Imprimir acórdão
Processo n.º 1042/2005
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, foi julgada
improcedente a oposição que A. deduziu à execução fiscal identificada nos autos,
relativa a dívidas de IRS do ano de 2000.
Inconformado, recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul. Por acórdão
de 16 de Março de 2005, de fls. 10, foi negado provimento ao recurso, sendo
inteiramente confirmada a decisão da 1ª instância.
Em 7 de Abril de 2005, A. recorreu do referido acórdão, mas o recurso não foi
admitido pelo despacho de fls. 23, com base no disposto no n.º 1 do artigo 284º
do Código de Processo e de Procedimento Tributário, porque “Atenta a data da
apresentação do processo de oposição (13/02/2004) e face ao Código de Processo e
de Procedimento Tributário, não é admissível recurso do acórdão proferido a não
ser por oposição de acórdãos, fundamento que não é invocado”.
Em 27 de Maio de 2005, A., veio recorrer para o Tribunal Constitucional do
“douto acórdão proferido dos autos já transitado em julgado”, pretendendo, ao
abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro, a apreciação da “eventual inconstitucionalidade material das normas do
art. 2º n.º 3 alínea h) do C.I.R.S. aplicado em conjugação com a norma adjectiva
prevista na Portaria n.º 1159/90 de 27/11”, interpretada no sentido de “no caso
concreto se considerar não existir desigualdade constitucionalmente censurável
se uns contribuintes se encontram abrangidos por tal norma ao contrário de
outros”.
Em seu entender, tal norma viola os princípios da igualdade tributária, da
proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.
O recurso não foi admitido. Por despacho de 21 de Junho de 2005, de fls. 29, vº,
decidiu-se que o recurso era extemporâneo, nestes termos:
“(...) entendemos que de facto está ultrapassado o prazo de 10 dias a que alude
a lei 28/82 de 15/11 no seu art. 75º n.º 1.
Com efeito, quer se entenda que o prazo de 10 dias se deve contar desde a data
da notificação do acórdão (3º dia posterior a 18/03/2005), quer se defenda que
se deve contar da notificação do novo despacho de 03/05/2005 que não lhe admitiu
o recurso (ordinário) o qual lhe foi notificado por via postal registada
expedida em 04/05/2005 sempre se mostra ultrapassado o aludido prazo de 10 dias
pois apenas reagiu em 27/05/2005.”
2. Inconformado, A. veio reclamar, a fls. 2, “para o Presidente do Supremo
Tribunal Administrativo”. Em síntese, sustentou que o acórdão do Tribunal
Central Administrativo Sul só transitou em julgado em 16 de Maio de 2005 (porque
só em 16/5/05 transitou em julgado o despacho que não admitiu o recurso que dele
interpusera, “uma vez que dele era possível interpor reclamação para o
Presidente do Supremo Tribunal Administrativo”); e que, portanto, “decorridos os
dez dias, em 25/5/05 o recorrente enviou por correio o seu pedido de
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, recebido nos autos a
27/5/05. Antes o recorrente não o poderia ter feito por faltar um requisito
objectivo, ou seja existir uma decisão que não admitisse recurso ordinário
obrigatório, nos termos do artigo 70º n.º 5 da Lei nº 28/82 de 15/11, cabendo
nesta noção as eventuais reclamações para os Presidentes dos Tribunais
Superiores nos termos do n.º 3 daquele normativo legal”.
Na sequência do despacho de fls. 4, o reclamante veio a fls. 6 esclarecer que a
reclamação se dirigia ao Tribunal Constitucional.
Pelo despacho de fls. 7, foi mantido o despacho reclamado.
3. Já no Tribunal Constitucional, foi notificado o Ministério Público, que se
pronunciou no sentido da improcedência da reclamação, “já que não aproveita ao
reclamante a ‘prorrogação’ do prazo de interposição do recurso de
constitucionalidade prevista no n.º 2 do artigo 75º da Lei nº 28/82.
Efectivamente, o ora reclamante – confrontado com o acórdão proferido pelo TCA –
veio interpor ‘recurso’ através do requerimento de fls. 22 dos autos: tal
‘recurso’ tem de se qualificar como ‘ordinário’, já que o recorrente não
especificou minimamente que, na sua base, estivesse um – aliás, inexistente –
conflito jurisprudencial, ultrapassando em muito o prazo para a respectiva
interposição, sendo proferido o despacho de liminar rejeição, constante de fls.
23. O fundamento da não admissão de tal recurso ordinário foi, pois, a
intempestividade, e não a irrecorribilidade da decisão, o que determina a
subsequente intempestividade do recurso de constitucionalidade, interposto na
sequência da consolidação no processo de tal decisão de não admissão, não sendo,
neste caso, aplicável – como se decidiu no ac. 149/02 – o regime constante do
referido n.º 2 do art. 75º da Lei do Tribunal Constitucional”.
