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Processo nº 717/2008
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. Em 10 de Outubro de 2008 foi proferida decisão sumária (fls. 147) em que se
entendeu não poder o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do recurso
interposto para o Tribunal por A..
A decisão assentou nos seguintes fundamentos:
2. O presente recurso vem interposto ao abrigo tanto da alínea b) como da
alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, tendo o
Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Coimbra admitido o recurso a
coberto de ambas alíneas.
Cumpre, pois, verificar se os requisitos específicos de cada uma das alíneas do
n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional se encontram preenchidos.
Começando pelo recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º
da Lei do Tribunal Constitucional sempre se dirá que não estão preenchidos, no
caso sub judice os requisitos de que depende a admissão deste recurso.
Na verdade, o recurso da decisão de um tribunal que “aplique norma já
anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal
Constitucional” depende da existência de uma “identidade entre a dimensão
normativa anteriormente julgada (ou declarada) inconstitucional pelo Tribunal
Constitucional e a dimensão normativa aplicada, como ratio decidendi, pela
decisão recorrida” (Acórdão n.º 573/2006, de 18 de Outubro, disponível para
consulta em www.tribunalconstitucional.pt).
Ora, do cotejo dos autos, e atendendo à ratio decidendi do Acórdão n.º 27/2006,
de 10 de Janeiro de 2006, verifica-se que esta identidade não se encontra
preenchida.
Com efeito, no citado Acórdão n.º 27/2006, o Tribunal Constitucional declarou a
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, “da norma constante do n.º 1
do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redacção que lhe
foi dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, conjugada com o artigo
411º do Código de Processo Penal, quando dela decorre que, em processo
contra-ordenacional, o prazo para o recorrente motivar o recurso é mais curto do
que o prazo da correspondente resposta, por violação do princípio da igualdade
de armas, inerente ao princípio do processo equitativo, consagrado no n.º 4 do
artigo 20º da Constituição”.
Diferentemente, como aliás sucedeu já num caso de contornos semelhantes ao que o
Tribunal é agora chamado a decidir (Acórdão n.º 573/2006, de 18 de Outubro de
2006), no presente caso o acórdão proferido pelo Tribunal a quo não adoptou a
interpretação já julgada inconstitucional, tendo antes decidido pela concessão
de prazos iguais de interposição de recurso e de apresentação da resposta para o
recorrente e para o Ministério Público respectivamente.
O que o ora recorrente contesta é, no presente caso, os prazos – enquanto
intervalo temporal – que foram efectivamente concedidos a ambos, recorrente e
Ministério Público, e que são coincidentes: 10 dias. Está em causa, pois, o
prazo de 10 dias e não a concessão de prazos desiguais ao recorrente e ao
Ministério Público.
Assim sendo, a decisão recorrida não aplicou a ratio decidendi julgada
inconstitucional pelo Tribunal Constitucional no acórdão citado, pelo que, por
falta de preenchimento do requisito de admissibilidade do recurso já enunciado,
não pode o Tribunal Constitucional conhecer do seu objecto.
3. Por maioria de razão, não pode o Tribunal Constitucional conhecer do recurso
interposto agora ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do
Tribunal Constitucional.
Na verdade, e como muito bem se sabe – e como inúmeras vezes tem sido repetido
pelo Tribunal –, é requisito específico do recurso de constitucionalidade
interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional, além da suscitação, de forma clara e perceptível, da
inconstitucionalidade da norma durante o processo e do esgotamento dos recursos
ordinários que no caso cabiam, que a norma (ou dimensão normativa) impugnada
tenha efectivamente sido aplicada pelo tribunal a quo, na decisão recorrida,
como verdadeira ratio decidendi. Assim, se o sentido normativo impugnado não
corresponder ao sentido com que as normas questionadas foram aplicadas na
decisão recorrida, não existe interesse processual que justifique o conhecimento
da questão pelo Tribunal Constitucional.
A razão de ser deste requisito específico do recurso de constitucionalidade
prende-se com a necessidade de conferir um sentido útil às decisões proferidas
pelo Tribunal Constitucional. Com efeito, o Tribunal não se deve pronunciar, em
sede de fiscalização concreta, quando, qualquer que seja o sentido da decisão
que recaia sobre a questão de (in)constitucionalidade, se mantenha inalterado o
decidido pelo
tribunal recorrido (veja-se, neste sentido, os Acórdãos do Tribunal n.ºs 454/91,
577/95, 1015/96, 196/97 disponíveis para consulta em
www.tribunalconstitucional.pt).
