Imprimir acórdão
Processo n.º 15/05
2.ª Secção Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. reclama, ao abrigo do disposto no art.º 76º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do despacho proferido pelo Presidente da Relação do Porto, de 28 de Outubro de 2004, que não lhe admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional da decisão de indeferimento da reclamação por ela deduzida nos termos do art.º 405º do Código de Processo Penal (CPP) contra o despacho de não admissão do recurso para o Tribunal da Relação da decisão instrutória proferida pelo tribunal de 1ª instância.
2 – A ora reclamante interpôs recurso para a Relação da decisão instrutória proferida pelo Tribunal de Instrução Criminal do Porto na parte em que aí se julgou inexistirem nulidades, mas esse recurso não foi admitido por despacho do tribunal de 1ª instância.
De tal despacho reclamou a recorrente para o Presidente da Relação do Porto, nos termos do art.º 405º do CPP. Todavia, essa reclamação foi inferida por decisão, de 17 de Setembro de 2004, do seguinte teor, notificada à recorrente por correio registado de 21 de Setembro de 2004:
«A ARGUIDA A. vem apresentar RECLAMAÇÃO, junto do Presidente da Relação, do despacho de não admissão do recurso do despacho de INDEFERIMENTO da DECISÃO INSTRUTÓRIA enquanto declara 'NÃO HÁ NULIDADES', alegando o seguinte:
1. Se bem percebemos a difícil caligrafia, o último parágrafo do despacho reclamado diz: 'Consequentemente, à falta de indicação da violação ou inobservância da disposição legal, carece de fundamento o requerido e, subsequentemente o recurso interposto, pelo que se rejeita.';
2. Mais difícil esforço tivemos de fazer para achar a norma em que se fundamentou;
3. O art.º 412º, n.º 2, a), do CPP é implicitamente aplicado;
4. Mas de uma forma excessiva e indevida;
5. Diz-se que não se indica a norma que fundamenta a nulidade – cfr. art.º
118º;
6. Este entendimento de que só pode invocar nulidades em recurso conforme o art.º 118º do CPP torna esta norma inconstitucional por violar os art.ºs 29º e
32º, da CRP;
7. Na motivação aponta-se a ocorrência de um 'concurso aparente de infracções que viola, segundo está escrito na motivação, o princípio jurídico-penal 'ne bis in idem' e o princípio da salvaguarda das garantias de defesa dum arguido;
8. Impunha-se, pois, a capacidade de não rejeição sumária. X O enquadramento que a motivação do recurso faz nas 'nulidades' só pode entender-se como a via de se obter a possibilidade de interpor recurso, uma vez que o art.º 310º, n.º 1, do CPP, obsta à sua interposição generalizada, na medida em que há coincidência entre os factos vertidos na acusação e na pronúncia. Há também uma acusação particular, pelo que poderia alegar-se que o normativo não se lhe aplica. Só que o recurso não se dirige à pronúncia propriamente dita, mas a um segmento que a precede - aquele em que se conhecem, entre outras questões, a existência ou não de nulidades. E o que a motivação ataca não é, de facto, essas 'nulidades', pelo que, logo por aí, o recurso não mereceria acolhimento. Na verdade, o que o recurso pretende é a decisão de pronúncia propriamente dita, ou seja, a verificação de indícios dos factos alegados nas duas acusações e o seu enquadramento fáctico-jurídico-penal. O que nada tem a ver com 'nulidades' - e a entender-se que o são, não são, como se disse, as que devem ser apreciadas e decididas no despacho preliminar da decisão instrutória. O que vimos expendendo explica o que o despacho reclamado referenciou sobre o regime das nulidades, ou seja, que estas se encontram sujeitas ao princípio da legalidade, como se infere, a contrario, do art.