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Processo n.º 708/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. deduziu, junto do Tribunal Tributário de Lisboa, oposição ao processo de execução fiscal n.º 3239 2007 01032089, instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa – 7, para cobrança coerciva de dívida no montante de € 2.726.688,95, proveniente da liquidação de Imposto sobre Sucessões e Doações.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 20 de setembro de 2011, decidiu julgar a oposição improcedente e, inconformada, a oponente recorreu desta decisão para o Supremo Tribunal Administrativo que, por acórdão de 14 de março de 2012, negou provimento ao recurso.
Notificada desse acórdão, a oponente pediu a sua reforma ao abrigo do disposto no artigo 669.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil e, por acórdão de 27 de junho de 2012, o Supremo Tribunal Administrativo desatendeu tal pedido.
A oponente recorreu então para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), nos seguintes termos:
A., a Recorrente com sinais no processo em referência, notificada da decisão proferida sobre a reforma em tempo requerida do douto acórdão deste Venerando Supremo Tribunal tirado de fls. 213 a 227 dos autos, vem deste interpor recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro.
Pretende ver apreciada a constitucionalidade das normas vertidas no n.º 1 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária e no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de novembro, tal como interpretadas no acórdão recorrido, com fundamento na violação da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, oportunamente suscitada na petição inicial destes autos.
E, porque está em tempo (artigo 686.º do CPC e artigo 75.º da Lei n.º 28/82, de 15.11), deve o Recurso ser admitido, seguindo-se os demais termos até final.
Notificada para indicar qual a interpretação do n.º 1 do artigo 45.º, da LGT, e do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de novembro, cuja constitucionalidade pretendia ver fiscalizada, a recorrente fê-lo nos seguintes termos:
«A., Recorrente com sinais nos autos de recurso em referência, notificada do despacho proferido pelo Ex.mo Conselheiro Relator para indicar qual a interpretação do n.º 1 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária e do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de novembro, sustentada na decisão recorrida, cuja constitucionalidade pretende ver fiscalizada, vem dizer o seguinte, sem prejuízo das alegações que vierem a ser admitidas:
1º A douta decisão recorrida interpretou o n.º 1 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, no sentido de ressalvar o prazo de caducidade do direito de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações de dez anos previsto no artigo 92º do CIMSISD, na redação do Decreto-Lei n.º 119/94, de 7 de maio.
2º A douta decisão recorrida interpretou o artigo 4º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de novembro, no sentido de estabelecer um novo prazo de caducidade do direito de liquidação de imposto sobre as sucessões e doações de oito anos.
3º A douta decisão recorrida interpretou ainda o artigo 4º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de novembro, no sentido de ter reduzido de dez para oito anos o prazo de prescrição do imposto sobre as sucessões e doações e, em sintonia, interpretou o n.º 1 do artigo 48.º da Lei Geral Tributária no sentido inverso, como não tendo reduzido esse prazo de prescrição.
Qualquer uma dessas interpretações viola a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República a que se refere a alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que contraria o sentido e o alcance de cada uma das respetivas autorizações legislativas, conforme se alegará.»
A recorrente apresentou as respetivas alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
«[…]
Objeto do recurso
A) Na Oposição à execução fiscal para cobrança coerciva de dívida no montante de € 2.726.688,95 proveniente da liquidação de imposto sucessório que deu causa aos presentes autos, decidida improcedente pela Sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de 20 de setembro de 2011, foram suscitadas duas questões de inconstitucionalidade (cfr. art.ºs 44.º e 48.º da petição de Oposição destes autos).
B) Na petição de Reforma do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de março de 2012 que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto da referida Sentença, foi suscitada uma terceira questão de inconstitucionalidade (cfr. art.º 11.º da petição de Reforma do acórdão do STA de 14.05.2012)
C) O recurso vai assim circunscrito a três questões:
Primeira:
O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de março de 2012 adota um entendimento normativo do n.º 1 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária no sentido de que a norma nele consignada ressalvou o prazo de caducidade do direito de liquidação do imposto sucessório previsto no artigo 92.º do CIMSISD, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 119/94, de 7 de maio.
Tal entendimento normativo é organicamente inconstitucional, por violação do princípio da legalidade tributária, na sua vertente de reserva de lei, consagrado na Constituição nos termos conjugados dos seus artigos 165.º, n.º 1, alínea i) e 103.º, n.º 2, impeditivo de o Governo legislar em sentido divergente com o indicado na lei de autorização legislativa em que aquela Lei Geral se baseou (artigos 112.º, n.º 2 e 198.º, n.º 1, alínea b), ambos da Constituição).
Segunda:
O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de março de 2012 adota um entendimento normativo do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de novembro, no sentido de que a norma nele consignada que alterou a redação do artigo 92.º do CIMSISD estabeleceu um novo prazo de caducidade do direito de liquidação aplicável em sede de imposto sucessório.
Tal entendimento normativo é organicamente inconstitucional, por violação do princípio da legalidade tributária, na sua vertente de reserva de lei, consagrado na Constituição nos termos conjugados dos seus artigos 165.º, n.º 1, alínea i) e 103.º, n.º 2, impeditivo de o Governo legislar em sentido divergente com o indicado na lei de autorização legislativa em que aquele Decreto-Lei n.º 472/99 se baseou (artigos 112.º, n.º 2 e 198.º, n.º 1, alínea b), ambos da Constituição).
