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Proc. nº 649/96
2ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
(Cons. Bravo Serra)
I RELATÓRIO
1. A., arguida em inquérito registado no DIAP de Lisboa
(identificado pelo nº 318/95 - 2 JG) relativo à investigação de crime de tráfico de estupefacientes, veio arguir, junto do Mmº Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, a nulidade da intercepção telefónica a dois postos, anteriormente ordenada por despachos judiciais, por invocada 'violação das formalidades legais prescritas no artigo 188º nº 1 do CPP' (requerimento certificado a fls. 21/22).
Com interesse para o presente recurso alegou o desfasamento temporal existente entre as intercepções em causa e a respectiva transcrição e junção aos autos.
A tal arguição seguiu-se o despacho certificado a fls. 31 desatendendo a nulidade, consignando-se aí ter sido dado cumprimento 'ao que estipulam os artigos 187º e nomeadamente 188º do C.P.P.'.
Inconformada recorreu, então, a arguida para o Tribunal da Relação de Lisboa (requerimento e motivação de fls.2/5). Na peça em que o faz, anteriormente à formulação de conclusões e sempre imputando desfasamento temporal entre as gravações e a junção das respectivas transcrições aos autos, refere o seguinte:
'Uma interpretação menos restritiva dos formalismos atinentes às escutas telefónicas e dos lapsos temporais em que as diversas fases deverão ocorrer, salvaguardando o que for humanamente e funcionalmente possível, gera a inconstitucionalidade do preceito do artigo 188º nº 1 e 2 do CPP porquanto a C.R.P. estabelece uma regra de absoluta proibição de ingerência nas telecomunicações, o que violaria o disposto nos artigos 32º nº 1 e 34º nº 4 da Lei fundamental.'
E remata com as seguintes conclusões :
' 1ª. Neste recurso suscita-se a nulidade das escutas telefónicas efectuadas e constantes dos apensos 1,3 e 4 bem como das respectivas cassetes por violação dos formalismos legais com que estas escutas terão sido realizadas.
2ª Em relação ao apenso 4, verifica-se que o auto contendo as transcrições das escutas concluídas respectivamente em 12/6/95 e 19/7/96 só foi organizado e efectuadas as transcrições em 22/1/96 (...) portanto largos meses após o terminus das escutas e não imediatamente como parece decorrer do artigo 188º nº
1 do CPP.
3ª Como os requisitos estabelecidos no artigo 188º, o são sob pena de nulidade, afigura-se que são nulas as escutas telefónicas constantes do apenso 4, tendo em atenção o disposto no artigo 189º do CPP.
4ª Também em relação aos apensos 1 e 3 que incorporam outros autos de transcrições, verifica-se que os mesmos foram ordenados juntar em 16/6/95 (...), tendo porém sido juntos aos autos em 9/10/95 (...) pela Polícia Judiciária, o que constitui uma violação do preceituado no artigo 188º nº 1 do CPP.
5ª Com efeito resulta do disposto no artigo 188º nº 1 do CPP que deverá ser lavrado auto junto com as fitas gravadas que deverá ser imediatamente levado ao conhecimento do juiz e o nº 2 do mesmo artigo prescreve que se o juiz considerar os elementos recolhidos relevantes para a prova fá-los juntar ao processo.
6ª Verifica-se que o auto de transcrições constantes dos apensos 1 e 3 só foi junto aos autos vários meses após o Juiz ter solicitado a junção (...), encontrando-se esses autos com a Polícia Judiciária, o que constitui, sem dúvida procedimento anómalo e não em conformidade com o estabelecido no artigo 188º nº
1 e 2 do CPP.
7ª Dado que os requisitos estabelecidos no artigo 188º nº 1 e 2, o são, sob pena de nulidade, por força do disposto no artigo 189º do mesmo diploma, afigura-se-nos que as escutas telefónicas realizadas e constantes do apenso 1 e
3 enfermam também deste vício que se requere declarado.
