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Processo n.º 702/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de expropriação, em que é expropriante a Câmara Municipal de Ílhavo e expropriada A., por sentença proferida em 5 de julho de 2012, pelo Tribunal do Baixo Vouga, Ílhavo, em que se fixou o montante da indemnização devida pela expropriação, foi recusada a aplicação do disposto no artigo 23.º, n.º 4, do Código de Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, nos seguintes termos:
“Relativamente à aplicação do art.º 23.º, n.º 4, do Código das Expropriaçõe, revogad[a] a Lei n.º 56/2008, de 4 de setembro, mesmo que se sustente que tal revogação não tem efeitos retroativos (conforme decidido pelo Tribunal da Relação do Porto, proferido no proc. n.º 1333/04.2 TBMAI), importa convocar, designadamente, os fundamentos subjacentes ao acórdão do Tribunal Constitucional n.º 11/2008, de 14 de janeiro, reiterados no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 112/2008, de 20 de fevereiro, que julgaram tal disposição inconstitucional, “por violação dos princípios constitucionais da justa indemnização, consagrado no artigo 62.º n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, e da igualdade perante os cidadãos perante os encargos públicos, incluindo o da igualdade tributária, enquanto expressão específica do princípio geral da igualdade constante do artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa”.
De facto, embora estes arestos não tenha[m] força obrigatória geral, aderindo aos fundamentos nele expostos, decide-se não aplicar a norma ínsita no artigo 23.º, n.º 4, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99 de 18 de setembro, com fundamento na inconstitucionalidade da mesma, designadamente, na violação do disposto nos artigos 13.º, n.º1, 62.º, n.º 2, e 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.”
2. Desta sentença recorreu o Ministério Público para o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea a) e 72.º, n.º 3, ambos da Lei do Tribunal Constitucional, na parte em que efetuou a recusa acima aludida.
3. O Ministério Público junto deste Tribunal apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
“A norma do artigo 23.º, n.º 4, do Código de Expropriações de 1999, é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da justa indemnização, consagrado no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição, e da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, incluindo o da igualdade tributária, enquanto expressão específica do princípio geral da igualdade constante do artigo 13.º, da Constituição.
Deve, consequentemente, negar-se provimento ao recurso.”
4. Não foram apresentadas contra-alegações.
II. Fundamentação
5. A questão colocada nos presentes autos consiste na apreciação da conformidade constitucional da norma constante do artigo 23.º, n.º 4 do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, na vertente dos critérios de fixação do montante indemnizatório por ato de expropriação e, especificamente, no segmento que impõe a dedução nele prevista do valor correspondente à diferença entre as quantias efetivamente pagas a título de contribuição autárquica e aquelas que o expropriado teria pago com base na avaliação efetuada para efeitos de expropriação nos últimos cinco anos.
Com efeito, e embora a decisão recorrida não indique expressamente esse sentido normativo, assim resulta da remissão operada para o conteúdo decisório do Acórdão deste Tribunal n.º 11/2008 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt, como os demais referidos), no qual foi julgada inconstitucional “a norma do artigo 23.º, n.º 4 do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, nos termos do qual ‘ao montante indemnizatório, determinado de acordo com os critérios previstos no Código das Expropriações deverá ser deduzido o valor correspondente à diferença entre as quantias efetivamente pagas a título de contribuição autárquica e aquelas que o expropriado teria pago com base na avaliação efetuada para efeitos de expropriação nos últimos cinco anos”.
6. Por outro lado, e pese embora a decisão recorrida aponte a revogação da norma, operada pela Lei n.º 56/2008, de 4 de setembro, não oferece dúvidas que a ratio decidendi assentou na aplicabilidade do regime pregresso aos presentes autos, o que conduziu à sua decisão de recusa por desconformidade constitucional.
Assim, e como afirma o Ministério Público, pese embora o Tribunal a quo reconheça divergências jurisprudenciais sobre os efeitos ex tunc ou ex nunc da modificação legislativa, não se coloca a inutilidade do presente recurso pois, a reverter-se o juízo de inconstitucionalidade, o Tribunal a quo será forçado a reequacionar a questão infraconstitucional.
7. A questão de inconstitucionalidade que é objeto do presente recurso foi, como se disse, decidida pelo Acórdão n.º 11/2008, proferido pelo Plenário, alterando a orientação que havia sido fixada, também pelo Plenário, no Acórdão n.º 422/2004.
Entendeu-se no Acórdão n.º 11/2008:
“(...).
A norma aqui em questão encontra-se inserida no diploma (Código das Expropriações) que regula a expropriação de bens imóveis e direitos a eles inerentes, de titularidade privada, por razões de utilidade pública, compreendida nas atribuições, fins ou objeto da entidade expropriante, no título (III) dedicado ao conteúdo da indemnização e no artigo (23.º) onde se explicitam os princípios e regras gerais que presidem à determinação do valor do bem expropriado, para efeito de fixação da indemnização pela expropriação.
