas aos Grupos
Parlamentares, órgãos dos partidos, não teria a natureza de financiamento
partidário e, como tal, a sua fiscalização não caberia ao Tribunal
Constitucional.
Admite-se que a Lei Orgânica da Assembleia Legislativa, e mais precisamente os
seus artigos 46° e 47.º, não tenham, na sua redacção actual, a clareza desejável
e permitam uma leitura diferente daquela que o próprio legislador lhe atribuiu.
A demonstração do carácter controverso dessa redacção está patente no Parecer do
Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de 25 de Setembro de
2008.
Efectivamente, começou por ser relator daquele parecer, o Senhor Procurador José
Luís Paquim Pereira Coutinho, que elaborou um Projecto de parecer que
sustentava, e bem, que as dotações previstas nos artigos 46° e 47° da Lei
Orgânica da Assembleia Legislativa constituíam financiamento partidário e, como
tais, estavam subordinadas à fiscalização do Tribunal Constitucional e da
Entidade de Contas e Financiamentos Políticos, que assessora aquele Tribunal.
Porém, com uma votação que dividiu o Conselho em dois blocos, fez vencimento a
tese de que tais dotações não assumiriam natureza de financiamento partidário.
Compreender-se-á que, se a mais elevada instância de Aconselhamento Jurídico do
Estado, como é o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, que
integra a ‘nata’ dos Procuradores, está dividida quanto ao alcance e sentido de
normas de diploma Regional, tão melindroso como o que regula matéria de
financiamento partidário intrinsecamente ligado aos Grupos Parlamentares, órgãos
partidários que integram a Assembleia Legislativa de uma Região Autónoma,
demonstrada está a necessidade imperiosa duma clarificação interpretativa desta
matéria, em sede legislativa.
É este, pois, o momento e o local próprio para o fazer com a mais elevada
responsabilidade institucional e com o sentido de Estado que a matéria do
financiamento partidário exige, dignificando-se, a um tempo, a Democracia e a
Autonomia.
Na verdade, não é bom para a Democracia que superiores instâncias do Estado, com
relevantes responsabilidades fiscalizadoras, que devem ser respeitadas e
dignificadas, alimentem conflitos inúteis e desgastantes com outros órgãos com
funções políticas, não menos relevantes, no âmbito da Autonomia Regional, como é
o caso da Assembleia Legislativa que se quer, igualmente, respeitada e
dignificada.
Por isso, introduziu-se no presente Projecto de Decreto Legislativo Regional uma
distinção clara entre a dotação destinada aos Grupos Parlamentares, órgãos
partidários e a dotação directamente atribuída aos partidos com assento na
Assembleia Legislativa, através das suas estruturas regionais.
Deixa-se, igualmente, claro que tanto a dotação para os Grupos Parlamentares
como a destinada directamente aos partidos são ambas subvenção pública de
financiamento partidário.”
8.5. Notoriamente, foi intenção do Autor das normas legislar sobre financiamento
público partidário. Isto mesmo veio posteriormente a ser confirmado pela
resposta que o mesmo apresentou ao pedido formulado pelo Requerente. E, ainda
que o preâmbulo e a resposta fossem omissos quanto a este desiderato, do teor
das alterações não resultaria conclusão diversa. É que, mais do que modificações
de letra, as alterações que se pretendem introduzir afectam materialmente a
natureza das subvenções previstas nos artigos 46.º e 47.º. Vejamos:
8.6. Quanto ao artigo 46.º, a repetida eliminação das referências aos grupos
parlamentares do corpo do preceito, aliada às alterações de epígrafe do artigo e
do Capítulo em que a norma se insere, tem como consequência a supressão do nexo
fundamentante da subvenção, assente no exercício da actividade parlamentar. Com
efeito, a subvenção aí prevista deixa de estar incindivelmente afecta ao
exercício da actividade parlamentar, para passar a encontrar nesta, tão-somente,
a sua fonte criadora, isto é, o respectivo critério ou pressuposto legal de
atribuição. Daqui não pode deixar de resultar, portanto, a conclusão de que se
trata de um financiamento à actividade partidária e independente do concreto
exercício da actividade parlamentar, na esteira, aliás, da vontade expressa do
legislador regional que constitui um importante elemento de análise
interpretativa particularmente tendo em atenção a natureza preventiva dos autos
sub judicio.