Ora, compulsados os autos verifica-se que a norma cuja inconstitucionalidade é
suscitada, na dimensão normativa invocada pelo ora recorrente, não corresponde,
na verdade, à dimensão normativa aplicada no acórdão do Tribunal da Relação de
Coimbra.
É que a decisão de que ora se recorre não se baseou numa dimensão normativa do
artigo 74.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações que viesse determinar
prazos diferentes de interposição do recurso e da respectiva resposta. Isso
mesmo se torna patente da leitura do acórdão recorrido no seguinte trecho que se
retranscreve:
“Nessa perspectiva tem vindo este Tribunal da Relação a entender, na sequência
da decisão acabada de referenciar, de forma reiterada e uniforme, que o prazo da
interposição do recurso – tal como o prazo da respectiva resposta – é o definido
directamente pela Lei (art. 74º do RGCC): 10 dias. Apenas sofrendo de
inconstitucionalidade a interpretação que concedesse, para a resposta, prazo
superior ao da interposição – cfr., entre outros: Ac. de 30.05.2207, recurso
2946/06.3TBAVR.C1, in www.dgsi.pt/ e Ac. de 23.01.2008, recurso
324/07.6TBMGL.C1; decisão sumária do ora relator de 05.03.2008, revendo a
posição (minoritária) anteriormente assumida, no âmbito do processo
456/07.0BFND.Cl do 2 Juízo do TJ de Fundão”.
É, pois, inequívoco que a dimensão ou entendimento normativo impugnado pelo
recorrente não foi aplicada pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
Quer isto dizer que uma decisão do Tribunal Constitucional que responda ao
pedido formulado pela recorrente será, sempre, inútil, porquanto não havendo
identidade entre o objecto do pedido de recurso de constitucionalidade e a ratio
decidendi da decisão proferida pelo Tribunal a quo, sempre se manterá inalterado
o sentido da decisão proferida pelo tribunal recorrido.
Destarte, não pode o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do recurso
interposto.
2. Notificado desta decisão, A. veio reclamar para a conferência, dizendo, em
síntese que se conforma com
(…) a douta interpretação, feita pela Exma. Senhora Juíza Conselheira Relatora,
ao douto acórdão do Tribunal Constitucional de que o recorrente modestamente se
serviu como referência para a arguição de inconstitucionalidade da decisão
recorrida.
Por conseguinte, entendendo-se que o referido douto acórdão n.° 27/2006, do
Tribunal Constitucional, apenas julga inconstitucional a dimensão normativa
respeitante à desigualdade entre o prazo para a motivação do recorrente e o
prazo para a resposta do Ministério Público, em sede de recurso
contra-ordenacional, e não toma posição quanto ao prazo concreto de que ambos os
sujeitos processuais devem dispor, aceita-se que, nesta parte, que a ratio
decidendi do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra não conflitua com o
primeiro citado douto aresto.
Já quanto à não admissão do recurso quando interposto ao abrigo da alínea b) do
n.° 1 do Artigo 70° da LTC, vem o ora reclamante dizer que:
Já não pode o recorrente estar de acordo com os argumentos aduzidos na douta
decisão sumária em reclamação.
Isto porque, esta douta decisão impede o conhecimento, por este venerando
Tribunal Constitucional, de outra questão, emergente de outra dimensão normativa
cuja inconstitucionalidade foi oportunamente arguida pelo recorrente durante o
processo.
Com efeito, o recorrente também impugnou o sentido normativo da decisão
recorrida que resulta da própria escolha do prazo de 10 dias, em detrimento do
prazo de 15 ou 20 dias (previsto no Código de Processo Penal para a resposta),
ainda que atribuído a ambos os sujeitos processuais.
O facto de se entender que a decisão recorrida não contraria o sentido normativo
declarado inconstitucional pelo referido douto Acórdão 27/2006 (entendido como a
igualdade de prazos para ambos os sujeitos), por não conceder prazos diversos
aos sujeitos processuais, é questão diversa da inconstitucionalidade, arguida
pelo recorrente, da dimensão normativa reflectida no entendimento, aí sufragado,
de que o prazo igual para ambas as partes há-de ser o de dez dias.