º 118º, n.º 2, do CPP, ou seja, que todo o acto processual ou não processual não conforme com a lei só pode ser enquadrado nas nulidades, se a lei o fizer. E não faz, como vimos. Com efeito, a alegada 'contradição' entre as acusações não constitui nulidade alguma. A 'contradição' entre os factos alegados só tem relevância quando nos encontramos em sede de julgamento e subsequente condenação: se a sentença contém, como factos provados, factos contraditórios é que então ocorre em nulidade e que pode ser fundamento de recurso segundo o art.º 410º, n.º 2, b). O que é totalmente diferente. Porém, o que não se diz e fundamenta no despacho reclamado é que 'só pode invocar nulidades em recurso conforme o art.º 118º do CPP', pelo que é inoportuno e inadequado invocar, como se invoca, a inconstitucionalidade daquele normativo. Mas a alegada 'ocorrência de um «concurso aparente de infracções» não colhe melhor sorte. Pelas razões sobreditas, ou seja, o enquadramento jurídico em desconformidade com a lei não é fundamento para recurso nesta fase do processo, a não ser que estivessem em causa outros valores - não estão. Tudo será para se decidir a final. Mas nem será o caso, porque os factos alegados em qualquer uma das duas acusações, se se entender que são diferentes e que não constituem o mesmo tipo legal de crime, não traduzem contradição, como se disse, mas, sim, complemento ou mesmo acumulação. Se as palavras foram em discurso directo ou não, isso é uma questão a apreciar, a definir e a decidir numa outra fase do processo. Face a uma tal alegação ou mesmo tendo em conta o disposto no art.º 310º, n.º 1, se assim se enquadrar a questão suscitada, o recurso interposto não merecerá, de todo, vencimento, podendo, antecipadamente, considerar-se que é 'manifesta sua improcedência', pelo que tem e deve ser 'rejeitado', nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 420º, n.º 1. Sempre se dirá que o processo penal confere às nulidades um regime especial e autónomo, só podendo ser arguidas em recurso quando as mesmas ocorrem em sede da sentença, conforme se infere, a contrario do art.º 379º, n.º 2, do CPP. Finalmente, acalma-se a Recorrente; porquanto o segmento do despacho recorrido não faz caso julgado - quando muito, meramente formal - pelo que, na sentença final, tal como ela deverá ser proferida, as invocadas 'contradições' ficarão, em definitivo, esclarecidas. Mas, se eventualmente, se mantiverem e forem consideradas como tal, então, sim, o respectivo recurso poderá ser interposto. A Reclamante acaba por enquadrar o despacho reclamado no disposto no art.º 412º, n.º 2, a). De facto, o despacho omite-o. Mas não nos repugna que assim seja. Na verdade, tal como acima se expendeu, não se lobrigam as nulidades que a Reclamante argui, invoca e fundamenta o seu recurso. Mas também é, de certo modo, discutível que ao juiz recorrendo seja lícito cercear, de raiz, o acesso ao recurso, quando não configuradas as hipóteses do art.º 414º, n.º 2. E afigura-se também que não será o caso o mais típico. Contudo, já que houve recurso à Reclamação, que não deixa de ser apreciada e decidida por um Tribunal que não é o de 1ª Instância, impõe a economia processual que se impeça do prosseguimento dos autos, quando se reconhece que o recurso não merecerá, além de qualquer, a reprovação preliminar. X Em consequência e em conclusão, INDEFERE-SE a Reclamação, interposta na lnstruç. 2118/02.6TAVNG-2º-A, do Tribunal de INSTRUÇÃO CRIMINAL do PORTO, pela ARGUIDA, A. do despacho de não admissão do recurso do despacho que INDEFERIU a parte da DECISÃO INSTRUTÓRIA em que declara 'NÁO HÁ NULIDADES.».