Idêntica asserção se retira quanto à subvenção contemplada no artigo 47.º, a
qual, aliás, de acordo com a proposta em análise, passa a ser directamente
entregue às próprias estruturas regionais dos partidos com assento parlamentar.
Para além disso, a supressão da parte inicial do n.º 1 de tal artigo elimina,
por completo, a conexão que, na redacção em vigor, tal subvenção apresenta com o
exercício da actividade parlamentar, deixando de existir a condicionante
relativa à utilização de tais verbas com encargos de assessoria o que significa
que as mesmas passariam a poder ser utilizadas para quaisquer outros tipos de
despesas, nomeadamente aquelas totalmente alheias à vida parlamentar e que fazem
parte do quotidiano de qualquer partido (tais como materiais de propaganda
política).
8.7. É inquestionável, portanto, que as alterações introduzidas aos artigos 46.º
e 47.º, do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2005/M dizem respeito a matéria
de financiamento partidário. Aqui chegados, cumpre agora averiguar da
competência legislativa do autor das normas.
B. Do mérito
9. O próprio decreto, ora em análise, invoca como base jurídica da sua aprovação
o artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, isto é, dele retirando a
competência para legislar sobre a matéria constante daquelas normas.
Importa, assim, verificar se tal ocorre. Ora, conforme se exarou no Acórdão n.º
423/2008 (publicado no Diário da República, I Série, de 17 de Setembro de 2008),
relativamente à competência legislativa própria dos órgãos regionais na
sequência da revisão operada pela Lei Constitucional n.º 1/2004, encontra-se a
mesma delimitada pela operância de restrições de três ordens. Vejamos:
“O direito constitucional regional sofreu profundas alterações na revisão
constitucional de 2004, que não têm sido ignoradas pela jurisprudência deste
Tribunal.
Com efeito, nos Acórdãos n°s 246/2005, de 10 de Maio, 258/2006, de 18 de Abril,
e 258/2007, de 17 de Abril, o Tribunal teve oportunidade de salientar que, entre
as alterações introduzidas na revisão constitucional de 2004, se devem contar a
simplificação dos parâmetros em que o poder legislativo regional se pode
exercer, o que tem como consequência o alargamento dos poderes legislativos das
regiões autónomas. Mais ainda, o Tribunal verificou o desaparecimento da
categoria de leis gerais da República, bem como da submissão dos diplomas
regionais aos seus princípios fundamentais (antigo n.° 5 do artigo 112.° da
Constituição), e ainda a eliminação da necessidade de existência de interesse
específico regional na matéria regulada pelas regiões, enquanto pressuposto ou
requisito do exercício da competência legislativa destas últimas (veja-se o n.°
4 do artigo 112.° da CRP, na sua actual redacção).
Além disso, desta jurisprudência do Tribunal decorre ainda que o exercício do
poder legislativo das regiões autónomas se continua a enquadrar pelos
fundamentos da autonomia das regiões consagrados no artigo 225. ° da CRP e que
deve, em face do disposto no n.° 4 do artigo 112°, na alínea a) do n.° 1 do
artigo 227° e no artigo 228°, n° 1, da Constituição, respeitar cumulativamente
três requisitos: i) restringir-se ao âmbito regional; ii) estarem em causa as
matérias enunciadas no respectivo estatuto político-administrativo; iii) as
matérias não estarem reservadas à competência dos órgãos de soberania.”