Neste caso, ao contrário do que se refere na douta decisão sumária em
reclamação, já não é inútil o sentido da decisão, deste venerando Tribunal
Constitucional, que viesse a declarar inconstitucional tal interpretação da
norma em crise, porque tal esperado aresto obrigaria o venerando Tribunal a quo
a considerar tempestivo o recurso interposto pelo recorrente, mesmo apresentado
no prazo de 15 dias.
Parece, com toda a modéstia e sinceridade, que a decisão em reclamação não viu
ou não teve em devida conta este entendimento normativo cuja constitucionalidade
foi posta em crise pelo recorrente.
É a própria decisão recorrida que deixa entender essa lacuna de pronúncia, ao
dizer (fls. 7):
“É que a decisão de que ora se recorre não se baseou numa dimensão normativa do
art. 74°, n.° 1, do Regime Geral das Contra‑Ordenações que viesse determinar
prazos diferentes de interposição de recurso e da respectiva resposta.”
(...)
“É pois inequívoco que a dimensão ou entendimento normativo impugnado pelo
recorrente não foi aplicada pelo Tribunal da Relação de Coimbra.”
Porém, realça-se de novo, não foi só esse o entendimento normativo posto em
crise pelo recorrente. Foi também, como modestamente se escreveu no requerimento
de interposição de recurso para este venerando Tribunal da Relação de Coimbra, o
que resulta da seguinte arguição, que se reproduz:
“inconstitucionalidade da norma aplicada pela decisão em crise, ínsita no artigo
74º, n.° 1, do referido Regime Geral das Contra‑Ordenações, quando interpretada
como no dito aresto, ou seja, no sentido de que o principio da igualdade de
tratamento entre o recorrente e o Ministério Público, através da não atribuição
de prazos diversos à interposição de recurso e à resposta, também se alcança
pela compressão do prazo da segunda, e não apenas com a extensão do prazo da
primeira em igualdade com o da segunda”.
Caberá, assim, a este venerando Tribunal Constitucional, apreciar o objecto do
recurso, pelo menos no que toca à inconstitucionalidade, suscitada pelo
recorrente durante o processo, com os argumentos que, por economia, aqui se dão
por reproduzidos, da referida norma do R.G.C.O., quando interpretada no sentido
em que é propugnado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, ou seja, de que o prazo
para a interposição do recurso da decisão, proferida em primeira instância, e,
bem assim, da resposta, é de 10 dias e não de 15 dias, em consonância com a
redacção do artigo 411º do Código de Processo Penal em vigor.
TERMOS EM QUE, deverá a presente reclamação ser declarada procedente e, em
consequência, ser admitido o recurso, para este venerando Tribunal
Constitucional, da decisão proferida, em Conferência, pelo venerando Tribunal da
Relação de Coimbra, nos autos em epígrafe, revogando-se a douta decisão sumária
em reclamação e ordenando-se o prosseguimento dos ulteriores trâmites do
recurso.
3. Notificado desta reclamação, o representante do Ministério Público junto do
Tribunal respondeu-lhe nos termos seguintes:
1°
A presente reclamação é manifestamente desprovida de fundamento.
2°
Na verdade – e ao contrário do que pretende o ora reclamante – a única questão
de constitucionalidade por ele enunciada no requerimento de interposição do
recurso tinha exclusivamente que ver com a invocada violação do princípio da
“igualdade de armas” entre o recorrente e o Ministério Público – e não com a
alegada “exiguidade” do prazo de 10 dias que, a ambos os sujeitos processuais,
foi outorgado para motivarem o recurso.
3º
Apenas se aditando que – mesmo nesta segunda óptica, não colocada adequadamente
pelo arguido – o recurso sempre seria de configurar como manifestamente
infundado, por não se vislumbrar por que razão seria o referido prazo
insuficiente para as “partes” em processo contraordenacional fazerem valer os
seus argumentos.
Cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentos
4. A. vem, na presente reclamação, questionar a decisão sumária apenas na parte
em que a mesma não conhece do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1
do artigo 70 da Lei do Tribunal Constitucional aceitando, por isso, o que se
deixou já decidido quanto à não admissão do recurso de constitucionalidade ao
abrigo da alínea g) daquele mesmo preceito conforme o recorrente havia, de
início, peticionado.