No n.º 4, do artº 23.º, do Cód. das Exp., impõe-se a dedução ao valor dos bens expropriados, calculado por aplicação dos critérios referenciais fixados nos artº 26.º e seguintes, do valor correspondente à diferença entre as quantias efetivamente pagas a título de contribuição autárquica e aquelas que o expropriado teria pago nos últimos cinco anos, com base na avaliação efetuada para efeitos de determinar o montante da indemnização devida pela expropriação.
O fundamento ou pressuposição desta norma é a desarmonia entre o valor do bem expropriado, considerado para efeito de liquidação anterior de contribuição autárquica, e o valor da avaliação efetuada para efeito de atribuição de indemnização por expropriação por utilidade pública, visando-se corrigir a disfunção revelada pelo apuramento da quantia indemnizatória a pagar pelo ato expropriativo.
Inserir-se-á esta norma, encarada na sua substância, no conjunto concatenado de regras e princípios que formam o instituto jurídico da expropriação por utilidade pública, como parece indiciar a sua localização sistemática, ou será antes uma “norma fiscal espúria enxertada no Código das Expropriações” (ALVES CORREIA, em “A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriações por utilidade pública e o Código das Expropriações de 1999”, na R.L.J., Ano 133º, pág. 116), por respeitar à liquidação e cobrança adicional de um imposto?
A resposta a esta pergunta é decisiva para se saber quais os princípios e preceitos constitucionais que devem ser convocados para se aferir da sua constitucionalidade.
Sendo o Direito Fiscal o direito dos impostos, as normas de direito fiscal são aquelas que disciplinam as relações jurídicas a que dá lugar a perceção dos impostos (BRAZ TEIXEIRA, em “Princípios de direito fiscal”, pág. 35, da 3ª ed., da Almedina, e CASALTA NABAIS, em “Direito fiscal”, pág. 9 e 10, da 3ª ed., da Almedina).
A contribuição autárquica foi um imposto de receita municipal criado pelo D.L. n.º 442-C/88, de 30 de novembro, que aprovou o Código da Contribuição Autárquica (C.C.A.). Este imposto veio substituir a antiga contribuição predial e incidia sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português (art.º, 1.º, do C.C.A.).
A sua liquidação e cobrança competia aos Serviços Centrais da Direção Geral das Contribuições e Impostos (art.º 18.º e seg., do C.C.A.), sendo, contudo, os Municípios onde se situavam os imóveis sobre os quais incidia o imposto, os titulares da respetiva receita (art.º 16.º, a), da Lei 42/98, de 6 de agosto).
Efetuando-se a operação dedutiva prevista no n.º 4, do art.º 23.º, do Cód. das Exp., caberia, nesses casos, à entidade expropriante proceder à liquidação e cobrança adicional da contribuição autárquica, assim como seria ela a beneficiária da respetiva receita, uma vez que não foi legalmente consagrado o dever desta proceder à transferência da quantia deduzida à indemnização pela expropriação para “os cofres” do respetivo Município.
Esta alteração da entidade responsável pela gestão do imposto e da titular da respetiva receita, a qual, neste caso, passou a ser uma sociedade anónima, a quem foi concessionada a construção da autoestrada a que se destina o imóvel expropriado, apesar de impressionar, não é suficiente para se poder dizer que a norma em causa não tem natureza fiscal.
Se, tradicionalmente, o sujeito responsável pela gestão dos impostos era a administração fiscal, nos tempos mais recentes, essa competência passou a ser dividida entre a administração fiscal e os particulares (os contribuintes ou terceiros), falando-se já numa privatização da administração dos impostos, pelo que não deixa de ter natureza fiscal a liquidação e cobrança adicional da contribuição autárquica efetuada pela entidade expropriante, em processo de expropriação de imóvel, mesmo que essa entidade seja um particular, agindo em nome do Estado.
Mais estranho é o facto da receita desse imposto estar consignada à entidade expropriante, deixando assim de ser uma receita do Município onde se localizava o imóvel expropriado.
Apesar do titular da receita do imposto ser normalmente o Estado, os municípios ou outros entes públicos, hoje em dia já se verificam casos, embora raros, em que a lei determina que os beneficiários dessa receita possam ser pessoas coletivas privadas, tendo em vista um determinado interesse público, como também sucede no presente caso, em que a expropriante é uma concessionária do Estado, agindo em nome deste (v.g. art.º 32.º, n.º 4 e 6, da Lei n.º 16/2001, de 22 de junho).
