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Processo n.º 774/2012
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A., S.A., ora reclamante, requereu a constituição de Tribunal Arbitral com vista à apreciação do pedido de anulação do ato de segunda avaliação da fração H do prédio urbano sito na freguesia de Armação de Pera, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 2979, no valor de €105.490,00, que havia formulado no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, com fundamento na ilegalidade e ineficácia do referido ato de avaliação, em processo de impugnação judicial deduzido contra a Autoridade Tributária e Aduaneira.
Por Acórdão de 24 de outubro de 2012, decidiu o Tribunal Arbitral julgar improcedente o pedido de anulação do ato de avaliação sindicado, tendo a requerente dele recorrido para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), por requerimento diretamente apresentado no Tribunal Constitucional, a fim de ver apreciada a inconstitucionalidade do regulamento administrativo aprovado pela Portaria n.º 982/2004, de 4 de agosto, por violação do princípio constitucional da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
O Tribunal recorrido, a quem os autos foram remetidos, a título devolutivo, para o efeito previsto no artigo 76.º, n.º 1, da LTC, não admitiu o recurso, por inidoneidade do respetivo objeto (regulamento aprovado pela Portaria n.º 982/2004, no seu todo, e não uma concreta norma jurídica dele constante, como se impunha) e inobservância do ónus de prévia suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa atinente à sindicada Portaria (sindicou-se o «resultado do juízo de aplicação da norma por confronto com outros casos» e não uma «concreta norma do regulamento por violação do princípio da igualdade»).
A recorrente, não se conformado com tal decisão liminar, dela reclamou para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 76.º, n.º 4, da LTC. Arguiu, em fundamento, a nulidade da decisão de rejeição do recurso, por incompetência absoluta do Tribunal Arbitral Tributário, que, à data da sua prolação, já se havia dissolvido, e invocou, em síntese, no que respeita aos pressupostos de admissão do recurso, que não sujeitou à apreciação do Tribunal Constitucional o regulamento in toto mas uma específica norma dele constante, que identificou por remissão para a questão de inconstitucionalidade suscitada durante o processo, sendo certo que, a considerar-se que o recorrente omitiu tal identificação, deveria ter sido convidada a fazê-lo, nos termos conjugados dos artigos 75.º-A, n.º 5, e 76.º, n.º 2, da LTC. Por outro lado, também durante o processo identificou claramente a norma sindicada, ainda que pelo resultado da sua aplicação ao caso concreto, estando na origem das dificuldades evidenciadas na abstrata enunciação do normativo relevante, por referência ao que se dispõe no zonamento aprovado pela Portaria em causa, a circunstância de o mesmo não ter sido objeto de publicação integral em Diário da República.
Os autos prosseguiram como reclamação, por determinação do relator, tendo o Ministério Público, em resposta, emitido parecer no sentido do seu indeferimento pelas razões invocadas pelo Tribunal recorrido.
2. Cumpre apreciar e decidir.
A reclamante argui a nulidade da decisão de rejeição do recurso, ora em reclamação, invocando, para tanto, que o tribunal arbitral, à data da sua prolação, se encontrava dissolvido, não tendo a interposição do recurso de constitucionalidade qualquer eficácia constitutiva a esse nível.
Sucede que, independentemente das razões que lhe possam assistir, nesse particular, a decisão em causa foi proferida nos termos do artigo 76.º, n.º 1, da LTC, por determinação do relator no Tribunal Constitucional que, por despacho de 27 de novembro de 2012 (fls. 39), ordenou a remessa dos autos ao Tribunal arbitral, a título devolutivo, a fim de que este apreciasse liminarmente o requerimento de interposição do recurso como previsto pelo citado normativo legal, julgado aplicável independentemente da natureza arbitral ou não do tribunal recorrido.
Ora, a recorrente, ora reclamante, notificada do referido despacho (fls. 40), que, assim, se afigura determinante do subsequente desenvolvimento processual que os autos registaram, não arguiu a sua nulidade, por determinar a prática de um ato (apreciação e decisão do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade) por quem já não tem o correspondente poder decisório (Tribunal Arbitral, entretanto dissolvido), como agora tardiamente invoca.
Assim, tendo sido proferida a decisão liminar, de que ora se reclama, em cumprimento de decisão prévia, cuja validade não foi, em nenhum momento, questionada, assumindo, assim, nesse contexto, claro relevo secundário ou de mera execução, não pode a reclamante agora invocar a incompetência (absoluta) do Tribunal Arbitral para proferir o despacho a que alude o n.º 1 do artigo 76.º da LTC quando foi precisamente isso que, por decisão consolidada do relator no Tribunal Constitucional, se determinou que o Tribunal recorrido fizesse.
É, pois, de indeferir, por manifestamente intempestiva, a arguição de nulidade ora deduzida pela reclamante.
Sustenta a reclamante, no que respeita aos pressupostos processuais do recurso que o Tribunal recorrido julgou omissos, que submeteu à apreciação do Tribunal Constitucional, tal como antes havia feito junto do Tribunal Arbitral, a apreciação da inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição, de uma «concreta norma do regulamento administrativo do zonamento»: a norma «que determina que a área de implantação da fração cuja avaliação se impugna tem um coeficiente de localização igual ao atribuído à zona da orla costeira».
Esclarece que o fez por remissão para o que alegou, a esse propósito, na petição inicial que sujeitou à apreciação do Tribunal Arbitral, adentro das limitações enunciativas decorrentes da circunstância de o zonamento aprovado pela sindicada portaria nela não ter sido publicado.
Sucede que, ainda que isso mesmo pudesse decorrer da interpretação conjugada ou remissiva do requerimento de interposição do recurso ou que lhe assistisse o direito, em face dos respetivos termos literais, a suprir, como agora faz, eventuais lacunas do requerimento de interposição do recurso, como previsto no artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC, a verdade é que o recurso não estava em condições processuais de vir a ser admitido.
Com efeito, o que a reclamante reputa (e reputou) inconstitucional e, como tal, pretende ver declarado pelo Tribunal Constitucional, não constitui claramente um critério normativo de decisão mas a própria conclusão decisória a que o Tribunal recorrido (e, antes, a Administração Pública) chegou por aplicação ao caso concreto dos critérios de avaliação consagrados na Portaria em causa, como se sustenta na decisão reclamada.
De facto, considerar que «a área de implantação da fração cuja avaliação se impugna tem um coeficiente de localização igual ao atribuído à zona da orla costeira» não é, seja em que perspetiva for, critério de decisão potencialmente aplicável, por geral e abstrato, a uma generalidade de processos com idêntico objeto, mas o que se decidiu no caso concreto à luz dos critérios estabelecidos no zonamento aprovado pela portaria em causa, não se vendo como a alegada não publicação em Diário da República do próprio zonamento aprovado pela Portaria n.º 982/2004, de 4 de agosto, cujo conteúdo era reconhecidamente acessível por outros meios, pudesse ter obstado, quer agora, quer durante o processo, à enunciação, a esse propósito, de uma autêntica questão de inconstitucionalidade normativa.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 23 de maio de 2013. – Carlos Fernandes Cadilha – Maria José Rangel de Mesquita – Maria Lúcia Amaral.
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