|
Processo n.º 896/12
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A. e B., melhor identificadas nos autos, reclamam para a conferência ao abrigo do disposto no n.º 3, do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão sumária proferida pelo Relator que decidiu não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade interposto, nos seguintes termos:
«A. e B., recorrentes, no recurso supraidentificado, no qual são recorridos, o BANCO C. S.A., D. e E., não se podendo, como se não podem, conformar, nem se conformando pois, com a aliás douta decisão sumária, prolatada nos autos no dia 15 de janeiro de 2013, vêm, muito respeitosamente, junto de V. Exa., para, ao abrigo da possibilidade conferida pelo estatuído no artigo 78º-A3, da Lei do Tribunal Constitucional, de tal douta decisão sumária reclamar para a conferência».
2. Notificados da reclamação apresentada, os recorridos não responderam.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
3. A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:
«(...)
1.A. e B., melhor identificada nos autos, recorrem para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 20 de novembro de 2012.
2. Como apenso à ação executiva ordinária intentada pelo Banco F., S.A. contra D. e E., referente a uma fração autónoma adjudicada, em 2005, ao credor reclamante – o Banco C., S.A. - vieram as recorrentes instaurar embargos de terceiros contra este Banco e os executados. Como causa de pedir invocaram um contrato de arrendamento que teriam celebrado com aqueles, em 1 de janeiro de 2002, alegadamente referente à mesma fração autónoma, pedindo o reconhecimento da sua qualidade de terceiras e de locatárias do imóvel referido, bem como a não realização da entrega desse imóvel ao referido banco. Sucede que já em momento anterior tinham as recorrentes instaurado embargos de terceiro relativamente à mesma fração autónoma, tendo o tribunal de primeira instância concluído, em decisão com data de 14 de outubro de 2010 (fls. 134-139), pela rejeição dos embargos, em virtude de as embargantes não terem logrado demonstrar ser o mesmo o prédio objeto da ordem judicial de entrega e o objeto do contrato de arrendamento, frustrando – destarte – a existência de fumus boni iuris.
Em razão destes antecedentes, o tribunal de primeira instância proferiu despacho de indeferimento liminar, em 11 de novembro de 2011 (fls. 31-35), atestando a ocorrência de caso julgado, por serem “os mesmos os sujeitos, os pedidos e a causa de pedir”. Inconformadas, as recorrentes interpuseram recurso de agravo, sobre o qual se pronunciou o acórdão recorrido, que confirmou a decisão da primeira instância, negando provimento ao recurso (fls. 141-149).
3. O recurso foi admitido pelo tribunal recorrido. Contudo, em face do disposto no artigo 76.º, n.º 3, da LTC, e porque o presente caso se enquadra na hipótese normativa delimitada pelo artigo 78.º-A, n.º 1, do mesmo diploma, passa a decidir-se nos seguintes termos.
4. Ora, sendo o presente recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, cumpre apurar do preenchimento de uma série de pressupostos processuais. A par do esgotamento dos recursos ordinários que a decisão admita, exige-se ainda que o recorrente haja suscitado, adequada e tempestivamente, uma questão de constitucionalidade incidente sobre normas jurídicas que hajam sido ratio decidendi da decisão recorrida.
Daqui decorre que o controlo efetuado pelo Tribunal Constitucional é um controlo normativo – no sentido de que tem subjacente a potencial desconformidade entre certo tipo de normas jurídicas (objeto de controlo) e as normas e princípios que integram o parâmetro normativo-constitucional (parâmetro de controlo), e não o ato de julgamento propriamente dito – e que, em sede de fiscalização concreta, o Tribunal atua como instância de recurso, reapreciando uma decisão judicial que tenha versado expressa ou implicitamente sobre uma questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente durante o processo (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª ed. revista, 2010, p. 944). Deve entender-se a exigência de suscitação durante o processo, por seu turno, não em sentido formal, mas em sentido funcional, requerendo-se, por isso, que a questão de constitucionalidade seja suscitada antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo sobre a matéria, isto é, antes da prolação da decisão recorrida (v. Acórdão n.º 352/94, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Não é isso que sucede in casu. Constata-se, na verdade, que as recorrentes não suscitaram, nas alegações do recurso de agravo interposto, qualquer questão que possa assimilar-se a uma questão de constitucionalidade normativa, limitando-se a invocar que a primeira instância, com a decisão proferida, atingira “o direito constitucional defendido pela Constituição da República, no seu artigo 65.º - direito à habitação” (fls. 61). Porém, como é bom de ver, esta referência esparsa não preenche os pressupostos supra assinalados, visto que o vício de inconstitucionalidade é diretamente imputado à decisão recorrida, indiciando deste jeito a falta de caráter normativo da questão levantada.
Assim sendo, há que concluir não estarem preenchidos os pressupostos processuais de que está dependente a admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC.
5. Atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objeto do recurso.
(...)».
4. A reclamação apresentada pelas reclamantes em nada questiona o acerto da decisão sumária proferida. Com efeito, o juízo de não conhecimento agora objeto de reclamação, sendo que nela as reclamantes se limitam a manifestar a sua mera discordância, fundou-se no não preenchimento, pelo recurso de constitucionalidade interposto, dos pressupostos processuais inferidos a partir da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, concretamente, na circunstância de em causa não estar uma questão de constitucionalidade normativa.
5. Reiteram-se aqui as conclusões da decisão sumária. Constata-se – uma vez mais – que a questão de constitucionalidade levantada pelas recorrentes, nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação do Porto, não assume recorte normativo, na medida em que aquelas não lograram individualizar cabalmente, a partir do critério impugnado, a dimensão normativa que reputam em desacerto com o parâmetro normativo-constitucional, limitando-se a imputar a violação do artigo 65.º da CRP diretamente à decisão recorrida (cfr. fls. 61). Ora, não tendo consagração entre nós a figura do recurso de amparo ou da queixa constitucional, mediante as quais seria possível apurar da conformidade das decisões jurisdicionais com os direitos fundamentais, os poderes de cognição do Tribunal Constitucional estão dependentes do caráter normativo da questão suscitada – algo que, in casu, não se verifica.
III. Decisão
6. Assim sendo, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação apresentada e, por conseguinte, confirmar a decisão sumária reclamada.
Custas pelas reclamantes, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 27 de fevereiro de 2013.- José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.
|