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Processo n.º 743/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Por decisão sumária proferida ao abrigo do disposto no artigo 78º-A da LTC,
entendeu-se ser de não tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade
interposto por A., Lda., por se considerar que, no requerimento de interposição
de recurso para o Tribunal Constitucional, os recorrentes se limitaram a imputar
a violação de normas constitucionais à própria decisão recorrida e não a
qualquer norma ou interpretação normativa que tenha sido concretamente aplicada
pelo tribunal recorrido.
Em consequência, cada um dos recorrentes foi condenado em 7 UC de taxa de
justiça.
Inconformados, os recorrentes vêm reclamar para a conferência nos seguintes
termos:
1. O Ex.mo Senhor Conselheiro Relator considerou que o recurso não devia ser
admitido porque o que estava em causa no recurso era a apreciação da
conformidade constitucional da decisão judicial em si mesma considerada e, nessa
conformidade, o recurso estava a extravasar da competência do Tribunal
Constitucional.
2. E decidindo não admitir o recurso, o Ex.mo Senhor Conselheiro Relator
condenou cada um dos recorrentes em 7 UCS, logo 14 UCS no total.
3. Com o devido respeito - que é muito - por quem assim decidiu, no podem os
Recorrentes concordar com tal decisão.
4. E, lamentando, têm de dizer que in casu a condenação na taxa de justiça de 7
UCS para cada um dos Recorrentes é manifestamente exagerada e mais parece um
convite ao não recurso - outra forma de dizer que há uma verdadeira denegação de
justiça.
5. É que o que qualquer dos Recorrentes dirá (alegará) no recurso é exactamente
o mesmo que o outro dirá - porquê 7 UCS para cada um?!!!.
6. Não se compreende - e a justiça sé é justa se for compreendida.
7. Quanto ao tema do recurso, é manifesto que o que está em causa no presente
recurso é a conformidade constitucional das normas, e da sua interpretação
normativa, aplicadas na decisão judicial de que se recorre.
Ao fim de várias décadas de advocacia, tem-se bem presente o significado da
competência do Tribunal Constitucional.
8. Todos os recursos se interpõem de uma qualquer decisão judicial - neste caso
do acórdão do Tribunal da Relação do Porto.
9. No caso dos autos, o fim do recurso é que o Tribunal Constitucional declare a
inconstitucionalidade de determinadas normas aplicadas ao caso dos autos e nos
termos em que as mesmas foram aplicadas, conforme o que foi alegado no recurso
para o Tribunal da Relação do Porto.
10. Com o devido respeito pelo Ex.mo Senhor Conselheiro Relator, não se pode
concluir dos termos do requerimento de recurso que os Recorrentes pretendem com
o seu recurso para o Tribunal Constitucional que este Colendo Tribunal aprecie a
conformidade constitucional da decisão recorrida, considerada em si mesma.
11. Não é isso que está escrito no requerimento de interposição do recurso
12. Bem pelo contrário.
13. Por isso e atento que acima se alega e ainda atento o requerimento de
interposição de recurso, este deve ser admitido - é o que se pretende de V.
Ex.as.
14. A lei não fixa a fórmula do requerimento de interposição do recurso para o
Tribunal Constitucional - tal requerimento apenas tem de ser apresentado em
termos tais que se saiba qual o seu alcance e sentido.
15. Dos termos do requerimento de interposição do recurso não podem resultar
dúvidas de que o recurso visava e visa a apreciação da conformidade
constitucional das normas e/ou respectiva interpretação normativa aplicadas no
acórdão do Tribunal da Relação do Porto – donde, dever ser admitido o recurso.
Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Exas doutamente suprirão, deve a
reclamação ser admitida e a final deve ser julgada procedente, decidindo-se pela
admissão do recurso dos Recorrentes ou, se assim se não entender, condenando em
taxa de justiça inferior.
O Exmo representante do Ministério Público pronunciou-se no sentido do
indeferimento da reclamação por considerar que os recorrentes não cumpriram, em
termos minimamente satisfatórios, o ónus de delinear o objecto — necessariamente
normativo — do recurso, pelo que o mesmo teria de ser, como foi, liminarmente
rejeitado, por manifesta falta dos pressupostos processuais.
Cumpre apreciar e decidir.
2. Os ora reclamantes interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional de um
anterior acórdão do Tribunal da Relação do Porto, através de requerimento que se
encontra formulado nos seguintes termos:
“[…] não se conformando com o douto acórdão de fls. …, aclarado por douto
acórdão de fls. …, vêm, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro), interpor recurso
para o Tribunal Constitucional, uma vez que o douto acórdão ora recorrido viola
as normas dos artigos 13º, 81º e 103º da Constituição da República Portuguesa,
conforme foi alegado no recurso interposto para este Colendo Tribunal”.