É, pois, apenas quanto a este objecto de reclamação que o Tribunal profere o
presente acórdão.
Ora, conforme diz o representante do Ministério Público em funções neste
Tribunal, a presente reclamação é manifestamente desprovida de fundamento.
5. Depreende-se da fundamentação da reclamação em análise que o ora reclamante
entende que a decisão sumária proferida olvidou a interpretação normativa cuja
inconstitucionalidade foi suscitada pelo reclamante no âmbito do processo.
Diz o ora reclamante que, ao contrário do decidido pelo Tribunal, a
inconstitucionalidade que suscitou se prende não com um tratamento desigual
(tratamento este dado ao reclamante e ao Ministério Público) mas sim com a
“própria escolha do prazo de 10 dias, em detrimento do prazo de 15 ou 20 dias
(previsto no Código de Processo Penal para a resposta), ainda que atribuído a
ambos os sujeitos processuais”.
O reclamante alega, porém, sem razão.
Na verdade, a questão de constitucionalidade que o ora reclamante suscitou no
âmbito do processo foi sempre e apenas a de saber se o princípio da igualdade de
armas, inerente ao princípio do processo equitativo, obsta a que o prazo de
interposição do recurso, no âmbito de um procedimento de natureza
contra-ordenacional, e de respectiva resposta fosse de 10 dias.
A questão de constitucionalidade foi, pois, suscitada sempre atendendo a uma
eventual desigualdade de prazos para recorrer, por um lado, e para responder,
por outro.
Aponta neste sentido a motivação da reclamação apresentada pelo ora recorrente
junto do tribunal a quo a fls. 120 e 120 onde se pode ler:
(…)
Ou seja, a igualdade de armas num processo equitativo pressupõe igualmente que,
neste caso o arguido, no momento em que lhe cabe a possibilidade de interpor
recurso, possa contar para o efeito com um prazo não inferior ao da resposta do
Ministério Público.
(…)
No momento em que pretende recorrer da decisão judicial, ao confrontar os prazos
que das referidas normas resultam para os sujeitos processuais arguido e
Ministério Público, o arguido depara-se, portanto, com uma desigualdade de armas
bastante significativa: conta com um prazo de recurso e motivações muito
inferior ao da resposta.
Sabe ainda, nesse momento – de acordo também com o referido douto acórdão do
T.C. – que é inconstitucional a interpretação das referidas normas processuais
que resulte na atribuição de um prazo inferior ao da resposta – que é de 15 ou
20 dias.
(…)
6. Colocada a questão sob o pano de fundo de um tratamento desigual o tribunal
a quo veio, ponderando efectivamente a questão da eventual desigualdade entre o
recorrente e o Ministério Público, e na esteira da jurisprudência
constitucional, decidir pela aplicação de prazos iguais aos sujeitos processuais
em causa.
Por isso mesmo, a decisão sumária sub judice recusou a apreciação do recurso com
fundamento na alínea g), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional e, também, alínea b) do mesmo preceito.
7. Sucede que, sob a capa de uma desigualdade de posição processual,
desigualdade, neste caso, entre o prazo para motivar o recurso atribuído ao
arguido e ao Ministério Público, o que o recorrente vem fazer agora é, no fundo,
questionar o prazo em concreto que o Tribunal a quo entendeu conceder-lhe para
interposição do recurso em causa.
Esta questão, que se prende pura e simplesmente com a alegada diminuição ou
compressão dos prazos concedidos pelo Tribunal a quo para motivar o seu recurso,
não foi suscitada de forma adequada no âmbito do processo, por um lado, nem
encontra lugar na ratio decidendi do tribunal a quo, por outro.
Senão vejamos:
8. A suscitação de forma adequada da questão de constitucionalidade determina
que o recorrente haja levantado a questão em termos tais que permitam ao
tribunal a quo dela vir a conhecer. Ora, o que o recorrente fez, ao longo do
processo, foi desenhar a questão de constitucionalidade sempre numa vertente
associada ao princípio da igualdade de armas na sua vertente de equidade.
Confrontado com esta questão de constitucionalidade, o tribunal a quo ponderou
efectivamente o princípio de igualdade de armas na sua vertente de equidade
quando decidiu que
A inconstitucionalidade radica na circunstância de, contra o princípio da
igualdade de tratamento, o recorrente beneficiar de prazo inferior ao da
resposta.
