Imprimir acórdão
Processo n.º 516/04
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam na 2.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1.Em 5 de Novembro de 2002, A. intentou no Tribunal de Trabalho de Vila Nova de
Gaia acção emergente de contrato de trabalho contra B., pedindo que esta fosse
condenada a reconhecer a ilicitude da declaração, emitida em 21 de Dezembro de
2001, de não renovação do contrato de trabalho a termo certo, celebrado entre
ambos em 10 de Julho de 2000, ao abrigo da alínea h) do n.º 1 do artigo 41º do
Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, e sua consequente reintegração nos
quadros daquela empresa.
Por sentença datada de 4 de Fevereiro de 2003 a acção foi julgada parcialmente
procedente, e a demandada condenada a reintegrar o trabalhador sem prejuízo da
sua antiguidade, por se entender que o motivo justificativo da contratação a
termo “não está devidamente indicado no contrato” (faltaria a indicação da idade
do trabalhador ao tempo da celebração do contrato e ainda a menção da sua
inscrição no Centro de Emprego para estarem preenchidos todos os elementos da
alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º, do referido Decreto-Lei). Decidiu-se que,
sendo “consequentemente a estipulação do termo (..) nula”, o contrato deve “ser
considerado sem prazo e por via disso a caducidade operada relativamente a tal
contrato equivale a despedimento sem justa causa nem processo disciplinar, sendo
consequentemente nulo, assistindo ao autor direito à reintegração, sem prejuízo
da categoria e antiguidade (reportada a 10.07.2000).”
2.A demandada interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto,
no qual concluiu:
«A) – A Recorrente cumpriu inteiramente o preceituado na alínea h) do n.° 1 do
art.º 41.° do Regime Anexo ao Dec.-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, no art.º
42.º do mesmo diploma citado, no n.º 1 do art.º 2.º do Dec.-Lei n.º 34/96, de 18
de Abril, e no Dec.-Lei n.º 132/99, de 21 de Abril.
B) – Do contrato em apreciação constam todos os requisitos de forma exigidos no
art.º 42.° do Dec.-Lei n.° 64-A/89, de 27/02, ou seja, o contrato foi reduzido a
escrito, assinado por ambas as partes e continha todas as indicações previstas
nas alíneas a) a f) do n.° 1 da mesma norma.
C) – O legislador, se quisesse esclarecer o sentido da alínea h) do n.º 1 do
art.º 41.º do DL 64-A/89, teria alterado o preceito com a Lei 18/2001, de 3 de
Julho e não o fez.
D) – A Douta decisão viola o princípio da segurança jurídica e da protecção da
confiança dos cidadãos, corolário do princípio do Estado de Direito democrático,
plasmado no art.º 2.° da Constituição da República Portuguesa.
E) – A Douta Sentença em apreço confunde o requisito exigível para que alguém
seja trabalhador à procura do 1° emprego, maxime “nunca ter sido contratado por
tempo indeterminado”, com os requisitos que caracterizam as condições de
exercício de certo direito in casu o direito que a ora Recorrente teria aos
incentivos do Estado por participar de forma activa na política de emprego.
F) – Mas, mesmo que a Recorrente tivesse beneficiado das isenções e restantes
benefícios consagrados naquela legislação, sempre se teria que considerar por
justificada, concreta e expressamente, a motivação utilizada no contrato em
apreciação, bem como preenchidos todos os requisitos de forma do contrato.
G) – Muito embora a contratação do Recorrido não tenha subjacente necessidades
da Recorrente, mas sim características próprias dos trabalhadores, à cautela
refira-se que estão há muito provadas as necessidades da Recorrente de recurso à
contratação a termo.
H) – Por outro lado, estão preenchidos os requisitos de forma do contrato
exigidos no art.º 42.º do Regime Anexo ao Dec.-Lei n.° 64-A/89, de 27/02, que,
salvo a alteração operada pela Lei n.° 18/2001, de 03/07, à alínea f) do n.° 1
da mesma norma, em nada foram alterados, nomeadamente quanto à indicação da
idade e da inscrição no Centro de Emprego no texto contratual.
I) – Mas, mesmo que assim se não entenda, e salvo melhor opinião, faz a, aliás,
Douta Sentença Recorrida uma interpretação que não se coaduna com o disposto no
art.º 9.° do Cód. Civil, nos termos do qual:
“1. (...).
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que
não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que
imperfeitamente expresso.
3. (...).”
J) – Porquanto a Recorrente, não tendo beneficiado com a contratação do
Recorrido de quaisquer apoios resultantes da legislação aplicável à contratação
de jovens à procura do primeiro emprego ou de desempregados de longa duração,
maxime os Dec.-Leis n.° 89/95, de 06/05, e n.° 34/96, de 18/04, não lhe pode ver
exigido o preenchimento de requisitos que, nos termos dessa mesma legislação,
estão previstos para os casos expressamente nela consagrados (vd. art.º 3.°, n.º
1, do Dec.-Lei n.° 89/95, de 06/05, e art.º 2.°, n.º 1, do Dec.-Lei n.° 34/96,
de 18/04).
K) – Além disso, o disposto na legislação supra referida, no que respeita à
idade e à inscrição no Centro de Emprego, não pode ser visto como exigências ou
requisitos de forma do contrato - em lado algum é exigido que do contrato conste
a indicação da idade e a menção da inscrição no Centro de Emprego - apenas se
refere que a idade é “aferida à data da celebração do contrato”, nada mais se
dizendo, nomeadamente que a consequência para a falta dessa “aferição” é a
conversão do contrato a termo em contrato sem termo, nem tão pouco por que forma
é verificada a inscrição no Centro de Emprego.
L) – E, muito embora a Recorrente não tenha contratado o Recorrido por este ser
Jovem à Procura do Primeiro Emprego ou Desempregado de Longa Duração, mas sim
por se tratar de Trabalhador à Procura do Primeiro Emprego, sempre se teria que
considerar efectuada a aferição da idade do Recorrido - com efeito, do texto do
contrato consta a indicação do número do seu Bilhete de Identidade e,
consequentemente, da sua data de nascimento a qual, aliás, consta dos elementos
que a Recorrente colhe de todas as pessoas que prestam serviço nas suas
instalações, nomeadamente ao abrigo de contratos de trabalho a termo.
M) – Também o princípio da segurança jurídica e da confiança que Decisões dos
Tribunais Superiores conferem estaria violado caso se mantenha o entendimento
expresso na Douta Sentença Recorrida.
N) – Com efeito, foram várias as Decisões que consideraram lícita a contratação
efectuada pela Recorrente com o fundamento na contratação de trabalhador à
procura do primeiro emprego desde que no contrato a termo constassem as
indicações do regime legal ao abrigo do qual a contratação é efectuada (a alínea
h) do n.º 1 do art.º 41.° do Regime Anexo ao Dec.-Lei n° 64-A/89, de 27/02) e a
declaração dos contratados em como nunca haviam sido contratados por tempo
indeterminado.
O) – E nenhuma delas referia a exigência de no contrato constar a indicação da
data e da inscrição no Centro de Emprego do contratado a termo.
P) – Além da Jurisprudência referida nas Alegações deste recurso, também o
Ministério do Emprego se manifestou neste sentido à data da publicação do
Dec.-Lei n.° 64-A/89, de 27/02, tendo considerado como trabalhador à procura do
primeiro emprego aquele que nunca antes tenha sido contratado por tempo
indeterminado.
Q) – Ao decidir como decidiu, violou a Douta Sentença a Lei e, em especial, o
art.º 9.º, n.º 2, do Cód. Civil e os artigos 41.º, 42.º e 46.° do Regime Anexo
ao Dec.-Lei n.° 84-A/89, de 27/02.»