Terceira:
O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de março de 2012, complementado e integrado ao abrigo do n.º 1 do artigo 670.º do CPC pelo Acórdão do mesmo Supremo de 27 de junho de 2012, adota um entendimento normativo do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de novembro, no sentido de que a norma nele consignada que alterou a redação do artigo 180.º do CIMSISD encurtou de dez para oito anos o prazo de prescrição do imposto sucessório e, em sintonia, adota um entendimento normativo do n.º 1 do artigo 48.º da Lei Geral Tributária no sentido inverso, como não tendo encurtado esse prazo de prescrição.
Tal entendimento normativo é organicamente inconstitucional, por violação do princípio da legalidade tributária, na sua vertente de reserva de lei, consagrado na Constituição nos termos conjugados dos seus artigos 165.º, n.º 1, alínea i) e 103.º, n.º 2, impeditivo dc o Governo legislar em sentido divergente com o indicado na lei de autorização legislativa em que aquele Decreto-Lei n.º 472/99 se baseou (artigos 112.º, n.º 2 e 198.º, n.º l, alínea b), ambos da Constituição).
Primeira: O n.º 1 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária
D) A douta decisão recorrida interpretou e aplicou o n.º 1 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, no sentido de ressalvar o prazo de caducidade do direito de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações de dez anos previsto no artigo 92º do CIMSISD, na redação do Decreto-Lei n.º 119/94, de 7 de maio.
E) A Lei Geral Tributária foi aprovada ao abrigo de uma lei parlamentar que autorizou o Governo a “Rever os prazos de caducidade do direito de liquidar os tributos e de prescrição das obrigações, harmonizando-os com o prazo de reporte ou podendo-os encurtar de modo consentâneo com as possibilidades e o aumento de eficiência da Administração”, sem precisar nem excluir nenhum imposto em particular.
F) Os comandos parlamentares foram unívocos:
1º Rever os prazos de caducidade do direito de liquidar os tributos;
2º Harmonizar os prazos de caducidade do direito de liquidar os tributos com o prazo de reporte que era então o de seis anos;
3º Encurtar os prazos de caducidade do direito de liquidar os tributos aquém desses seis anos, atendendo as possibilidades da Administração.
G) Não só se não deteta que haja na lei de Autorização um suporte mínimo para que seja lícito – constitucionalmente lícito – extrair do n.º 1 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária a salvaguarda do prazo de caducidade do direito de liquidação do imposto sucessório de dez anos previsto no artigo 92º do CIMSISD, como tal salvaguarda não era reclamada à luz da perspetiva de suficiência e eficácia que suportou o comando parlamentar de encurtamento – e somente de encurtamento – do direito de liquidar tributos.
H) Como prazo de caducidade do direito de liquidar um tributo, também o prazo de caducidade do direito de liquidar o imposto sucessório carecia, por imposição expressa dos parlamentares, de ser revisto; harmonizado com o prazo de reporte ou porventura encurtado para um outro aquém deste, contanto as possibilidades e a eficiência da Administração assim o permitissem.
I) Já não correspondia certamente à intenção dos parlamentares manter intacto o prazo de caducidade de dez anos previsto no artigo 92º do CIMSISD, sem tão-pouco o rever, quanto menos o harmonizar com o sobredito prazo de seis anos ou o encurtar para um outro inferior.
J) Não se pode entender que o sentido da lei de autorização fosse o da subsistência do prazo de caducidade até então em vigor em cédula de um tributo específico – o imposto sucessório – nem que o novo prazo previsto pelo decreto-lei autorizado apenas se pudesse aplicar aos demais tributos em vigor no sistema fiscal português.
L) Destarte, o entendimento normativo do n.º 1 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, no sentido de afastar o imposto sucessório da aplicação do prazo de caducidade nele consignado, sem que a tanto tal decreto se achasse habilitado, é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição e 2.º, n.º 17 da Lei n.º 41/98, de 4 de agosto.
M) Porque enferma o dito n.º 1 do artigo 45.º, tal como interpretado na decisão recorrida, de inconstitucionalidade orgânica, haverá por isso de o considerar, aliás porque subordinado à epígrafe «Caducidade do direito à liquidação», como tendo abarcado, desde sempre, todos os impostos.
Segunda: O artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8.11 (quanto à caducidade)
N) A douta decisão recorrida interpretou e aplicou o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de novembro, no sentido de estabelecer um novo prazo de caducidade do direito de liquidação de imposto sobre as sucessões e doações de oito anos.
O) O Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de novembro, foi aprovado ao abrigo de uma lei parlamentar que autorizou o Governo a «alterar os restantes códigos e leis tributárias de acordo com a orientação referida na alínea c) do número anterior [que compreendia somente a “compatibilização das suas normas com as da lei geral tributária”], incluindo as relativas ao imposto automóvel, salvaguardando neste as especificidades que se mostrem necessárias.»
P) A autorização legislativa limitou-se a permitir ao Governo alterar o CIMSISD e os restantes códigos tributários para os compatibilizar com as normas da LGT que com eles eram incompatíveis, e neles regulamentar as disposições da LGT, o que, naturalmente, no que respeita aos prazos de caducidade, apenas compreende a sua conformação expressa com o prazo previsto na LGT e não comporta a introdução de prazos de caducidade especiais ou excecionais, nem mais curtos nem mais longos.
Q) A Assembleia da República excluiu expressamente do objeto, sentido e extensão dessa autorização, a possibilidade de adoção de um prazo de caducidade diferente ou específico, mais longo ou mais curto, para o imposto sobre as sucessões e doações.
R) Destarte, no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de novembro, o Governo postergou o n.º 2 do art.º 51º da Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezembro, ao inovar, sem que para tal se achasse habilitado, na fixação de um prazo de caducidade do direito de liquidação de imposto sobre as sucessões e doações de oito anos.