3 – Em 27 de Setembro de 2004, a recorrente apresentou perante o Presidente da Relação do Porto o seguinte requerimento:
«A arguida e reclamante A. vem suscitar inconstitucionalidades das normas como foram aplicadas no Despacho que é nulo por conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento :
Lê-se no despacho agora arguido:
“O recurso interposto não merecerá, de todo, vencimento, podendo, antecipadamente, considerar-se que é “manifesta sua improcedência”, pelo que tem e deve ser “rejeitado”, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 420º, n.º 1”.
O art.º 420º, n.º 1, do C.P.P. é inconstitucional quando interpretado no sentido de que um presidente da relação, em sede de reclamação prevista no art.º 405º do C.P.P., se possa pronunciar pela rejeição do recurso por ser manifesta a sua improcedência, estando em causa uma não admissão do recurso em primeira instância por 'falta de indicação da violação ou inobservância da disposição legal', já que infringe o art.º 32º, n.º 1, e n.º 9, 20º, n.º 4, in fine e art.º
2º, todos da Constituição da República Portuguesa.
No caso de a Presidência da Relação não atender a inconstitucionalidade supra que é prejudicial para o conhecimento das outras, deverá pronunciar-se sobre as seguintes inconstitucionalidades alegadas pela arguida:
O art.º 410º, n.º 2, b), do C.P.P. é inconstitucional quando interpretado no sentido de a contradição entre os factos alegados nas acusações só ter relevância quando nos encontramos em sede de julgamento e subsequente condenação, se a sentença contém, como factos provados, factos contraditórios, por infringir o art.º 2º, 32º, n.º 2, in fine e 20º, n.º 4, in fine, todos da Constituição.
O art.º 379º, n.º 2, do C.P.P. é inconstitucional com a interpretação de que o processo penal confere às nulidades um regime especial e autónomo só podendo ser arguidas em recurso quando as mesmas ocorrem em sede da sentença, por infringir o art.º 32º, n.º 1, e n.º 5, in fine da Constituição Portuguesa.».
4 – O Presidente da Relação do Porto indeferiu tal requerimento através do seguinte despacho:
«Vem a Reclamante arguir inconstitucionalidades no despacho que se pronunciou sobre a “reclamação”. Vedado nos é conhecer de eventuais inconstitucionalidades, sendo certo que não é esta a via para tal, além de que nem o requerimento é claro sobre o que se pretende e como se pretende. Indefere-se, pois, ao requerido, custas pela reclamante, com taxa de justiça –
1(uma) uc.».
5 – A reclamante foi notificada de tal despacho por carta registada de 8 de Outubro de 2004.
6 - Através de requerimento enviado em 21 de Outubro de 2004, e do seguinte teor, a reclamante recorreu para o Tribunal Constitucional:
«A., arguida, vem recorrer da decisão do Presidente da Relação do Porto que lhe indeferiu ao requerido, que foi a arguição de inconstitucionalidades, para o Tribunal Constitucional. O recurso aqui interposto é de efeito suspensivo, subida imediata e nos próprios autos. Pretende-se ver sindicada a inconstitucionalidade das seguintes normas: a) 420º, n.º 1, do C.P.P. com a interpretação de que um presidente da Relação, em sede de reclamação prevista no art.º 405º do C.P.P., se possa pronunciar pela rejeição do recurso por ser manifesta a sua improcedência, estando em causa uma não admissão do recurso em primeira instância por 'falta de indicação da violação ou inobservância da disposição legal”.
Tal norma com esta interpretação viola os art.ºs 2º, 20º, n.º 4, in fine e 32º, n.º 1, e n.º 9 da Constituição.
b) 410º, n.º 2, b), do C.P.P. com a interpretação de que a contradição entre os factos alegados nas acusações só ter relevância quando nos encontramos em sede de julgamento e subsequente condenação, se a sentença contém, como factos provados, factos contraditórios.
Tal norma com esta interpretação viola o art.º 2º, 20º, n.º 4, in fine e 32º, n.º 2, in fine, da Constituição.
c) 379º, n.º 2, do C.P.P. com a interpretação de que o processo penal confere às nulidades um regime especial e autónomo só podendo ser arguidas em recurso quando as mesmas ocorrem em sede da sentença.