4. Resulta dos autos o seguinte:
– Em 16 de Março de 2005 foi proferido o acórdão do Tribunal
Central Administrativo Sul de que foi interposto o recurso de
constitucionalidade;
– Em 18 de Março seguinte, foi enviada ao ora reclamante a
correspondente notificação;
– Em 7 de Abril foi interposto recurso do acórdão de 16 de Março;
– Em 3 de Maio seguinte foi proferido o despacho que o não admitiu;
– Em 4 de Maio foi expedida a notificação deste despacho;
– Em 27 de Maio de 2005, deu entrada no Tribunal Central
Administrativo Sul o recurso de constitucionalidade, expedido por correio
registado em 25 de Maio.
Deve ainda tomar-se em conta que entre 20 e 28 de Março de 2005 decorreram
férias judiciais.
5. A fls. 34 foi lavrado o seguinte despacho:
'Independentemente de saber se o recurso de constitucionalidade foi ou não
tempestivamente interposto, admite-se como possível que a reclamação apresentada
por A. venha a ser indeferida por ser manifestamente infundada a questão de
constitucionalidade colocada, pelas razões constantes do acórdão n.º 497/97
(publicado no Diário da República, II série, de 10 de Outubro de 1997 e
disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Assim, nos termos do n.º 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil, notifique o
reclamante para se pronunciar, querendo, sobre este possível motivo de
indeferimento da reclamação.'
6. Notificado para o efeito, o reclamante pronunciou-se no sentido de que 'deve
ser dado provimento à presente reclamação, e, em consequência, ser proferido
douto Acórdão no qual se declare a inconstitucionalidade da norma' impugnada, em
síntese, pelas seguintes razões: não valem os fundamentos pelos quais o acórdão
n.º 497/97 se pronunciou pela não inconstitucionalidade, 'tal como se
apresentam', porque foi aprovado em processo de declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral, tratando-se agora de um
recurso de fiscalização concreta; as normas apreciadas no mesmo acórdão foram
revogadas; o recurso versa, assim, sobre norma não apreciada pelo Tribunal
Constitucional, que deve ser julgada inconstitucional por violação do princípio
da igualdade, como se entendeu num dos votos de vencido apostos ao mesmo
acórdão.
7. Segundo o disposto no n.º 2 do artigo 75º da Lei nº 28/82, quando se pretende
recorrer para o Tribunal Constitucional de uma decisão da qual previamente tinha
sido interposto recurso ordinário não admitido com fundamento em
irrecorribilidade da mesma decisão, “o prazo [de 10 dias] para recorrer para o
Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se torna definitiva a decisão
que não admite recurso”.
No caso, o despacho de não admissão de 2 de Maio de 2005 baseou-se na não
admissibilidade do recurso interposto. Conforme dele consta, sendo apenas
possível recorrer por oposição de acórdãos, e não tendo sido invocado tal
fundamento, como impõe o n.º 1 do artigo 284º do Código de Processo e de
Procedimento Tributário, o recurso não pode ser admitido.
Ora, considerando as datas atrás indicadas, há que concluir pela tempestividade
do recurso de constitucionalidade, por ser aplicável ao caso o n.º 2 do artigo
75º, uma vez que foi interposto dentro dos 10 dias subsequentes à data em que se
tornou definitiva a decisão de não admissão do recurso interposto do acórdão do
Tribunal Central Administrativo Sul.
8. Sucede, todavia, que, sendo manifestamente infundada a questão de
constitucionalidade colocada no recurso interposto para este Tribunal, a
reclamação tem de ser indeferida, como resulta do n.º 2 do artigo 76º da Lei nº
28/82.
Com efeito, a questão da constitucionalidade do artigo 2º, n.º 3, alínea h), do
Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, foi já
apreciada por este Tribunal, em processo de fiscalização abstracta sucessiva, no
seu Acórdão n.º 497/97 (publicado in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol.
37, pp. 73 e seguintes e no Diário da República, II série, de 10 de Outubro de
1997), tendo o Tribunal concluído no sentido da não inconstitucionalidade. Esta
mesma norma constitui o objecto do presente recurso, como se verifica no
respectivo requerimento de interposição.
Ora é este julgamento de não inconstitucionalidade que aqui se reitera, sem
necessidade de mais explicações, já que o reclamante não apontou na resposta de
fls. 36 nenhuma questão nova de que caiba conhecer. A circunstância de se tratar
de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade normativa não
impede que se faça apelo aos fundamentos em que assentou o acórdão n.º 497/97
para o efeito, naturalmente.
9. Nestes termos, indefere-se a reclamação, por ser manifestamente infundada a
questão de constitucionalidade suscitada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 2 de Fevereiro de 2006
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Vítor Gomes
Artur Maurício