Assim, se a conexão de procedimentos introduzida pelo art.º 23.º, n.º 4, do Cód. dasExp., levanta graves problemas ao nível da liquidação, titularidade e impugnabilidade da pretendida cobrança adicional de imposto, não parece que essas dificuldades e anomalias, sejam só por si suficientes para excluir o disposto no n.º 4, do art.º 23.º, do Cód. das Exp., do direito fiscal, considerando a sua clara pressuposição e intencionalidade tributária.
Mas esta norma também pode ser olhada noutra perspetiva.
O resultado da sua aplicação, tal como o dos preceitos previstos nos n.º 2 e 3, do mesmo artigo 23.º, traduz-se numa efetiva diminuição do valor da indemnização a atribuir ao proprietário do imóvel expropriado, pelo que o seu conteúdo interfere efetivamente na conformação do respetivo direito.
No Código das Expropriações de 1999, além de regras definidoras dos critérios a deve obedecer o cálculo da indemnização devida pelo ato expropriativo, existem normas “flanqueadoras” do quantum indemnizatório, que pretensamente visam evitar valorizações especulativas ou injustificadas, em nome de alegados interesses públicos. Foi nestas últimas que o legislador procurou inserir a norma em análise.
Assim, na medida em que o disposto no n.º 4, do art.º 23.º, do Cód. das Exp., interfere na operação de fixação do montante da indemnização devida pelo ato expropriativo, também se pode dizer que o mesmo respeita ao direito das expropriações.
O conteúdo da norma em causa tem, pois, uma natureza mista, inserindo-se no direito fiscal, quanto à sua pressuposição, e no direito das expropriações, quanto aos seus efeitos.
Por isso, justifica-se que os princípios constitucionais que orientam estes dois ramos do direito possam ser convocados para se solucionar a questão de constitucionalidade suscitada neste processo.
5. O princípio constitucional da justa indemnização
O artº 62.º, n.º 2, da C.R.P., determina que a expropriação por utilidade pública só pode ser efetuada mediante o pagamento de justa indemnização.
Apesar da Constituição ter remetido para o legislador ordinário a fixação dos critérios conducentes à fixação da indemnização por expropriação, ao exigir que esta seja “justa”, impõe a observância dos seus princípios materiais da igualdade e proporcionalidade, assim como do direito geral à reparação dos danos, como corolário do Estado de direito democrático (artº 2.º, da C.R.P.).
Em termos gerais e utilizando definição comum à jurisprudência deste Tribunal, poder-se-á dizer que a “justa indemnização” há de tomar como ponto de referência o valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda do bem que lhe pertencia, com respeito pelo princípio da equivalência de valores. O valor pecuniário arbitrado, a título de indemnização, deve ter como referência o valor real do bem expropriado.
Se é admissível que na fixação deste montante interfiram razões de interesse público que justifiquem a introdução de cláusulas de correção do puro valor de mercado, de modo a evitar avaliações que não se enquadrariam na ideia do valor “justo”(v.g. o disposto nos art.º 23.º, n.º 2, a), b), c) e d) e n.º 3), já não devem ser admitidas operações redutoras do valor real do bem expropriado, visando apenas uma diminuição oportunista da indemnização a pagar, ou com fundamentos estranhos à equidade desse valor.
O art.º 23.º, n.º 4, do Cód. das Exp., ao impor a dedução do valor correspondente à diferença entre as quantias efetivamente pagas a título de contribuição autárquica e aquelas que o expropriado teria pago com base na avaliação efetuada para efeitos de expropriação nos últimos cinco anos, ao montante indemnizatório calculado de acordo com os critérios previstos no Código das Expropriações, está a reduzir o valor da indemnização a receber pelo expropriado, sem que essa redução tenha como finalidade a afinação da “justiça” desse valor.
Na verdade, a aplicação desta disposição interfere relevantemente na fixação do quantum indemnizatório (ALÍPIO GUEDES, em “Valorização de bens expropriados”, pág. 79, da 2ª ed., da Almedina, refere que essa redução é, em média, da ordem dos 5% do montante indemnizatório), resultando esta tentativa de cobrança de uma prestação totalmente alheia ao ato expropriativo e às operações de apuramento do valor do bem expropriado, através de um enxerto procedimental, numa arbitrária diminuição do valor da indemnização a pagar, com benefício injustificado para a entidade expropriante.
Traduzindo-se, pois, o disposto no art.º 23.º, n.º 4, do Cód. das Exp., numa diminuição do montante indemnizatório a pagar pelo ato expropriativo, sem qualquer fundamento no acerto do valor “justo” do bem expropriado, mostra-se violado o princípio constitucional da “justa indemnização”, consagrado no art.º 62.º, da C.R.P..