Neste contexto, tendo presente o último “item” apontado [as matérias não estarem
reservadas aos órgãos de soberania], importa considerar que desde cedo, o
Tribunal Constitucional (vide Acórdão n.º 258/2007, publicado no Diário da
República, I Série, de 15 de Maio) rejeitou uma interpretação restritiva ou
literal da competência própria dos órgãos de soberania, isto é, uma
interpretação que confinasse essa competência ao elenco taxativo das
competências constitucionalmente reservadas, de forma explícita, à Assembleia da
República ou ao Governo. Nessa competência reservada incluem-se, também, “todas
as matérias que reclamam a intervenção do legislador nacional.”
Mais recentemente, pelo Acórdão n.º 402/2008 (publicado no Diário da República,
I Série, de 18 de Agosto), este Tribunal teve o ensejo de afirmar:
“O iniludível alargamento do âmbito de competência legislativa das regiões,
resultante da revisão constitucional de 2004, não põe em causa a intangibilidade
das competências dos órgãos nacionais, associados ao exercício de funções de
soberania, sem que isso importe, de modo algum, a revivescência de previsões
constitucionais restritivas eliminadas por aquela revisão. Daí a obrigatoriedade
de intervenção do legislador parlamentar ou governamental, (…) relativamente a
matérias que reclamem a intervenção do legislador nacional”.
10. Neste contexto, e, tendo presente o financiamento público dos partidos
políticos, saliente-se os preceitos constitucionais que deverão ser convocados:
“Artigo 10.º – (Sufrágio Universal e partidos políticos)
1. (…)
2. Os partidos políticos concorrem para a organização e para a expressão da
vontade popular, no respeito pelos princípios da independência nacional, da
unidade do Estado e da democracia política.”
“Artigo 51.º – (Associações e partidos políticos)
1. (…)
2. (…)
3. (…)
4. Não podem constituir-se partidos que, pela sua designação ou pelos seus
objectivos programáticos, tenham índole ou âmbito regional.
5. (…)
6. A lei estabelece as regras de financiamento dos partidos políticos,
nomeadamente quanto aos requisitos e limites do financiamento público, bem como
às exigências de publicidade do seu património e das suas contas.”
Como se depreende do disposto no artigo 10.º, n.º 2, da Constituição, os
partidos políticos, constituindo formas de organização e expressão da vontade
popular, devem respeitar “os princípios da independência nacional, da unidade do
Estado e da democracia política.”
Por seu lado, o artigo 51.°, n.º 4, ao determinar que “não podem constituir-se
partidos políticos que, pela sua designação ou pelos seus objectivos
programáticos, tenham índole ou âmbito regional”, estabelece um princípio de
proibição de partidos regionais, o que quer dizer que a actividade política
partidária, também a nível das regiões autónomas, só pode ser travada por
organizações necessariamente de vocação nacional.
Ainda por força do n.º 6 deste preceito, a Constituição estabelece uma imposição
legislativa ao confiar à lei a definição “das regras de financiamento dos
partidos políticos, nomeadamente quanto aos requisitos e limites do
financiamento público (...)”. Do que resulta não só uma implícita obrigação
estadual de financiamento público, mas também a obrigatoriedade da fixação de um
montante máximo para a atribuição de subvenções públicas partidárias, tendo como
finalidade a necessidade de assegurar o pluralismo partidário e garantir a todas
as formações organizadas como partidos políticos o suporte económico-financeiro
indispensável à efectivação do princípio da igualdade de oportunidades. (Gomes
Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol.,
4.ª edição, p. 689).
A proibição constitucionalmente imposta relativamente à existência de partidos
regionais, por um lado, e a concomitante exigência constitucional do
estabelecimento dos requisitos e limites ao financiamento partidário, por outro,
revela que a regulamentação legal primária desta matéria não pode ser exercida
concorrentemente por órgãos legiferantes, nacionais e regionais, em termos que
pudessem implicar a adopção de regimes jurídicos conflituantes, e evidencia que
estamos perante competência reservada dos órgãos de soberania.