S) Porque enferma o dito artigo 4.º de inconstitucionalidade orgânica, haverá por isso de considerar aplicável ao caso dos autos o prazo de caducidade de quatro anos, tal como determinado pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro.
Terceira: O artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8.11 (quanto à prescrição)
T) A douta decisão recorrida interpretou e aplicou ainda o mesmo artigo 4º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de novembro, no sentido de ter reduzido de dez para oito anos o prazo de prescrição do imposto sucessório e, em sintonia, interpretou o n.º 1 do artigo 48.º da Lei Geral Tributária no sentido inverso, como não tendo reduzido esse prazo de prescrição.
U) Confrontada com tal interpretação – não sendo exigível, naturalmente, que a ora Recorrente fizesse um prognóstico sobre o modo por que o Supremo iria proceder – a ora Recorrente suscitou, ainda assim durante o processo, em conformidade com o disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade orgânica desta norma jurídica assim interpretada.
V) Impugnou assim, em toda a linha, a interpretação do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8.11, por vício de inconstitucionalidade orgânica, de modo direto, adequado e funcionalmente operativo, com fundamento na circunstância de que acaso entendesse o Tribunal recorrido que tal Decreto-Lei – que, recorde-se, visou apenas adaptar e conciliar os códigos dos diversos impostos com o texto da recém-aprovada LGT – teria encurtado de dez para oito anos o prazo de prescrição do imposto sobre as sucessões e doações, seria inconstitucional, por falta de autorização legislativa nos termos do artigo 165.º da Constituição (cfr. art.º 11.º da petição de Reforma do acórdão do S.T.A. de 14 de março de 2012).
X) O pedido foi no entanto desatendido e a norma jurídica impugnada aplicada (cfr. Acórdão do mesmo Supremo de 27 de junho de 2012).
Z) Não se descortina, porém, no n.º 2 do artigo 51º da Lei 87-B/98, de 31.12, qualquer autorização ao Governo para introduzir um prazo de prescrição da obrigação tributária decorrente de imposto sucessório que à data não tivesse sido já contemplado na Lei Geral Tributária, com efeitos a 1 de janeiro de 1999, Lei Geral produzida - esta sim - ao abrigo de autorização expressa para rever o prazo de prescrição dessa mesma obrigação (cf. n.º 17 do artigo 2.º da Lei n.º 41/98, de 4 de agosto).
AA) O CIMSISD tão-pouco continha qualquer previsão específica de um prazo de prescrição. Pelo contrário, mandava aplicar o prazo de prescrição das regras gerais contidas no artigo 34.º do Código de Processo Tributário, as quais fixavam em dez anos a prescrição da generalidade das obrigações tributárias.
BB) Aliás, o prazo de prescrição do imposto sucessório nunca encontrou previsão expressa e específica nesse CIMSISD, que sempre remeteu pela norma de outro diploma que a cada tempo dispôs sobre o prazo de prescrição da generalidade das obrigações tributárias: primeiro o artigo 145.º do Código das Execuções Fiscais; depois o artigo 27.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos; depois o artigo 34.º do CPT; finalmente, desde 1 de janeiro de 1999, o artigo 48.º da LGT.
CC) O artigo 180.º do CIMSISD remetia para a norma do artigo 34.º do CPT, em atenção apenas ao facto de ser esta que, em certo momento, regulou a matéria da prescrição das obrigações tributárias. Revogado este e substituído por disposição que veio regular toda a matéria que nele se achava contida, a remissão para a norma revogada tem de entender-se como feita para aqueloutra que a veio substituir.
DD) Leitura diferente do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de novembro, na parte em que alterou a redação do artigo l80.º do CIMSISD, está irremediavelmente inquinada do vício de inconstitucionalidade orgânica.
EE) Uma interpretação conforme à Constituição, e com particular zelo pelo princípio da legalidade tributária, conduz à necessária conclusão de que o preceito que fixava aquele prazo prescricional inicial de dez anos – o art.º 34.º do CPT – foi, naquele preciso dia de 1 de janeiro de l999, expressamente revogado pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, e em seu lugar passou a vigorar o artigo 48.º da Lei Geral Tributária que reduziu para oito anos o prazo geral de prescrição das obrigações tributárias, incluindo as decorrentes do imposto sucessório.
FF) Destarte, o entendimento normativo do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de novembro, no sentido de fixar ex novo um prazo de prescrição de oito anos das obrigações tributárias decorrentes de imposto sucessório, sem que para tanto tal decreto se achasse habilitado, é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição e 51.º, n.º 2 da Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezembro.
GG) Porque enferma o dito artigo 4.º, tal como interpretado na decisão recorrida, de inconstitucionalidade orgânica, haverá por isso de considerar aplicável ao caso dos autos o prazo de prescrição de oito anos, tal como determinado pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro.
Em suma
HH) O Tribunal recorrido interpreta a reserva de lei das normas que dispõem sobre o conteúdo da relação jurídica tributária em matéria de caducidade do direito de liquidação, como uma cláusula aberta, volátil e maleável, que a tudo almeja e tudo permite.
II) Porém, impõe-se a essa tese a constatação de que a particular configuração do princípio da legalidade tributária, enquanto se traduz numa verdadeira regra de tipicidade dos impostos, postula a erradicação do recurso a uma interpretação assente naquele pressuposto de que tudo o que não é proibido é permitido relativamente às normas abrangidas pela reserva de lei, em particular as relativas às garantias dos contribuintes.
