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Processo n.º 1039/2004
3.ª Secção. Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Em 20 de Dezembro de 2004 o relator proferiu seguinte decisão:-
“1. Não se conformando com o acórdão tirado em 27 de Maio de 2003 pela
7ª Vara Criminal de Lisboa que - pela prática de factos que foram subsumidos ao cometimento, em co-autoria, de um crime de burla agravada, previsto e punível pelos artigos 217º e 218º, nº 2, alínea a), do Código Penal e de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 203º, nº 1, e 204º, nº 1, alínea a), do mesmo corpo de leis - além do mais, condenou, cada um, na pena
única de cinco anos de prisão, recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça os arguidos A. e B..
Tendo-se o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 17 de Dezembro de 2003, declarado incompetente para conhecer do recurso - já que o mesmo também incidia sobre matéria de facto - e determinado a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, este último órgão de administração de justiça, por acórdão de 12 de Maio de 2004, veio a negar provimento do recurso.
Irresignados, recorreram os arguidos de tal aresto para o Supremo Tribunal de Justiça.
Na alegação adrede produzida, os arguidos não suscitaram, de todo em todo, qualquer questão de desconformidade com a Lei Fundamental por banda de norma ou normas constantes do ordenamento jurídico infra-constitucional.
Na verdade, em tal motivação, no que ora releva, surpreendem-se apenas as seguintes asserções, em que se vislumbram as únicas referências ao Diploma Básico:-
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15 - o julgador pode ficar na posse de todos os elementos suficientes e necessários para a boa decisão da matéria de facto provada. Não o tendo feito,
16 - como de facto não fez, o douto colectivo, que procedeu ao julgamento dos arguidos e também o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que manteve a decisão da primeira instância, violaram o nº 1 do artº 32º da Constituição da República Portuguesa, alínea a) do artigo 323º e nº 2 do artigo 327º ambos do Código de Processo Penal. Por isso,
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FACE AO EXPOSTO E EM CONCLUSÃO:
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13 - ao actuar como actuou, o douto colectivo, que procedeu ao julgamento dos arguidos e também o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que manteve a decisão da primeira instância, violaram o nº 1 do artº 32º da Constituição da República Portuguesa, alínea a) do artigo 323º e nº 2 do artigo 327º ambos do Código de Processo Penal;
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Tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 27 de Outubro de
2004, rejeitado o recurso, recorreram os arguidos para o Tribunal Constitucional, dizendo no requerimento consubstanciador da impugnação:-
‘A. e B., já identificados nos autos à margem referenciados, tendo sido notificados da douta decisão, que rejeitou a admissibilidade do recurso por eles interposto para este Alto Tribunal, vêm, muito respeitosamente, atento o previsto e estatuído no nº 1 alínea b) do artigo 70º , alínea b) do artigo 72º, nº 1 do artigo 75º, nº 1 do artigo 75º-A, todos da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro, interp[o]r recurso para o Tribunal Constitucional, para o que, requereram o benefício do apoio judiciário (ver. Doc. nº 1 e 2), por entenderem, sempre com o devido respeito por opinião expressa em contrário, que o tribunal
‘a quo’, ao violar como violou, como se demonstrará em sede de alegações a produzir nos termos do nº 1 do artigo 79º da já supra citada Lei nº 28/82, a alínea a) do artigo 323º e nº 2 do artigo 327º ambos do Código de Processo Penal, violou também o estipulado no nº1 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, violações essas, que foram aduzidas e não atendidas, nas motivações de recurso interposto junto do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça pelos ora requerentes e constantes de fls
... dos sobreditos autos’.
O recurso interposto pelo transcrito requerimento foi admitido por despacho prolatado em 23 de Novembro de 2004 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça.
2. Porque um tal despacho não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº
76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento da presente impugnação.
Na verdade, e não olvidando que se está perante um recurso esteado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, não só, como resulta do relato supra efectuado, antes da prolação do acórdão intentado impugnar, os recorrentes não suscitaram qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, como também, e isso igualmente resulta do aludido relato, aquilo que os mesmos pretendem é levar à análise deste Tribunal uma, na sua óptica, violação da Constituição por parte da decisão jurisdicional.
Ora, como sabido é, objecto dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade são normas constantes do ordenamento jurídico infra-constitucional e não quaisquer outros actos do poder público tais como, verbi gratia, as decisões judiciais qua tale consideradas.
Neste contexto, não se toma conhecimento do objecto do recurso, condenando-se os impugnantes nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em seis unidades de conta”.