Nas suas contra-alegações, o autor pediu a manutenção da decisão recorrida,
concluindo, no que ora importa:
“(...)
5. O art.º 53.º da CRP consagra o princípio da segurança no emprego, sendo por
isso proibidos os despedimentos sem justa causa. Conforme referem J. J. Gomes
Canotilho e Vital Moreira (in Const. Rep. Port. anot., 3ª ed., art.º 53.º) o seu
âmbito de protecção abrange todas as situações que se traduzam em precariedade
da relação de trabalho.
Sendo o trabalho a termo um trabalho precário, contrário, pois, em princípio à
segurança do mesmo, a aposição do prazo nos contratos deve ficar devidamente
justificada nos contratos. De resto, essa é a pressuposição firme das normas que
regem a contratação a termo.
A interpretação da referida alínea h) do art.º 41.º, do DL 64-A/89, com o
sentido da que basta a declaração no contrato, nos termos da qual o contratante
nunca usufruiu de contrato por tempo indeterminado, para que fique preenchida a
hipótese legal, parece manifestamente insuficiente tanto pelos abusos a que pode
dar origem, como pela indeterminação que da mesma decorre.
Se assim for, como parece que é, a eventual aplicação da norma com o dito
sentido é violadora do princípio constitucional da segurança no emprego.”
O Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto concluiu no seu
parecer que o recurso merecia integral provimento, seguindo a tese dominante na
jurisprudência “da suficiência daquelas referência [à alínea h) do n.º 1 do
artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89] e declaração [em que o trabalhador
declarou nunca ter sido contratado por tempo indeterminado], tal como constam do
contrato em apreço, para assegurar a validade da estipulação do termo ao abrigo
da dita al. h)”.
Por acórdão de 2 de Fevereiro de 2004, o Tribunal da Relação do Porto decidiu
julgar procedente o recurso de apelação e, consequentemente, revogar a decisão
recorrida, substituindo-a por outra a absolver o réu do pedido. Pode ler-se
neste aresto:
«(...)
Da validade da estipulação do termo no contrato celebrado em 10.07.2000
Na sentença considerou-se que no contrato em questão não vem indicado a idade do
Autor nem se o mesmo se encontra inscrito no Centro de Emprego, a determinar que
não foram cumpridas as exigências do art.º 42.º da L.C.C.T. com referência ao
D.L. 34/96, de 18/4, sendo, assim, a estipulação do termo nula.
Que dizer?
Antes de tudo cumpre referir que tendo o contrato de trabalho em questão sido
celebrado em 10.7.00 ao mesmo não é aplicável a Lei 18/01, de 3/7, por naquela
data a mesma não estar em vigor.
Cumpre, pois, analisar o dito contrato a termo tendo em conta o art.º 3.º, n.º
1, da Lei 38/96, na redacção anterior à Lei 18/01, e o art.º 53.º da C.R.P..
Determina o art.º 42.º, n.º 1, al. e), do D.L. 64-A/89 que o contrato de
trabalho a termo, certo ou incerto, está sujeito a forma escrita, devendo ser
assinado por ambas as partes e conter as seguintes indicações... “prazo
estipulado com indicação do motivo justificativo”, motivos que se encontram
expressamente indicados no art.º 41.º, do citado D.L.
E o art.º 41.º, n.º 2, do D.L. 64-A/89 dispõe que a celebração de contratos a
termo fora dos casos previstos no n.º 1 importa a nulidade da estipulação a
termo.
O contrato celebrado entre as partes teve por fundamento o disposto na al. h) do
n.º 1 do art.º 41.º da L.C.C.T. (contratação de trabalhador à procura de
primeiro emprego ou de desempregados de longa duração), pelo que estava o Réu
obrigado a “mencionar concretamente os factos e circunstâncias que integram esse
motivo” (art.º 3.º, n.º 1, da Lei 38/96, de 31/8).
E no contrato consta o motivo justificativo da celebração do mesmo?
A resposta passa pela análise da seguinte questão: se no caso bastará indicar,
no contrato, a declaração do trabalhador de que nunca foi contratado por tempo
indeterminado para se concluir pela atendibilidade do motivo (art.º 3.º, n.º 1,
da Lei 38/96).
Há que referir, antes de tudo, que a al. h) do n.º 1 do art.º 41.º da L.C.C.T.
está “relacionad[a] com a política de emprego, de molde a evitar ou reduzir o
número de desempregados” - Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, p. 621.
E na data da celebração do dito contrato encontravam-se em vigor os D.L. 89/95,
de 6/5 e 34/96, de 18/4, que vieram incentivar a criação de emprego para jovens
à procura de 1º emprego e de desempregados de longa duração, atribuindo, o
primeiro, dispensa temporária de pagamento de contribuições para o regime geral
de segurança social (art.º 1.º do D.L. 89/95) e o segundo, apoios financeiros
(art.º 1.º do D.L. 34/96), às empresas que aderiam à contratação daqueles
trabalhadores.
E ambos os diplomas têm como campo de aplicação e como pressuposto a contratação
sem termo (art.º 7.º do D.L. 34/96, e art.º 5.º, n.º 1, do D.L. 89/95).
E se no espírito do legislador está a preocupação de criar postos de trabalho
com carácter duradouro (dando incentivos às empresas), admitiu ele igualmente a
contratação daqueles trabalhadores por contrato a termo certo, como medida
excepcional, tendo em vista combater o desemprego (art.º 41.º,[n.º 1,] al. h),
da L.C.C.T.), sendo condição para tal contratação a termo que nunca aqueles
tenham sido contratados por tempo indeterminado.
Assim se conclui que a contratação a prazo tem por pressuposto, para efeitos do
art.º 41.º, do D.L.64-A/89, a não contratação do trabalhador por tempo
indeterminado.
Os demais requisitos previstos no art. 2.º, n.º l, do D.L. 34/96 e no art.º 3º,
do D.L. 89/95 são unicamente pressupostos da atribuição de apoios financeiros e
isenção de pagamento de contribuições, respectivamente, e não pressupostos para
a celebração de contratos a prazo (os citados D.L. pressupõem antes a celebração
de contratos de trabalho sem prazo).
E estando em causa a criação de postos de trabalho, o legislador, com vista a
combater o desemprego, admitiu que se as empresas não celebram com aqueles
trabalhadores contratos de trabalho sem prazo, pelo menos poderão celebrar com
eles contratos a termo se estes nunca foram contratados por tempo indeterminado
(cfr. acórdão do S.T.J. de 26.4.99, no B.M.J., 486 p.217).
Assim, se conclui que do contrato de trabalho celebrado em 10.7.00 bastava ao
Réu indicar no mesmo que o trabalhador nunca fora contratado por tempo
indeterminado, para o motivo poder ser atendível nos termos do art.º 41.º, [n.º
1], al. h), do D.L. 64-A/89 e do art.º 3º, n.º1, da Lei 38/96.
A atendibilidade do motivo determina que a sentença não pode manter-se, sendo
certo que a conclusão a que se chegou não colide com o disposto no art.º 53º da
C.R.P.»
3.A. interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea
b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade da
norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea h), do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de
Fevereiro, com a interpretação que lhe foi dada na decisão recorrida, por
entender que, “tal norma, com a interpretação dada no douto acórdão viola
seguramente o art.º 53.º [da] CRP, na acepção de que a segurança do emprego
abrange todas as situações que se traduzam em precariedade da relação de
trabalho (CRP anot., Gomes Canotilho, 3ª ed. anot. X, art.º 53.º)”.
