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Processo n.º 357/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Incidente de correção e aclaração
Relatório
O Recorrente A. veio requerer a retificação e aclaração do Acórdão n.º 90/2013 proferido nestes autos, nos seguintes termos:
“1. No requerimento de interposição do recurso para este Venerando Tribunal, o recorrente pretendia ver declarada a inconstitucionalidade das seguintes normas jurídicas e interpretações normativas:
a) A desistência da apreciação da inconstitucionalidade suscitada no ponto II - número 7;
I - Recurso de constitucionalidade dos artigos 131º, 154º e 155º do Cód. Processo Penal, a ainda do art. 40º do Decreto-Lei nº 11/98 de 24 de janeiro, por terem sido praticadas em Inquérito nulidades ou irregularidades processuais, consubstanciadas na omissão da notificação aos arguidos de realização das paridas sobre a personalidade de testemunhas, tendo sustentado que a interpretação efetuada de tais normativos agredia claramente as garantias de defesa que assistem ao arguido em processo penal por força do disposto no art. 32º da Constituição da República Portuguesa.
II - Recurso de constitucionalidade dos artigos 33º, n.º 1, 14º, 17º In fine, 268º e 269º e ainda 97º nº 4, todos do C.P.P., por violarem os artº 28º, 32º, n.º 1, 2 e 5, 205º e 211º, n.ºs 1 e 2 todos da Constituição da República Portuguesa, tendo no ponto 7 do requerimento sustentado que; “... a interpretação normativa artº 97º n.º 4 do Código de Processo Penal efetuada na decisão recorrida, no sentido de que não tem de explicitar os critérios que subjazem ao seu juízo de maior ou menor relevância dos atos praticados, é inconstitucional por violação do dever de fundamentação das decisões consagrado no art.º 205º n.º 1 da CRP, bem como do direito ao recurso consagrado no artº 32º, n.º 1 da mesma Lei Fundamental.
III - Recurso de constitucionalidade dos artigos 346º n.º 1 e 347º nº 1 ambos do C.P.P., por violação do art.º 32º n.º 1, 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa, pelo que a interpretação efetuada que impunha que a tomada de declarações dos assistentes e dos demandantes cíveis fosse sempre realizada pelo Presidente, no caso de Tribunal Coletivo, e, caso o Ministério Público, o advogado do assistente, o advogado do demandante cível ou o defensor pretendessem formular alguma questão ou pedido algum esclarecimento, deviam ser solicitadas ao Presidente do Tribunal, sendo a ordem definida para a Instância do assistente e do demandante cível imperativa.
IV- Recurso de constitucionalidade das artigos 118º, n.º 1,120º, n.º 2 al. d), 123º, 124º n.º 1 e 2,127º, 128º, n.º 1, 323º al. a) e g), 340º n.º 1, art. 346º nº 1, todos do Código de Processo Penal, por violação dos 18º, n.º 2 e 3, 20º n,º 4 e 32º, nº 1, 2 e 5, Constituição da República Portuguesa, no sentido de que o Tribunal – constituindo objeto da prova a hipótese da existência de um processo de transferência, que leva à efabulação daquilo que é imputado aos arguidos, pode recusar a formulação de pergunta ao assistente por não a considerar necessária para a descoberta da verdade, muito embora tal esclarecimento tenha a virtualidade de possibilitar a demonstração da falsidade dos factos acusados, a sua impossibilidade ou mesmo a inocência dos arguidos, por constituir uma compressão do direito de defesa dos arguidos atingidos por tal meio de prova qua os impede de exercerem efetivamente o seu direito de defesa, no qual se inclui o direito a verem declarada a sua efetiva inocência, contraria as garantias de defesa do arguido, sendo, como tal, inconstitucional.
V- Recurso de constitucionalidade dos artigos 127º, 355º, 356º, n.º 1, 2 al. b) e 5, e 323º, al. f) todos do C.P.P por violação dos artigos 20º nº 4 e 32º, n.º 1 e 5 todos da Constituição da República Portuguesa.
