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Processo nº 451/05
Plenário
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Requerente e Pedido
A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira vem requerer a declaração
de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no n.º 5
do artigo 19º do Regimento do Conselho de Ministros do XVII Governo
Constitucional, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2005, de
15 de Abril.
2. Conteúdo da Norma
A referida norma tem o seguinte teor:
“Artigo 19.º
Audição das Regiões Autónomas
[...]
5. Quando tal se justifique, podem os projectos ser submetidos a Conselho de
Ministros, para aprovação na generalidade, antes de decorrido o prazo previsto
nos números anteriores, ficando a aprovação final dependente do transcurso desse
prazo.”
3. Fundamentação do Pedido
A requerente fundamenta o pedido invocando, nomeadamente, o seguinte:
- “[...] Tratando-se de questões da competência dos órgãos de soberania que
sejam respeitantes às Regiões Autónomas, ou seja, matérias incluídas na reserva
de competência da Assembleia da República ou do Governo, mas que digam respeito
a essas regiões, então, para além de disporem de iniciativa legislativa sobre
tais matérias, dispõem as regiões ainda do direito de se pronunciar sobre elas,
nomeadamente, e quando não seja por sua própria iniciativa, sob consulta dos
órgãos de soberania em causa, nos termos do n.º 2 do artigo 229.º da
Constituição.
[...] o pedido de audição tem de ser formulado antes da decisão, sob pena de o
órgão regional competente ficar confrontado com um facto consumado. Mais do que
ficar suspensa durante o prazo dado àquele para se fazer ouvir, em rigor a
decisão só pode formar-se depois da pronúncia ou do decurso do prazo;
[...] A decisão de legislar é tomada aquando da discussão e votação na
generalidade, a qual versa sobre os princípios e o sistema de cada projecto ou
proposta de lei.
- Por conseguinte, senão a discussão, pelo menos a votação na generalidade
ficará vedada enquanto não se receber o parecer regional ou não estiver exaurido
o correspondente prazo.
[...] Aceita-se que se dê audição das regiões autónomas após a reunião dos
Secretários de Estado. Não pode aceitar-se, por inconstitucional, que, “quando
tal se justifique”, passem os projectos a ser submetidos a Conselho de Ministros
para aprovação na generalidade antes de decorrido o prazo para essa audição,
embora a aprovação final fique dependente do transcurso do prazo [...].”
Finalmente, a requerente conclui pela inconstitucionalidade da norma constante
do n.º 5 do artigo 19.º do Regimento aprovado pela Resolução do Conselho de
Ministros n.º 82/2005, de 15 de Abril, por violação do disposto nos artigos
227.º, n.º 1, alínea v), e 229.º, n.º 2, da Constituição da República
Portuguesa.
4. Resposta do autor da norma
4.1. Notificado do pedido, veio o Primeiro-Ministro suscitar, a título de
questão prévia, o problema da “sindicabilidade constitucional da norma
impugnada”, concluindo, quanto a este ponto, que:
- A disposição do Regimento do Conselho de Ministros do XVII Governo
Constitucional impugnada no presente processo não configura, de acordo com o
sentido da jurisprudência constitucional, uma norma jurídica susceptível de
reunir os necessários requisitos impugnatórios junto do Tribunal Constitucional;
- Esta norma não se conforma como um acto jurídico previsto na Constituição;
- Não dispõe de eficácia externa, na medida em que projecta os seus efeitos,
exclusivamente, no funcionamento do Executivo e não fixa obrigações para
terceiros, mormente aos órgãos de governo próprios das regiões autónomas, nem
contém qualquer regra que altere o cumprimento do dever constitucional e legal
de promoção da audição dentro dos prazos determinados para o efeito.