Da transcrita decisão vieram os arguidos reclamar, o que fizeram por intermédio de requerimento do seguinte teor:-
“A. e B., já identificados nos autos à margem referenciados, tendo sido notificados da douta decisão proferida a folhas... dos sobreditos autos, a qual rejeitou o conhecimento do recurso por si interposto para o Tribunal Constitucional, vêm, muito respeitosamente, atento o previsto e estatuído no nº l do artigo 77°, conjugado com o nº3 do artigo 78-A e nº 2do artigo 78°-B, todos da Lei nº28/82 de 15 de Novembro, reclamar da sobredita rejeição, o que fazem nos seguintes termos:
1 - atento o artigo 6° da já- citada Lei nº28/82 incumbe ao Tribunal Constitucional, apreciar a inconstitucionalidade e a legalidade, ou seja,
2 - é ao Tribunal Constitucional, que cabe a honrosa tarefa, de verificar se as normas constantes em qualquer instrumento jurídico, legislativo ou outro, estão ou não, em conformidade com a nossa Lei das leis. Ao mesmo tempo,
3 - salvo o devido respeito por melhor opinião, incumbe também ao Tribunal Constitucional, verificar se os tribunais nas suas várias instâncias, aplicam o direito conforme os ditames impostos pela nossa Lei Fundamental. Ora,
4 - no caso em apreço e sempre com o devido respeito por opinião expressa em contrário, entendemos, que o tribunal a quo, não aplicou o direito conforme o ordenado e imposto pela Constituição da República Portuguesa e tal facto, foi aduzido pelos ora reclamantes nas motivações de recurso por si apresentados. Na verdade,
5 - salvo melhor opinião, existem preceitos Constitucionais, que são para todos os efeitos, normas imperativas absolutas, ou seja, que não podem ser afastadas pela vontade de qualquer Colectivo de Meritíssimos Juizes, ou qualquer outro
Órgão Jurisdicional. De contrário,
6 - a nossa LEI das leis, não passaria de um Instrumento composto por duzentos e noventa e cinco artigos, mas despida de qualquer valor Fundamental, o que, nem de perto, nem de longe, se coaduna com o real valor e respeito que a nossa Constituição possui e merece. Chegados aqui,
7 - conforme já foi abundantemente alegado nos sobreditos autos, no caso em análise, o tribunal a quo, não cumpriu o previsto e estatuído no artigo 32° da Constituição da República Portuguesa. De facto,
8 - o tribunal a quo, sem mais, dispensou a Assistente, C., de prestar declarações em sede de audiência de julgamento. Tal factualidade,
9 - teve como consequência, sonegação aos aqui reclamantes do instrumento a utilizar em sua defesa, consubstanciado no princípio do contraditório. ao qual está subordinado o processo criminal, previsto no nº5 do já citado artigo 32° da nossa Lei Fundamental e cuja garantia de aplicação está assegurada de forma imperativa absoluta, no nº l do já acima citado artigo 32° da nossa. LEI das leis. Por isso,
10 - sempre com o devido respeito por melhor opinião, deve a presente reclamação ser atendida e consequentemente, deve ser admitido o recurso interposto pelos reclamantes para o Tribunal Constituciona1, tudo com as legais consequências. TERMOS EM QUE, Com o mui douto suprimento de V. as Ex.as, deve a presente reclamação merecer provimento por parte da douta Conferência, devendo o recurso interposto pelos reclamantes ser admitido, de forma a cumprir-se a nossa LEI das leis, em especial, no que tange ao constante no seu Capítulo Primeiro, Título Segundo, Direitos, Liberdades e Garantias, artigo 24 º e seguintes da mais uma vez citada Constituição da República Portuguesa, o que se requer”.
Notificado da presente reclamação, o Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de a mesma ser manifestamente improcedente.
De seu lado, a assistente C. igualmente veio propugnar pelo indeferimento da reclamação, acrescentando que, não sendo crível que “o Mandatário dos Reclamantes desconheça a total falta de fundamento ou sustentação legal, do requerimento que agora vem apresentar”, pleiteando “contra lei expressa, violando o artigo 78 b) do EOA (D.L. 84/84, de 13 de Março), não levou em conta o teor do despacho nem a lei em que ele se baseia, quando minutou a Reclamação”, veio requerer a condenação dos reclamantes, como litigantes de má fé, a pagarem a ela, assistente, “nos termos do disposto nos artigos 456 a 459 do C.P.C.”, “multa condigna, que minimize os custos com a prestação de serviços de advocacia a que esta, sendo reformada e de condição económica débil - por culpa exclusiva dos Reclamantes - tem, assim, que sistematicamente recorrer”, multa esse não inferior a duzentos e cinquenta Euro.