E, uma vez que ao conceito de “justa indemnização” está umbilicalmente ligada a observância do princípio constitucional da igualdade (art.º 13.º, nº 1, da C.R.P.), na sua manifestação de igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, abrangendo a relação externa da expropriação (ALVES CORREIA, na anot. cit., na R.L.J., Ano 134º, pág. 346), o art.º 23.º, n.º 4, doCód. das Exp., ao impedir que os expropriados sejam plenamente compensados pelo “sacrifício” patrimonial que lhes foi exigido, recebendo menos do que aquilo que perderam, também infringe o referido princípio da igualdade de encargos.
6. O princípio constitucional da igualdade fiscal
O princípio constitucional da igualdade fiscal, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (art.º 13.º, da C.R.P.), não se resume à regra da universalidade dos impostos, segundo a qual estes incidem sobre todos aqueles que têm capacidade contributiva, determinando também que todos devem estar adstritos ao pagamento de impostos com base no mesmo critério – a regra da uniformidade dos impostos (sobre este princípio, vide SOUSA FRANCO, em “Finanças públicas e direito financeiro”, vol. II, pág. 178-182, da 4ª ed., da Almedina, e CASALTA NABAIS, em “O dever fundamental de pagar impostos”, pág. 435 e seg., da ed. de 1998, da Almedina).
Segundo esta regra, o que é igual deve ser tributado igualmente e o que é desigual deve ser tributado desigualmente, na medida dessa desigualdade. Mas a diferenciação entre o que é igual ou desigual implica a adoção de critérios valorativos das realidades tributáveis.
Para apurar a eventual violação deste princípio pela norma recusada pela sentença recorrida convém efetuar um rápido sobrevoo pelo regime da contribuição autárquica.
A contribuição autárquica sucedeu à contribuição predial, cujo Código mais recente havia sido aprovado em 1963, pelo D.L. nº 45.104, de 1 de junho, no âmbito da Reforma Fiscal de 1958-1966, dirigida pelo Prof. Teixeira Ribeiro (a contribuição predial terá sido criada pela Lei de 19 de abril de 1845, sendo a “jugada”, cobrada no reinado de D.Afonso Henriques, o primeiro imposto predial conhecido em Portugal).
Esta reforma caracterizou-se por consagrar um sistema misto de impostos cedulares sobre o rendimento, taxando as suas diferentes categorias, consoante a respetiva origem, a que acrescia um imposto de sobreposição – o imposto complementar – que tributava globalmente a soma de todos os rendimentos pessoais. Nesse conjunto de impostos figurava a contribuição predial, que tributava os rendimentos efetivamente obtidos, no respeitante aos prédios urbanos arrendados, o valor locativo, ou seja a utilidade obtida pelo respetivo uso ou fruição que era dada pela renda que o proprietário poderia obter, caso tivesse arrendado o imóvel, relativamente aos prédios urbanos não arrendados, e a renda da terra, obtida pelo rendimento médio presumido, determinado por avaliação direta ou cadastral, no tocante aos prédios rústicos.
Com a reforma fiscal operada nos anos 1988-1989, a inclusão na base de tributação dos novos impostos – IRS e IRC – de todos os rendimentos efetivos auferidos pelos contribuintes, conduziu à consequente extinção da contribuição predial, apenas relativamente aos prédios produtores de rendimentos, o que resultou na necessidade de repensar a problemática da tributação predial.
Foi nesta conjuntura legislativa, aliada à problemática do financiamento das autarquias locais, que nasceu a contribuição autárquica, consagrada no C.C.A., aprovado pelo D.L. n.º 442-C/88, de 30 de novembro, que entrou em vigor em 1-1-1989.
Este novo imposto municipal pretendeu ser um imposto sobre o património imobiliário, que incidia sobre o valor de todos os prédios situados no território de cada município (art.º 1.º, do C.C.A.), enquanto o rendimento real que alguns deles proporcionavam continuava a ser tributado em sede de IRS e IRC. Mais do que na lógica do princípio da capacidade de pagar, a criação deste imposto foi justificada pelo princípio do benefício, na medida em que os proprietários dos prédios são especiais beneficiários de infraestruturas e serviços muito onerosos que a colectividade lhes proporciona, desempenhando as autarquias um papel relevante nesse domínio (LOPES PORTO, em “A reforma fiscal portuguesa e a tributação local”, em “Estudos em Homenagem ao Prof. Eduardo Correia”, no B.F.D.U.C., nº especial do ano de 1984, vol. III, pág. 133-137, RUI DUARTE MORAIS, em “Notas sobre a contribuição autárquica”, em “Fisco”, 1989, vol. I, t. 7, pág. 15, VASCO VALDEZ MATIAS, em “A contribuição autárquica e a reforma da tributação do património”, pág. 24-25, da ed. de 1999, da Vislis, e CASALTA NABAIS, em “As bases constitucionais da reforma tributária do património”, em “Fisco”, 2004, vol. XV, t. nº 111/112, pág. 18-20).
Estabeleceu o C.C.A., no seu art.º 7.º, n.º 1, que o valor tributável dos prédios é o seu valor patrimonial determinado nos termos de um futuro Código das Avaliações.