8ª Uma interpretação não restrita do disposto no artigo 188º, particularmente no que concerne à forma como deverá ser processada a escuta e aos lapsos de tempo em que se deverão efectuar as diversas fases do procedimento acarretará a inconstituciona-lidade da norma do artigo 188º nº 1 e 2 do CPP se interpretada em sentido diferente do restrito formalismo aí estabelecido, incluindo o tempo previsto para a realização de actos aí previstos, à excepção do que será humanamente e funcionalmente exigível, por violação do disposto no artigo 32º nº
1 e 34º nº 4 da CRP.'
2. Através do Acórdão de fls. 97/103 manteve o Tribunal da Relação o despacho impugnado, na parte que ao presente recurso diz respeito.
Para compreensão do aresto vejamos o seu trecho mais significativo :
' Alegou a recorrente que as escutas telefónicas constantes dos apensos 1, 3, e
4 são nulas. E, como assim, nulas são também as respectivas cassetes. Com efeito foi violado o normativo do artigo 188º do C.P.Penal que manda lavrar auto da intercepção e da gravação e levá-lo imediatamente ao conhecimento do juiz. E tal não foi respeitado. No caso do Apenso nº 4, a intercepção e a gravação tiveram lugar em 12 de Junho de 1995 e o auto só foi levado ao juiz em 22/1/96; No caso dos apensos 1 e 3, a intercepção e a gravação tiveram lugar em 16 de Junho de 1995 e os autos só foram levados ao juiz em 9 de Outubro de 1995. Analisemos então esta problemática que nos suscita, à partida, o seguinte comentário: ao contrário do que sucede com a recorrente, não é para nós inteiramente líquido que o tempo, consubstanciado no termo legal
«imediatamente», constitua uma condição ou um requisito de cuja inobservância emirja uma nulidade sanável. Estamos a pensar, obviamente, na conjugação do artigo 188º nº1 citado com o artigo 189º que passa, agora, a transcrever-se:-------------------------------------------------------------------------------------. Pensamos mesmo que não é nenhum requisito nem nenhuma condição e temos boas razões para o afirmar. Na verdade, é preciso ter presente o fim para que o auto é levado ao conhecimento do juiz, o qual vem logo assinalado no nº 2 do artigo 188º, deste modo :
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------. Pois bem, não se vê nenhuma relação necessária entre o desiderato legal e o tempo, referido no nº 1.
Por outro lado, o emprego pela lei de um advérbio de tempo, em vez de uma medida do mesmo, acaba por relativizar muito as coisas. Aliás, a própria recorrente não deixa de o reconhecer, quando, nas conclusões que extraíu, se serviu destas palavras, «à excepção do que será humanamente e funcionalmente exigível», bem elucidativas do que acabámos de dizer. Pergunta-se : no caso em apreço, seria humanamente exigível, seria funcionalmente exigível, a entrega dos autos ao Sr. Juiz de Instrução nos dias
12 de Junho e 16 de Junho de 1995? Ao que parece, seria impossível humana e funcionalmente, tal entrega, tamanha era a quantidade de registos e tantas as conversas registadas com interesse para serem transcritas. Mas entre os registos, a elaboração dos autos respectivos e a sua apresentação à apreciação judicial, qual o tempo necessário e suficiente ? Não sabemos. Não dispomos de qualquer critério para decidir sobre isso. Nem sequer é possível estabelecer e assentar num critério de razoabilidade, a tal propósito. Sabemos, isso sim, que a Polícia Judiciária, como muitos outros departamentos do Estado, nos quais se incluem os tribunais, seguramente, carece, cronicamente, de meios técnicos e humanos que lhe não permitem cumprir, muitas vezes, as suas tarefas em tempo normal. Somos levados a crer, deste modo, que o termo imediatamente teria sido usado por um legislador excessivamente preocupado com a aceleração processual, porém esquecido das grandes lacunas e dos grandes estrangulamentos do sistema. Trata-se de uma palavra que deverá ser entendida em termos hábeis, talvez equivalente à expressão «no tempo mais rápido possível», podendo o seu desrespeito dar lugar, eventualmente, a um pedido de aceleração, a matéria disciplinar; nunca a uma nulidade. Contudo, ainda que se perfilhasse a tese da recorrente segundo a qual fora praticada uma nulidade, ainda assim as consequências nunca seriam aquelas por si alegadas, a saber : a nulidade de todas as escutas telefónicas e a destruição das cassetes. Isto porque, embora a nulidade torne inválido o acto em que se verifica, a verdade é que a declaração de nulidade ordena, sempre que necessário e possível, a repetição do acto e, ao declarar uma nulidade, o juiz aproveita todos os actos que puderem ser salvos do efeito daquela. Quer dizer: se a não entrega imediata do auto ao juiz fosse considerada como uma nulidade sanável, a sua sanação consistiria tão somente no encurtamento do tempo, ou seja, na entrega imediata daquele à apreciação judicial. Mais uma razão, mais uma achega reveladora de que a nossa posição estará certa.