Tal norma com esta interpretação viola o art.º 32º, n.º 1, e n.º 5, in fine, da Constituição.
Todas estas inconstitucionalidades foram arguidas em requerimento nos autos, como aí facilmente se comprova, na Relação do Porto.
Estes recursos são interpostos ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art.º 70º da LOTC, sendo que se infringiu flagrantemente anterior jurisprudência do T. Constitucional, estando assim também em causa a alínea g) da mesma norma.».
7 – Tal recurso não lhe foi admitido pelo despacho ora reclamado, dizendo-se aí:
«A reclamante vem, em 22-10-04, interpor recurso para o T.C. do despacho proferido em 17-9 sobre a “reclamação”. Tendo sido notificada do mesmo por aviso postal registado em 21-9, conforme fls. 28, é o recurso extemporâneo, ainda que se considere o aditamento do art.º 145º, n.º 5, e 6 do C.P.C.. Não admito, pois, o recurso para o T.C. interposto em 21-10-2004, a fls. 32 e
33.».
8 – Fundamentando a sua reclamação para o Tribunal Constitucional diz a reclamante o seguinte:
«Em primeiro lugar, é consabido em todos os tribunais que a data dos requerimentos enviados, primeiramente, por telecópia é a data do seu envio e não a data da chegada posterior do original.
Assim, a data do requerimento do recurso para o Tribunal Constitucional é a indicada no fim do despacho, aqui reclamado, e não que vem escrita no seu início. Não perderemos, pois, tempo com essa matéria consensual em todos os tribunais e que qualquer escrivão no T.C. poderá comprovar junto dos Srs. Conselheiros.
A legislação sobre o uso de telecópia permite, mesmo, o envio com a data do dia até às 24 horas (veja-se o artº 143º nº 4 do C.P.C. e o art.º 150º, n.º 2, c), do mesmo código). O Prof. Lebre de Freitas é, também, claro na afirmação corroborada pela prática de todos os tribunais com quem trabalhamos, no interior ao litoral e de Norte a Sul.
Não podem restar dúvidas de que a prática do requerimento de recurso para o T. Cons. é do dia 21-10-2004.
Em segundo lugar, o requerimento interpõe recurso do despacho que lhe indeferiu a arguição de inconstitucionalidades proferido em 6-10 e com data de registo postal em 08-10-2004 e não do despacho de 17-9 como se alude no despacho aqui reclamado.
Em suma, a Presidência da Relação do Porto considerou 'discutível que ao juiz recorrendo seja lícito cercear, de raiz, o acesso ao recurso, quando não configuradas as hipóteses do art.º 414º, n.º 2'. Vai daí, decidiu tomar o Sr. Presidente da Relação do Porto conhecimento do mérito do recurso, em vez de declarar a sua admissão.
Tal decisão sem precedentes foi alvo de arguição de inconstitucionalidades em sede de arguição de nulidade do primeiro despacho.
Sobre essa arguição recaiu um “indefere-se, pois, ao requerido”.
Depois, o recurso interposto para o T. Constitucional.
O memorável Presidente Conselheiro Nunes de Almeida escreveu: 'O Tribunal Constitucional' 'em casos considerados absolutamente excepcionais ou anómalos'
'tem admitido que a questão de inconstitucionalidade possa ser suscitada depois de proferida a decisão recorrida'
Pergunta-se a quem dirigimos esta reclamação, o Tribunal Constitucional, se não acham absolutamente anómalo que se diga não poder um juiz recorrendo cercear o acesso do recurso e depois tomar conhecimento do fundo do mesmo, em sede de reclamação contra a não admissão do recurso.
CONCLUSÕES
1º Sobre uma decisão que tomou conhecimento do fundo da matéria do recurso, em mera sede de reclamação contra a sua não admissão, arguiram-se inconstitucionalidades normativas em sede de arguição de nulidades.