Mas, enquanto este Código não entrasse em vigor, os art.º 6.º a 9.º, do D.L. n.º 442-C/88, de 30 de novembro, estabeleceram, transitoriamente, o seguinte:
“Artº 6º
1 – O valor tributável dos prédios urbanos, enquanto não for determinado de acordo com as regras do Código das Avaliações, será o que resultar da capitalização do rendimento coletável atualizado com referência a 31 de dezembro de 1988, através da aplicação do fator 15.
2 - O rendimento coletável dos prédios urbanos não arrendados, reportado a 31 de dezembro de 1988, é desde já objeto de uma atualização provisória de 4% ao ano, cumulativa, com o limite de 100%, desde a última avaliação ou atualização, não se considerando para o efeito a que resultou da aplicação do disposto no nº 1 do artigo 69º da Lei nº 2/88, de 28 de janeiro.
Art.º 7.º
1 – O valor tributável dos prédios rústicos, enquanto não for determinado de acordo com as regras do Código das Avaliações, será o que resultar da capitalização do rendimento coletável, atualizado com referência a 31 de dezembro de 1988, através da aplicação do fator 20.
2 – O rendimento coletável dos prédios rústicos, reportado a 31 de dezembro de 1988, é desde já objeto de uma atualização provisória de 2% ao ano, cumulativa, com o limite máximo de 100%, desde a última avaliação ou atualização, não se considerando para o efeito a que resultou da aplicação do disposto no nº 1 do artigo 69º da Lei nº 2/88, de 28 de janeiro.
Artº 8º
1 – Enquanto não entrar em vigor o Código das Avaliações, os prédios continuarão a ser avaliados segundo as correspondentes regras do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei nº 45 104, de 1 de julho de 1963, determinando-se o seu valor tributável de acordo com o disposto nos nºs 1 dos artigos 6º e 7º do presente decreto-lei.
2 – No caso de terrenos para construção, o seu valor tributável será determinado por aplicação das regras contidas no Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações.
Art.º 9º
Até à entrada em vigor da nova legislação que as regulamente, a organização e conservação das matrizes será feita por aplicação das correspondentes normas do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei nº 45 104, de 1 de julho de 1963.”
Perante a falta de um consensual Código de Avaliações pronto para entrar em vigor simultaneamente com o C.C.A., o legislador recorreu ao regime revogado, limitando-se a prever uma pequena atualização automática do valor tributável constante das desatualizadas matrizes prediais.
Apesar da A.R. ter emitido autorização legislativa no sentido do Governo poder aprovar um Código de Avaliações (art.º 50.º, b), da Lei n.º 2/92, de 9 de março, a qual foi declarada inconstitucional com força obrigatória geral pelo acórdão n.º 358/92, deste Tribunal, por indeterminação), isso nunca chegou a suceder (um projeto do Código de Avaliações foi publicado em “Ciência e Técnica Fiscal”, nº 384, Outubro-Dezembro de 1996, pág. 187-235), pelo que as transcritas normas transitórias perpetuaram-se, tendo acabado por vigorar durante todo o período de vida da contribuição autárquica.
A constatação da profunda desatualização das matrizes prediais, perante a quase inexistência de operações de reavaliação pela administração fiscal, nomeadamente nas situações previstas no artº 263.º, b), e 264.º, do C.C.P.I.I.A., não é suficiente para que o automatismo da valoração da avaliação efetuada no âmbito de um processo de expropriação, imposta pelo n.º 4, do art.º 23.º, do Cód. das Exp., seja considerado um atentado ao princípio da igualdade fiscal.
Na verdade, não pode a desatualização generalizada dos valores matriciais, resultante da não utilização pela administração fiscal dos mecanismos legais previstos para evitar esse fenómeno, justificar que se “interdite” um preceito que prevê, nos casos em que ocorre uma avaliação do imóvel para efeitos de fixação da indemnização pela expropriação, uma atualização automática daqueles valores, aproveitando a realização daquela avaliação.
A inexecução generalizada duma lei, por inércia dos órgãos do poder executivo, frustrando os objetivos do respetivo regime legal, não é suficiente para que se considere que viola o princípio da igualdade o preceito legal que preveja um mecanismo de funcionamento automático capaz de atingir aqueles objetivos, em apenas alguns casos, dispensando a prática de atos de execução.
O princípio da igualdade, funcionando como aferidor de constitucionalidade, deve ter como termos de comparação previsões normativas, sendo duvidoso que estas possam ser substituídas por realidades resultantes de uma deficiente execução da lei, por inércia da administração pública, mesmo que generalizadas.
