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Processo n.º 211/13
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 7 de novembro de 2012.
2. Pela Decisão Sumária n.º 181/2013, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«Um dos requisitos do requerimento de interposição do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC é a indicação da norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie (artigo 75.º-A, n.º 1, parte final, da LTC).
No requerimento de interposição de recurso e no aperfeiçoamento do mesmo a recorrente não satisfez este requisito, justificando-se, por isso, a prolação da presente decisão (artigo 78.º, n.º 2, da LTC). A recorrente não identifica a interpretação do disposto no artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada, o que obsta ao conhecimento do objeto do recurso interposto. Quanto à invocada interpretação do disposto no princípio do “in dubio pro reo”, acresce que a norma sujeita a apreciação deste Tribunal terá sempre de se reportar a um preceito legal»
3. Da decisão sumária vem agora a recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, com os seguintes fundamentos:
«1.º A recorrente não pode estar em maior desacordo com a decisão sumária.
Em verdade,
2.º A decisão sumária baseia-se tão só em aspetos formais, em meras questões prévias, um requisito. E assim,
3.º a decisão de que se reclama diz o Sr. Dr. Juiz Conselheiro que um dos requisitos para a interposição do recurso é a norma cuja constitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie. Ora a recorrente refere expressamente que a questão é a da fiscalização concreta da interpretação dada no Acórdão no S.T.J relativo à norma ínsita no artigo 374º nº 2 do C.P.P. E da interpretação do principio do “in dubio pro reo”.
E a interpretação que pretende dever ser dada é a que resulta das alegações do seu recurso de revista.
Mas a verdade,
4.º é que no seu requerimento a recorrente satisfaz o requisito previsto na alínea b) do nº 1 do art.º 70 da LTC. Como aliás resulta líquido do texto que o Sr. Dr. Juiz Conselheiro reproduziu na sua decisão.
Por seu turno,
5.ºA interpretação do disposto no artigo 374º nº 2 do C.P.P deverá ser expendida nas alegações de recurso para além do que no Recurso de Revista já vai referido. 6.º Termos em que não violou a requerente o disposto no artigo 78º-A nº 2 da LTC justificando-se assim a presente Reclamação».
4. Notificado da reclamação, o Ministério Público vem dizer o seguinte:
«1º
Na sequência da notificação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu o pedido de aclaração do acórdão anteriormente proferida por aquele Tribunal, que, por sua vez, tinha rejeitado o recurso que havia sido interposto do acórdão da Relação, a recorrente, A., “porque se não pode conformar com o douto Acórdão nos autos proferido que rejeita o seu recurso interposto”, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional.
2º
No requerimento dizia que interpunha recurso “por considerar inconstitucional a interpretação dada no Acórdão ao disposto no artigo 374.º, n.º 2, do CPP e no princípio do in dubio pro reo”.
3º
Como o requerimento não cumpria os requisitos exigidos por lei, foi a recorrente notificada, nos termos do artigo 73.º-A, n.º 5, da LTC (despacho de fls. 8 247).
4º
Veio então pedir a aclaração do despacho do Senhor Conselheiro Relator, perguntando:
“Assim a questão limita-se tão só à não indicação na peça processual em que suscitou a questão de inconstitucionalidade?”.
5.º
O Senhor Conselheiro Relator, respondeu:
“A resposta à pergunta formulada é afirmativa, assim se aclarando o despacho de fls. 8 247.”
6.º
Apresentou então, a recorrente, a peça junta aos autos a fls. 8 259, em que afirma que suscitou as inconstitucionalidades no recurso para o Tribunal da Relação e no recurso do Acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça.
7.º
Ora, vendo o requerimento de interposição do recurso, parece-nos evidente que ali não está identificada a interpretação normativa que se pretende ver apreciada, uma vez que refere a “ interpretação dada no Acórdão ao disposto no artigo 374.º, n.º 2, do CPP e no princípio do in dubio pro reo que considera inconstitucional”, não identificando minimamente qual a interpretação.
8.º
Esta omissão poderia ser suprível mediante convite para esse efeito (artigo 75.º-A, n.º 5 e 6 da LTC).
9.º
A recorrente foi efectivamente notificada nos termos daquelas disposições legais, no entanto, face ao pedido de aclaração do despacho e à aclaração posterior deste (vd. artigos 3.º, 4.º e 5.º) poderá entender-se que, no fundo, à recorrente não foi dada oportunidade de suprir essa omissão.
10.º
De qualquer forma, sempre seria de proferir decisão sumária a não conhecer do objeto do recurso, porque faltam outros requisitos de admissibilidade, como o da suscitação prévia e adequada da questão.
11.º
Na verdade, na motivação do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, a recorrente quando refere o artigo 374.º, n.º 2, do CPP, é para dizer:
“Logo mantém-se o vício da falta de fundamentação. Há um genérica remissão para os meios de prova sem qualquer exame critico que após repetição da fundamentação pelo Tribunal de 1.ª instância se mantém – artigo 374, nº 2 e 379, nº 1 al. a) do CPP.”
12.º
E nas conclusões afirma:
“L – O Acórdão é nulo por violação do princípio in dúbio pro reo;
M – O Acórdão é, outrossim, nulo por violação do disposto nos artigos 374, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal”.
13.º
Como nos parece evidente, não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa o que também se constata pelo teor do pedido de aclaração (fls. 8 202).
14.º
Pelo exposto, ainda que, eventualmente, com um fundamento diferente, deve indeferir-se a reclamação».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso por a recorrente não ter satisfeito um dos requisitos do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade – a indicação da norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie (artigo 75.º-A, n.º 1, parte final, da LTC).
Para contrariar o decidido, a reclamante reitera que o que pretende é a apreciação da interpretação dada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça à norma ínsita no artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal – a ser expendida nas alegações de recurso, para além do que já foi referido no recurso de revista – e a interpretação do princípio do in dubio pro reo.
Constitui entendimento reiterado deste Tribunal que o recorrente pode requerer a apreciação de uma norma, considerada esta na sua totalidade, em determinado segmento ou segundo certa interpretação (cf., entre muitos, o Acórdão n.º 232/2002, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Mas, neste último, caso tem «o ónus de enunciar, de forma clara e percetível, o exato sentido normativo do preceito que considera inconstitucional» (Acórdão n.º 21/2006, disponível no mesmo local), uma vez que o objeto do recurso é definido no requerimento de interposição de recurso (cf., entre outros, os Acórdãos n.ºs 286/2000 e 293/2007, disponíveis no mesmo local). É, pois, irrelevante que a recorrente tenha enunciado no recurso de revista, de forma clara e percetível, o exato sentido normativo do preceito que considera inconstitucional. Por outro lado, já não pode proceder a tal enunciação nas alegações do recurso de constitucionalidade.
Nos presentes autos, a recorrente não identificou as interpretações normativas cuja apreciação pretendia. Não o fez no requerimento de interposição de recurso, nem sequer depois na resposta ao convite para o aperfeiçoar. E tendo este sido feito no tribunal recorrido, não era renovável neste Tribunal, de acordo com o n.º 6 do artigo 75.º-A da LTC.
Há que confirmar, pois, a decisão sumária.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 21 de maio de 2013. – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral.
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