VI - Recurso de constitucionalidade dos artigos 356.º n.ºs 2, al. b) e 5 e 355.º n.º 1 todos do C.P.P, por violação dos artigos art.º 32.º n.ºs 1 e 5, 16.º e 204º da C.R.P. bem como o disposto no art.º 16º da CRP, e o principio do processo justo e equitativo salvaguardado pelo art.º 20.º n.º 4 da CRP – interpretação e aplicação feita pelo tribunal dos art.ºs 356.º n.ºs 2, al. b) e 5 e 355.º, n.º 1, ambos do C.P.P., no sentido de que tendo os assistentes expressamente recusado o consentimento para as leituras em causa, tal leitura não poder ter lugar por força do disposto no art,º 356º n.ºs 2 e 5, devidamente conjugado com o art.º 355º n.º 1, todos do C.P.P..
VII - Recurso de constitucionalidade; dos arts. 1.º al. f), e 358.º, do CPP, quando interpretados no sentido de que as alterações de factos comunicadas, que modificam a narração do núcleo do lugar e/ou do tempo doa crimes imputados, não são substanciais, por violação do art. 32.º da CRP; do art. 358.º do CPP, na interpretação feita pelo tribunal subjacente ao tempo em que a decisão recorrida - de comunicação de alterações de facto - foi proferida, por violação dos arts. 20.º n.º 4, 32.º, n.ºs 1, 2 e 5, e 18.º n.ºs 2 e 3, da CRP, e art. 6.º, n.ºs 1 e 3, al. a), da CEDH; da interpretação normativa conjugada dos arts. 87.º, n.º 5, 358º e 359.º do CPP, efetuada pelo Tribunal, no sentido de que a comunicação de alteração de factos do despacho de pronúncia se basta com a indicação dos novos factos que considera indiciados e cuja fundamentação se limita a remeter para toda a prova produzida nos autos, por violação dos arts. 205.º, n.º 1, e 32.º da CRP, e art. 6.º, n.ºs1 e 3, als. a) e b), da CEDH; e ainda da interpretação dos arts, 340.º e 358.º do CPP, no sentido da invocação de falta de justificação para o indeferimento dos requerimentos de prova dos arguidos, por violação do art. 32º, n.º 1, da CRP.
VIII - Recurso de constitucionalidade dos artigos 48º, 49º n.º 1 do C.P.P. e artigos 113º e n.º 1 do 115º, 178º todos do Código Penal na interpretação que foi efetuada pelo tribunal por violar o art. 29º e 203º do CRP.
1. No seu articulado de contestação à acusação, sustentou o recorrente (...) a exceção de ilegitimidade/extemporaneidade quanto à apresentação do direito de queixa pelo assistente Lauro David Nunes, tendo o acórdão de primeira instância julgado a mesma improcedente, e por conseguinte, reconhecida a legitimidade para a ação penal pelo Ministério Público, nos termos em que esta ocorreu bem com a extemporaneidade da apresentação da queixa.
2. Esta decisão fundamentou-se no normativo contido no art. 176º nº 1 e 4 do Código Penal (red. da Lei nº 99/2001, de 25 de agosto) interpretado no sentido de a intervenção do Ministério Publico poder ocorrer - substituindo-se aos titulares dos direitos da queixa, desde que devida a suficientemente justificada, o que este fez no seu despacho de fls. 13.552 a 13.554, de 29/12/2003, onde invoca as razões para a sua intervenção ao abrigo do disposto no nº 4 do art, 176º, ou seja, que o interesse da vitima – “... assistente que não sendo uma criança de rua estava institucionalizado na Casa Pia de Lisboa, (...)” impunha a sua intervenção.