2º Não há caso mais anómalo do que a violação do juiz natural para justificar o momento da arguição posterior.
3º Espera a arguida que o Tribunal Constitucional não tome conhecimento do fundo, implícita ou explicitamente, deste recurso e apenas faça o que a lei lhe compete nesta sede, sindicar os pressupostos formais da sua admissibilidade, postos em causa pela instância reclamada.
Esta reclamação deve subir com todas as decisões do Sr. Presidente da Relação e com o requerimento apresentado pela arguida de arguição de inconstitucionalidades e o posterior de interposição de recurso para o T. Cons.
Apensem-se as peças solicitadas e siga esta reclamação para o Tribunal Constitucional, não esquecendo que as cópias das peças da arguida a apensar são as enviadas por telecópia - muito importante!
Admita-se o recurso no Tribunal Constitucional.».
9 – O Presidente da Relação do Porto sustentou o seu despacho de não admissão do recurso, dizendo:
«Mantém-se o despacho de 28-10-04, a fls. 34, sendo certo que o mesmo é expresso em considerar a interposição em 21-10 – e não em 22, como agora a Reclamante alega. E, porque nada mais se alega em contrário, é de manter o nosso despacho de não admissão por extemporaneidade, invoque-se o que se quiser sobre o objecto do recurso propriamente dito, pois estamos perante uma questão prévia, que exige o cumprimento da lei-prazos. Remeta, pois, com notificação prévia deste despacho à Reclamante-Recorrente, ao T.C. para se pronunciar sobre o nosso despacho de não admissão de recurso para o próprio T.C..».
10 – Tendo-lhe sido notificado este despacho de manutenção da decisão de não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional, a reclamante respondeu-lhe, alegando:
«Sobre a reclamação apresentada pela não admissão do recurso decidida pelo Presidente da Relação do Porto e notificação posterior deste da sua resposta, vem a reclamante A. esclarecer a entidade reclamada sobre a questão aí de novo levantada:
a) A arguida acha bem que a entidade reclamada coloque este problema na matéria dos prazos. b) A contagem do prazo para a interposição de recurso foi feita, pela entidade reclamada, a partir da notificação da sua decisão inicial, quando o deveria ter contado da notificação do despacho subsequente que indeferiu a arguição. c) Para quem faça a contagem a partir da notificação do despacho que indefere a arguição não existe qualquer extemporaneidade.
Em direito dos recursos, a contagem do prazo para a interposição dos mesmos só se conta a partir da notificação de decisão proferida sobre qualquer requerimento dirigido à entidade autora, anteriormente, da decisão recorrida.
Não havendo lugar a recurso ordinário da primitiva decisão, ainda mais fortalecida se torna a tese legal de que, havendo qualquer arguição contra a mesma, só a partir da notificação da decisão que julgue esta se poderá contar o prazo de recurso da primitiva decisão para o Tribunal Constitucional.
Sempre foi assim e nunca vimos dúvidas sobre esta regra a não ser neste caso de contagem pelo Presidente da Relação do Porto.
Se alguém o quiser saber, estamos dispostos a fornecer jurisprudência conforme com esta interpretação e até doutrina, agora não pode nenhum Tribunal, incluindo o Constitucional, vir a fazer a contagem do prazo para a interposição do recurso sem atender à data da notificação de decisão posterior sobre a arguição incidente.».
11 - O Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação, concluindo do seguinte jeito:
«A presente reclamação carece obviamente de fundamento. Na verdade – e independentemente da questão de tempestividade do recurso – é evidente que a decisão proferida pelo Presidente da Relação, em procedimento de reclamação , não fez aplicação das insólitas interpretações normativas, especificadas pela recorrente: tendo o recurso sido não admitido em 1ª instância, é manifesto que a dirimição da reclamação não envolve qualquer apreciação do mérito de tal recurso, como “ratio decidendi”; não estando obviamente em causa qualquer contradição entre fundamentos e decisão de uma determinada decisão judicial, é ininteligível a invocação do preceituado no art.