Ouvida sobre o pedido de condenação como litigantes de má fé, vieram os reclamantes apresentar requerimento no qual continuaram a pugnar com argumentos em tudo semelhantes aos invocados na reclamação, concluindo que “o tribunal a quo, violou os preceitos constitucionais, que acima ficaram enunciados e tendo em consta o constante no nº 1 do artigo 223º da nossa Lei das Leis, resta-lhes recorrer para o Tribunal Constitucional” e que “face à questão suscitada pela Assistente C., entendemos por bem referir que, no que tange à JUSTIÇA, em especial, no que diz respeito à JUSTIÇA criminal, a Nação Portuguesa organizada em Estado, e ao invés daquilo que, infelizmente dizemos nós, já é apregoado por muitos, não pode ser encarado como qualquer produto, susceptível de avaliação económica”.
Cumpre decidir.
2. Basta ler a peça processual em que se verte a reclamação ora em apreço para se verificar que na mesma, de todo em todo, não são infirmadas as razões que conduziram à decisão impugnada.
Aliás, dos termos utilizados no pretório da reclamação extrai-se que os impugnantes desconhecem o sistema de recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade normativa, por isso que nem sequer logram indicar minimamente qual teria sido o normativo infra-constitucional cuja desarmonia com a Lei Fundamental questionaram precedentemente ao aresto intentado recorrer perante o Tribunal Constitucional, sendo certo ainda que, talqualmente sucedeu com o requerimento de interposição do recurso para ele interposto, não é indicada a norma cuja apreciação da conformidade constitucional é pretendida analisar, pois que, repetem, pretendem, isso sim, por em causa a decisão tirada (ao que tudo indica no tribunal de 1ª instância e que teria sido mantida pelo Tribunal da Relação de Lisboa) a qual, na sua
óptica, teria postergado um devido contraditório.
Como se disse na decisão em análise - e agora se reitera, vistos os artigos 70º, nº 1, da Lei nº 28/82 e 280º da Constituição -, o objecto dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade e ilegalidade são normas ínsitas no ordenamento jurídico ordinário e não outros actos do poder público como, por exemplo, as decisões judiciais consideradas em si.
Ora, como não houve questionamento de qualquer norma ordinária, nem ela constituiu objecto do recurso, é patente que não merece censura a decisão reclamada.
2.1. No que se prende com o pedido de condenação em multa dos reclamantes como litigantes de má fé, sublinha-se que não é perfeitamente entendível - sendo aduzido que a conduta dos reclamantes tem “como
único objectivo, afastar temporalmente a execução da pena cominada”, e que eles
“nada fizeram, na prática - apesar de o poderem fazer - para aligeirar, pagando
- ou, sequer, propondo forma de pagar - o que devem à Reclamada” e que essa mesma conduta processual tem causado prejuízos à reclamada, demandando a prestação de serviços de advocacia - que seja formulado um pedido de condenação em multa, não se solicitando uma condenação em indemnização.
Seja como for, o que é certo é que a falha de conhecimento do que constitui o objecto dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade - o que motivou a interposição de recurso para este Tribunal, consequenciando a prolação da decisão reclamada -, por si só, não indicia uma actuação dolosa ou gravemente negligente consubstanciadora da dedução de uma pretensão cuja falta de fundamentos os reclamantes não podiam ignorar ou de um uso manifestamente reprovável na interposição daquele tipo de impugnação, uso esse iluminado pelo propósito de protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado das decisões tomadas na ordem dos tribunais judiciais.
A indevida interposição de recurso e a reclamação em análise, por ora, configuram-se como meios de litigância temerária, sendo, do mesmo passo, reveladoras de um desconhecimento das peculiaridades deste tipo de impugnação que, embora criticável tecnicamente, ainda não chegam, não vindo elas a ser reiteradas, para a formulação de um juízo de litigância de má fé.
Na verdade, tal como tem sido entendido por jurisprudência firme, condutas processuais do jaez da que agora se assiste como prosseguida pelos reclamantes, só por si, e não repetidas após a pronúncia do tribunal que não atenda às pretensões nelas consubstanciadas, não podem, sem mais, subsumir-se ao conceito de litigância de má fé.
Não procede, por isso, a pretensão formulada pela assistente.
Neste contexto, indefere-se a reclamação, condenando-se os impugnantes nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte e cinco unidade de conta.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2005
Bravo Serra Gil Galvão Artur Maurício