JJ) O princípio constitucional da legalidade fiscal foi manifestamente violado. Qualquer uma das três interpretações normativas em juízo viola a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República a que se refere a alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que contraria o sentido e o alcance de cada uma das respetivas autorizações legislativas, conforme se deixou a1egado.
Termos em que, devem as interpretações normativas em pauta ser julgadas inconstitucionais, concedido provimento ao recurso, determinando-se, com as demais consequências de lei, a reforma da decisão recorrida em conformidade com o decidido quanto às questões de constitucionalidade.
A Recorrente foi notificada para se pronunciar sobre a possibilidade do recurso não ser conhecido, relativamente a todas as questões de constitucionalidade nele suscitadas, tendo aquela defendido o conhecimento integral do mérito do recurso.
Fundamentação
No seu requerimento de interposição de recurso, após convite efetuado, a Recorrente indicou, como objeto do mesmo, as três seguintes questões de constitucionalidade:
- a interpretação do n.º 1, do artigo 45.º, da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, no sentido de ressalvar o prazo de caducidade do direito de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações de dez anos previsto no artigo 92.º do CIMSISD, na redação do Decreto-Lei n.º 119/94, de 7 de maio;
- a interpretação do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de novembro, no sentido de estabelecer um novo prazo de caducidade do direito de liquidação de imposto sobre as sucessões e doações de oito anos;
- a interpretação do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de novembro, no sentido de ter reduzido de dez para oito anos o prazo de prescrição do imposto sobre as sucessões e doações e, em sintonia, a interpretação do n.º 1 do artigo 48.º da Lei Geral Tributária no sentido inverso, como não tendo reduzido esse prazo de prescrição.
Como é sabido, no sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas – não existindo no nosso ordenamento jurídico-constitucional a figura do recurso de amparo de queixa constitucional para defesa de direitos fundamentais.
Ainda no que respeita aos pressupostos gerais de todos os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade, o Tribunal Constitucional tem entendido, de forma reiterada, que tais recursos têm sempre caráter ou natureza instrumental, devendo a solução da questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade normativa, submetida à apreciação, poder repercutir-se, de forma útil e efetiva, na decisão proferida pelo tribunal recorrido acerca do caso concreto a dirimir. Ou seja, só haverá interesse processual em apreciar a questão de constitucionalidade suscitada quando o eventual julgamento de inconstitucionalidade for suscetível de se poder projetar ou repercutir, de forma útil e eficaz, na decisão recorrida, de modo a alterar ou modificar, no todo ou em parte, a solução jurídica que se obteve no caso concreto, implicando a respetiva reponderação pelo tribunal a quo.
Por outro lado, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
Expostos, sumariamente, os pressupostos de que depende o conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto nos termos do artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, cumpre verificar o seu preenchimento, relativamente às questões colocadas pela Recorrente neste processo.
Relativamente à primeira e à terceira questões de constitucionalidade, levanta-se, desde logo, a questão de saber se as mesmas foram suscitadas «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a delas conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC).
O cumprimento desta exigência de suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo, em termos processualmente adequados, significa, antes de mais, que existe um tempo e um modo adequados para, no decurso do processo, levantar a questão da inconstitucionalidade.
Como tem sido entendimento reiterado do Tribunal Constitucional, a exigência de suscitação da inconstitucionalidade «durante o processo» deve ser interpretada não num sentido meramente “formal”, mas num sentido “funcional”, sendo por isso necessário que a invocação da questão de constitucionalidade tenha sido feita em momento processual em que ainda fosse possível ao tribunal a quo dela conhecer, por ainda não se mostrar esgotado o seu poder jurisdicional, na medida em que o recurso para o Tribunal Constitucional pressupõe a existência de uma decisão anterior do tribunal recorrido sobre a questão de inconstitucionalidade que é objeto do recurso.
Por outro lado, para além de ter sido tempestivamente suscitada, a questão de constitucionalidade tem de ser colocada ao tribunal recorrido de forma procedimentalmente adequada, incumbindo ao recorrente enunciá-la de forma expressa, direta, clara e percetível, em ato processual e segundo os requisitos de forma que criem para o tribunal a quo um dever de pronúncia sobre a matéria a que tal questão se reporta.
Uma dúvida que poderá colocar-se é a de saber se este requisito da suscitação processualmente adequada da questão de constitucionalidade se mostra cumprido quando o recorrente tenha suscitado a questão de constitucionalidade em peça processual, correta e regularmente apresentada durante o processo, sem que, no entanto, a tenha renovado ou recolocado ao tribunal que, na ordem jurisdicional respetiva, profere a decisão final sobre a matéria em litígio, deste modo “abandonando” ou “deixando cair” tal questão, apenas inicialmente suscitada.
E esta dúvida tem particular relevância no caso dos presentes autos, tendo em conta o momento em que foi suscitada pela Recorrente a primeira questão de constitucionalidade.
Com efeito, verifica-se que a Recorrente enunciou tal questão nos artigos 43.º e 44.º do requerimento de oposição à execução fiscal nos seguintes termos:
«[…]
Artigo 43º
De resto, até mesmo a ressalva dos prazos de caducidade mais longos do imposto sobre as sucessões e doações e a sisa, ensaiada no referido artigo 4º da lei introdutória do CPT, foi julgada organicamente inconstitucional, por não ter qualquer apoio no sentido e extensão da respetiva Lei de autorização legislativa n.º 37/90, de 10 de julho (cf. Acórdão do STA de 2 de maio de 2001, relatado pelo Ex.mo Cons.º Mendes Pimentel, proferido por unanimidade no recurso n.º 25 933).