Como foi evidenciado, o prazo de interposição do recurso encontra-se definido no
art. 74º do RGCC. O mesmo não sucedendo com o prazo da resposta.
O princípio da adaptação previsto no art. 41º e no art. 74º nº 4 do RGCC impõem
que o prazo da resposta seja “adaptado” ao prazo da interposição – e não o
contrário – tanto mais que no processo de contra-ordenação, pela sua natureza
menor do ilícito, avultam razões de simplicidade e celeridade – neste sentido
cfr. Oliveira Mendes/Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das C.C., 2 ed., p.
196.
Não havendo prazo definido para a resposta, manda o referido princípio da
adaptação, numa interpretação conforme à Constituição da República (princípio da
igualdade), que o prazo da resposta deva ser adaptado ao da interposição — que
no caso coincide com o prazo supletivo legal de 10 dias definido pelo art. 105º
nº 1 do CPP. E não que a interposição do recurso disponha de prazo, contra
legem, no pressuposto, não verificado, de que a resposta haja beneficiado de
prazo mais dilatado.
A leitura do preceito ferida de inconstitucionalidade é a de que o prazo de
interposição do recurso não deve ser inferior ao da resposta. Que não é
minimamente beliscada se o prazo da resposta for, como deve ser, igual ao da
interposição.
Este entendimento foi aliás sufragado, em termos de constitucionalidade, pelo
Ac. TC nº 573/2006, no recurso 660/06 da 2ª Secção, acessível em
http://www.tribunalconstitucional.pt, acórdão posterior ao citado Ac. 27/2006 do
mesmo Tribunal, em recurso que incidiu sobre decisão deste Tribunal da Relação
no qual foi adoptada a posição a que se vem fazendo referência.
Nessa perspectiva tem vindo este Tribunal da Relação a entender, na sequência da
decisão acabada de referenciar, de forma reiterada e uniforme, que o prazo da
interposição do recurso – tal como o prazo da respectiva resposta – é o definido
directamente pela Lei (art. 74º do RGCC): 10 dias. Apenas sofrendo de
inconstitucionalidade a interpretação que concedesse, para a resposta, prazo
superior ao da interposição – cfr., entre outros: Ac. de 30.05.2207, recurso
2946/06.3TBAVR.C1, in www.dsi.pt/ e Ac. de 23.01.2008, recurso 324/07.6TBMGL.C1;
decisão sumária do ora relator de 05.03.2008, revendo a posição (minoritária)
anteriormente assumida, no âmbito do processo 456/07.OBFND.C1 do 2º Juízo do TJ
de Fundão.
Assim, sendo a decisão em causa coincidente com o entendimento consolidado deste
Tribunal, impõe-se a improcedência da presente reclamação.
Em lugar algum do processo veio o ora reclamante suscitar a questão da
exiguidade do prazo de 10 dias para motivar o seu recurso. E, por isso mesmo, em
lugar algum do acórdão recorrido vem o tribunal a quo decidir quanto a tal
questão de constitucionalidade.
9. Acresce que, ao contrário do aventado pelo ora reclamante, o tribunal a quo
não “diminuiu” o prazo de motivação do recurso que vem consagrado na lei. O que
o tribunal a quo fez, em entendimento que não cumpre ao Tribunal Constitucional
apreciar, foi decidir no sentido de que o prazo de resposta do Ministério
Público seria, no caso, igual ao prazo conferido ao ora recorrente para
apresentar as suas motivações de recurso.
Sendo certo que, ao contrário do que sucede com o prazo para motivar o recurso
em matéria contra-ordenacional (que está expressamente previsto na lei), o prazo
para apresentar a resposta não encontra tradução em qualquer preceito do DL
433/82, devendo chegar-se a ele através de uma adaptação do regime dos recursos
previsto no Código de Processo Penal.
Isso mesmo se torna patente da análise do acórdão recorrido no seguinte trecho
que se retranscreve:
Como foi evidenciado, o prazo de interposição do recurso encontra-se definido no
art. 74º do RGCC. O mesmo não sucedendo com o prazo da resposta.