O que aponta para considerar que a credencial legislativa conferida pelo artigo
51.° consagra, não genericamente uma reserva de acto legislativo, mas,
especificamente, uma reserva de lei estadual.
11. Não se encontrando preenchido um dos requisitos da competência legislativa
atrás referenciada, não poderia, pois, a Assembleia Legislativa da região
autónoma da Madeira legislar sobre a invocada matéria. Assente a existência de
inconstitucionalidade, com base em violação das regras de competência, torna-se
desnecessário indagar dos restantes fundamentos invocados, bem como das
inconstitucionalidades materiais arguidas pelo Requerente.
III – DECISÃO
12. Pelos motivos expostos, o Tribunal Constitucional pronuncia-se pela
inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 227.º, n.º 1, alínea
a), da Constituição, das normas contidas nos artigos 1.º e 2.º, do Decreto
Legislativo Regional, aprovada na sessão plenária de 16 de Dezembro de 2008, da
Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, intitulado “Alteração à
lei orgânica da Assembleia Legislativa”.
Lisboa, 20 de Janeiro de 2009
José Borges Soeiro
Ana Maria Guerra Martins
Joaquim de Sousa Ribeiro
Mário José de Araújo Torres
Carlos Fernandes Cadilha
Benjamim Rodrigues
Maria Lúcia Amaral
Maria João Antunes
Gil Galvão
João Cura Mariano
Vítor Gomes
Carlos Pamplona de Oliveira – com declaração
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido quanto à fundamentação adoptada.
Entendo, na verdade, que estando em causa saber se a Assembleia Legislativa da
RAMadeira tem poderes para editar as normas impugnadas, a resposta a esta
questão deve ser procurada no disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 227º CR,
norma que, em conjugação com o disposto no n.º 1 do artigo 232º CR, habilita
aquele órgão regional a legislar em matérias enunciadas no respectivo estatuto,
não reservadas aos órgãos de soberania. Impor-se-ia, em consequência, averiguar
se a matéria em causa está elencada no artigo 40º do Estatuto Politico
Administrativo da RAM, conforme determina a disposição transitória adoptada no
artigo 46º da Lei Constitucional n.º 1/2004. Com efeito, diversamente do caso
tratado no Acórdão n.º 376/2005, em que estavam em causa subvenções relativas a
organização parlamentar, abrangidas na competência legislativa das assembleias
legislativas das Regiões por força de norma especial contida no n.º 3 do artigo
232º CR, de resto em perfeita harmonia com o que se dispõe nos artigos 175º a) e
180º n.º 3 CR quanto à Assembleia da República, a natureza do financiamento no
caso em presença arrasta a análise desta matéria para a sede geral da
competência legislativa regional. Devia, portanto, concluir-se que a Assembleia
Legislativa da RAM não detém poderes para legislar sobre esta matéria, nos
termos conjugados dos artigos 229º n.º 1 alínea a) CR, 46º da Lei Constitucional
n.º 1/2004, e 40º do EPARAM.
A tese perfilhada no Acórdão, ao pretender ligar a competência para disciplinar
a matéria a uma 'reserva de lei estadual', alegadamente decorrente do n.º 6 do
artigo 51º CR, não encontra – salvo o devido respeito – qualquer apoio no texto
da Constituição. Na verdade, o que se dispõe no n.º 1 do artigo 112º CR afasta
claramente a existência de uma tal espécie legislativa denominada 'lei
estadual', por contraposição com os 'actos legislativos regionais', uma vez que
a Constituição fixou, como limites negativos ao poder legislativo regional,
apenas as matérias reservadas aos órgãos de soberania, ou seja, na prática
(excepto quanto ao caso previsto no n.º 2 do artigo 198º CR), as matéria
reservadas à competência da Assembleia da República. Não é, assim, possível
descortinar, para além deste, outro limite negativo de competência legislativa
regional, denominado 'reserva de lei estadual'.
Carlos Pamplona de Oliveira
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