Admitido o recurso, foi determinada a produção de alegações que o recorrente
encerrou desta forma:
«1ª – O douto acórdão recorrido revogou a douta decisão de 1ª instância,
considerando que o contrato a termo (e por certo os demais anteriormente
celebrados) celebrado entre o recorrente e a entidade patronal era lícito,
quanto à aposição do termo, por se bastar com a simples indicação de que o
recorrente não tinha sido anteriormente contratado por tempo indeterminado;
2ª – Evidenciam os autos que o mesmo recorrente já tinha celebrado com a mesma
entidade patronal vários contratos com termo certo, por prazo prorrogável de 6
meses, para exercer a mesma função e no mesmo local de trabalho, sempre ao
abrigo da disposição legal contida no art.º 41.º-1, al.ª h), DL 64-A/89;
3ª – A interpretação que o douto acórdão dá à norma em questão permite
seguramente que o mesmo trabalhador ocupe o mesmo posto de trabalho mediante
sucessivos contratos de trabalho de termo certo, sem que daí lhe advenha algum
direito de manter o posto de trabalho;
4ª – Tal interpretação é contrária à regra da estabilidade que deve presidir à
contratação laboral e afirmada pelo Tribunal Constitucional no seu acórdão
581/95 (DR, I Série-A, de 22-1-96), sendo por isso incompatível com os
princípios constitucionais previstos nos art.°s 53.º e 58.º da CRP;
5ª – Ainda que se admita que a norma constante do art.º 41.º-1, al.ª h) não
viola em si qualquer princípio constitucional, por se justificar no âmbito de
uma política de emprego, certo é que a aplicação da referida norma, com a
interpretação dada pelo douto acórdão recorrido, permite o recurso
indiscriminado e inconsiderado à contratação a termo, insindicável pelo próprio
tribunal, e nessa medida deve ser seguramente inconstitucional;
6ª – Pelo exposto, a referida interpretação e aplicação da norma constante do
douto acórdão recorrido, de que basta a simples menção no contrato a termo de o
contratante não ter sido contratado por tempo indeterminado, viola, entre o
mais, os princípios consagrados nos art.ºs 1.º, 53.º, 58.º e 59.º [da] CRP.»
Por parte da recorrida não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
4.O recorrente pretende ver apreciada a constitucionalidade da alínea h) do n.º
1 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro – rectius do
“Regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração
e caducidade do contrato de trabalho a termo”, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
64-A/89, de 27 de Fevereiro –, com a interpretação que lhe foi dada na decisão
recorrida, ou seja, de “que o contrato a termo (...) celebrado entre o
recorrente e a entidade patronal era lícito, quanto à aposição do termo, por se
bastar com a simples indicação de que o recorrente não tinha sido anteriormente
contratado por tempo indeterminado”. Isto porque, segundo o recorrente, “a
interpretação que o douto acórdão dá à norma em questão permite seguramente que
o mesmo trabalhador ocupe o mesmo posto de trabalho mediante sucessivos
contratos de trabalho de termo certo, sem que daí lhe advenha algum direito de
manter o posto de trabalho”, e tal interpretação seria “contrária à regra da
estabilidade que deve presidir à contratação laboral e afirmada pelo Tribunal
Constitucional no seu acórdão 581/95”, e “por isso incompatível com os
princípios constitucionais previstos nos art.°s 53º e 58º [da] CRP”.
A referida norma tem a seguinte redacção:
“Artigo 41º
(Admissibilidade do contrato a termo)
1 – Sem prejuízo do disposto no artigo 5º [sobre trabalhadores em idade de
reforma], a celebração de contrato de trabalho a termo só é admitida nos casos
seguintes:
a) ...
b) ...
c) ...
d) ...
e) ...
f) ...
g) ...
h) Contratação de trabalhadores à procura de primeiro emprego ou de
desempregados de longa duração ou noutras situações previstas em legislação
especial de política de emprego.
2 – ...”
No caso em apreço, o recorrente foi contratado a termo ao abrigo do disposto na
primeira parte da alínea h) do n.º 1 do artigo 41º do Regime Jurídico aprovado
pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, isto é, a contratação a termo
teve como fundamento ser aquele um trabalhador à procura do primeiro emprego,
dizendo-se no contrato de trabalho que o recorrente não tinha sido anteriormente
contratado por tempo indeterminado.
Antes de mais, cumpre notar que não cabe a este Tribunal indagar da veracidade,
ou não, dessa declaração do trabalhador, contida no contrato de trabalho
(cláusula 5ª), de que nunca fora contratado por tempo indeterminado. Em causa no
presente recurso pode apenas estar a conformidade da norma aplicada pelo
tribunal recorrido, com base na factualidade que considerou relevante. Há, pois,
que partir do princípio de que essa declaração, pelo trabalhador, nos termos da
cláusula 4ª do contrato de trabalho, não foi falsa, pois tal falsidade não ficou
provada e não foi com base nela que se pronunciou o tribunal recorrido.
Estaria, pois, em causa a conformidade constitucional da alínea h) do n.º 1 do
artigo 41º do Decreto-Lei n.º 64/89, de 27 de Fevereiro, com a interpretação de
que basta para preencher a hipótese de “contratação de trabalhadores à procura
de primeiro emprego” a indicação no contrato de “que o trabalhador nunca fora
contratado por tempo indeterminado” – sem se tornar necessário, desde logo, o
preenchimento de outros requisitos formais (como os previstos nos Decretos-Leis
n.ºs 89/95 e 34/96, respectivamente de 18 de Abril e 6 de Maio). Deve, porém,
notar-se ainda que a questão de constitucionalidade, na medida em que se reporta
ao requisito formal consistente na indicação efectuada no contrato de trabalho,
deveria ser formulada com referência à norma do “Regime jurídico da cessação do
contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de
trabalho a termo” que trata desses requisitos formais do contrato de trabalho –
mais precisamente, com referência ao artigo 42.º, n.º 1, alínea e), desse
diploma, nos termos do qual do contrato de trabalho deve constar o “prazo
estipulado com indicação do motivo justificativo”. Todavia, considera-se que a
questão da suficiência da indicação, pelo trabalhador, no contrato de trabalho,
de que ainda não fora contratado por tempo indeterminado pode também ser
referida à norma que define os pressupostos substanciais para a admissibilidade
do contrato de trabalho a termo – o artigo 41.º, n.º 1, alínea h), impugnado no
presente recurso –, para o efeito de se apreciar se é ou não conforme à
Constituição aquela indicação para preencher este requisito substancial.
O que está em causa é, pois, saber se para se considerar que se está perante
contratação de trabalhadores à procura de primeiro emprego basta a declaração
pelo trabalhador, no contrato de trabalho– cuja veracidade não é posta em causa
–, de que nunca fora contratado por tempo indeterminado. Ou, por outras
palavras: a interpretação do referido artigo 41.º, n.º 1, alínea h), no sentido
de que se verifica “contratação de trabalhadores à procura de primeiro emprego”
se se declarar, no contrato de trabalho, que o recorrente não tinha sido
anteriormente contratado por tempo indeterminado.
Toma-se, portanto, conhecimento do recurso com este objecto.
5.Sobre o artigo 41.º, n.º 1, alínea h), do “Regime Jurídico” em causa já este
Tribunal Constitucional se pronunciou, em sede de fiscalização abstracta,
através do seu acórdão n.º 581/95, (publicado no Diário da República, n.º 18, I
Série-A, de 22 de Janeiro de 1996), tendo concluído pela não
inconstitucionalidade da referida norma. Pode ler-se neste acórdão, no que ora
importa:
«(…)
1. No pedido incidente sobre o Decreto-Lei n.º 64-A/89, estas normas são
arguidas de inconstitucionais com fundamento em violação da garantia de
segurança no emprego (C.R.P., artigo 53.º) e do princípio da igualdade (C.R.P.,
artigo 13.º). O argumento é o de que nas alíneas e) e f) são admitidos contratos
a prazo “sem que se verifique o carácter temporário da necessidade de
mão-de-obra” e de que, na alínea h), não há qualquer justificação para a mesma
modalidade de contrato
(...)
2. O Decreto-Lei n.º 64-A/89 revogou então o Decreto-Lei n.º 781/76, de 28 de
Outubro, e instituiu o novo regime do contrato de trabalho a termo. O velho
sistema - cuja matriz essencial consistia na admissibilidade em geral dos
contratos a prazo, desde que esse prazo fosse superior a seis meses, e na
admissibilidade da mesma modalidade de contratos, com duração inferior a seis
meses, quando o trabalho em causa fosse de “natureza transitória” - deu lugar ao
sistema de normas do Capítulo VII do Decreto-Lei n.º 64-A/89, que abre,
justamente, com o artigo 41.º, aqui em análise.
Este preceito tipifica os casos em que é admitida a celebração do contrato de
trabalho a termo [n.º 1, alíneas a), b), c), d), e), f), g) e h)]. Fora desses
casos, a estipulação a termo é nula (n.º 2).
Este método de enumeração de casos havê-lo-á ligado o legislador à ideia de
excepcionalidade da contratação a termo, ideia que, em boa verdade, constitui um
desiderato da garantia constitucional da segurança no emprego. Se o contrato a
termo fosse admitido como regra, então a entidade empregadora optaria
sistematicamente por essa forma, contornando a estabilidade programada no artigo
53.º da Constituição. Como afirmam Gomes Canotilho e Vital Moreira, a garantia
da segurança no emprego “perderia qualquer significado prático se, por exemplo,
a relação de trabalho estivesse sujeita a prazos mais ou menos curtos, pois
nesta situação o empregador não precisaria de despedir, bastando-lhe não renovar
a relação jurídica no termo do prazo. O trabalho a prazo é por natureza
precário, o que é contrário à segurança” (Constituição da República Portuguesa
Anotada, cit., pág. 289).
A garantia constitucional da segurança no emprego significa, pois, que a relação
de trabalho temporalmente indeterminada é a regra e o contrato a termo a
excepção. Esta forma contratual há-de ter uma razão de ser objectiva. Também
aqui a Constituição nos afasta dos paradigmas da liberdade contratual clássica.
3. Mas a excepcionalidade do contrato a termo não se concretiza apenas numa
técnica legislativa de enumeração de casos, de tipificação das situações que o
admitem. Exige que essas situações tragam em si mesmas uma justificação e exige
um sistema de normas teleologicamente orientado a limitar o recurso ao contrato
a termo. Ali, o controlo de constitucionalidade leva à pergunta por um
fundamento material dos casos enunciados no artigo 41.º, aqui, a uma análise do
seu contexto significativo.
E no contexto significativo, que é dado pelos demais preceitos do Capítulo VII,
relevam os seguintes momentos essenciais: o contrato a termo é escrito [artigo
42.º, n.º 1] e deve indicar o seu “motivo justificativo” ou, sendo celebrado a
termo incerto, indicar “a actividade, tarefa ou obra cuja execução justifique a
respectiva celebração (...)” [artigo 42.º, n.º 1, alínea e)]; se o contrato a
termo certo é sujeito a renovação, “então não poderá efectuar-se para além de
duas vezes e a sua duração terá por limite três anos consecutivos” (artigo 44.º,
n.º 2); “até ao termo do contrato [a termo certo como a termo incerto], o
trabalhador tem, em igualdade de condições, preferência na passagem ao quadro
permanente, sempre que a entidade empregadora proceda a recrutamento externo
para o exercício, com carácter permanente, de funções idênticas àquelas para que
foi contratado” (artigo 54.º, n.º 1).
E há ainda outros momentos normativos que concorrem para demover a entidade
empregadora do recurso sistemático ao contrato a termo. Funcionam como garantias
“a posteriori” ou garantias “periféricas” a favor da estabilidade do emprego.
São elas: o direito do trabalhador a uma compensação por caducidade do contrato
a termo certo (artigo 46.º, n.º 3) e a termo incerto (artigo 50.º, n.º 4) e a
proibição de contratar a termo, para o mesmo posto de trabalho, um novo
trabalhador, nos três meses que decorrem sobre a cessação do trabalho a termo
com outro trabalhador, quando a cessação a este não é imputável (artigo 46.º,
n.º 4). Finalmente, o Decreto-Lei n.º 64-A/89 existe em articulação com o
Decreto-Lei n.º 64-C/89, também de 27 de Fevereiro. Aqui se determina a
concessão à entidade empregadora de apoio financeiro e dispensa de contribuições
para a Segurança Social (artigo 9.º), benefícios que se circunscrevem tão só às
situações de contrato sem termo e às situações em que o contrato a termo se
transformou em contrato por tempo indeterminado (artigo 8.º). O legislador
chamara à atenção para esta articulação dos dois diplomas, ao propor-se,
justamente no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 64-A/89, “salvaguardar a
simultaneidade das respectivas vigências”.
Este complexo de regulação limita assim as possibilidades de recurso ao contrato
a termo. E limita-as em especial no momento em que exige que a forma escrita
inclua a justificação dos motivos - assim criando o material necessário a um
controlo jurisdicional efectivo dos pressupostos - e no momento em que determina
a nulidade da estipulação a termo fora da verificação desses pressupostos -
assim criando uma consequência jurídica que não é a nulidade do contrato, mas a
conversão desse contrato em contrato por tempo indeterminado.
Às normas do artigo 41.º não pode pois reconhecer-se um “défice de
constitucionalidade” que porventura lhe adviesse de uma falta de apoio no
sistema. É agora necessário perguntar se os casos enunciados nas suas normas -
aqui relevando tão-só as das alíneas e), f) e h) - trazem em si uma justificação
para o contrato a termo.
(...)
O artigo 41º, n.º 1, alínea h), determina a admissibilidade de celebração de
contratos a termo com “trabalhadores desempregados de longa duração ou noutras
situações previstas em legislação especial de política de emprego”. É assim que
o Governo-legislador concretiza o programa anunciado no preâmbulo, de “absorção
de maior volume de emprego, favorecendo os grupos socialmente mais vulneráveis”.
Quando no pedido se afirma que aquela norma contraria a Constituição porque
“admite a contratação a termo mesmo que não haja outra justificação para tal
(...) sem que se verifique o carácter temporário da mão-de-obra” querer-se-á
significar que, aqui, ao invés dos casos anteriores enunciados no artigo 41.º,
não está em causa a natureza do trabalho a prestar, mas, na expressão de
Bernardo Xavier, uma “causa subjectiva” do contrato a termo.
É verdade que a norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea h), tem uma lógica própria,
no sentido de que ela se radica numa ratio que tem em conta a qualidade dos
trabalhadores-destinatários. O que se pretende, está bem de ver, é estimular a
celebração de contratos de trabalho pela convicção de inexistência de riscos
para a entidade empregadora. Essa convicção de inexistência de riscos é induzida
pela não adstrição a um vínculo de tempo indeterminado.
Dir-se-á, desde logo, que a emergência de um motivo constitucionalmente válido
de justificação do contrato a termo não se faz sentir apenas a partir de um
quadro em que releva a “natureza das coisas”. Também aqui é necessário um apelo
à ordem de valores da Constituição, sem perder de vista, é claro, a
irredutibilidade dos direitos fundamentais.
Em momento anterior, rejeitou-se uma argumentação capaz de funcionalizar os
direitos fundamentais - e, neste caso, a garantia constitucional da segurança no
emprego - às políticas globais do Estado. Com efeito, não é possível, sem mais,
legitimar a conformação restritiva das posições jurídicas fundamentais em nome
de uma concepção “utilitarista” de “prevalência” do “bem-estar geral”. Daí que
se haja afastado - no capítulo VI sobre a norma do artigo 5.º [trabalhadores
reformados] - um fundamento que pretensamente justificasse o termo do contrato
para os mais velhos em nome de um contrato para os mais novos. Não valiam, pois,
nesse plano, decisivamente, as razões de política de emprego.
Já não é assim no caso em apreço da norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea h).
Aqui, não é possível afirmar, sem mais, que as posições subjectivas fundamentais
dos trabalhadores destinatários da norma estão a ser “funcionalizadas”, porque
aqui não nos confrontamos com os limites da inviolabilidade. Ou seja, os
direitos de uns não estão a dar lugar aos direitos de outros em nome de uma
política geral. O que se passa antes é que o legislador modela o contrato de
trabalho sobre uma ponderação que sopesa a alternativa de limitá-lo no tempo
[criando na entidade empregadora a convicção de inexistência de riscos] ou de o
não proporcionar aos próprios interessados [mantendo aquela convicção do risco e
as consequências da liberdade de não contratar].
Mas se a garantia de segurança no emprego está em relação com a efectividade do
direito ao trabalho (C.R.P., artigo 58.º) e se a Constituição comete ao Estado a
incumbência de realização de políticas de pleno emprego, em nome também da
efectividade desse direito [C.R.P., artigo 58.º, n.º 3, alínea a)], então não se
pode dizer que é ilegítima aquela ponderação nem que são ultrapassados os
limites de conformação que aí são postos ao legislador. Conformação que é
restritiva, sem dúvida, se atendermos aos mandados de optimização das normas
sobre direitos fundamentais. Mas que empreende uma ponderação justificada. Na
verdade, o que está em análise é a justificação de uma norma que, assentando
numa pressuposta “menos-valia” da experiência profissional daqueles candidatos
ao emprego, consagra uma opção de alargamento dos casos de contratação a termo.
E não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar o âmbito mais vasto das prognoses
legislativas que com esta política porventura se entrecruzem. Por isso que não
são violados nem a garantia constitucional da segurança no emprego (C.R.P.,
artigo 53.º) nem o princípio da igualdade (C.R.P., artigo 13.º).»
Mais recentemente, este Tribunal pronunciou-se também pela não
inconstitucionalidade da interpretação da alínea h) do n.º 1 do artigo 41º do
“Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração
e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo” “no sentido de que se consideram
trabalhadores à procura do primeiro emprego os que não tenham sido anteriormente
contratados por tempo indeterminado”. Fê-lo nos acórdãos n.ºs 207/2004, 210/2004
e 267/2004 (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), e disse no
primeiro destes acórdãos:
«(…)
5. Antes de mais, cumpre observar que o julgamento feito neste Acórdão n.º
581/95 não considerou a específica interpretação que a sentença agora recorrida
“aceitou” para a alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do Regime Jurídico, por ser a
prevalecente na jurisprudência, como ali se afirma.
Há, pois, que determinar se a garantia constitucional da segurança no emprego,
que o Tribunal considerou, em sede de fiscalização abstracta, não ofendida pela
norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea h), do mesmo Regime Jurídico, é ou não
contrariada por esta concreta interpretação.
Ora a verdade é que, do ponto de vista desta garantia, podem considerar-se
equivalentes as situações de quem nunca conseguiu emprego e de quem nunca
celebrou um contrato de trabalho por tempo indeterminado.
Neste sentido, não se afigura como contrária à Constituição a norma desaplicada,
interpretada no sentido de abranger no conceito de trabalhadores à procura do
primeiro emprego aqueles que nunca trabalharam ao abrigo de um contrato por
tempo indeterminado, permitindo dessa forma a celebração de contrato a termo com
aqueles que antes já antes prestaram trabalho por tempo determinado.
6. Não procedem, assim, os argumentos utilizados pela sentença recorrida para
fundamentar o juízo de inconstitucionalidade da interpretação que conduziu à
desaplicação da norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea h), do Regime Jurídico da
Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do
Contrato de Trabalho a Termo, no segmento indicado e com a interpretação agora
relevante.
Desde logo, não colhe a afirmação de que “tal interpretação permitiria que todos
os trabalhadores de uma empresa o sejam a prazo, que um trabalhador labore
durante toda a sua vida com vínculo precário, ao abrigo desta alínea, de mão em
mão (para diversos empregadores ao longo da sua vida activa)”. Independentemente
de outras considerações, a verdade é que, se a interpretação posta em crise
permite que “um trabalhador labore durante toda a sua vida com um vínculo
precário”, a interpretação oposta poderá permitir que uma pessoa se mantenha no
desemprego durante toda a sua vida, sem qualquer vínculo, mesmo precário.
Note-se, a este propósito, que a Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho, aditou ao
Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e
Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
64-A/89, a norma do artigo 41.º-A, que impede “a celebração sucessiva ou
intervalada de contratos a termo entre as mesmas partes, para o exercício das
mesmas funções ou para satisfação das mesmas necessidades do empregador”,
determinando que, em tal hipótese, ocorre a “conversão automática da relação
jurídica em contrato sem termo”.
Uma segunda linha de argumentação constante da sentença recorrida consiste em
afirmar que não há razão, no caso dos autos, “para chamar à colação os conceitos
consagrados nos diplomas relativos às políticas de emprego”. E, na verdade, em
tais diplomas os trabalhadores à procura do primeiro emprego surgem
persistentemente definidos como aqueles que nunca prestaram a sua actividade
mediante a celebração de contratos de trabalho sem termo (cfr., por exemplo, os
diplomas referidos nas alegações apresentadas pelo Ministério Público: o artigo
3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 257/86, de 27 de Agosto, entretanto revogado; o
artigo 3º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 89/95, de 6 de Maio; ou artigo 2.º, n.º 1,
do Decreto-Lei n.º 34/96, de 18 de Abril, que o n.º 1 do artigo 33.º da Portaria
n.º 196-A/2001, de 10 de Março, afirma revogar). De resto, o próprio artigo
41.º, n.º 1, alínea h), efectua uma remissão para “legislação especial de
política de emprego”. Ora, se esta norma consubstancia uma medida de emprego, e
se o Tribunal Constitucional a considerou legítima, não se vê por que razão não
há-de o conceito de trabalhadores à procura do primeiro emprego ser interpretado
uniformemente, no segmento desaplicado da norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea h)
e nos diplomas relativos à política de emprego.
A fundamentação dos dois acórdãos transcritos – do acórdão n.º 581/95 e do
acórdão n.º 207/2004 – é transponível para o presente caso, no qual está
igualmente em causa, para o efeito do preenchimento do requisito do artigo 41.º,
n.º 1, alínea h), do “Regime Jurídico” citado, a indicação, no contrato de
trabalho – indicação cuja veracidade não é posta em causa, recorde-se – de que o
trabalhador não havia sido contratado anteriormente por tempo indeterminado. E
conclui-se, assim, pela não inconstitucionalidade da norma em exame.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não julgar inconstitucional o artigo 41.º, n.º 1, alínea h), do “Regime
jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e
caducidade do contrato de trabalho a termo”, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
64-A/89, de 27 de Fevereiro, interpretado no sentido de se considerar
“trabalhadores à procura de primeiro emprego” aqueles que declararam, no
contrato de trabalho, não terem sido anteriormente contratados por tempo
indeterminado;
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso e condenar o recorrente em
custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 29 de Março de 2005
Paulo Mota Pinto
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto junta)
Mário José de Araújo Torres (Vencido, nos termos da declaração de voto junta)
Rui Manuel Moura Ramos
Declaração de voto
Votei vencida o presente Acórdão por entender que a norma constante do artigo
41º, nº 1, alínea h), do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de
Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado
pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, viola o princípio da segurança
do emprego consagrado no artigo 53º da Constituição. Adiro, no essencial, às
razões invocadas pelo Senhor Conselheiro Mário Torres na sua declaração de voto.
Maria Fernanda Palma
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido, por entender que é inconstitucional, por
violação do princípio da segurança do emprego, consagrado no artigo 53.º da
Constituição da República Portuguesa (CRP), a norma constante do artigo 41.º,
n.º 1, alínea h), do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de
Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado
pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT), quer na sua directa
estatuição de permitir a celebração de contratos de trabalho a termo no caso de
contratação de trabalhadores à procura de primeiro emprego, quer,
agravadamente, na interpretação, acolhida no acórdão recorrido, que considera
trabalhador à procura de primeiro emprego o que não tenha sido anteriormente
contratado por tempo indeterminado.
1. Como a generalidade da doutrina e a jurisprudência do
Tribunal Constitucional têm repetidamente afirmado, o princípio da segurança do
emprego não se esgota na proibição de despedimentos sem justa causa ou por
motivos políticos ou ideológicos. Dele deriva, além do mais, o carácter
excepcional do estabelecimento de relações de trabalho precárias,
designadamente pela aposição de termo aos contratos de trabalho: precariedade é
o oposto de segurança.
Como referem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira
(Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra
Editora, 1993, pág. 289):
“[O direito à segurança no emprego] perderia qualquer significado prático se,
por exemplo, a relação de trabalho estivesse sujeita a prazos mais ou menos
curtos, pois nesta situação o empregador não precisaria de despedir,
bastando-lhe não renovar a relação jurídica no termo do prazo. O trabalho a
termo é por natureza precário, o que é o contrário de segurança. Por isso, é
necessário também um motivo justificado para a contratação a termo. O direito à
segurança no emprego pressupõe assim que, em princípio, a relação de trabalho é
temporalmente indeterminada, só podendo ficar sujeita a prazo quando houver
razões que o exijam, designadamente para ocorrer a necessidades temporárias de
trabalho ou a aumentos anormais e conjunturalmente determinados das necessidades
das empresas.”
No Acórdão n.º 581/95, o Tribunal Constitucional
claramente afirmou que o direito à segurança no emprego, consagrado no artigo
53.º da CRP, “constitui uma manifestação essencial da fundamentalidade do
direito ao trabalho e da ideia conformadora de dignidade que lhe vai ligada”,
implicando “a construção legislativa de um conjunto de meios orientados à sua
realização”, sendo, “desde logo”, um desses meios “a excepcionalidade dos
regimes da suspensão e da caducidade do contrato de trabalho e da sua celebração
a termo” (ponto III-1). E, mais adiante (ponto VIII-2): “A garantia
constitucional da segurança no emprego significa, pois, que a relação de
trabalho temporalmente indeterminada é a regra e o contrato a termo a excepção.
Esta forma contratual há-de ter uma razão de ser objectiva. Também aqui a
Constituição nos afasta dos parâmetros da liberdade contratual clássica.”
É certo que nesse Acórdão não se concluiu pela
inconstitucionalidade da norma da alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º da LCCT, com
base na seguinte argumentação:
“VIII – (...)
4 – (...)
O artigo 41.º, n.º 1, alínea h), determina a admissibilidade de celebração de
contratos a termo com «trabalhadores [à procura de primeiro emprego ou (...)]
desempregados de longa duração ou noutras situações previstas em legislação
especial de política de emprego». É assim que o Governo-legislador concretiza o
programa, anunciado no preâmbulo, de «absorção de maior volume de emprego,
favorecendo os grupos socialmente mais vulneráveis».
Quando no pedido se afirma que aquela norma contraria a Constituição
porque «admite a contratação a termo mesmo que não haja outra justificação para
tal (...) sem que se verifique o carácter temporário da mão-de-obra»
querer-se-á significar que, aqui, ao invés dos casos anteriores enunciados no
artigo 41.º, não está em causa a natureza do trabalho a prestar, mas, na
expressão de Bernardo Xavier, uma «causa subjectiva» do contrato a termo.
É verdade que a norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea h), tem uma
lógica própria, no sentido de que ela se radica numa ratio que tem em conta a
qualidade dos trabalhadores-destinatários. O que se pretende, está bem de ver,
é estimular a celebração de contratos de trabalho pela convicção de
inexistência de riscos para a entidade empregadora. Essa convicção de
inexistência de riscos é induzida pela não adstrição a um vínculo de tempo
indeterminado.
Dir-se-á, desde logo, que a emergência de um motivo
constitucionalmente válido de justificação do contrato a termo não se faz
sentir apenas a partir de um quadro em que releva a «natureza das coisas».
Também aqui é necessário um apelo à ordem de valores da Constituição, sem
perder de vista, é claro, a irredutibilidade dos direitos fundamentais.
Em momento anterior, rejeitou-se uma argumentação capaz de
funcionalizar os direitos fundamentais – e, neste caso, a garantia
constitucional da segurança no emprego – às políticas globais do Estado. Com
efeito, não é possível, sem mais, legitimar a conformação restritiva das
posições jurídicas fundamentais em nome de uma concepção «utilitarista» de
«prevalência» do «bem-estar geral». Daí que se haja afastado – no capítulo VI,
sobre a norma do artigo 5.º (trabalhadores reformados) – um fundamento que
pretensamente justificasse o termo do contrato para os mais velhos em nome de
um contrato para os mais novos. Não valiam, pois, nesse plano, decisivamente, as
razões de política de emprego.
Já não é assim no caso em apreço da norma do artigo 41.º, n.º 1,
alínea h). Aqui, não é possível afirmar, sem mais, que as posições subjectivas
fundamentais dos trabalhadores destinatários da norma estão a ser
«funcionalizadas», porque aqui não nos confrontamos com os limites da
inviolabilidade. Ou seja, os direitos de uns não estão a dar lugar aos direitos
de outros em nome de uma política geral. O que se passa antes é que o legislador
modela o contrato de trabalho sobre uma ponderação que sopesa a alternativa de
limitá-lo no tempo (criando na entidade empregadora a convicção de inexistência
de riscos) ou de o não proporcionar aos próprios interessados (mantendo aquela
convicção do risco e as consequências da liberdade de não contratar).
Mas se a garantia de segurança no emprego está em relação com a
efectividade do direito ao trabalho (CRP, artigo 58.º) e se a Constituição
comete ao Estado a incumbência de realização de políticas de pleno emprego, em
nome também da efectividade desse direito (CRP, artigo 58.º, n.º 3, alínea a)),
então não se pode dizer que é ilegítima aquela ponderação nem que são
ultrapassados os limites de conformação que aí são postos ao legislador.
Conformação que é restritiva, sem dúvida, se atendermos aos mandados de
optimização das normas sobre direitos fundamentais. Mas que empreende uma
ponderação justificada. Na verdade, o que está em análise é a justificação de
uma norma que, assentando numa pressuposta «menos-valia» da experiência
profissional daqueles candidatos ao emprego, consagra uma opção de alargamento
dos casos de contratação a termo. E não cabe ao Tribunal Constitucional
sindicar o âmbito mais vasto das prognoses legislativas que com esta política
porventura se entrecruzem. Por isso que não são violados nem a garantia
constitucional da segurança no emprego (CRP, artigo 53.º) nem o princípio da
igualdade (CRP, artigo 13.º).”
Embora não acompanhe este juízo de não inconstitucionalidade
– como de seguida se exporá –, importa desde já salientar que o Tribunal
Constitucional, por maioria, fundou esse juízo na relevância dada ao propósito
de criar na entidade empregadora a “convicção de inexistência de riscos”,
convicção que seria propiciadora da criação de mais emprego, e riscos esses que
expressamente se associaram a uma “pressuposta «menos-valia» da experiência
profissional daqueles candidatos ao emprego”.
As razões da minha discordância quanto a esse juízo de
inconstitucionalidade coincidem com os motivos explicitados no voto de vencido
do Conselheiro Armindo Ribeiro Mendes (a que se associaram os Conselheiros
Guilherme da Fonseca e Maria Fernanda Palma), que se transcrevem:
“2 – A) Norma da alínea h) do n.º 1 do art. 41.º do «Regime Jurídico» anexo ao
Decreto-Lei n.º 64-A/89
O artigo 41.º deste «Regime Jurídico» enuncia taxativamente os casos
em que é legalmente admissível a celebração de contratos a termo (para além do
disposto no artigo 5.º do mesmo «Regime Jurídico», norma aqui ressalvada).
Os requerentes impugnaram a constitucionalidade das alíneas e), f) e
h) desse n.º 1 do artigo 41.º, considerando violado o artigo 53.º da
Constituição e o artigo 13.º do mesmo diploma constitucional.
Sem deixar de reconhecer que as alíneas e) e f) do n.º 1 abrangem
situações relativamente diversificadas, sendo constitucionalmente duvidosa a
equiparação feita entre todas elas, não me pareceu, em todo a caso, que as
mesmas violassem a Lei Fundamental.
Já quanto à alínea h) do n.º 1 do citado artigo 41.º, adoptei
entendimento diverso do perfilhado no acórdão, considerando que a norma era
materialmente inconstitucional.
De facto, admite-se agora a celebração de contratos a prazo
relativamente a «trabalhadores à procura do primeiro emprego ou de
desempregados de longa duração ou noutras situações previstas em legislação
especial de política de emprego».
Deixando de lado a parte final da alínea, que é puramente remissiva
para outra legislação laboral que se não indica, afigura-se-me que não há
razões materiais que justifiquem a solução legal de precarização do vínculo
laboral relativamente a duas categorias de trabalhadores que não têm qualquer
especificidade intrínseca: os trabalhadores que entram no mercado de trabalho
pela primeira vez («à procura do primeiro emprego») e os desempregados de longa
duração.
O direito constitucional à segurança de emprego previsto no artigo
53.º da Constituição abrange, no seu âmbito de protecção, «todas as situações
que se traduzam em precariedade da relação de trabalho» (Gomes Canotilho e Vital
Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993,
pág. 289).
Ora, para ser constitucionalmente lícita a norma que prevê uma
situação em que é possível a contratação a termo, há-de tal situação
corresponder a um motivo justificado, «nomeadamente quando houver razões que o
exijam, designadamente para ocorrer a necessidades de trabalho ou a aumentos
anormais e conjunturalmente determinados das necessidades da empresa» (mesmos
comentadores, ob. cit., pág. 289).
No caso dos trabalhadores à procura do primeiro emprego, a
existência de um período experimental, na lei, tutela suficientemente os
interesses da entidade patronal, para o caso de se verificar desinteresse,
inadaptação ou falta de qualidade profissional desses trabalhadores. O mesmo se
diga, de resto, quanto à contratação de desempregados de longa duração.
A solução legal carece de motivo constitucionalmente justificado,
nestes dois casos, não se vislumbrando qual a razão por que há-de ter carácter
temporário a prestação de trabalho por quem procura o seu primeiro emprego ou
esteve longo tempo desempregado. Cria-se uma capitis deminutio sobre estes
trabalhadores, face ao conjunto dos trabalhadores que já estão no mercado de
emprego e nunca estiveram em situação de desemprego de longa duração. Não se vê
como pode ter razão a tese maioritária que fala, numa postura nominalista
inaceitável, de uma ratio que tem «em conta a qualidade dos
trabalhadores-destinatários»! Só se for uma «razão de Estado» ... de política
económica, contrária às opções constitucionais em matéria de segurança de
emprego.”
Resulta, quer da fundamentação do Acórdão n.º 581/95, na
parte ora em causa, quer da declaração de voto de vencido, na passagem que se
transcreveu, que foi então pacificamente entendido pelo Tribunal Constitucional
que “trabalhadores à procura de primeiro emprego” eram, como a formulação
literal do preceito naturalmente indicava, os trabalhadores que anteriormente
não haviam estado empregados, quer através de contratos sem prazo quer de
contratos com prazo, isto é, trabalhadores que, com a celebração do contrato em
causa, ingressavam, pela primeira vez, no mercado do trabalho. Na verdade, só
relativamente a estes (e não também aos que já haviam estado empregados, embora
através da celebração de contratos com termo) se podia afirmar a existência de
uma “pressuposta «menos-valia» da experiência profissional daqueles candidatos
ao emprego”, que, pelos riscos a que sujeitaria a entidade empregadora, seria
dissuasora da oferta de emprego, tendência que a admissibilidade da contratação
a termo, criando na entidade empregadora a “convicção de inexistência de
riscos”, visaria combater, e que, no entendimento maioritário do Tribunal,
tornaria constitucionalmente tolerável a solução legal em causa.
Era esse, também, o entendimento da doutrina. Como refere
António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Lisboa, 1999, pág. 630:
“o trabalhador à procura do primeiro emprego é aquele que nunca tenha celebrado
um contrato de trabalho, com ou sem termo”.
2. Não se ignora que uma significativa corrente da jurisdição
laboral – transpondo, a meu ver injustificadamente, para o campo da
admissibilidade da contratação a termo conceitos específicos de diplomas
relativos à política de emprego – passou a entender que, para aquele efeito,
trabalhador à procura de primeiro emprego era o trabalhador que nunca havia
anteriormente estado contratado sem termo.
Para quem entenda, como é a minha posição (em consonância com
os aludidos votos de vencido apostos ao Acórdão n.º 581/95), que a norma em
causa, mesmo considerando trabalhador à procura do primeiro emprego o que nunca
tenha celebrado um contrato de trabalho, com ou sem termo, é inconstitucional,
por maioria de razão será inconstitucional a interpretação ora questionada. Mas
mesmo quem se reveja na posição maioritariamente acolhida naquele Acórdão não
pode ignorar que o que justificou o juízo de não inconstitucionalidade então
emitido foram considerações incompatíveis com essa interpretação ora
questionada.
O juízo de não inconstitucionalidade desta interpretação
assenta – nos termos do Acórdão n.º 207/2004 (cuja fundamentação os Acórdãos
n.ºs 210/2004 e 267/2004 e o precedente acórdão se limitaram a reproduzir) –,
nas seguintes considerações: (i) do ponto de vista da garantia da segurança no
emprego “podem considerar-se equivalentes as situações de quem nunca conseguiu
emprego e de quem nunca celebrou um contrato de trabalho por tempo
indeterminado”; (ii) “se a interpretação posta em crise permite que «um
trabalhador labore durante toda a sua vida com um vínculo precário», a
interpretação oposta poderá permitir que uma pessoa se mantenha no desemprego
durante toda a sua vida, sem qualquer vínculo, mesmo precário”; (iii) o n.º 1 do
artigo 41.º-A da LCCT, aditado pela Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho, “impede «a
celebração sucessiva ou intervalada de contratos a termo entre as mesmas partes,
para o exercício das mesmas funções ou para satisfação das mesmas necessidades
do empregador», determinando que, em tal hipótese, ocorre a «conversão
automática da relação jurídica em contrato sem termo»”; e (iv) “não se vê por
que razão não há-de o conceito de trabalhadores à procura do primeiro emprego
ser interpretado uniformemente, no segmento desaplicado da norma do artigo
41.º, n.º 1, alínea h), e nos diplomas relativos à política de emprego”.
Contra este juízo de não inconstitucionalidade da questionada
interpretação normativa já se manifestou a Conselheira Maria Helena Brito, em
declaração de voto de vendida aposta ao citado Acórdão n.º 267/2004, com a qual
inteiramente concordo e que concluiu do seguinte jeito:
“Na verdade, se a não inconstitucionalidade da norma que admite a
celebração de contrato de trabalho a termo no caso de «contratação de
trabalhadores à procura de primeiro emprego» encontra a sua justificação
constitucional na eliminação do risco decorrente da «menos-valia» da
experiência profissional do trabalhador que se encontre em tal situação, essa
razão não existe se o trabalhador já prestou a sua actividade a outrem, através
de um contrato de trabalho, independentemente de se tratar de contrato com ou
sem termo.
O acórdão a que esta declaração se encontra anexa não invoca
qualquer outra razão que possa justificar, do ponto de vista da sua conformidade
constitucional, a interpretação normativa em análise.
O direito à segurança no emprego «não consiste apenas no direito a
não ser despedido sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos»; o
seu âmbito de protecção «abrange todas as situações que se traduzam em
precariedade da relação de trabalho» (Gomes Canotilho e Vital Moreira,
Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, anotação
ao artigo 53.º, p. 289).
O trabalho a termo é, por natureza, precário, contrário à ideia de
segurança. Por isso a Constituição exige – e a jurisprudência deste Tribunal
tem exigido – um motivo justificado para a contratação a termo: a relação de
trabalho só pode ficar sujeita a prazo quando houver razões que o justifiquem.
Ora, a norma contida na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do
Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, interpretada no sentido de que «se
consideram trabalhadores à procura de primeiro emprego os que não tenham sido
anteriormente contratados por tempo indeterminado», ao consentir a contratação
a termo de trabalhadores que já antes prestaram trabalho por tempo determinado,
permite que um trabalhador seja durante toda a sua vida contratado com vínculo
precário, num encadeamento de sucessivos contratos de trabalho a termo, por
entidades patronais diferentes. Em suma, tal interpretação é susceptível de
conduzir, na prática, a uma admissibilidade da contratação a termo
indefinidamente e sem motivo justificado.
Concluo assim que a interpretação normativa em análise contraria o
princípio da segurança no emprego, consagrado no artigo 53.º da Constituição da
República Portuguesa.”
Atentando agora nos quatro argumentos expostos no
Acórdão n.º 207/2004, e reproduzidos no precedente acórdão, cumpre acrescentar o
seguinte:
Quanto ao primeiro argumento, afigura-se-me manifesto que, do
ponto de vista constitucional, não se podem considerar “equivalentes as
situações de quem nunca conseguiu emprego e de quem nunca celebrou um contrato
de trabalho por tempo indeterminado”. O trabalhador que tenha sido sujeito à
celebração de sucessivos contratos com termo, podendo encontrar-se nessa
situação durante vários anos, não apresenta, obviamente, a tal “«menos-valia» da
experiência profissional daqueles candidatos ao emprego” que é própria de quem
entra, pela primeira vez, no desempenho de uma actividade laboral, pelo que,
quanto àqueles, não se verifica a possibilidade de a entidade empregadora criar
uma convicção de riscos, cuja dissuasão através da admissibilidade da
contratação a termo se entendeu maioritariamente, no Acórdão n.º 581/95, ser
constitucionalmente justificada.
Depois, não considero atendível, do ponto de vista da
conformidade constitucional, o argumento ad terrorem de que a alternativa para
a tolerância da precarização da situação laboral em casos em que nenhuma causa
objectiva a justifica será o desemprego. As políticas de emprego que ao Estado
incumbe promover (artigo 58.º, n.º 2, alínea a), da CRP) podem utilizar diversos
meios, designadamente de ordem financeira. O que não é constitucionalmente
admissível é que o meio de promover o emprego de pessoas com maiores
dificuldades no respectivo acesso seja exasperar a sua fragilização, consentindo
a contratação a termo sem que ocorram causas objectivas do recurso ao trabalho
precário, ligadas à transitoriedade do trabalho a prestar, assim consentindo um
tratamento discriminatório face aos restantes trabalhadores. Na verdade, nos
casos em que se aplica a contratação a termo ao abrigo da alínea h) do n.º 1 do
artigo 41.º, não se verifica nenhuma das situações previstas nas alíneas
anteriores, em que estão em casa situações objectivamente transitórias de
necessidade de contratação (substituição temporária de trabalhadores, acréscimo
temporário da actividade da empresa, actividades sazonais, tarefas ocasionais,
serviços não duradouros, trabalhos temporários, actividade anómala) ou de
incerteza da sua manutenção (lançamento de nova actividade de duração incerta ou
início de laboração). No caso da alínea h), trata-se de actividades
correspondentes a necessidades permanentes e regulares da empresa,
relativamente às quais a contratação de trabalhadores está sujeita à regra do
indeterminação da duração do contrato de trabalho. Qualquer trabalhador que
fosse contratado para executar essas actividades não podia deixar de ser
contratado sem termo. Apenas a condição subjectiva de se tratar de trabalhador à
procura de primeiro emprego ou de desempregado de longa duração é que permite,
ao abrigo da norma impugnada, a contratação precária para a satisfação de
necessidades permanentes da empresa. A alternativa à contratação com termo não
é o desemprego, mas sim a contratação sem termo, em obediência às opções
constitucionais.
Em seguida, quando ao aditado artigo 41.º-A da LCCT, importa
desde logo salientar que se trata de norma que não foi reproduzida no Código do
Trabalho actualmente vigente. E se ela impedia a contratação com termo
indefinida, tal proibição valia apenas quanto à mesma entidade patronal, não
obstando a que um trabalhador pudesse estar, durante toda a sua vida activa,
sempre contratado a termo, desde que o fosse para diversas entidades
empregadoras. E não se pode esquecer que, com frequência, a mesma empresa em
termos económicos recorre ao expediente de criação de novas empresas, dela
inteiramente dependentes mas juridicamente vistas como sendo pessoa jurídica
formalmente distinta, fazendo circular os trabalhadores, numa série interminável
de contratações precárias, pelas suas diversas “empresas-filhas” (cfr. o caso
tratado no Acórdão n.º 658/2004, em que também estavam em causa os B., e a
declaração de voto de vencido que nele apus).
Por último, o que está em causa não é a correcção, face ao
direito ordinário, do recurso aos diplomas sobre política de emprego, para
densificar o conceito de trabalhador à procura de primeiro emprego para efeitos
de admissibilidade de contratação a termo, mas antes apurar da conformidade
constitucional da interpretação normativa questionada.
A inadmissibilidade constitucional da interpretação
normativa questionada é bem patente no caso concreto sub judicio. O recorrente
é um trabalhador, que já prestara serviço aos B., desde Novembro de 1998,
através de uma empresa de trabalho temporário, e que celebrou contratos de
trabalho a termo com os B., para o exercício das funções de carteiro, por prazos
de 6 meses, primeiro em 26 de Abril de 1999 (que cessou por sua iniciativa em
Outubro desse ano) e depois em 2 de Fevereiro de 2000, renovado em 10 de Julho
de 2000, 10 de Janeiro de 2001 e 10 de Julho de 2001, tendo cessado, por
iniciativa da entidade patronal, em 9 de Janeiro de 2002. Um trabalhador que
durante 2 anos e 8 meses prestou serviço para a mesma entidade patronal,
desempenhando funções típicas da mesma categoria profissional, não é,
manifestamente, um trabalhador à procura de primeiro emprego, profissionalmente
inexperiente, cuja contratação se revista de especiais riscos para a entidade
patronal. Ele é um trabalhador que satisfaz necessidades permanentes da entidade
patronal, pelo que a única vinculação laboral constitucionalmente admissível é a
contratação a termo, imposta pelo princípio da segurança no emprego, que
postula a excepcionalidade da contratação precária.
Votei, assim, no sentido de se julgar
inconstitucional a interpretação normativa questionada, por violadora do artigo
53.º da CRP.
Mário José de Araújo Torres