O art.º 23.º, n.º 4, do Cód. das Exp., prevê um mecanismo de reavaliação distinto do regime geral, face à existência de um circunstancialismo próprio, tratando de forma diferente aquilo que é diferente e de forma adequada à diferença verificada, pelo que o funcionamento de um regime de reavaliação automática do valor tributável para efeitos de contribuição autárquica não viola, só por si, o princípio da igualdade fiscal.
Todavia, nos impostos sobre o património adquirem especial importância os critérios de valoração dos bens que o integram, de cuja aplicação resultará a quantificação da base tributária, a qual é um dos elementos-chave dos resultados de qualquer imposto.
Sendo a contribuição autárquica um exemplo paradigmático de um imposto real e objetivo, uma vez que o sujeito passivo do mesmo é determinado pela qualidade de ser titular de um direito real sobre um imóvel, a regra da uniformidade impõe uma igualdade horizontal, ou seja, todos os que são titulares da mesma forma de riqueza devem ser tributados da mesma maneira (SOUSA FRANCO, na ob. cit., pág. 181).
Assim, para que fosse respeitado o princípio da igualdade fiscal, na sua regra da uniformidade, os critérios de valoração da propriedade dos imóveis que integravam a realidade tributada através da contribuição autárquica teriam que ser uniformes, relativamente a cada espécie de bens.
Daí que importe comparar o critério valorativo resultante da aplicação do disposto no n.º 4, do art.º 23.º, do Cód. das Exp., com critério valorativo geral donde resulta a base de incidência da contribuição autárquica.
Considerando o sentido das acima referidas normas transitórias do D.L. n.º 442-C/88, de 30 de novembro, que acabaram por se aplicar durante todo o período de vigência da contribuição autárquica, foram os seguintes os critérios de fixação do valor tributável da contribuição autárquica, relativamente aos diversos tipos de imóveis:
a) Prédios rústicos
Nos termos do art.º 7.º, do D.L. n.º 442-C/88, de 30 de novembro, o valor tributável dos prédios rústicos era o que resultava da capitalização do rendimento coletável, atualizado com referência a 31 de dezembro de 1988, através da aplicação do fator 20.
Este rendimento coletável era a renda fundiária, correspondendo esta ao saldo de uma conta anual de cultura em que o crédito é representado pelo rendimento bruto e o débito era constituído pelos encargos mencionados no nº 1, do artº 59.º, do C.C.P.I.I.A., diminuído aquele saldo do lucro da exploração (artº 36.º, do C.C.P.I.I.A.).
b) Terrenos para construção
Nos termos do n.º 2, do art.º 8.º, do D.L. n.º 442-C/88, de 30 de novembro, o valor tributável destes terrenos era determinado por aplicação das regras contidas no Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, o qual no seu artº 94.º, § 4º, determinava que a avaliação de terrenos considerados para construção basear-se-ia no valor venal de cada metro quadrado.
c) Prédios urbanos
Nos termos do art.º 6.º, n.º 1, do D.L. n.º 442-C/88, de 30 de novembro, o valor tributável dos prédios urbanos, era o que resultava da capitalização do rendimento coletável atualizado com referência a 31 de dezembro de 1988, através da aplicação do fator 15.
Este rendimento coletável, quando os prédios se encontravam arrendados, era igual às rendas efetivamente recebidas em cada ano, liquidas de uma percentagem para despesas de conservação e dos encargos referidos no art.º 115.º, do C.C.P.I.I.A., quando suportados pelo senhorio (art.º 113.º, do C.C.P.I.I.A.).
Quando os prédios não se encontravam arrendados, o rendimento coletável obtinha-se deduzindo do valor locativo a percentagem e encargos mencionados no art.º 113.º, do C.C.P.I.I.A., correspondendo o valor locativo à justa renda pelo período de 1 ano em regime de liberdade contratual (art.º 125.º, do C.C.P.I.I.A.).
Da análise destes parâmetros resulta que, anacronicamente, a contribuição autárquica apesar de se assumir como um imposto sobre o património, teve como critério preponderante de cálculo do valor tributável dos imóveis a capitalização do seu rendimento líquido real ou presumido (com a exceção dos terrenos para construção), uma vez que as referidas normas “transitórias” se limitaram a consagrar uma atualização da capitalização dos rendimentos coletáveis constantes das matrizes, fixados segundo as regras do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola (C.C.P.I.I.A.).
Como escreveu RUI DUARTE MORAIS, “sem o novo Código de Avaliações a contribuição autárquica pouco mais é, na prática, que a velha contribuição predial com outro nome” (in “Notas sobre a contribuição autárquica”, em “Fisco”, 1989, vol. I, t. n.º 7, pág. 16).
Conhecidos os critérios gerais estipulados para o cálculo da base de incidência da contribuição autárquica, importa agora verificar se o art.º 23.º, nº 4, do Cód. das Expr., obriga a uma liquidação adicional deste imposto, mantendo a uniformidade de critério de cálculo do valor tributável.
Sendo o controlo de constitucionalidade efetuado por este Tribunal, nos termos da a), do nº 1, do art.º 70.º, da LTC, um controlo concreto ou incidental, relativamente ao processo onde ele foi suscitado, tem sido afirmado que o recurso de constitucionalidade tem uma função meramente instrumental aferida pela suscetibilidade de repercussão útil no processo concreto de que emerge, não servindo, assim, para dirimir questões meramente teóricas ou académicas.
Assim, estando em causa neste processo a fixação duma indemnização pela expropriação duma parcela de terreno integrando um prédio rústico, classificado para esse efeito como “solo para outros fins”, apenas importa verificar o critério estabelecido no Código das Expropriações para a avaliação deste tipo de terrenos, uma vez que é esse o critério que determina o valor da matéria coletável da contribuição autárquica liquidada adicionalmente.
O art.º 23.º, n.º 4, do Cód. das Exp. de 1999, ao determinar que “ao montante indemnizatório, determinado de acordo com os critérios previsto no Código das Expropriações deverá ser deduzido o valor correspondente à diferença entre as quantias efetivamente pagas a título de contribuição autárquica e aquelas que o expropriado teria pago com base na avaliação efetuada para efeitos de expropriação nos últimos cinco anos”, impõe como valor tributável para liquidação da contribuição autárquica relativa aos últimos 5 anos anteriores à expropriação, o resultado da avaliação efetuada para efeitos de atribuição da indemnização pela expropriação.
Ora, nos termos das disposições do Código das Expropriações, a fixação desse valor, relativamente aos prédios rústicos que não sejam aptos para a construção é efetuada segundo as seguintes regras:
“Artigo 23.º (Justa indemnização)
1 – A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.
…
5 – Sem prejuízo do disposto nos n. 2 e 3 do presente artigo, o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique, requerer ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor.
…
Artigo 27º - (Cálculo do valor do solo para outros fins)
1 – O valor do solo apto para outros fins será o resultante da média aritmética atualizada entre os preços unitários de aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efetuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão específica.
2 – Para os efeitos previstos no número anterior, os serviços competentes do Ministério das Finanças deverão fornecer, a solicitação da entidade expropriante, a lista das transações e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efetuadas na zona e os respetivos valores.
3 – Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no nº 1, por falta de elementos, o valor do solo para outros fins será calculado tendo em atenção os seus rendimentos efetivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objetivas suscetíveis de influir no respetivo cálculo.
Conforme resulta do transcrito artº 23.º, n.º 1, do Cód. das Exp., o critério geral de valorização dos bens expropriados, como medida do ressarcimento do prejuízo sofrido pelo expropriado, no seguimento de longa tradição legislativa, é o do seu valor corrente, ou seja o seu valor venal ou de mercado, numa situação de normalidade económica.
Como escreveu ALVES CORREIA “… a indemnização calculada de acordo com o valor de mercado, isto é, com base na quantia que teria sido paga pelo bem expropriado se este tivesse sido objeto de um livre contrato de compra e venda, é aquela que está em melhores condições de compensar integralmente o sacrifício patrimonial do expropriado e de garantir que este, em comparação com outros cidadãos não expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto” (em “O plano urbanístico e o princípio da igualdade”, pág. 546, da ed. de 1989, da Almedina).
Apesar deste valor de mercado não poder atender a situações especulativas e poder sofrer algumas correções impostas por razões de justiça que visam evitar enriquecimentos injustificados (vide as alíneas do n.º 2, e o n.º 3, do artº 23.º, do Cód. das Exp.), donde resultará um “valor de mercado normativo”, é ele que constitui o critério referencial determinante da avaliação dos bens expropriados para o efeito de fixação da respetiva indemnização a receber pelo expropriado.
Procurando evitar alguma subjetividade na determinação deste valor, o legislador fixou critérios valorativos instrumentais, relativamente a vários tipos de bens expropriados.
Quanto aos “solos aptos para outros fins”, o que abrange as parcelas de prédios rústicos que não se destinem à construção, adotou-se como critério instrumental preferencial o cálculo aritmético do valor médio atualizado entre os preços unitários das aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efetuados na mesma freguesia, ou nas freguesias limítrofes nos 3 anos, de entre os últimos 5, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão específica (art.º 27.º, n.º 1, do Cód. das Exp.).
As avaliações fiscais aqui referidas eram as corretivas dos valores declarados nas transmissões de bens, as quais obedeciam às regras do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, em nada se identificando com as avaliações para correção do valor tributável pela contribuição autárquica, constante das matrizes prediais (artº 14.º, nº 3, b), do C.C.A.), as quais tinham como critério o disposto no C.C.P.I.I.A., no que respeita aos prédios rústicos não destinados à construção (art.º 7.º, do D.L. n.º 442 – C/88, de 30 de novembro).
No caso de não poder ser aplicado este critério por falta de elementos, o que parece ter ocorrido por sistema, como já previa PEDRO ELIAS DA COSTA (em “Guia das expropriações por utilidade pública”, pág. 310, da ed. de 2003, da Almedina), o valor de mercado será encontrado, por aplicação de um segundo critério instrumental subsidiário complexo que ponderará, em conjunto, os seguintes elementos do terreno expropriado: os seus rendimentos efetivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objetivas suscetíveis de influir no respetivo cálculo (art.º 27.º, n.º 3, do Cód. das Exp.).
Neste critério subsidiário, mas de frequente aplicação, perante a inaplicabilidade prática do critério preferencial, a consideração do rendimento efetivo ou possível do terreno expropriado, além de não corresponder à renda fundiária do C.C.P.I.I.A., é apenas um dos elementos a ponderar, na panóplia de fatores que devem ser considerados para se encontrar o valor de mercado do terreno expropriado.
Além destes critérios instrumentais não se identificarem com o critério geral estabelecido para o cálculo da base de incidência da contribuição autárquica, é necessário ter presente a sua mera instrumentalidade face ao critério principal que é o do valor de mercado do bem expropriado, o qual não só é ponto de partida para uma delimitação mais precisa da justa indemnização, mas também ponto de chegada, face ao disposto no n.º 5, do art.º 23.º, do Cód. das Exp.. Conforme dispõe este normativo “…o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique, requerer ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor”.
Desde que o funcionamento dos critérios instrumentais não conduza a um resultado conforme ao critério principal, há que proceder às correções necessárias a que este critério se mostre observado, pelo que é ele que, em última instância, determina o valor normativo do bem expropriado.
Comparando o regime geral de valoração da base de incidência da contribuição autárquica, com o regime de valoração do Código das Expropriações, relativamente aos terrenos de prédios rústicos que não sejam aptos para a construção, verifica-se que enquanto o primeiro adota como critério o da renda fundiária, o segundo tem como critério o valor de mercado.
São critérios perfeitamente distintos, cuja aplicação conduz a resultados diferentes, sendo os valores obtidos com a aplicação do último critério bem superiores aos resultantes da aplicação do primeiro (no estudo realizado em dezembro de 1996, pelo GAPTEC da Universidade Técnica de Lisboa, em conjunto com a Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais – Ministério das Finanças, coordenado por SIDÓNIO PARDAL, e que se encontra publicado em “Ciência e Técnica Fiscal”, nº 384, pág. 81 e seg., o valor médio patrimonial dos prédios rústicos para efeitos de liquidação da contribuição autárquica nos anos de 1993, 1994 e 1995 era de 14.000$00, seguramente muito inferior ao valor médio das indemnizações por expropriação desse tipo de terrenos).
Assim, do funcionamento do disposto no art.º 23.º, n.º 4, do Cód. das Exp., o cálculo do valor tributável para efeitos de contribuição autárquica, relativo aos últimos 5 anos anteriores à expropriação, é diferente para os prédios expropriados e os não-expropriados, não existindo qualquer razão justificativa para tal diferenciação.
Se esta circunstância, pela necessidade da realização duma operação de avaliação do prédio expropriado, pode indiciar a desatualização do valor tributável aplicado, tornando evidente a necessidade da sua correção, já não justifica que se fixe um novo valor tributável para liquidação adicional da contribuição autárquica, com utilização de critério diferente do legalmente estabelecido, apenas para aproveitar a avaliação entretanto efetuada no processo expropriativo.
Verificando-se uma dualidade de critérios na fixação do valor tributável, sem qualquer justificação, estamos perante uma violação do princípio da igualdade fiscal, o que também torna inconstitucional esta norma.”
8. Essa doutrina foi reafirmada nos Acórdãos n.º 112/2008 e 622/2009, bem como nas decisões sumárias n.º 458/2008, 118/2010, 328/2011, 303/2012, 321/2012, 364/2012, 388/2012, 408/2012 e 417/2012.
9. Não sendo aduzidos argumentos novos e porque tal entendimento se mostra inteiramente transponível para a situação em apreço, cumpre decidir em conformidade e concluir pela improcedência do recurso.
III. Decisão
10. Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional o artigo 23.º, n.º 4, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, por violação dos princípios constitucionais da justa indemnização, consagrado no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, e da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, incluindo o da igualdade tributária, enquanto expressão específica do princípio geral da igualdade constante do artigo 13.º da Constituição e, em consequência;
b) Negar provimento ao recurso, confirmando o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.
Sem custas.
Lisboa, 20 de fevereiro de 2013. – Fernando Vaz Ventura – Ana Guerra Martins (nos termos da declaração aposta ao acórdão nº 11/2008) – Pedro Machete – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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