Artigo 44º
Esta jurisprudência elimina qualquer dúvida que pudesse restar sobre o sentido e alcance do n.º 1 do artigo 45º da LGT. Qualquer leitura deste preceito no sentido de ressalvar prazos de caducidade mais longos em certas espécies de tributos seria contrária à própria Constituição da República Portuguesa, na medida em que não teria qualquer respaldo no sentido e extensão da respetiva autorização legislativa emitida pela Assembleia da República nos termos da Lei n.º 41/98, de 4 de agosto.
[…]»
No entanto, embora a questão tenha sido assim colocada perante a 1.ª instância, a verdade é que a Recorrente a “deixou cair”, visto que não a recolocou ou retomou nas alegações do recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo, o que levou a que este Tribunal não tenha sido confrontado com a mesma, razão pela qual não se pronunciou.
Ora, sempre foi entendimento do Tribunal Constitucional, mesmo na vigência da redação originária da LTC, que a parte vencida não pode deixar precludir a questão de constitucionalidade que tenha suscitado junto das instâncias, cabendo-lhe, ao impugnar em via de recurso a decisão que lhe foi desfavorável, voltar a colocá-la perante o tribunal ad quem, de modo a que este saiba que tem necessariamente de apreciar e decidir tal questão ao julgar o recurso interposto.
Neste caso, a Recorrente havia já suscitado a primeira questão de inconstitucionalidade que agora pretende ver apreciada na oposição apresentada em 1ª instância, sendo que esta não deu provimento à sua pretensão.
Assim, ao recorrer desta decisão para o Supremo Tribunal Administrativo, devia a recorrente ter voltado a colocar tal questão perante esta instância de recurso, de modo a confrontar este tribunal com a questão, em termos de estar obrigado a dela conhecer.
Não o tendo feito, não se mostra preenchido este requisito, de que depende o conhecimento desta questão pelo Tribunal Constitucional.
Já no que respeita à 3.ª questão de constitucionalidade, a Recorrente suscitou-a em requerimento no qual arguiu a nulidade do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de março de 2012.
No entanto, como tem sido reiteradamente entendido pelo Tribunal Constitucional, uma vez que o poder jurisdicional do tribunal a quo se esgota, em princípio, com a prolação da sentença ou acórdão e a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui erro material ou lapso notório, não é causa de nulidade da decisão e não torna esta obscura, os incidentes pós-decisórios (pedido de aclaração, de reforma ou arguição de nulidade da decisão), não são, em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar, pela primeira vez, uma questão de constitucionalidade.
Só em casos muito particulares – em que o recorrente não tenha tido oportunidade para suscitar tal questão antes de ser proferida a decisão recorrida, ou tendo tido essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de inconstitucionalidade, ou em que, por força de preceito específico, o poder jurisdicional não se tivesse esgotado com a prolação da decisão final – é que será admissível o recurso de constitucionalidade sem que sobre esta questão tenha havido uma anterior decisão do tribunal recorrido.
É certo que um dos casos em que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem admitido exceções ao princípio ou regra que obriga a suscitar a questão de inconstitucionalidade antes da prolação da decisão recorrida, prende-se com as situações em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de ser proferida a decisão recorrida por se tratar de “decisão-surpresa”, de conteúdo insólito ou imprevisível, tornando inexigível a prévia suscitação de tal questão, antes de a parte ser confrontada com o teor da decisão proferida.
Contudo, importa salientar que a jurisprudência constitucional vem fazendo um interpretação desta exceção, só a admitindo nos casos – absolutamente excecionais ou anómalos – em que o recorrente é efetivamente confrontado com uma concreta aplicação ou interpretação normativa de todo imprevisível e inesperada, não lhe sendo razoavelmente exigível impor a antecipação de que o tribunal iria optar pela convocação ou interpretação da norma.
Assim, conforme vem sendo afirmando pelo Tribunal Constitucional, recai sobre as partes o ónus de analisarem as diversas possibilidades interpretativas, suscetíveis de virem a ser seguidas e utilizadas na decisão, cumprindo-lhes adotar as necessárias e indispensáveis precauções, em conformidade com um dever de litigância diligente e de prudência técnica, ponderando a estratégia e orientação processuais mais adequadas à salvaguarda dos seus direitos e interesses.
Cabe, pois, às partes a formulação de um juízo de prognose, analisando e ponderando antecipadamente as várias hipóteses de enquadramento normativo do pleito e de interpretação razoável das normas convocáveis para a sua dirimição, de modo a confrontarem atempadamente o tribunal com as inconstitucionalidades que – na sua ótica – poderão inquinar tais normas ou interpretações normativas, não bastando a invocação de mera “surpresa subjetiva” da parte com a aplicação normativa realizada nos autos.
Ora, a questão concreta em causa nos autos foi apreciada pela primeira instância em termos que permitiriam à recorrente antecipar a possibilidade de aplicação das normas em questão pelo Supremo Tribunal Administrativo, podendo, por isso, suscitar a questão de constitucionalidade nas alegações do recurso que interpôs para este último Tribunal.
Não o tendo feito, uma tal forma de proceder é manifestamente insuficiente para que se possa considerar cumprido o ónus, que recai sobre o recorrente, de, caso pretenda vir a recorrer para o Tribunal Constitucional, suscitar previamente, perante o tribunal recorrido, de modo processualmente adequado, uma questão de constitucionalidade normativa em termos de este a dever apreciar.