4.2. Para a hipótese de o Tribunal Constitucional considerar que o preceito
questionado se mostra susceptível de fiscalização, o autor da norma conclui a
resposta, quanto à violação da alínea v) do n.º 1 do artigo 227.º da
Constituição, do seguinte modo:
“a) O objecto do n.º 5 do artigo 19.º do Regimento do Conselho de Ministros
[...] não se refere ao “poder de participação e pronúncia dos órgãos de governo
regional”, mas sim à concretização procedimental do “dever de consulta” a esses
órgãos regionais por parte do Governo;
b) A procedimentalização do “dever de consulta” por parte do Governo, tal como
se encontra regulada na norma impugnada constitui uma matéria de
“auto-organização” do Executivo e, como tal, um domínio da sua reserva exclusiva
de competência, reconhecida pelo n.º 2 do art. 198.º da CRP, tendo a prática
constitucional admitido que a mesma reserva seja disciplinada, seja por
decretos-leis, seja por normas regimentais;
c) Pelo que, regras relativas à aprovação, na generalidade e em votação final,
de diplomas da competência do Governo, tendo em vista assegurar o cumprimento do
dever de audição às regiões, integram-se necessariamente na reserva exclusiva de
competência do Governo, sendo como tal estranhas a uma reserva estatutária que
se circunscreve às matérias da organização e funcionamento das regiões, das
quais podem naturalmente constar regras relativas ao exercício do “direito”
regional de audição.”
4.3. Finalmente, no que concerne à hipotética violação do dever de audição
previsto no n.º 2 do artigo 229.º da Constituição conclui o Primeiro Ministro:
“a) O n.º 5 do artigo 19.º do Regimento do Conselho de Ministros do XVII Governo
Constitucional não ofendeu nenhum dos critérios materiais que pautam o exercício
do direito de audição regional, dado que não reduziu os prazos fixados para o
efeito, nem obstou a que o sentido da audição pudesse influenciar utilmente a
decisão aprovatória final, na medida em que previu que essa aprovação não
pudesse ter lugar antes da realização da consulta ou do transcurso do prazo para
a mesma audição;
b) Não existe uma homologia entre as fases de aprovação parlamentar e
governamental de actos legislativos, passível de justificar um paralelismo entre
as mesmas, já que enquanto o primeiro compreende três fases (discussão e votação
na generalidade, discussão e votação na [especialidade] e votação final global)
o procedimento legislativo governamental envolve, por regra, uma só fase
(“aprovação final”) e, excepcionalmente, duas (“aprovação na generalidade” e
“aprovação final”) quando “tal se justifique” em relação a diplomas sujeitos a
audição de determinadas entidades.
c) A Constituição não estipula, por outro lado, qualquer faseologia
procedimental para a aprovação de actos normativos em Conselho de Ministros, nem
determina, consequentemente, qualquer obrigação ao referido órgão para realizar
o seu dever de audição num fase específica do respectivo procedimento
legislativo, sem prejuízo de o mesmo órgão dever observar o critério do sentido
útil da realização da audição;
d) Por conseguinte, no caso de a pronúncia ocorrer depois da “aprovação na
generalidade” de um diploma sujeito a audição regional na sua totalidade,
aprovação essa que configura apenas uma “primeira leitura” do diploma, tem-se
por cumprido o critério constitucional que determina que essa pronúncia deva
poder influir utilmente no conteúdo global do diploma, tendo em conta que é em
sede de “aprovação final” em Conselho de Ministros que haverá uma decisão
definitiva do Governo quanto aos princípios enformadores do diploma, ao conteúdo
específico de cada umas das suas normas e à sua aprovação global;
[e]) Se, em alternativa, se estiver perante audições com carácter parcial, não
existe, igualmente, qualquer obstáculo jurídico ao facto de o prazo para a
audição se esgotar após a “aprovação na generalidade” em Conselho de Ministros
já que a “aprovação final” do acto consome, o que seria a aprovação do acto na
especialidade bem como a sua aprovação global, não podendo a referida aprovação
final ter lugar antes do transcurso do prazo de audição;
[f]) Carece, finalmente, de fundamento o argumento que condiciona a
constitucionalidade da norma regimental impugnada, a necessidade de esta última
fixar como limite máximo da realização o trâmite da audição regional, uma fase
procedimental de produção normativa que a Constituição não prevê, situada em
momento posterior à intervenção de um órgão (a Reunião de Secretários de Estado)
cuja existência e competências tão pouco se encontram reguladas na Lei
Fundamental.
4.4. Do exposto, conclui o Primeiro Ministro que, contrariamente ao que é
defendido no pedido, o n.º 5 do artigo 19.º do Regimento do Conselho de
Ministros do XVII Governo Constitucional não padece de inconstitucionalidade,
pelo que o pedido deve ser rejeitado.
5. Memorando e Debate
Elaborado pelo Presidente do Tribunal o memorando previsto no artigo 63º da Lei
do Tribunal Constitucional e entregue a todos os juízes, foi o mesmo submetido a
debate, sendo fixada a orientação do Tribunal. Cumpre, assim, dar corpo à
decisão, de harmonia com o que então se estabeleceu.