410º, nº 2, b) do CPP; e, finalmente, não fez a decisão recorrida apelo à aberrante interpretação, referenciada quanto ao art. 379º, nº 2, do CPP (sendo evidente que não estava em causa qualquer nulidade de sentença).».
B – Fundamentação
12 – Como resulta do relatado, o despacho reclamado não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional com o fundamento de que o acto da sua interposição havia sido praticado fora do prazo de 10 dias estabelecido no n.º 1 do art.º 75º da LTC. Todavia, verifica-se que o despacho reclamado tomou por objecto de recurso decisão diferente daquela que o reclamante impugnou no requerimento de interposição do recurso não admitido. Na verdade, o despacho reclamado considerou como recorrido o despacho proferido pelo Presidente da Relação do Porto, proferido em 17 de Setembro de 2004, despacho este no qual se decidiu indeferir «a Reclamação, interposta na lnstrução 2118/02.6TAVNG-2º-A, do Tribunal de INSTRUÇÃO CRIMINAL do PORTO, pela ARGUIDA, A. do despacho de não admissão do recurso do despacho que INDEFERIU a parte da DECISÃO INSTRUTÓRIA em que declara 'NÁO HÁ NULIDADES”» que fora notificado à reclamante por aviso postal registado emitido em 21 de Setembro de
2004. Porém, resulta do requerimento enviado por telecópia no dia 21 de Outubro de
2004, relevado, aliás, no despacho reclamado, constante do ponto 6 supra, que a decisão da qual a reclamante recorre é “a decisão do Presidente da Relação do Porto que lhe indeferiu ao requerido, que foi a arguição de inconstitucionalidades”, reiterando a reclamante essa posição no articulado da sua reclamação, ao dizer que “o requerimento interpõe recurso do despacho que lhe indeferiu a arguição de inconstitucionalidades proferido em 6-10 e com data de registo postal em 08-10-2004 e não do despacho de 17-9, como se alude no despacho reclamado”. Cabendo ao recorrente, segundo os princípios da autonomia e da auto-responsabilidade processual, definir a decisão de que pretende recorrer, tem de concluir-se forçosamente que o recurso para o Tribunal Constitucional cuja admissão se pretende tem como objecto o despacho acima transcrito sob o n.º
4 e que foi notificado à reclamante por carta registada de 8 de Outubro de 2004.
Considerando que esta notificação se presume efectuada no dia 11 de Outubro de
2004, de acordo com o disposto no art.º 254º, n.º 2, do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 69º da LTC, verifica-se que o prazo de 10 dias para interpor o recurso de constitucionalidade se completou em 21 de Outubro de 2004 ou seja, no dia da apresentação do requerimento de interposição de recurso. Assim sendo, tem de concluir-se que o recurso foi tempestivamente interposto.
13 – Verifica-se, porém, que existe uma outra razão pela qual o recurso, ainda que tenha sido tempestivamente interposto, não poderá ser admitido. E não obstante ela não ter constituído fundamento do despacho reclamado, nem por isso o Tribunal Constitucional está impedido de conhecer desde já da mesma. Tal possibilidade decorre, desde logo, do facto de o Tribunal Constitucional não estar vinculado à decisão do tribunal recorrido quanto à decisão que este profira sobre os requisitos gerais ou específicos do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade (art.º 76º, n.º 3, da LTC), donde é de concluir que, ainda que outro pudesse ter sido ou ser o sentido quanto a ele do tribunal a quo, sempre o mesmo poderia ser sindicado em sentido contrário neste Tribunal. Por outro lado, também o disposto no n.º 4 do art.º 77º da LTC vai no mesmo sentido. Na verdade, estabelece este preceito que a decisão do Tribunal Constitucional “se revogar o despacho de indeferimento, faz caso julgado quanto
à admissibilidade do recurso”. Assim sendo, se no seu julgamento estivesse confinado ao fundamento considerado pela decisão reclamada, sempre que o julgasse improcedente o Tribunal teria de revogar o despacho reclamado e isso faria caso julgado quanto à admissibilidade do recurso, mesmo que fosse patente a existência de outros fundamentos de inadmissibilidade. Ora, uma tal solução seria intolerável.
