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Processo nº 133/97
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1.1.- A., identificado nos autos, recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo (STA) da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que lhe indeferiu o pedido de suspensão de eficácia da deliberação da Câmara Municipal de ......, de 7 de Agosto de 1996, que, na sequência de procedimento disciplinar, lhe aplicou a pena de inactividade por um ano e a acessória de cessação da sua comissão como chefe de divisão de obras daquela Câmara.
O STA (2ª Subsecção da 1ª Secção), por acórdão de 5 de Novembro de 1996, negou provimento ao recurso.
Notificado, veio o recorrente arguir nulidades desse acórdão, sustentando, em resumo, que esse aresto, ao considerar que o deferimento do pedido de suspensão de eficácia ocasionaria grave lesão do interesse público, não se encontrando, assim, preenchido o requisito da alínea b) do nº 1 do artigo 76º do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho - Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA) - implicou a aplicação desta norma pelo acórdão, norma que, no entanto, é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 20º, nº 1, e 268º, nºs. 4 e 5, da Constituição da República
(CR).
O STA, por acórdão de 17 de Dezembro último, após considerar que não são arguidas quaisquer nulidades, nada mais se pretendendo do que pôr em causa a fundamentação legal do aresto impugnado, julgou improcedente a deduzida arguição.
Inconformado, recorreu, então, A. para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, para apreciação da norma do nº 1 do citado artigo
76º, 'nos termos em que foi interpretada', dado violar 'os princípios e as normas constitucionais dos artigos 20º, nº 1, e 268º, nºs. 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa' - questão que suscitou, como expressamente refere, no requerimento de arguição de nulidades do acórdão de 5 de Novembro.
O Conselheiro Relator, por despacho de 16 de Janeiro de 1997, não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional, não só porque o interessado recorre do acórdão de 17 de Dezembro, quando a norma da suscitada inconstitucionalidade foi aplicada no de 5 de Novembro, como porque a arguição de nulidades de decisão judicial não é, em princípio, o meio idóneo para suscitar questões de inconstitucionalidade, salvo no caso de não ter havido oportunidade processual para o fazer. Em abono desta tese cita, aliás, larga cópia de acórdãos do Tribunal Constitucional: nºs. 366/96, 35/96, 61/92, 51/90,
200/86 e 147/85, publicados no Diário da República, II Série, de 10 de Maio de
1996, 2 de Maio de 1996, 18 de Agosto de 1992, 12 de Julho de 1990, 25 de Agosto de 1986 e 18 de Dezembro de 1985, respectivamente.
1.2.- É deste despacho que o interessado reclama, nos termos do artigo
76º, nº 4, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, não só pela referência ao recurso do segundo acórdão do STA - e não do primeiro - como por não considerar meio idóneo para suscitar a questão de inconstitucionalidade a arguição de nulidades.
Foram os autos à conferência e o Supremo, por acórdão de 13 de Fevereiro último, confirmou o despacho reclamado, que manteve, por, nomeadamente, não se verificar nenhum caso excepcional do tipo admitido pelo acórdão do Tribunal Constitucional nº 1144/96, publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Fevereiro de 1997.
Já neste Tribunal, o Ministério Público, no visto do nº 2 do artigo 77º da Lei nº 28/82, pronunciou-se sobre a 'manifesta improcedência da presente reclamação, já que o ora reclamante não suscitou
«durante o processo» - isto é, antes da prolação da decisão recorrida - podendo fazê-lo, a questão de inconstitucionalidade normativa que constituia objecto do rejeitado recurso de constitucionalidade - não sendo o requerimento de arguição de pretensas nulidades da decisão de que se pretendia recorrer local adequado para suscitar, pela primeira vez, tal questão, quando já podia ter sido precedentemente levantada pelo interessado'.
Correram-se os demais vistos legais, cumprindo agora decidir sobre a admissibilidade do recurso.
2.- Constitui jurisprudência pacífica e reiterada deste Tribunal o entendimento segundo o qual o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 tem como pressuposto de admissibilidade a suscitação da inconstitucionalidade 'durante o processo', tomando-se este inciso não em sentido puramente formal - tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância - mas sim em sentido funcional, tal que essa invocação haverá de ser feita até ao momento em que o tribunal a quo possa conhecer da questão (cfr., por todos, a este propósito, os acórdãos já citados e o nº 439/91, publicado no Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 1992).
Deste modo - e como se sublinha no acordão nº
36/96, também já referenciado - 'porque o poder jurisdicional se esgota, em princípio, com a prolação da sentença e porque a eventual aplicação de uma norma inconstitucional «não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, nem torna esta obscura nem ambígua», há-de ainda entender-se que o pedido de aclaração de uma decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade não são já, em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar a questão de inconstitucionalidade [...] como o não é, também, o próprio requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade'.
Só assim não será em situações excepcionais ou anómalas em que os interessados não tenham disposto de oportunidade processual para equacionar a questão de inconstitucionalidade antes de ser proferida a decisão, casos em que lhes é salvaguardado o direito ao recurso correspondente
(cfr., entre tantos outros, o acórdão nº 94/88, publicado no Diário, II Série, de 22 de Agosto de 1988).
Recai, por conseguinte, sobre as partes, o ónus de considerarem as várias possibilidades interpretativas das normas em causa, a menos que a interpretação judicial, pela sua imprevisibilidade ou natureza insólita, torne desrazoável exigir a sua prognose (cfr. o acórdão nº 479/89, publicado no mesmo jornal oficial, II Série, de 24 de Abril de 1992).
Ora, concretamente no caso dos autos, em que se impugna a interpretação concedida a um dos requisitos de necessária verificação cumulativa, previstos no nº 1 do artigo 76º da LPTA, é óbvio que nada impedia, como se observa no acórdão de 13 de Fevereiro último, que o interessado tivesse oportunamente suscitado (no sentido que se deixou exarado) a questão de inconstitucionalidade. Até porque, como decorre da singela leitura do requerimento de arguição de nulidades, nenhuma interpretação dessa norma foi feita que possa ser considerada imprevisível ou insólita, apenas a discutindo o reclamante em função do enquadramento constitucional que - tardiamente - pretende violado, quando, no seu entender, se lesem de forma irremediável os interesses dos particulares, 'causando assim prejuízos irreparáveis e de difícil reparação'.
A esta luz se dirá que o tribunal recorrido adoptou uma interpretação dos requisitos do artigo 76º que se integra na sua jurisprudência corrente, assumindo-se num quadro de previsibilidade óbvia, a tal ponto que não pode afirmar-se ter sido uma abordagem inovatória ou anómala com a qual o interessado não pudesse contar nem defender-se no momento processual adequado. Nesse quadro, o ónus que lhe competia de uma alegação especificada e credível dos factos susceptíveis de integrarem os requisitos exigidos pelo nº 1 do artigo 76º, teve o momento próprio para ser exercido - independentemente de se abordar a questão de saber se a decisão que aplicou a norma de constitucionalidade posta em crise, na sua interpretação, foi a do acórdão de 5 de Novembro ou a do acórdão de 17 de Dezembro de 1996.
3.- Em face do exposto, indefere-se a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) unidades de conta.
Lisboa, 18 de Junho de 1997 Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Antero Alves Monteiro Diniz José Manuel Cardoso da Costa