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Procº nº 365/97 Rel. Cons. Alves Correia
Exposição nos termos do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção da Lei nº 85/89, de
7 de Setembro):
1. Em 26 de Maio de 1997, A. apresentou petição de Habeas Corpus dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do nº 2 do artigo 222º do Código de Processo Penal, com os seguintes fundamentos:
- foi detido preventivamente em 23 de Maio de 1991 à ordem do Processo nº 98/90 da 2ª Secção do 2º Juízo do Tribunal da Comarca do Funchal;
- em 31 de Maio de 1991 foi por esse Tribunal proferido Acórdão que o condenou a
14 anos de prisão e a multa de 1.000.000$00;
- em 26 de Fevereiro de 1992, na 1ª Subsecção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, apreciando os recursos interpostos, agravou-lhe a pena para 17 anos de prisão, e multa de 1.500.000$00;
- em 27 de Janeiro de 1993, o Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, decidindo recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pelo requerente, proferiu o Acórdão nº 2/93, desfavorável às duas pretensões;
- em 31 de Maio de 1995, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a norma constante da alínea f) do artigo 1º do Código de Processo Penal, na interpretação que lhe foi dada pelo Acórdão do Plenário das Secções Criminais, dando razão ao requerente; em consequência, e como determinado no Acórdão nº
279/95 do Tribunal Constitucional, devia a decisão recorrida ter sido
'reformulada em consonância com o decidido sobre a questão da constitucionalidade' - o que, mais de dois anos passados, não foi feito.
3. Por Acórdão de 27 de Junho de 1996 do Supremo Tribunal de Justiça, um anterior requerimento de Habeas Corpus fora já indeferido com fundamento em que o recurso extraordinário de revisão para fixação de jurisprudência não tem efeito suspensivo (nº 3 do artigo 438º do Código de Processo Penal) e, em consequência (nº 3 do artigo 78º da Lei do Tribunal Constitucional), não o tem, também, o recurso para o Tribunal Constitucional. Daqui, resulta, segundo tal Acórdão, o trânsito em julgado do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Fevereiro de 1992 e, portanto, que a situação do requerente é a de cumprimento de uma pena imposta por tribunal competente.
3. Entretanto, pelo Acórdão nº 16/97 (publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Fevereiro de 1997), o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional o próprio Assento nº 2/93 'enquanto interpreta como não constituindo alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica (ou convolação), mas tão-só na medida em que, conduzindo a diferente qualificação jurídico-penal dos factos à condenação do arguido em pena mais grave, não se prevê que este seja prevenido da nova qualificação e se lhe dê, quanto a ela, oportunidade de defesa'.
4. Por Acórdão de 5 de Junho de 1997, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu o requerimento referido em 1, com os mesmos fundamentos do Acórdão de
27 de Junho de 1996 acrescidos de um outro: nos termos do nº 1 do artigo 438º, o recurso extraordinário de revisão para fixação de jurisprudência supõe o trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar. Assim sendo, o requerente continua em cumprimento da pena fixada por decisão com força de caso julgado.
5. Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal nº 318/93 (publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Outubro de 1993, e também no 25º Volume dos Acórdãos do Tribunal Constitucional, pp. 811-828), quando o Tribunal Constitucional é chamado 'a reapreciar decisões dos tribunais reformuladas em sequência de acórdãos proferidos em sede de fiscalização concreta, não deverá intrometer-se na valoração da matéria de facto (...), sem prejuízo de poder conhecer desses recursos sempre que - mas apenas quando - as decisões impugnadas contenham autonomamente os requisitos dessa impugnabilidade, ou porque tenham imetido novo juízo de inconstitucionalidade (caso do Acórdão nº
415 da Comissão Constitucional) ou porque tenham feito aplicação de norma arguida de inconstitucional durante o processo pelo recorrente ou já anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. Faltando estes requisitos o recurso não é admissível mesmo que a decisão recorrida aparentemente se assuma como desrespeitadadora da anterior decisão do Tribunal Constitucional (caso do Acórdão nº 330/92)'.