Constitui jurisprudência pacífica do Tribunal Constitucional que só podem ser objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade normas jurídicas que integrem a ratio decidendi da decisão recorrida [art.ºs 280º, n.º
1, alínea b), da Constituição, e 70º, n.º 1, alínea b), da LTC]. Trata-se de um requisito que é um simples postulado lógico dos termos em que o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade foi conformado pela CRP (de controlo difuso de constitucionalidade de normas jurídicas efectuado a título instrumental) e da própria natureza da função jurisdicional de índole constitucional (de julgamento de questões concretas e não a título académico) que demanda que a decisão do recurso de constitucionalidade possa determinar a alteração ou reforma da decisão recorrida. Nesta perspectiva apenas deverá tomar-se conhecimento do recurso caso a decisão a proferir nele possa revestir-se de utilidade para a decisão da causa.
14 - A decisão pretendida recorrer (supra n.º 4) indeferiu a arguição «das inconstitucionalidades do despacho que se pronunciou sobre a “Reclamação”» por entender que lhe estava vedado o seu conhecimento, não ser o requerimento de arguição a via, “para tal, além de que nem o requerimento era [é] claro sobre o que se pretende e como se pretende”.
Conforme resulta do requerimento então apreciado, acima transcrito sob o ponto 3, a reclamante havia suscitado, a título principal – e como fundamento da nulidade, por excesso de pronúncia, do despacho decisório da reclamação apresentada nos termos do art.º 405º do CPP contra decisão de 1ª instância – a questão de inconstitucionalidade do artigo 420º, n.º 1, do C. P. P., na acepção interpretativa aí definida, e, apenas a título subsidiário, para o caso desta não proceder, pois caso contrário ficariam prejudicadas, as questões de inconstitucionalidade dos artigos 410º, n.º 2, alínea b) e 379º, n.º
2, ambos do CPP, também nas dimensões normativas aí precisadas.
Tendo tomado a posição de indeferir o requerimento de suscitação das questões de inconstitucionalidade com base no entendimento de que lhe estava vedado conhecer de todas elas, não tomando assim posição quanto ao mérito de nenhuma, apenas se pode ver, nele, como implicitamente aplicada (e como constituindo a sua implícita ratio decidendi) a norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada a título principal e apresentada como prejudicial da alegação das restantes (e sendo o requerimento de arguição de nulidades ainda momento processualmente adequado para a suscitação de nova inconstitucionalidade, por a nulidade resultar da aplicação da norma apodada de inconstitucional), ou seja, a norma constante do art.º 420º, n.º 1, do CPP “quando interpretado no sentido de que um presidente da relação, em sede de reclamação prevista no art.º 405º do CPP, se possa pronunciar pela rejeição do recurso por ser manifesta a sua improcedência, estando em causa uma não admissão do recurso em primeira instância por falta de indicação da violação ou inobservância da disposição legal”.
Acontece, porém, que, mesmo que se admita que o despacho arguido de nulo tenha feito aplicação desta norma – o que não é nada apodíctico dado a argumentação desenvolvida se apresentar mais como uma argumentação ad ostentationem, como adiante melhor se verá, – nem por isso se impõe que o recurso deva ser admitido para o conhecimento da questão da sua inconstitucionalidade.