II – Questão prévia
6. Sindicabilidade da norma questionada
A resposta à questão colocada pelo autor da norma implica que se determine se o
n.º 5 do artigo 19.º do Regimento do Conselho de Ministros do XVII Governo
Constitucional, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2005, de
15 de Abril (Regimento esse alterado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º
186/2005, de 6 de Dezembro), configura uma norma para efeitos de fiscalização da
constitucionalidade. Ora, o Tribunal Constitucional vem, em jurisprudência
uniforme e constante, considerando como objecto de controlo apenas as normas,
mas todas as normas, procurando um conceito de norma funcionalmente adequado ao
sistema de fiscalização da constitucionalidade instituído na Constituição. Nesse
contexto, tem entendido serem sindicáveis os actos de criação normativa.
No presente caso, o Regimento do Conselho de Ministros, no qual se encontra o
preceito questionado, foi aprovado por uma Resolução do Conselho de Ministros.
Acresce que a norma concretamente questionada – transcrita no ponto 2. supra -,
prevê o momento de audição das regiões autónomas, em determinados casos
especiais. Assim, sem necessidade de tomar posição sobre o carácter normativo
dos “regimentos” em geral, não se afigurando adequado um tratamento unitário que
envolva indistintamente regimentos de assembleias políticas e de órgãos
colegiais, nem, tão pouco, sendo imprescindível tratar globalmente de todas as
disposições regimentais inseridas num “regimento”, o Tribunal entende que o
preceito questionado tem natureza normativa.
Na verdade, o citado n.º 5 do artigo 19º do Regimento do Conselho de Ministros
prevê, no plano infraconstitucional, os termos em que, relativamente a diplomas
legais emanados do Governo, este deve cumprir, em determinados casos, a
obrigação de consulta dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas,
constitucionalmente imposta no n.º 2 do artigo 229º da Constituição. A normação
emitida pelo Governo sobre esta matéria projecta-se na esfera de poderes dos
órgãos próprios de governo das regiões autónomas, consubstanciando uma imposição
heterónoma à vontade desses órgãos e produzindo, assim, efeitos externos.
E nem se oponha a esta conclusão a afirmação, que se encontra na resposta do
autor da norma, de que o Regimento em análise “não contém qualquer regra que
altere o cumprimento do dever constitucional e legal de promoção de audição
dentro dos prazos determinados para o efeito.” É que uma tal afirmação,
referindo-se à conformidade constitucional da norma, que é precisamente a
questão de mérito a resolver, é inteiramente irrelevante para aferir do carácter
normativo do preceito questionado.
Pelo exposto, há que concluir que o n.º 5 do artigo 19º do Regimento do Conselho
de Ministros do XVII Governo Constitucional preenche as características de norma
para efeitos da sua apreciação por este Tribunal.
III - Fundamentos
7. Da alegada violação do disposto na alínea v) do n.º 1 do artigo 227º e do n.º
2 do artigo 229.º da Constituição
7.1. A requerente considera que a norma questionada viola o direito de pronúncia
das regiões autónomas, garantido na alínea v) do n.º 1 do artigo 227º da
Constituição, e, correspondentemente, o dever que os órgãos de soberania têm de
consultar as regiões, estatuído no n.º 2 do artigo 229º da Lei Fundamental.
No presente pedido, o que, em bom rigor, está em causa, não é, porém, a questão
de saber em que medida há ou não o direito a que se refere o n.º 2 do artigo
229º da Constituição, mas antes saber se esse direito, cuja existência é um
dado, é afectado pelo facto de, nos casos do n.º 5 do artigo 19.º do Regimento
do Conselho de Ministros do XVII Governo Constitucional – e apenas nesses -, a
audição por parte do órgão de soberania legiferante ocorrer em momento posterior
à votação na generalidade da medida legislativa projectada. Votação essa que, no
entender da requerente, ao versar “sobre os princípios e o sistema de cada
projecto ou proposta de lei”, impediria as regiões autónomas, através dos seus
órgãos de governo, de influenciar com a sua pronúncia, a “decisão de legislar”,
que se apresentaria, assim, como facto consumado.
Concretiza-se, deste modo, a questão de constitucionalidade a decidir, uma vez
que a alegada inconstitucionalidade se verificaria naqueles casos em que o
direito de audição pode abranger a globalidade do diploma e os respectivos
princípios. Vejamos, então.
7.2. Entende o Tribunal que - sob pena de se esvaziar o direito de audição,
convertendo a obrigatoriedade de audição numa formalidade sem sentido útil – a
oportunidade da pronúncia do titular do direito deve situar-se numa fase do
procedimento legislativo adequada à ponderação, pelo órgão legiferante, do
parecer que aquele venha a emitir, com a possibilidade da sua directa incidência
nas opções da legislação projectada.
O cabal exercício do direito de audição pressupõe, assim, que, além de um prazo
razoável para o efeito, ele se exerça (ou possa exercer) num momento tal que a
sua finalidade (participação e influência na decisão legislativa) se possa
atingir, tendo sempre em conta o objecto possível da pronúncia.
É, aliás, o que se colhe da jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a
matéria, nomeadamente do Acórdão n.ºs 670/99 (publicado no Diário da República ,
II Série de 30 de Dezembro) e do Acórdão n.º 529/01 (publicado no Diário da
República , I Série de 31 de Dezembro e ambos disponíveis na página Internet do
Tribunal Constitucional, no endereço
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), onde, para decidir da
conformidade constitucional, se ponderou o momento da audição e o objecto
possível da pronúncia.
O primeiro acórdão considerou o disposto nos artigos 157° n.º 1, 158°, 163° e
164° do Regimento da Assembleia da República, respeitantes à discussão e
aprovação na generalidade, à discussão e votação na especialidade e à votação
final global, de uma proposta de lei. E tendo em conta que, no caso, a pronúncia
das regiões autónomas só poderia incidir sobre normas específicas do diploma
proposto, o Tribunal decidiu que a consulta ocorrida entre a discussão e
aprovação na generalidade e a discussão e votação na especialidade fora
efectuada de forma constitucionalmente admissível, finalizando nos seguintes
termos: “A conclusão só seria outra se o direito de audição incidisse sobre a
globalidade da proposta de lei, ou sobre os respectivos princípios já que, nesse
caso, o pedido haveria de ter sido formulado com a antecedência suficiente sobre
a data do início da discussão na generalidade.”
No segundo acórdão, o Tribunal, considerando as diferentes fases do procedimento
legislativo da Assembleia da República e o respectivo objecto, tal como
estabelecidas e descritas no respectivo Regimento (discussão e votação na
generalidade, discussão e votação na especialidade e votação final global),
reafirmou uma distinção básica, consoante o âmbito ou a extensão do direito de
audição relativamente à proposta ou ao projecto de lei em presença: assim, se
tal direito incidir “sobre a globalidade da proposta [ou projecto] de lei ou
sobre os respectivos princípios”, o pedido de audição há-de ser formulado “com a
antecedência suficiente sobre a data do início da discussão na generalidade”; se
não for esse o caso, e respeitar apenas a normas específicas da proposta ou
projecto, a audição pode ser desencadeada antes do “início da discussão da
proposta [ou projecto] de lei na especialidade”. Para utilizar os termos aí
referidos, a pronúncia deve ocorrer antes da “performance essencial da
discussão”.
Note-se, contudo, que a solução concreta das questões de constitucionalidade em
causa nos arestos citados se determinou num quadro normativo-constitucional e
regimental – o do funcionamento democrático de uma assembleia de composição
política plural – em que as normas de funcionamento cumprem muitas vezes ditames
constitucionais e asseguram a formação democrática das decisões e os direitos
das minorias, fixando e ordenando as fases do procedimento legislativo
parlamentar, o tipo de deliberações e o conteúdo que a cada uma corresponde. E
isto desde já se assinala como advertência a uma eventual pretensão de transpor
todos os considerandos e razões expostos nos mesmos acórdãos para o caso em
apreço, pretensão que parece, aliás, implícita no pedido da requerente.
7.3. Considerando que a requerente alega a inconstitucionalidade do n.º 5 do
artigo 19° do Regimento nos casos em que o direito de audição das regiões
autónomas abrange a globalidade do diploma projectado - o que implica o direito
de serem questionados quer a decisão de legislar quer os princípios gerais
acolhidos - cumpre, então, examinar se uma audição efectuada nos termos daquele
n.º 5 implica que a pronúncia escapa à referida “performance essencial da
discussão”. Ou seja, no quadro do Regimento do Conselho de Ministros, a resposta
à questão de constitucionalidade suscitada pela requerente (para quem a audição
do órgão regional depois da votação na generalidade do projecto, ainda que a
aprovação final fique suspensa durante o prazo de audição, infringe os artigos
227°, n.º 1, alínea v) e 229°, n.º 2, da Constituição) passa, essencialmente,
por saber se, na fase em que o preceito do Regimento admite a audição, já a
pronúncia do órgão regional carece de qualquer efeito útil, nomeadamente por nos
encontrarmos perante um “facto consumado”. O que dependerá, decisivamente, de
saber se a aprovação na generalidade de um projecto pelo Conselho de Ministros
assume carácter definitivo ou irreversível, em termos de a posterior audição não
poder já alterar, ou mesmo anular, o mencionado projecto.
Vejamos se assim é.
A primeira nota a evidenciar é a de que a norma ínsita no artigo 19. n.° 5 do
Regimento do Conselho de Ministros do XVII Governo Constitucional não traduz
qualquer inovação relativamente a regimentos anteriores publicados em Diário da
República. Com efeito, ela corresponde ipsis verbis às que se contêm nos artigos
27°, n.° 5, 22°, n.° 5, e 24°, n.° 5, dos regimentos do Conselho de Ministros
aprovados, respectivamente, pelas resoluções n.ºs 3/2000, de 13 de Janeiro,
91/2002, de 3 de Maio e 126-A/2004, de 3 de Setembro; só a Resolução n.°
66/2003, de 2 de Maio, revogou o artigo 22°, n.° 5, do Regimento de 2002, mas a
Resolução n.° 126-A/2004 voltou a consagrar a mesma norma no artigo 24°, n.° 5.
Em segundo lugar, há que sublinhar que, ao contrário do que a requerente
implicitamente parece pressupor, a distinta natureza dos órgãos de soberania -
Assembleia da República e Governo - e dos princípios que regem o respectivo
funcionamento, bem como as particularidades do faseamento procedimental
constante dos correspondentes Regimentos, não permitem uma transposição das
soluções encontradas no quadro regimental da Assembleia para o quadro regimental
do Governo.
Na verdade, o Regimento do Conselho de Ministros não contém qualquer disposição
que defina o conteúdo das deliberações do Conselho de aprovação na generalidade
dos projectos, diferentemente do que sucede com o Regimento da Assembleia da
República, onde, no artigo 158°, se prescreve o objecto da discussão e votação
na generalidade de cada projecto ou proposta de lei. E, ainda que se pudesse
aceitar que a referida aprovação na generalidade, em Conselho de Ministros,
poderia incidir sobre os princípios e o sistema de cada projecto, compreendendo
logicamente a própria opção política de legislar sobre determinada matéria, não
só não se deixa, no entanto, de assinalar que desse mesmo Regimento não resulta
a necessidade de uma tal fase em todos os procedimentos, mas também que nada de
definitivo ocorre com essa aprovação.
Por outro lado, também o Regimento não caracteriza as deliberações de aprovação
ou de rejeição tomadas em Conselho de Ministros. Nomeadamente, nada diz sobre se
elas têm por objecto os projectos na especialidade ou se correspondem a uma
espécie de votação final global, semelhante à que se prevê no artigo 165° do
Regimento da Assembleia da República, sendo certo que esta se sucede a uma fase
de discussão e votação na especialidade, que não está expressamente prevista no
procedimento legislativo governamental.
A ausência de uma fase de discussão e votação na especialidade e a própria
admissibilidade de deliberação de rejeição do projecto, sem que a esta pareça
obstar qualquer eventual deliberação anterior de aprovação na generalidade,
induzem a que a deliberação de aprovação constitua a posição final - decisiva -
do Governo sobre o projecto, na sua globalidade.
Na verdade, ao contrário do que sucede com as deliberações de uma assembleia
política plural, como a Assembleia da República, em que o procedimento
legislativo está ordenado de tal modo que a superação de cada uma das
respectivas fases acarreta a preclusão da reabertura da discussão quanto ao
ponto entretanto ultrapassado, no Regimento do Conselho de Ministros não existe
nenhuma vinculação (auto-vinculação) à irreversibilidade absoluta das
deliberações entretanto tomadas ao longo do referido procedimento. Ou seja, nada
no Regimento do Conselho de Ministros impede que, por exemplo, a própria decisão
de legislar, implícita numa deliberação de aprovação na generalidade por aquele
Conselho (quando ocorra), possa ser posta em causa até ao termo do
correspondente processo legislativo, já que essa vontade política de legislar
deve acompanhar todo o processo legislativo até ao fim.
De resto, a interpretação da norma em causa, quando admite, em casos especiais,
a aprovação na generalidade dos projectos pelo Conselho de Ministros, sem a
audição dos órgãos das Regiões Autónomas, mas faz sustar a aprovação final até
ao transcurso do prazo de audição posteriormente promovida, só tem sentido útil
no pressuposto de que, até esta aprovação final, no amplo leque de deliberações
possíveis previstas no artigo 6° n.º 4 do Regimento, tudo é ainda ponderável e
discutível, incluindo a pronúncia das regiões autónomas sobre matérias
respeitantes à decisão de legislar e aos princípios e sistema do projecto em
causa, podendo reiniciar-se a discussão à luz dos novos dados trazidos pela
participação das regiões. Assim sendo, como, manifestamente, o é, a informação
resultante da audição das regiões autónomas quanto à própria “decisão de
legislar” ou aos “princípios e o sistema de cada projecto ou proposta de lei”
não escapa à performance essencial da discussão.
7.4. Em suma: de tudo quanto se deixa dito há necessariamente que concluir que o
direito de audição constitucionalmente garantido às regiões autónomas (e,
consequentemente, o correspectivo dever de consulta por parte do órgão de
soberania legiferante), não é afectado pelo disposto no n.º 5 do artigo 19.º do
Regimento do Conselho de Ministros do XVII Governo Constitucional, aprovado pela
Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2005, de 15 de Abril.
Assim sendo, a norma constante do n.º 5 do artigo 19° do referido Regimento não
ofende o disposto nos artigos 227°, n.º 1, alínea v) e 229°, n.º 2, da
Constituição.
IV – decisão
Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide não declarar a
inconstitucionalidade da norma contida no n.º 5 do artigo 19º do Regimento do
Conselho de Ministros do XVII Governo Constitucional, aprovado pela Resolução do
Conselho de Ministros n.º 82/2005, de 15 de Abril.
Lisboa, 14 de Fevereiro de
2006
Gil Galvão
Vítor Gomes
Mário José de Araújo Torres
Carlos Pamplona de Oliveira – com declaração
Maria Helena Brito
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (com declaração)
Benjamim Rodrigues
Bravo Serra
(vencido, em parte, nos termos da
declaração de voto que junto)
Artur Maurício
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Acompanho a decisão, quer na parte em que decidiu conhecer do pedido quanto à
norma questionada, quer quanto ao julgamento de não inconstitucionalidade que
acabou por prevalecer.
2. Entendo, contudo, dever manifestar discordância quanto à afirmação de que a
norma em análise projecta efeitos 'na esfera de poderes dos órgãos próprios de
governo das regiões autónomas, consubstanciando uma imposição heterónoma à
vontade desses órgãos e produzindo, assim, efeitos externos' que se lê no ponto
6. do Acórdão. Na verdade, entendo que a norma não interfere, nem visa
interferir, com os poderes próprios das Regiões, e dos respectivos órgãos de
governo, destinando-se, ao contrário, a regular o funcionamento do órgão
Conselho de Ministros, no domínio da sua actividade legislativa, quando deva
ocorrer a audição das Regiões Autónomas. O direito de audição conferido às
Regiões decorre directamente da Constituição e não pode comportar limitações ou
modelações decorrentes da lei ordinária e muito menos de disposições
regulamentares.
É precisamente por isso que entendo ser possível fiscalizar a conformidade
constitucional das normas que visam dar cumprimento, na prática, à aludida
imposição constitucional.
3. Por outro lado, entendo dever manifestar alguma reserva quanto ao apelo, que
no Acórdão se faz, à jurisprudência deste Tribunal sobre o concreto modo de dar
cumprimento ao mesmo comando constitucional.
É que os Acórdãos citados, trazidos à colação a propósito do 'momento da audição
e o objecto possível da pronúncia' das Regiões, são anteriores à 6ª revisão
constitucional (Lei Constitucional n.º 1/2004 de 24 de Julho), pelo que a
jurisprudência que consagram não pode ser automaticamente transposta para a
actualidade sem uma prévia reflexão quanto à influência que comportam as
alterações introduzidas na Constituição (maxime, artigos 227º e 228º) sobre os
poderes legislativos e de participação das Regiões Autónomas.
Carlos Pamplona de Oliveira
Declaração
Votei o acórdão, mas com dúvidas sobre se o Tribunal Constitucional deveria ou
não ter conhecido da norma objecto do pedido de fiscalização da
constitucionalidade. Prevaleceu, por um lado, a forma adoptada (Resolução do
Conselho de Ministros) e, por outro, a matéria regulada (momento da audição de
cada uma das Regiões Autónomas, em aspecto não disciplinado, nem nos respectivos
Estatutos, nem na Lei n.º 40/96, de 31 de Agosto).
Não tenho, todavia, a certeza sobre se a norma em causa não tem apenas a
natureza de mera regra interna de funcionamento de um órgão colegial, sem força
vinculativa externa.
Em síntese, as razões desta dúvida são as seguintes:
O Regimento do Conselho de Ministros passou a ser publicado em Diário da
República mas, na realidade, é, pelo menos na sua quase totalidade, composto por
regras de funcionamento interno cuja observância, ou não é obrigatória, ou não é
susceptível de controlo externo.
Em particular no que respeita ao funcionamento do próprio Conselho de Ministros,
e especialmente quanto aos procedimentos relativos às votações, não é divulgado
senão o 'comunicado final' previsto no artigo 7º. A 'súmula' a que se refere o
artigo 8º – e que, segundo este preceito, dá conta 'das questões (…) submetidas'
a Conselho de Ministros 'e, em especial, das deliberações tomadas' – apenas é
acessível aos membros do Governo (n.º 3 do mesmo artigo 8º), não sendo objecto
de qualquer divulgação.
Não creio, assim, que seja autonomamente 'controlável' a observância do disposto
no n.º 5 do artigo 19º do Regimento.
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido quanto à neste aresto denominada “QUESTÃO
PRÉVIA” (ponto “6. Sindicabilidade da norma questionada”).
Na verdade, entendo que o que se surpreende no item 5 do
artº 19º do Regimento do Conselho de Ministros do XVII Governo Constitucional,
aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 82/2005, de 15 de Abril, não
contém um comando jurídico que se projecta externa ou exteriormente, ainda que
de modo indirecto, indo, dessa forma, impor-se heteronomamente à vontade de
outrem que não o próprio Conselho de Ministros.
A meu ver, o que se consagra naquele item 5 mais não
significa que uma regra de conduta ou um modo de funcionamento prático que será
adoptada pelo órgão de onde emanou o Regimento, se este assim o entender ou, ao
menos, quando entenda justificado proceder do modo ali desenhado (cfr., aliás, a
redacção inicial do mesmo), em nada vinculando quaisquer órgãos ou entidades
para além do próprio Conselho de Ministros, pelo que não descortino nele
qualquer imposição que, mesmo de modo indirecto, se vá repercutir em terceiros.
Neste contexto, a disposição sub iudicio, a meu ver, não
se reveste das características que têm levado este Tribunal a definir qual deva
ser o conceito de norma funcionalmente adequado e que permite a prolação de
juízos a efectuar por ele sobre comandos ditos normativos.
Tenho para mim, inclusivamente, que a demonstração da
ausência de não vinculatividade da prescrição sobre a qual este Tribunal se
pronunciou no aresto a que a vertente declaração se encontra apendiculada,
resulta (incluindo para o próprio órgão de onde emanou o Regimento em que ela se
encontra inserta), ainda que num raciocínio de certo modo circular, dos próprios
termos do presente acórdão, que reconhece não haver, mesmo em relação ao item em
apreço, uma vinculação ou auto-vinculação à irreversibilidade da «aprovação na
generalidade» de um dado projecto de diploma.
Pelo que venho de expor, votei no sentido de se não
tomar conhecimento do pedido, por nos não postarmos perante um conceito
funcional de norma, tal como ele tem sido adoptado por este Tribunal.
Ultrapassado, porém, este particular, na aceitação de
que, como a maioria o entendeu, se figurava no item 5 do artº 19º em causa uma
norma de que o Tribunal pudesse conhecer, votei os demais pontos do presente
acórdão.
Bravo Serra