É certo que no presente caso não se está perante a reapreciação de uma decisão reformulada, porque, justamente, não houve qualquer reformulação da decisão que deu origem ao Assento nº 2/93. Mas, como também se escreveu no citado Acórdão nº 318/93, o Tribunal Constitucional 'só poderá intervir, não como instância de supervisão da execução das suas decisões, mas como instância de recurso, se a segunda decisão do outro tribunal couber autonomamente na previsão das várias alíneas do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82'. Nestes casos, como se sublinhou no mencionado aresto, 'valem as regras gerais que regulam a admissibilidade dos recursos de constitucionalidade'.
6. O presente recurso de constitucionalidade do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Junho de 1997 foi interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Em consequência, para poder ser apreciado por este Tribunal teriam de se verificar os seus pressupostos específicos, a saber:
- invocação da inconstitucionalidade de uma norma durante o processo;
- aplicação dessa norma pela decisão recorrida;
- inadmissibilidade de recurso da decisão recorrida.
Dando cumprimento ao disposto no artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, introduzido pela Lei nº 85/89, de 7 de Novembro, o recorrente invocou a alínea do nº 1 do artigo 70º ao abrigo da qual pretende que o Tribunal Constitucional se pronuncie, a norma cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada [alínea e) do nº 1 do artigo 214º do Código de Processo Penal], as normas constitucionais violadas (nº 3 do artigo 282º, nºs. 2 e 3 do artigo
27º, nº 4 do artigo 28º e artigo 32º) e a peça processual onde a questão de inconstitucionalidade foi suscitada ('requerimento de Habeas Corpus'). Tal cumprimento formal dessas exigências não é suficiente para preencher os requisitos de admissibilidade do recurso, pelo que, pela razão que adiante se indica, este devia ter sido indeferido (nº 2 do artigo 76º da Lei do Tribunal Constitucional). Em qualquer caso, como a decisão sobre a admissibilidade do recurso não vincula o Tribunal Constitucional (nº 3 do citado artigo), não se deverá agora conhecer do mesmo.
7. Essa razão consiste basicamente no seguinte: o requerimento da providência de Habeas Corpus (onde, segundo o recorrente, foi suscitada invocada a inconstitucionalidade normativa que o Tribunal deveria apreciar - momento necessário para que o requisito da invocação da inconstitucionalidade de uma norma durante o processo fosse preenchido) é completamente omisso quanto à imputação da inconstitucionalidade a uma qualquer norma: o que aí se faz é relatar os vários trâmites processuais que interferiram com a prisão do recorrente, incluindo as pronúncias do Tribunal Constitucional sobre o Acórdão do Plenário de 27 de Janeiro de 1993 e sobre o Assento da mesma data, e reclamar quanto à omissão de cumprimento da reforma daquelas decisões quanto à questão de constitucionalidade.
8. O fundamento anteriormente referido é quanto basta para se concluir pela ausência de um dos pressupostos específicos do recurso de constitucionalidade previsto no artigo 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional. Entendo, por isso, que não se deve conhecer do recurso.
Ouçam-se as partes, por cinco dias, nos termos da parte final do nº
1 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional.
Lisboa, 15 de Julho de 1997
Procº nº 365/97 ACÓRDÃO Nª 585/97 Rel. Cons. Alves Correia
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figuram como recorrente A. e como recorrido o Ministério Público, pelo essencial dos fundamentos da Exposição do relator de fls. 73-79 - à qual o recorrente não respondeu e que mereceu a inteira concordância do recorrido -, decide-se não tomar conhecimento do recurso e condenar o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em três Unidades de Conta.
Lisboa, 08 de Outubro de 1997 Fernando Alves Correia Bravo Serra José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Messias Bento José Manuel Cardoso da Costa