Na verdade, é seguro que o despacho apodado de nulo se fundamenta em outro fundamento alternativo e autónomo do qual faz derivar logo directamente a decisão de indeferimento da reclamação, qual seja o de entender que a reclamante, com o enquadramento jurídico que faz das nulidades na motivação do recurso, apenas visa contornar a irrecorribilidade objectiva da decisão instrutória que pronuncia o arguido estabelecida no n.º 1 do art.º 310º do CPP, de modo a cair no regime do n.º 2 do mesmo artigo, pois “o que a motivação ataca não é de facto, essas nulidades” e o que verdadeiramente pretende é impugnar “a decisão da pronúncia propriamente dita, ou seja, a verificação de indícios dos factos alegados nas duas acusações e o seu enquadramento fáctico-jurídico-penal”, o que nada tem a ver com “nulidades”. Tal entendimento encontra-se bem expressado logo na parte inicial do despacho, ao dizer-se:
«O enquadramento que a motivação do recurso faz nas 'nulidades' só pode entender-se como a via de se obter a possibilidade de interpor recurso, uma vez que o art.º 310º, n.º 1, do CPP, obsta à sua interposição generalizada, na medida em que há coincidência entre os factos vertidos na acusação e na pronúncia. Há também uma acusação particular, pelo que poderia alegar-se que o normativo não se lhe aplica. Só que o recurso não se dirige à pronúncia propriamente dita, mas a um segmento que a precede - aquele em que se conhecem, entre outras questões, a existência ou não de nulidades. E o que a motivação ataca não é, de facto, essas 'nulidades', pelo que, logo por aí, o recurso não mereceria acolhimento. Na verdade, o que o recurso pretende é a decisão pronúncia propriamente dita, ou seja, a verificação de indícios dos factos alegados nas duas acusações e o seu enquadramento fáctico-jurídico-penal. O que nada tem a ver com 'nulidades'».
Só depois de tomada esta posição é que a decisão arguida de nula, na sequência de uma argumentação tendente a demonstrar que a alegada “contradição” de factos existente entre a acusação do M.º P.º e a acusação particular ou a invocada «ocorrência de um “concurso aparente de infracções”» não constituem
“nulidades” que caibam nas que devem ser apreciadas e decididas no despacho preliminar da decisão instrutória [cuja configuração como “nulidades” antecipara a título simplesmente hipotético ao referir, no discurso logo a seguir à parte transcrita, que «a entender-se que o são (“nulidades”), não são, como se disse, as que devem ser apreciadas e decididas no despacho preliminar da decisão instrutória»], veio a afirmar – no que foi visto pela reclamante como excesso de pronúncia – que “[F] face a uma tal alegação ou mesmo tendo em conta o disposto no art.º 310º, n.º 1, se assim se enquadrar a questão suscitada, o recurso interposto não merecerá, de todo, vencimento, podendo, antecipadamente, considerar-se que é “manifesta sua improcedência” pelo que tem e deve ser rejeitado, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 420º, n.º 1».
Uma tal asserção surge, assim, como argumento ad ostentationem atenta a circunstância de em causa estar apenas a reclamação de um despacho da
1ª instância que não havia admitido o recurso interposto da decisão instrutória para a Relação e de a essa questão ser completamente estranha qualquer apreciação liminar do mérito do recurso, por este não haver ainda sido admitido e a decisão da reclamação concluir igualmente pela sua não admissão, donde poder ser vista apenas como decisão a título meramente hipotético.
De qualquer modo, mesmo a pressupor-se estar-se perante uma pronúncia a título efectivo, sempre ela será feita como traduzindo um outro fundamento diferente e autónomo do primeiramente exposto.
Assim sendo, nunca o recebimento do recurso e a decisão que, nele, pudesse vir a ser proferida poderá determinar a alteração do sentido da reclamação com base no primeiro fundamento, pelo que o mesmo carece de utilidade.
C – Decisão
15 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante com taxa de justiça que se fixa em 20 UC.
Lisboa, 15 de Março de 2005
Benjamim Rodrigues Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos