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Processo n.º 743/12
3.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, veio A., Lda., interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante, LTC).
2. O objeto do recurso é delimitado, nos seguintes termos, no respetivo requerimento de interposição:
“1.º
Quer a sentença da 1.ª instância, quer o acórdão recorrido, perfilham o entendimento normativo do art. 551.º-A n.º 1 do C.P.C. [referido, por lapso ostensivo, como art. 351.º-A, no requerimento] no sentido de que a falsidade do exemplar da nota de citação constante dos autos – sendo desconforme com a nota de citação afixada na morada do réu para sua citação, induzindo tal desconformidade em erro o citado, afetando o exercício dos seus direitos de defesa – só pode ser arguida, sob pena de intempestividade da arguição, no prazo de dez dias a contar da intervenção do réu no processo (e não quando a parte teve conhecimento da falsidade em causa).
2º
Quanto ao acórdão da Relação, nele expressamente consta quanto à concreta situação dos autos: “a norma a ter em conta para o prazo em que deve ser arguida a falsidade do ato certificativo da citação é, pois – e é-o inexoravelmente – a do aludido art. 551º.A nº 1, do C.P.C.: 10 dias a contar da intervenção do réu no processo.
3º
Tal entendimento normativo é inconstitucional por violação dos princípios do Estado de Direito e de um processo equitativo consagrados nos arts. 2º e 20º da CRP, (…) ”
3. No Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Na fundamentação de tal decisão, refere-se, nomeadamente, o seguinte:
“4. O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem pressupostos gerais de todos os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; a natureza jurisdicional da decisão impugnada e o caráter instrumental do recurso.
Comecemos por analisar este último pressuposto.
O caráter ou função instrumental do recurso de constitucionalidade traduz-se na possibilidade de o julgamento da questão de constitucionalidade se repercutir, de forma útil e eficaz, na solução jurídica do caso concreto. Tal possibilidade efetiva-se quando a decisão sobre a questão de constitucionalidade é suscetível de alterar o sentido ou os efeitos da decisão recorrida, implicando uma reponderação da solução dada ao caso, pelo tribunal a quo.
Carecerá de utilidade a apreciação do mérito do recurso quando a decisão que venha a ser proferida seja insuscetível de se projetar no caso concreto, nomeadamente nos casos em que a decisão recorrida contenha uma fundamentação alternativa, efetiva e suficiente, que conduza, de forma autónoma, à mesma solução a que se chega através da via argumentativa a que subjaz o critério normativo, cuja constitucionalidade é posta em causa.
Transpondo tais considerações para o caso concreto, teremos de concluir que o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 24 de abril de 2012, não obstante considerar que o prazo previsto no n.º 1 do artigo 551.º-A do Código de Processo Civil, referente à arguição da falta de citação, se conta a partir da intervenção do réu no processo - argumentando que tal solução “é facilmente compreensível porquanto se a parte vai ao processo sem ter sido citada é natural que só o faça depois de se haver inteirado do modo pelo qual aí foi tida como citada” – igualmente deixa claro que a solução de improcedência da apelação se manteria, ainda que não fosse essa a sua interpretação do referido preceito.
Na verdade, a este propósito, pode ler-se no aresto, em análise, o seguinte:
“ (…)
É que, como se constata do art.º 6º do requerimento da apelante de 20 de setembro de 2011, a (…) agora recorrente, logo ao arguir a nulidade da (…) citação asseverou conhecer a certidão de citação que se encontrava junta aos autos, e a menção da nota [de] citação por ela atestada de que fora efetuada a advertência de que os duplicados e cópias a que o citado teria direito se encontrariam no tribunal.
Ou seja, em 20/09/11, já a apelante dizia saber do teor da nota de citação que agora quer arguir de falsa.
Por isso, nem sequer é aceitável que, de boa fé, a apelante tenha vindo invocar a ignorância até 25 de novembro de 2011 da aludida cópia da nota de citação que se encontra junta (…).
(…)
E, revelando a parte o conhecimento da suposta falsidade, não pode deixar de ficar claramente prejudicada a invocação subsidiária da inconstitucionalidade do art.º 551-A, nº 1 do CPC (…) se não interpretado no sentido de que o prazo ali previsto deve contar-se do dia em que se deva entender que a parte tomou conhecimento da falsidade. Vício que, de toda forma, nunca procederia, porquanto, como acima se deixou sublinhado, é irrazoável que ao arguir a falsidade da citação a parte respetiva não se tenha previamente inteirado do modo como ela se processou.”
Do excerto transcrito é forçoso concluir que uma eventual apreciação do Tribunal Constitucional, relativamente ao conteúdo normativo útil extraível da enunciação da questão de constitucionalidade apresentada pela recorrente, não teria utilidade prática ou repercussão efetiva na solução do caso concreto, porquanto o sentido da decisão recorrida se manteria intocado, face à coexistência de uma segunda linha de argumentação, assente no conhecimento da alegada falsidade em data muito mais recuada do que os dez dias anteriores à respetiva arguição, circunstância que conduziria, na lógica interna da decisão recorrida, ao mesmo resultado de improcedência do recurso de apelação.
Na verdade, esta segunda linha de argumentação subsistiria, como ratio decidendi autónoma, incólume a eventual juízo de inconstitucionalidade que viesse a ser proferido na sequência do presente recurso.
Salienta-se que não pode proceder a alegação da recorrente, que, pressupondo a possibilidade de o seu recurso não ser admitido, por falta de utilidade, vem referir que, por um lado, o “primeiro e decisivo” argumento da decisão recorrida assentou na adoção do critério normativo, cuja inconstitucionalidade é suscitada, e que, por outro lado, a “argumentação subsidiária” do Tribunal da Relação assenta em “manifesto e incontornável lapso”.
De facto, não é relevante saber a ordem de utilização dos argumentos esgrimidos pela decisão recorrida, mas apenas apurar se uma das linhas de argumentação defendida se manteria incólume, determinando, de forma autónoma e efetiva, a mesma solução de improcedência da apelação, independentemente da sorte do recurso de constitucionalidade interposto.
Acresce que, em virtude da específica competência do Tribunal Constitucional – restringida à apreciação das questões de constitucionalidade - não é sindicável, nesta sede, a justeza ou correção material da decisão recorrida quanto à concreta valoração dos factos ou a existência de qualquer vício resultante de lapso na análise dos autos, vício que, de resto, surge afastado pelo próprio Tribunal a quo, no acórdão de 11 de setembro de 2012.
Nestes termos, configurando a instrumentalidade do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade um dos pressupostos de admissibilidade do mesmo, conclui-se que o presente recurso é inadmissível, atenta a insusceptibilidade de o julgamento da questão de constitucionalidade se repercutir, de forma útil e eficaz, na solução dada ao caso concreto pela decisão recorrida.”
É esta a Decisão sumária que é alvo da presente reclamação.
4. A reclamante refere que a posição defendida na decisão sumária, correspondendo à orientação dominante do Tribunal Constitucional, se justifica quando a decisão recorrida apresenta “argumentações jurídicas alternativas substancialmente relevantes”, já não sendo adequada quando a linha argumentativa subsidiária “assenta num juízo de facto que decorre de um lapso manifesto cometido pelo tribunal recorrido”. Nesta última situação, defende o reclamante que a questão constitucional relevante deve ser apreciada pelo Tribunal Constitucional “sem cuidar da outra questão subsidiária, a qual sempre poderá ser melhor valorada – e eventualmente reparada – pelo tribunal recorrido.”
Conclui, nestes termos, pelo deferimento da reclamação.
5. O Ministério Público, em resposta, manifesta a sua concordância com a decisão sumária proferida, acentuando que, de acordo com o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11 de setembro de 2012, não existe “lapso” ou “pressuposto de facto erróneo” manifesto, que tenha viciado a argumentação alternativa da decisão recorrida, sendo certo que tal questão, de todo o modo, sempre estaria subtraída à apreciação do Tribunal Constitucional.
Pelo exposto, conclui que a reclamação apresentada não deve merecer acolhimento.
Os restantes reclamados não apresentaram resposta.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
6. Analisada a reclamação apresentada, conclui-se que os argumentos aduzidos pela reclamante não infirmam a correção do juízo efetuado na decisão sumária proferida, consubstanciando-se numa manifestação de discordância face ao sentido de tal decisão, baseada fundamentalmente na reiteração de argumentos já esgrimidos no requerimento de interposição do recurso e que já mereceram resposta na decisão reclamada.
De facto, pode ler-se, a este propósito, na decisão sumária proferida, o seguinte:
“Salienta-se que não pode proceder a alegação da recorrente, que, pressupondo a possibilidade de o seu recurso não ser admitido, por falta de utilidade, vem referir que, por um lado, o “primeiro e decisivo” argumento da decisão recorrida assentou na adoção do critério normativo, cuja inconstitucionalidade é suscitada, e que, por outro lado, a “argumentação subsidiária” do Tribunal da Relação assenta em “manifesto e incontornável lapso”.
De facto, não é relevante saber a ordem de utilização dos argumentos esgrimidos pela decisão recorrida, mas apenas apurar se uma das linhas de argumentação defendida se manteria incólume, determinando, de forma autónoma e efetiva, a mesma solução de improcedência da apelação, independentemente da sorte do recurso de constitucionalidade interposto.
Acresce que, em virtude da específica competência do Tribunal Constitucional – restringida à apreciação das questões de constitucionalidade - não é sindicável, nesta sede, a justeza ou correção material da decisão recorrida quanto à concreta valoração dos factos ou a existência de qualquer vício resultante de lapso na análise dos autos, vício que, de resto, surge afastado pelo próprio Tribunal a quo, no acórdão de 11 de setembro de 2012.”
Pelo exposto, sendo certo que a decisão reclamada merece a nossa concordância, damos por reproduzida a sua fundamentação e, em consequência, concluímos pelo indeferimento da reclamação apresentada.
III – Decisão
7. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se confirmar a decisão sumária reclamada, proferida no dia 12 de dezembro de 2012, e, em consequência, indeferir a reclamação apresentada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 27 de fevereiro de 2013. – Catarina Sarmento e Castro – Vítor Gomes – Maria Lúcia Amaral.
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