Por estas razões também não é possível ao Tribunal Constitucional conhecer do mérito da 3.ª questão de constitucionalidade colocada pela Recorrente.
Relativamente à 2.ª questão de constitucionalidade, não podendo este Tribunal tomar conhecimento da 1.ª questão objeto do presente recurso, coloca-se o problema de saber se o recurso, nessa parte, mantém utilidade.
Recorde-se que com esta 2.ª questão a Recorrente pretende ver sindicada a constitucionalidade da norma do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de novembro, no sentido de estabelecer um novo prazo de caducidade do direito de liquidação de imposto sobre as sucessões e doações, de oito anos.
Segundo a Recorrente, a lei parlamentar de autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovado o Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de novembro, limitou-se a permitir ao Governo alterar o CIMSISD e os restantes códigos tributários para os compatibilizar com as normas da LGT que com eles eram incompatíveis e neles regulamentar as disposições da LGT, o que, no que respeita aos prazos de caducidade, apenas compreende a sua conformação expressa com o prazo previsto na LGT e não comporta a introdução de prazos de caducidade especiais ou excecionais, nem mais curtos nem mais longos.
Sustenta, assim, a Recorrente que no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de novembro, o Governo postergou o n.º 2, do artigo 51.º da Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezembro, ao inovar, sem que para tal se achasse habilitado, na fixação de um prazo de caducidade do direito de liquidação de imposto sobre as sucessões e doações, de oito anos.
Conclui, assim, que o referido artigo 4.º enferma de inconstitucionalidade orgânica, havendo por isso de considerar aplicável ao caso dos autos o prazo de caducidade de quatro anos, tal como determinado pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro.
Embora a Recorrente não o refira expressamente na enunciação da questão de constitucionalidade, o que está em causa é a redação dada pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de novembro, ao artigo 92.º do CIMSISSD.
De acordo com a decisão recorrida, o facto tributário que deu origem à liquidação do imposto em questão ocorreu em 30 de novembro de 1998. Nessa data, o artigo 92.º do CIMSISSD estabelecia que «Só poderá ser liquidado imposto municipal de sisa ou imposto sobre as sucessões e doações nos 10 anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito.» (Redação do Decreto-Lei n.º 119/94, de 7 de maio).
O artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de novembro, veio dar nova redação a referido 92.º do CIMSISSD, que passou a estabelecer que «Só poderá ser liquidado imposto municipal de sisa ou imposto sobre as sucessões e doações nos oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito, sem prejuízo do disposto nos parágrafos seguintes e, quanto ao restante, no artigo 46 da lei geral tributária.»
Vejamos o que consta da decisão recorrida quanto à aplicação destas normas ao caso concreto:
«[…]
Como se viu, o facto tributário ocorreu em 30 de novembro de 1998, altura em que o prazo de caducidade do direito de liquidar o imposto sobre sucessões e doações era o de dez anos previsto no artigo 92.º do CIMSISSD, face à redação dada ao preceito pelo Dec.Lei nº 119/94, de 7 de maio (A redação do preceito passou a ser, por força desse diploma, a seguinte: «Só poderá ser liquidado imposto municipal de sisa ou imposto sobre as sucessões e doações nos 10 anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito»), iniciado na data dessa transmissão mortis causa.
Posteriormente, em 1 de janeiro de 1999, entrou em vigor a Lei Geral Tributária, que revogou o artigo 33.º do CPT (art.º 2.º do diploma que aprovou a LGT) que continha a regra sobre o prazo geral de cinco anos de caducidade do direito à liquidação vigente para grande parte dos impostos, substituindo-a por um prazo geral de caducidade de quatro anos para a liquidação de tributos, «quando a lei não fixar outro» - cfr. artigo 45.º, n.º 1 da LGT.
Ora, fixando o CIMISSD no seu artigo 92.º um prazo de dez anos exclusivamente para estes impostos, bem distinto do prazo geral de cinco anos contido naquele artigo 33.º do CPT, a aplicação daquela lei (CIMSISSD) e da norma nela contida quanto ao prazo de caducidade para a liquidação desses impostos ficou ressalvada pela referência constante no n.º 1 in fine do artigo 45° da LGT - “quando a lei não fixar outro”. Ou seja, o prazo geral de caducidade de quatro anos que a LGT veio instituir não é aplicável ao imposto sobre sucessões e doações, pois o prazo de exercício do direito à liquidação deste imposto estava fixado em diploma próprio, no referido CIMISSD.
E tanto assim é que o legislador teve necessidade de, posteriormente, através do Dec. Lei n.º 472/99, de 8 de novembro, estabelecer o prazo de caducidade para a liquidação dos impostos sobre sucessões e doações, fixando-o em oito anos. Na verdade, o artigo 92° do CIMSISSD, na redação dada pelo citado Dec.Lei n° 472/99, passou a dispor que “Só poderá ser liquidado imposto municipal de sisa ou imposto sobre sucessões e doações nos oito anos seguintes à data da transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito, sem prejuízo do disposto nos parágrafos seguintes e, quanto ao restante, no artigo 46° da lei geral tributária. (...)”, fixando, assim, um prazo especial de caducidade face ao estabelecido pelo artigo 45° da LGT.
Como também se deixou dito no Acórdão deste Supremo Tribunal de 2 de junho de 2010, no recurso n.º 1240/09, «... este encurtamento do prazo, previsto no segmento inicial do nº 1 do art. 45º da LGT, não se aplica ao prazo de caducidade do direito à liquidação da sisa e do imposto sucessório (já anteriormente ressalvado da aplicação do prazo constante do CPT, dada a sua natureza especial). Tanto que, também o art. 4° do DL nº 472/99, de 8/11 (diploma que adaptou os vários códigos e leis tributárias à lei geral tributária - cfr. preâmbulo desse DL) veio, posteriormente, alterar, quer o art. 92° do CIMSISD (fixando em 8 a nos o prazo de caducidade do direito à liquidação da sisa e do imposto sucessório), quer, no que respeita à prescrição, o art. 180° do mesmo Código, estabelecendo que estes impostos prescrevem nos termos dos arts. 48° e 49° da LGT.
Ou seja, também agora, no que tange à caducidade do direito à liquidação destes impostos, se manteve um regime diverso, com um prazo mais alargado, relativamente ao que consta da LGT, reafirmando-se, assim, neste âmbito, a especificidade e especialidade destes tributos (...).
Regime diverso, este, que, igualmente se mantém atualmente, em sede de IMT, em cujo código o respetivo art. 35º continua a prever o prazo de 8 anos, sem prejuízo do disposto no art. 46º da LGT, quanto ao restante regime da caducidade da liquidação.
No sentido da natureza especial dos prazos de caducidade do direito à liquidação da sisa e do imposto sobre as sucessões e doações podem ver-se, aliás, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, 3ª edição, 2003, Anotação 15 ao art. 45°, pag. 209 e António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária, Anotada, Editora Rei dos Livros, Anotação 2 ao art. 45°, pag . 215).».
E embora a Recorrente invoque que este prazo de caducidade estabelecido no Dec.Lei n.º 472/99 viola o disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, por não ter sido estabelecido ao abrigo de qualquer autorização legislativa cujo objeto, sentido ou extensão compreendesse a alteração do prazo de caducidade do direito de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações ou a fixação de um prazo diferente do prazo geral estipulado pela Lei Geral Tributária, também quanto a isso não lhe assiste razão.
Por um lado, a Lei n.º 41/98, de 4 de agosto, através da qual a Assembleia da República conferiu autorização ao Governo para elaborar uma lei geral tributária, concedeu-lhe o poder de «Rever os prazos de caducidade do direito de liquidar os tributos e de prescrição das obrigações, harmonizando-os com o prazo de reporte ou podendo-os encurtar de modo consentâneo com as possibilidades e o aumento de eficiência da Administração» - cfr. art.º 2.º n.º 17. O que significa que a autorização parlamentar não impôs a aplicação de um prazo de caducidade igual para todos os impostos nem proibiu o Governo de fixar um prazo geral de caducidade para o comum dos impostos e um prazo excecional só para alguns deles. E daí que não se possa ver qualquer inconstitucionalidade no facto de o legislador ter ressalvado, no artigo 45.º da LGT, a aplicação da regra geral aos prazos de caducidade com expressa previsão em compêndios normativos tocantes a determinados impostos, e de ter excecionado no Dec.Lei n.º 472/99 o imposto sobre as sucessões e doações do prazo geral de quatro anos que fixou para o comum dos impostos na LGT, fixando-o em oito anos.
Por outro lado, este Dec.Lei n.º 472/99, que ao abrigo do artigo 51.º, n.º 2, da Lei n.º 87-B/98, de 31.12, procedeu à alteração do CIMSISSD de forma a compatibilizar as suas normas com as da LGT, também não impôs a sua conformação expressa e rigorosa com o prazo geral de caducidade contido na LGT, nem dessa lei habilitante resulta a proibição de introduzir no CIMSISSD um prazo de caducidade distinto do fixado para a generalidade dos impostos e de reafirmar a especificidade e especialidade destes tributos sobre sucessões e doações, como, aliás, já se fizera no Dec.Lei nº 119/94, de 7 de maio, relativamente ao prazo geral de caducidade introduzido no Código de Processo Tributário.
Ou seja, também agora, no que se reporta à caducidade do direito à liquidação dos impostos sobre sucessões e doações se manteve um regime que, embora adaptado à Lei Geral Tributária, assentou num prazo diverso, mais alargado, reafirmando-se, assim, neste âmbito, a especificidade e especialidade destes tributos, como resulta do preâmbulo do citado Dec.Lei n.º 472/99: «As soluções da lei geral tributária prevalecem obviamente sobre as normas em sentido contrário dos vários códigos e leis tributárias que ficaram, a partir de 1 de janeiro de 1999, data da sua entrada em vigor, revogadas tacitamente, por incompatibilidade. Apenas ficou salvaguardada a legislação especial. (...) A presente adaptação (...) abrange, designadamente, (...) os prazos de caducidade e prescrição (...)».
Visto que do confronto do decreto-lei autorizado com a lei autorizadora não resulta que as disposições daquele não se insiram ou não se integrem no sentido dos normativos desta, não se pode concluir que a norma em apreço padeça da invocada inconstitucionalidade.
Assim sendo, com o Dec.Lei nº 472/99 o prazo de dez anos previsto no artigo 92.º do CIMSISSD foi reduzido para oito anos. E na sucessão de leis no tempo no que concerne ao estabelecimento do prazo de caducidade há, também, que aplicar a regra contida no artigo 297.º do Código Civil, que dispõe que a lei que estabelecer um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
In casu, verifica-se que à data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 472/99 faltava, à luz da lei antiga, mais tempo do que o estabelecido na lei nova para o prazo se completar, razão por que se impõe aplicar este novo prazo de oito anos, contado da entrada em vigor deste diploma legal, em 13 de novembro de 1999, caducando, assim, o direito de liquidar o imposto no dia 13 de novembro de 2007.
Neste enquadramento, e visto que na data em que foi realizada a notificação da liquidação – em 5 de julho de 2007 – ainda não tinha decorrido integralmente esse prazo de oito anos, não se encontra preenchido o fundamento de oposição à execução fiscal previsto no artigo 204.º, nº 1, alínea e), do CPPT.
[…]»
Conforme resulta desta decisão, o tribunal recorrido entendeu que, com a entrada em vigor da Lei Geral Tributária, que revogou o artigo 33.º do CPT, a regra sobre o prazo geral de cinco anos de caducidade do direito à liquidação para grande parte dos impostos contida neste artigo foi substituída por um prazo geral de caducidade de quatro anos para a liquidação de tributos, «quando a lei não fixar outro» (cfr. artigo 45.º, n.º 1, da LGT).
E mais entendeu que, fixando o CIMISSD no seu artigo 92.º um prazo de dez anos exclusivamente para estes impostos, bem distinto do prazo geral de cinco anos contido naquele artigo 33.º do CPT, a aplicação daquela lei (CIMSISSD) e da norma nela contida quanto ao prazo de caducidade para a liquidação desses impostos ficou ressalvada pela referência constante no n.º 1, in fine, do artigo 45° da LGT – “quando a lei não fixar outro” –, concluindo que o prazo geral de caducidade de quatro anos que a LGT veio instituir não é aplicável ao imposto sobre sucessões e doações, pois o prazo de exercício do direito à liquidação deste imposto estava fixado em diploma próprio, ou seja, no referido CIMISSD.
É esta interpretação do artigo 45.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, no sentido de ressalvar o prazo de dez anos de caducidade do direito de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações que a recorrente pretendia sindicar na 1.ª questão de constitucionalidade que, como se viu, não pode ser objeto de conhecimento do Tribunal. Daí que, nesta parte, a decisão recorrida se tenha de manter incólume, seja qual for a pronúncia do Tribunal quanto à 2.ª questão de constitucionalidade.
Entendeu ainda a decisão recorrida que com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 472/99, o prazo de dez anos previsto no artigo 92.º do CIMSISSD foi reduzido para oito anos, pelo que, considerando estar-se perante uma sucessão de leis no tempo no que concerne ao estabelecimento do prazo de caducidade, aplicou a regra contida no artigo 297.º do Código Civil. E, verificando que à data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 472/99 faltava, à luz da lei antiga, mais tempo do que o estabelecido na lei nova para o prazo se completar, aplicou o novo prazo de oito anos, contado da entrada em vigor deste diploma legal, considerando que o direito de liquidar o imposto caducaria no dia 13 de novembro de 2007.
Ora, na hipótese de o Tribunal Constitucional, conhecendo da segunda questão de constitucionalidade indicada pela recorrente no seu requerimento de interposição de recurso, se pronunciar no sentido da inconstitucionalidade da norma em questão, tal significaria que não poderia ser aplicável aos autos o prazo de caducidade de oito anos previsto no artigo 92.º do CIMSISSD, na redação introduzida pelo artigo 4.º do Decreto-Lei nº 472/99.
Contudo, como vimos, a decisão recorrida interpretou o artigo 45.º, n.º 1, in fine, da LGT, no sentido de que o prazo geral de caducidade de quatro anos previsto na LGT não é aplicável ao imposto sobre sucessões e doações, pois o prazo de exercício do direito à liquidação deste imposto estava fixado no artigo 92.º do CIMISSD (na redação do Decreto-Lei n.º 119/94, de 7 de maio), ficando a aplicação desta norma ressalvada pela parte final do artigo 45.º, n.º 1, da LGT.
Mantendo-se incólume, nesta parte, a decisão recorrida, como se referiu acima, a consequência de uma eventual pronúncia do Tribunal no sentido da inconstitucionalidade do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 472/99, seria a manutenção da aplicação ao caso do prazo de caducidade de 10 anos previsto no artigo 92.º do CIMSISSD, na redação anterior à introduzida pelo artigo 4.º do Decreto-Lei nº 472/99, o que não teria qualquer efeito útil na decisão do tribunal recorrido que, deixando de estar perante uma situação de sucessão de leis no tempo, não aplicaria o prazo de caducidade de oito anos, mas sim o anteriormente previsto, de dez anos que, tal como a decisão recorrida reconheceu, é ainda menos favorável à recorrente.
Isto é, a eventual pronúncia de inconstitucionalidade da segunda norma impugnada, não teria qualquer efeito útil, uma vez que a decisão recorrida se manteria imodificada, apoiada agora apenas no entendimento que a parte final do artigo 45.º, n.º 1, da LGT, ressalvou a aplicação do artigo 92.º do CIMISSD (na redação do Decreto-Lei n.º 119/94, de 7 de maio), cuja fiscalização de inconstitucionalidade já se decidiu não poder ser efetuada.
Mostra-se, por isso, inútil o conhecimento da segunda questão de constitucionalidade.
Pelo exposto, não se mostrando satisfeitos os referidos requisitos essenciais do recurso de constitucionalidade sob apreciação, o Tribunal Constitucional não pode conhecer do seu mérito.
Decisão
Pelo exposto, não se conhece do recurso interposto para o Tribunal Constitucional por A. dos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo proferidos nestes autos em 14 de março de 2012 e em 27 de junho de 2012.
Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 12 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 4 de outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).
Lisboa, 10 de abril de 2013. – João Cura Mariano – Fernando Vaz Ventura - Ana Guerra Martins – Pedro Machete - Joaquim de Sousa Ribeiro.
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