O princípio da adaptação previsto no art. 41º e no art. 74º nº 4 do RGCC impõem
que o prazo da resposta seja “adaptado” ao prazo da interposição – e não o
contrário – tanto mais que no processo de contra-ordenação, pela sua natureza
menor do ilícito, avultam razões de simplicidade e celeridade – neste sentido
cfr. Oliveira Mendes/Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das C.C., 2 ed., p.
196.
Não havendo prazo definido para a resposta, manda o referido princípio da
adaptação, numa interpretação conforme à Constituição da República (princípio da
igualdade), que o prazo da resposta deva ser adaptado ao da interposição — que
no caso coincide com o prazo supletivo legal de 10 dias definido pelo art. 105º
nº 1 do CPP. E não que a interposição do recurso disponha de prazo, contra
legem, no pressuposto, não verificado, de que a resposta haja beneficiado de
prazo mais dilatado.
Quer isto dizer, e ao contrário do que afirma o recorrente na reclamação em
análise, que o tribunal a quo, na sua ratio decidendi, não veio “comprimir” o
prazo para o Ministério Público responder. Veio, apenas e tão só, aplicar prazos
iguais para recorrente e Ministério Público apresentarem, junto do tribunal a
quo, as suas motivações, de recurso, o primeiro, e “de resposta”, o segundo.
Trata-se, nesta sede, de uma opção relativa à interpretação e aplicação da
legislação infra-constitucional cuja bondade não cabe ao Tribunal Constitucional
julgar, conforme foi já apontado no Acórdão n.º 573 /2006, de 18 de Outubro do
Tribunal (disponível para consulta em www.tribunalconstitucional.pt):
2.2. Como se relatou, o recurso foi interposto ao abrigo das alíneas b) e g) do
n.º 1 do artigo 70.º da LTC, mas só foi admitido, pelo Desembargador Relator do
Tribunal da Relação de Coimbra, a coberto desta última alínea, não tendo o
recorrente impugnado a decisão expressa de não admissão do recurso ao abrigo da
alínea b).
Resta, assim, o recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo
70.º da LTC, cuja admissibilidade depende, além do mais, do apuramento de ter a
decisão recorrida aplicado norma já anteriormente julgada [ou declarada –
acrescente‑se (cf., entre outros, o Acórdão n.º 374/99)] inconstitucional pelo
Tribunal Constitucional.
Ora, no caso, não se verifica esse requisito de identidade entre a dimensão
normativa anteriormente julgada (ou declarada) inconstitucional pelo Tribunal
Constitucional e a dimensão normativa aplicada, como ratio decidendi, pela
decisão recorrida. Com efeito, no citado Acórdão n.º 27/2006, o Tribunal
Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral,
da norma questionada “quando dela decorre que, em processo contra‑ordenacional,
o prazo para o recorrente motivar o recurso é mais curto do que o prazo da
correspondente resposta, por violação do principio da igualdade de armas,
inerente ao principio do processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.º
da Constituição” (realce acrescentado), partindo da interpretação – seguida
pelas decisões sobre que recaíram os juízos de inconstitucionalidade a cuja
generalização procedeu, interpretação essa cuja correcção, em sede de direito
ordinário, não competia ao Tribunal Constitucional apreciar – de que o prazo
para a resposta era de 15 dias, superior ao prazo de 10 dias para a motivação do
recurso da decisão da impugnação judicial da decisão administrativa
sancionatória de infracção contra‑ordenacional. Diferentemente, no presente
caso, o acórdão recorrido não adoptou essa interpretação, considerando que o
prazo para a resposta ao recurso jurisdicional era de 10 dias, tal como o prazo
concedido ao recorrente, não competindo ao Tribunal Constitucional
pronunciar‑se sobre a bondade desse entendimento, em sede de interpretação do
direito ordinário. Não aplicou, assim, a decisão recorrida a interpretação
considerada inconstitucional pelo Acórdão n.º 27/2006, o que, por falta do
apontado requisito, implica que o recurso interposto ao abrigo da alínea g) do
n.º 1 do artigo 70.º da LTC – único admitido no tribunal a quo – é inadmissível,
o que determina o não conhecimento do seu objecto. (realce acrescentado)
Assim sendo, e conforme ficou decidido na decisão sumária reclamada, não podem
dar-se como verificados os pressupostos processuais do tipo de recurso
interposto.
III
Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a
presente reclamação, confirmando a decisão reclamada.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 26 de Novembro de 2008
Maria Lúcia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão
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