IX - Recurso de constitucionalidade dos artigos 147º do C.P.Penal conjugada com o disposto nos art. 125º e 127º do C.P.Penal, por violação dos princípios constitucionais da legalidade, das garantias de defesa, de presunção de inocência e ainda o princípio do contraditório consagrados no art. 32º nº 1, 2, 5 e 8 da C.R.P, na interpretação efetuada que permitiu que pudesse valer como identificação de alguém de quem não se conhece quaisquer características físicas e apenas pelo automóvel que possui, a mera indicação sobre uma fotografia que é coletiva (a do recorrente era a única do álbum constante do apenso AJ) a que contam retratada além de um rapaz ex-casapiano, um ator português muito conhecido, sem a necessidade de efetuar as operações de reconhecimento previstas no art. 147º do C. P. Penal.
X - Recurso de constitucionalidade do artigo 127º do C.P.Penal por violação do art. 32º nºs 1, 2 e 5 da CRP,
2. Do despacho do Meritíssimo Juiz Relator proferido em 04 de junho de 2012, foi o Recorrente notificado para apresentar alegações, com a advertência quanto à possibilidade de não poderem vir a ser conhecidas as questões colocadas nos pontos I, II nº 7, IV, V, VII a X do seu requerimento de interposição de recurso.
3. Esta advertência da eventualidade de não conhecimento fundamentou-se quanto à questão enunciada no ponto I, por não ter sido suscitada adequadamente perante o tribunal recorrido, às questões enunciadas no ponto II nº 7, IV, VII, VIII, IX com fundamento em que a interpretação normativa não correspondia à ratio decidendi do acórdão recorrido, e ainda quanto às questões enunciadas também no ponto II 7 e V, apresentarem um outro fundamento para a decisão cuja inconstitucionalidade não foi invocada, sendo que nas questões enunciadas no ponto VIII e X não era impugnado um critério com conteúdo normativo.
4. Apresentou o recorrente em 05/07/2012 as respetivas alegações de recurso, tendo desistido da apreciação das questões que havia suscitado nos pontos I, IV, V, IX e X, desistência que veio a ser declarada a fls. 208 do Douto acórdão deste Venerando Tribunal por ser permitida nos termos previstos pelo artigo 681º n. 5, do Código de Processo Civil ex vi do disposto no artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional, sendo o acórdão inequívoco nesta parte.
5. Contudo, no que respeita à questão enunciada no ponto II nº 7 do requerimento de interposição de recurso, considerou o acórdão do Tribunal Constitucional objeto deste requerimento, que o recorrente não havia abordado esta questão, e que por falta de alegações, o recurso devia ser julgado deserto nesta parte, ao abrigo do disposto no art, 291º nº 2 do CPC, ex vi do disposto no artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional, o que féz.
6. Como é sabido, a desistência e a deserção são ocorrências processuais distintas, com natureza própria e finalidades distintas, sendo inaplicável àquela o regime desta.
7. No vertente caso, a desistência consubstancia-se na manifestação de vontade do recorrente, de pôr termo ao pedido inicial de apreciação da questão enunciada no seu Requerimento de Interposição de recurso, podendo, como se sabe, ser esta desistência expressa ou tácita, sendo expressa quando existe uma manifestação de vontade de parte que interpôs o recurso de lhe pôr termo, ainda que parcialmente, podendo como dispõe o artigo 685º nº 5 do Código do Processo Civil, ocorrer por simples requerimento no processo.
8. Já o artigo 291.º do Código do Processo Civil trata da deserção da instância e da deserção dos recursos jurisdicionais, determina no seu número 2 que o recurso seja julgado deserto quando o recorrente não tenha apresentado a alegação, nos termos do número 2 do artigo 684-B do Código de Processo Civil, ou quando estiver parado durante mais de um ano, por inércia do recorrente.
9. No entanto, como se poderá constatar, já em sede de apresentação das alegações respeitantes às questões suscitadas no ponto II. “... dos artigos 33º, n.º 1, 14º, 17º, 268º e 269º todos do Código Processo Penal, por violarem os art.º 28º, 32º, n.º 1, 2 e 5, 205º e 211º, n.ºs 1 e 2 todos da Constituição da República Portuguesa”, o Recorrente separadamente suscitou a questão prévia da admissibilidade do recurso, o que fez no seguintes termos:
“Sustenta o despacho que ordena a notificação do Recorrente, que a questão de inconstitucionalidade enunciada no ponto 7. do requerimento de recurso poderá não ser apreciada, com o fundamento que a interpretação normativa indicada não corresponde à ratio decidendi do acórdão recorrido e que esta apresente um outro fundamento para a mesma decisão cuja inconstitucionalidade não foi invocada.
No ponto 7. do requerimento suscita-se a questão de a interpretação normativa efetuada na decisão recorrida (de 1ª Instância) do art.º 97º n,º 4 do CPP (com e redação então vigente), no sentido de não ser de explicitar os critérios que subjazem ao juízo de maior ou menor relevância dos atos praticados, por se entender que tal interpretação ê inconstitucional por violação dos art.º 205º n.º 1 e 32º ambos da CRP, que impõem respetivamente, o dever de fundamentação das decisões e o direito ao recurso.
Isto porque na decisão recorrida o tribunal não discriminou quais os critérios que determinaram a avaliação de determinados atos como de maior relevância que outros, pelo que não se percebeu quais foram os princípios e os valores que determinaram a eleição de alguns atos como da maior relevância, afastando os demais. Foi somente emitida uma decisão genérica de validação de todos os atos praticados pelo tribunal incompetente.
Reconhece contudo o Recorrente, que a interpretação normativa efetuada pelo tribunal a quo do art 97º nº 4 do CPP, não teve um papel fundamental na decisão impugnada, que se manteria inabalável caso tivesse sido cumprido o dever da fundamentação, apesar de, com essa interpretação o tribunal ter de facto, impedido os arguidos de poderem sindicar corretamente os critérios assumidos para a validação de todos e cada um dos atos praticados pelo senhor Juiz de instrução na fase de inquérito e melhor identificados a fls. 25.465 dos autos.
Por conseguinte, de seguida apresentará as suas alegações de recurso, expurgando esta questão”.
10. E de seguida, como se constata na indicada peça processual, o Recorrente apresentou as respetivas alegações, pelo que deliberada, esclarecida e expressamente, optou por não apresentar alegações no que tange à questão suscitada a propósito da apreciação da interpretação normativa efetuada na decisão recorrida (de 1ª instância) do art.º 97º n.º 4 do CPP (com a redação então vigente) apesar de com esta não concordar, mas reconhecendo e aceitando os argumentos expendidos na advertência que lhe havia sido feita pelo Venerando Juiz Conselheiro Relator.
11. Esta metodologia repetiu-se preliminarmente à apresentação das respetivas alegações em relação a todas as questões suscitadas perante este Venerando Tribunal, sempre que o arguido foi advertido da possibilidade de não serem conhecidas as interpretações normativas e normas jurídicas nos termos requeridos.
12. Por conseguinte, não se trata de uma redução do pedido, nem de deserção, pelo que havia o Douto acórdão de ter julgado a desistência do recorrente quanto a esta parte do seu recurso, e não julgar o mesmo deserto por falta de alegações, requerendo agora o recorrente ao abrigo do disposto no artigo 669º do Código de Processo Civil a retificação deste segmento do acórdão, nos termos previstos na alínea b) do número 2 do citado artigo.
b) Pedido de aclaração da decisão sobre a questão suscitada no Ponto III do recurso quanto à imperatividade da ordem definida para a instância do assistente e do demandante cível:
13. Como já decorre da transcrição supra de excertos do requerimento de interposição de recurso apresentado, no ponto III, foram duas as questões de constitucionalidade suscitadas pelo Recorrente, sendo que se punha em causa a interpretação efetuada dos artigos 346º n. 1 e 347º n. 1 ambos do Código de Processo Penal, no sentido de a tomada de declarações aos assistentes e demandantes cíveis, ser sempre realizada pelo Presidente, no caso de tribunal coletivo, e questionava-se também a ordem definida para a instância do assistente e do demandante cível ser imperativa.
14. Como o Douto acórdão do Tribunal Constitucional reconhece, e passo a transcrever trecho de fls. 246, “... quando o tribunal (de primeira instância) se pronunciou sobre a constitucionalidade das normas questionadas, em qualquer das duas dimensões questionadas, fê-lo tomando posição quanto a esta pretensão dos arguidos, no sentido de solicitar a instância direta por parte dos defensores e de que essa instância ocorresse em último lugar”.
15. Pretensão que foi negada ab initio pelo tribunal no despacho proferido na audiência de julgamento do dia 17 de março de 2005, que determinou que a tomada de declarações aos assistentes e partes civis se procedesse na forma e pela ordem expressamente enunciadas nos artigos 346º, nº 1, e 347º, nº 1, do Código de Processo Penal, com a possibilidade de quem não foi o último a pedir esclarecimentos, pudesse formular pedido de esclarecimentos suplementar.
16. Sufraga o acórdão aclarando, quanto a esta questão em concreto, que o recorrente não incluiu na enunciação da interpretação normativa a dita possibilidade de pedir esclarecimentos suplementares, considerando que esse segmento da decisão teve um papel relevante na configuração do critério normativo utilizado pelo tribunal recorrido para fundamentar a sua posição, e em consequência, não conhece o recurso nesta questão, por não haver coincidência entre a norma cuja fiscalização da constitucionalidade foi requerida ao Tribunal Constitucional e a norma aplicada pela decisão recorrida.
17, Para o recorrente este segmento da decisão em concreto, mostra-se obscuro na medida em que o sentido do acórdão nesta parte é ininteligível, se considerarmos como o recorrente fez, e segundo se percebe também o próprio tribunal constitucional assim entende o despacho de primeira instância, depois confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que a ordem da instância seria sempre imperativa, inclusive ainda nos esclarecimentos suplementares.
18. Sendo a ordem sempre imperativa - que era o que estava em causa no pedido de declaração de inconstitucionalidade da interpretação normativa efetuada, não teve o recorrente por necessária a sua enunciação separada, pelo que no entendimento do recorrente, carece este segmento da decisão de ser aclarado, o que se requer ao abrigo do disposto no artigo 669º n. 1 alínea a) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional.
19. Tal como o recorrente motivou nas suas alegações, a possibilidade de o arguido (ou qualquer outro sujeito processual poder formular pedidos de esclarecimento suplementares - cuja ordem seria naturalmente a mesma, não representaria qualquer válvula de segurança que o tribunal deveria usar quando isso fosse relevante para a boa decisão da causa e para a descoberta da verdade - vide desde logo páginas 26 das alegações do recorrente.
20. Tal como decorre do despacho proferido e já identificado, a imperatividade não seria nunca afastada, pelo que o pedido de constitucionalidade efetuado a este Douto Tribunal Constitucional incluía efetivamente a decisão com o segmento referido, que abarcava a possibilidade de serem pedidos novos esclarecimentos, mas que por sua vez, teriam sempre que seguir a ordem que foi julgada ser imperativa, pelo que parece haver efetivamente absoluta identidade entre a norma requerida e a aplicada, não sendo assim clara a razão de não ter o tribunal conhecido da questão nos termos em que foi formulada, pelo que se pede a aclaração deste trecho do acórdão.
c) Pedido de aclaração decisão sobre a questão suscitada no Ponto VI do recurso em que é apreciado o mérito dos recursos - A interpretação dos artigos 356º, nº 2, b) e nº 5, e 355º, nº 1 do Código de Processo Penal:
21. Vem o Recorrente ainda suscitar um terceiro pedido de aclaração ao Douto acórdão deste Tribunal, desta feita, no que respeita à decisão que recaiu sobre a interpretação dos artigos 356º, n. 2 alínea b) e n. 5 e 355º do Código de Processo Penal, enunciada no ponto VI do recurso interposto, a qual veio a ser conhecida a fls. 268 e seguintes deste acórdão, por considerar as mesmas, a dado trecho ambíguas, na medida em que não é possível alcançar o sentido exato a atribuir àquelas passagens.
22. Como se evidência no Douto acórdão, o recorrente havia requerido, por diversas vezes durante a audiência de discussão e julgamento, a leitura das declarações prestadas no âmbito do inquérito por assistentes e testemunhas, para serem confrontadas com o conteúdo dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, a fim de ser avaliada a credibilidade destes sujeitos processuais.
23. Como bem refere o acórdão, a norma em causa nesta parte dos recursos, regula a possibilidade de confronto com os sujeitos que estão presentes em audiência, também para a finalidade de avaliar a sua credibilidade.
24. Esta possibilidade foi expressamente permitida pelo artigo 438º do Código de Processo Penal de 1929, que esteve vigente até 1987, sendo como se reconhece, que então se privilegiava: “... a oralidade e a imediação da prova, sem que o interesse na obtenção da verdade material não deixasse de permitir o recurso à leitura dos depoimentos ..., permitindo simultaneamente ao tribunal aferir a credibilidade dos seus depoimentos”.
25. No passo seguinte, esclarece o acórdão aclarando o regime subsequente estabelecido para a leitura das declarações de partes ausentes em tribunal, avançando para as propostas legislativas desta norma, ambas no sentido preconizado pelo recorrente, para depois retratar o atual sistema como “... severamente limitativo quanto à leitura...” que apenas as admite em caso de acordo, ainda que para aferir da credibilidade desses depoimentos.
26. Ora a razão de ser avançada para esta regra, tal como o recorrente a apreendeu no acórdão, reside no facto de a prova testemunhal, em fase de julgamento, só estar imune a qualquer juízo de desconfiança, relativamente à sua autenticidade e credibilidade, quando ela é produzida perante o julgador, aos olhos do público e com o contributo dos sujeitos processuais, visto que quem procedeu à inquirição na fase de investigação poderia, ainda que involuntariamente, ter inquinado ou contaminado o depoimento, primando assim nesta parte, em absoluto, o principio do dispositivo, na medida em que por acordo, esta regra poderá ser afastada,
27. Tendo sempre em consideração que o pretendido pelo recorrente era o confronto dos assistentes e testemunhas presentes em audiência de julgamento, com aquilo que haviam declarado em inquérito, com vista a que o tribunal pudesse aferir da respetiva credibilidade dos sujeitos, que em audiência e de forma pública pudessem justificar as contradições com o que declararam em inquérito, ainda que na prática, para reafirmarem o que haviam dito e desmentido o que fora colhido em inquérito, ou mesmo que o fizeram porque foram sugestionados pelo agente que os inquiriu, ou que então não se souberam exprimir da melhor forma.
28. Nas alegações de recurso apresentadas, o momento preconizado para que este confronto ocorresse ficou claro, devendo ocorrer de forma a avaliar a credibilidade dos assistentes, assim e com referência ao recurso apresentado:
i) na pag. 42 que “… e saliente-se que teriam lugar após estes terem prestado depoimento...”, e mais à frente, “... que já depuseram, e o subsequente confronto daqueles com as declarações e depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento”.
ii) a páginas 50; “Sendo lidas em audiência as declarações e depoimentos prestadas em inquérito, e subsequentemente, caso assim se entenda, sejam objeto de confronto com as prestadas em audiência...”;
iii) a páginas 53: “... De facto, a leitura de declarações de testemunhas presentes em julgamento, permitindo o seu confronto com as declarações que Já haviam prestado - não antes de serem inquiridos, mas na sequência dessas declarações, perante o Tribunal, com sujeição à oralidade, imediação e de forma contraditória, respeitando o principio da concentração da prova na audiência de julgamento, permitira alcançar o verdadeiro objetivo do processo, que é a descoberta da verdade dos factos, pressuposto da necessidade à sujeição da sanção penal”.
29. Face ao que não se consegue apurar o sentido do seguinte segmento do acórdão: “..., as circunstâncias em que foram prestados suscitam naturais interrogações sobre a sua idoneidade para fundamentar uma decisão de condenação ou absolvição”.
30. Isto porque não suscitou o recorrente a interpretação da norma no sentido de que as declarações prestadas em inquérito fundamentassem ou devessem fundamentar uma decisão de condenação ou absolvição, nem que tais leituras ocorressem previamente ou durante os depoimentos, de forma a influenciá-los, mas tão somente que ao assistente fosse permitido justificar a contradição dos depoimentos após terem apresentado a sua verdade dos factos em audiência - ou uma nova versão alterada, ficando estas justificações submetidas à livre apreciação do julgador nos termos previstos no artigo 127º do Código do Processo Penal, pelo que falha ao recorrente entender o sentido deste segmento decisório, cuja aclaração assim se requer.
28. Por outro lado, reconhece o Douto acórdão aclarando, que a posição processual do assistente merece tutela constitucional, tendo o assistente especial interesse em ver exercida a ação penal em termos adequados, mas expressamente afirmando ser claro não se poder falar da existência de uma equiparação entre a tutela processual do arguido e a do assistente.
31. No Douto acórdão reconhece-se - contrariando assim a tese sustentada pelos recorridos, que é a própria constituição que atribui maior relevância à tutela dos direitos de defesa do arguido (vide pag. 277) tal como preconizado pelo recorrente que atribui à defesa, melhor hierarquia, do que aos direitos do assistente.
32. Partindo desta premissa, e com base no raciocínio lógico-silogístico não se percebe como é que num processo em que a prova, por natureza, assenta quase em exclusivo, ou mesmo em exclusivo, nos depoimentos dos queixosos/assistentes, se chega à conclusão que respeita a constituição o entendimento normativo aplicado.
33. O recorrente não consegue perceber, como é que reconhecendo expressamente o acórdão aclarando que:
'Sendo claro que não se pode falar da existência de uma equiparação entre a tutela processual do arguido e a do assistente (desde logo é a própria Constituição que confere a cada um deles uma tutela distinta e, como é natural atribuí maior relevância à tutela dos direitos de defesa do arguido)...” daqui não retira qualquer conclusão com incidência na questão em análise,
34. A pretensão do recorrente não se podia reconduzir, tal como ela foi sendo sucessivamente formulada nos foros precedentes, nem no presente recurso de constitucionalidade, à possibilidade de utilização de uma prova ou de um meio de prova proibido, pelo que não se compreende que reconhecendo maior relevância constitucional à posição processual do arguido, o acórdão aclarando daqui não retire a consequência da inconstitucionalidade da interpretação normativa efetuada por aquelas instâncias.
35. Sendo suposto procurar-se a verdade em julgamento, deveria ser em julgamento, garantindo plenamente o contraditório, assegurada a imediação e as garantias constitucionais de todos os sujeitos - sendo que, como bem se diz no acórdão ser superior a tutela garantida constitucionalmente ao arguido, do que conferida ao assistente, que o julgador deveria ter poderes para apurar a verdade, indispensável à realização da justiça,
36. Não se alcança assim o sentido do segmento do acórdão conforme apontado, que embora reconhecendo que a constituição confere maior relevância à tutela dos direitos de defesa do arguido, e que o assistente tem uma posição processual de colaborador do Ministério Público, que por sua vez tem o dever de procura da verdade (conforme artigo 53º do Código de Processo Penal), declara a interpretação normativa efetuada conforme à Constituição, aclaração que se requer.
O Ministério Público e a Casa Pia de Lisboa, I.P., pronunciaram-se pelo indeferimento do requerido.
Fundamentação
1. Do pedido de correção
O Recorrente pede a correção do Acórdão n.º 90/2013 na parte em que julgou deserto recurso quanto à questão de constitucionalidade por si colocada no ponto II 7 do respetivo requerimento de interposição, por entender que tacitamente desistiu do recurso nessa parte, pelo que deve ser declarado extinto, por desistência.
O Recorrente declarou expressamente que apresentava alegações quanto às questões suscitadas nos pontos II, III, VI, VIII e VIII do seu requerimento de interposição de recurso e que desistia do recurso interposto quanto às demais matérias.
Nas alegações apresentadas quando abordou as questões colocadas no ponto II do seu requerimento de interposição de recurso, o Recorrente, relativamente à questão referida sob o n.º 7 desse ponto II, reconhecendo que a interpretação ali posta em causa não assumia um papel fundamental na decisão recorrida, escreveu que não apresentaria alegações de recurso, expurgando assim essa questão das mesmas.
Como agora refere o próprio Recorrente no pedido de correção, “deliberada, esclarecida e expressamente, optou por não apresentar alegações no que tange à questão suscitada a propósito da apreciação da interpretação normativa efetuada na decisão recorrida (de 1ª instância) do art.º 97º n.º 4 do CPP (com a redação então vigente) apesar de com esta não concordar, mas reconhecendo e aceitando os argumentos expendidos na advertência que lhe havia sido feita pelo Venerando Juiz Conselheiro Relator.”
Ora, a não apresentação de alegações, intencional ou não, expressamente assumida ou não, tem como consequência, nos termos do artigo 291.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, a deserção do recurso, não havendo quaisquer razões para ser considerada uma desistência tácita do recurso, nos termos previstos no artigo 681.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, atenta a autonomia destas duas formas de extinção dos recursos.
Por este motivo deve ser indeferida a pretensão de correção do Acórdão n.º 90/2013.
2. Do pedido de aclaração
O Recorrente pede ainda a aclaração de três passos distintos do Acórdão n.º 90/2013, que diz não entender.
De acordo com o disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 669.º, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 69.º, da LTC, pode qualquer das partes requerer ao tribunal que proferiu a sentença, o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos.
A razão de ser da norma encontra-se em que, colocada uma questão a dirimir, a decisão que a resolve não deve deixar dúvidas sobre o seu enunciado e alcance. A aclaração será apenas devida, então, ante a obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos.
Ocorre obscuridade quando o sentido da decisão, incluindo os seus fundamentos, em todo ou em parte, for ininteligível, confuso ou de difícil interpretação, ou seja, quando o enunciado não permite descortinar e apreender inequivocamente o que o Tribunal quis dizer.
Por seu turno, a ambiguidade tem lugar quando, ao segmento considerado, podem razoavelmente atribuir-se dois ou mais sentidos diferentes.
Lendo os pedidos de “esclarecimento” em apreço, verifica-se que o Recorrente compreendeu perfeitamente os argumentos apresentados pelo Tribunal para fundamentar as suas decisões, mas apenas por deles discordar, diz que não os entende. Este não entendimento não se reporta a uma incompreensibilidade da fundamentação expandida nos referidos passos do Acórdão n.º 90/2013, mas sim a uma não aceitação do raciocínio aí efetuado.
O Recorrente pretende, por isso, invocando inexistentes dificuldades de entendimento, discutir a bondade de alguns dos fundamentos do referido Acórdão, o que não é consentido, em virtude do esgotamento do poder jurisdicional.
Em suma, porque o n.º 1, do artigo 669º, do Código de Processo Civil, permite tão somente obter o esclarecimento de qualquer obscuridade ou ambiguidade que a decisão contenha nos seus termos, e não pode ser utilizado para discutir a bondade da decisão, como aqui é pretendido pelo Recorrente, deve ser indeferido o pedido de aclaração formulado.
Decisão
Pelas razões expostas indeferem-se os pedidos de correção e aclaração formulados pelo Recorrente A..
Custas do incidente pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 10 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 28 de fevereiro de 2013. – João Cura Mariano – Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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