Pretendem agora os recorrentes, através da presente reclamação, que «o fim do
recurso é que o Tribunal Constitucional declare a inconstitucionalidade de
determinadas normas aplicadas ao caso dos autos e nos termos em que as mesmas
foram aplicadas, conforme o que foi alegado no recurso para o Tribunal da
Relação do Porto» e que «o recurso visava e visa a apreciação da conformidade
constitucional das normas e/ou respectiva interpretação normativa aplicadas no
acórdão do Tribunal da Relação do Porto».
Ora, resulta com toda a evidência do requerimento de interposição de recurso há
pouco transcrito, contrariamente ao que vem agora afirmado, que os recorrentes
imputaram o vício de inconstitucionalidade à própria decisão recorrida,
abstendo-se de identificar qual a norma ou interpretação normativa que, tendo
sido aplicada pela decisão recorrida, se pretende que constitua objecto do
recurso para o Tribunal Constitucional.
Como decorre do disposto no artigo 280º, n.º 6, da Constituição, no âmbito da
fiscalização concreta, os recursos para o Tribunal Constitucional são sempre
restritos à questão da inconstitucionalidade, que consiste em saber se
determinada norma aplicável a uma causa pendente num tribunal é ou não
inconstitucional. O objecto do recurso não é, pois, a própria decisão judicial,
por ela supostamente ser ou não ser inconstitucional, mas apenas a parte dela em
que se considerou inconstitucional ou não uma determinada norma aplicável à
causa (cfr., entre outros, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da
República Anotada, 3ª edição, Coimbra, pág. 1016).
Este mesmo princípio emerge, designadamente, do disposto no artigo 70º, n.º 1,
alíneas a) e b), da LTC, de onde resulta que o recurso para o Tribunal
Constitucional é interposto das decisões dos tribunais que recusem a aplicação
de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade, ou que apliquem
norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Constitui, pois, ónus alegatório do recorrente identificar, com precisão, a
questão normativa susceptível de ser apreciada pelo Tribunal Constitucional,
por ser essa a questão que constitui o objecto do recurso de
constitucionalidade, não cabendo, de nenhum modo, ao próprio Tribunal
Constitucional indagar qual a norma ou interpretação normativa que, tendo sido
aplicada pelo tribunal recorrido, poderá ser considerada inconstitucional
(quanto à exigência de identificação da questão normativa, veja-se, por exemplo,
o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 21/06).
Ora, é claro que os recorrentes, no caso em apreço, não cumpriram esse ónus,
visto que imputaram a violação de normas constitucionais ao próprio acórdão
recorrido, e em nenhum momento identificaram a questão jurídico-constitucional
que deveria servir de objecto ao recurso.
Assim sendo, não se poderia ter tomado conhecimento do recurso, tal como se
entendeu na decisão ora reclamada.
3. Os reclamantes insurgem-se ainda contra o montante da condenação em custas
por considerarem ser exagerada a fixação da taxa de justiça em 7 UCS, tendo
também em conta que a condenação incidiu sobre cada um dos recorrentes quando
estes interpuseram um único recurso.
O artigo 6º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (entretanto
alterado pelo Decreto-Lei n.º 91/08, de 2 de Junho, mas sem reflexo na referida
disposição), sob a epígrafe «Taxa de justiça nos recursos», determina que «nas
decisões sumárias a que se refere o nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15
de Novembro, a taxa de justiça é fixada entre 2 UC e 10 UC».
E, como se vê, a taxa de justiça que no caso foi fixada, reportando-se a uma
decisão sumária em que se entendeu não ser de tomar conhecimento do recurso,
corresponde ao critério jurisprudencial geralmente utilizado, que pressupõe já
uma ponderação das circunstâncias que podem influenciar a determinação do
montante condenatório, incluindo a complexidade do processo e o possível
carácter dilatório do pedido quando se trate, como no caso, de questão
incidental.
É irrelevante, por outro lado, que os recorrentes tenham interposto um único
recurso.
Na verdade, estamos na presença de um processo penal, e como determinava o
artigo 513º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na redacção anterior ao
Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, ainda aplicável em face da norma de
direito transitório material do artigo 27º, n.º 1, deste diploma, a condenação
em taxa de justiça do arguido em processo crime «é sempre individual» (regime
que, de resto, se manteve na nova redacção dada pelo citado Decreto-Lei n.º
34/2008).
O que significa que o montante de taxa de justiça é devido pelo impulso
processual de cada interessado, indepentemente de terem agido em pluralidade
subjectiva, para efeito de interporem o presente recurso de constitucionalidade.
4. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, desatende-se a reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça para cada um deles em 15
UC.
Lisboa, 26 de Novembro de 2008
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão
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