--------------------------------------------'
3. É a esta decisão que se reporta o presente recurso
(requerimento de fls. 120), fundado na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, referindo a propósito a recorrente :
' A norma cuja inconstitucionalidade se pretende declarada é a do artigo 188º nº
1 e 2 do CPP, por violação do disposto nos artigos 32º nº 1 e 34º nº 4 da CRP, no âmbito em que a recorrente a arguiu. A arguição de inconstitucionalidade foi feita na motivação do recurso da recorrente para o Tribunal da Relação de Lisboa. Mais argui a inconstitucionalidade dos artigos 122º e 189º do CPP se interpretados no sentido de que a nulidade do formalismo legal relativo a escutas telefónicas não conduz
à invalidade das mesmas, por violação do disposto no artigo 32º nº 1 da CRP. Apesar de a recorrente não ter suscitado previamente a inconstitucionalidade destas normas, a sequência processual não foi de molde a permitir ao mesmo um juízo de prognose que lhe possibilitasse a arguição das mesmas.'
Alegou, entretanto, sintetizando a sua posição nas seguintes conclusões:
' 1º A primeira questão suscitada é a da inconstitucionalidade do artº 188 nº 1 e 2 do C.P.P. por violação do artº 32 nº 1 da C.R.P se interpretado no sentido de que a quebra do formalismo legal relativo às escutas telefónicas não opera a nulidade das mesmas.
2º Com efeito no caso concreto verifica-se que os apensos onde constam as transcrições das escutas telefónicas não só foram juntos aos autos vários meses após a realização das mesmas, como inclusivamente nos apensos 1 e 3, após o Juiz ter ordenado a junção dos mesmos aos autos, só vieram a ser juntos vários meses depois pela Polícia Judiciária, o que consubstancia uma clara violação do preceituado legal relativo às escutas e prescrito no artº 188 nº 1 e 2 do C.P.P.
3º Para dar ideia do exposto atente-se que os apensos 1 e 3 com os autos de transcrições correspondentes, reportando-se a um período de escutas que terminou em 12/6/95 só levado aos autos em 9/10/95, enquanto que o apenso 4, incorporando os autos de escutas que terminaram em 19/7/95, só foi levado aos autos em
22/1/96, o que é no mínimo uma clara violação do preceituado na lei.
4º Prescrevendo o artº 189 do C.P.P. que a violação do formalismo atinente a escutas, referido no artº 188, gera a nulidade das mesmas, é para nós claro que a interpretação, no sentido de que a quebra de formalismo exigido pelo artº 188 do diploma em referência, não tenha a consequência legal prevista no artº 189 do mesmo diploma, é manifestante inconstitucional por violação do artº 32 nº 2 da C.R.P.
5º Com efeito as escutas telefónicas constituem uma derrogação à regra da inviolabilidade das comunicações privadas salvaguardadas no artº 34 nº 1 e nº 4 da C.R.P.
6º Assim uma quebra nesta 'regra' implica um controle muito apertado, sob pena de se cair em autênticas situações de devassa da vida privada, por isso se estabeleceu um formalismo tão apertado no artº 188 do C.P.P. com uma evidente preocupação de o poder judicial tomar imediatamente conhecimento do conteúdo das escutas efectuadas, através do procedimento aí descrito, sob pena de nulidade, artº 189 do mesmo diploma.
7º Por isso uma interpretação do artº 188 do C.P.P. no sentido de a violação do formalismo atinente a escutas não conduzir à sanção legal prevista para essa violação, gera a inconstitucionalidade desta norma por violação do disposto no artº 32 nº 1 da C.R.P..
8º Outra das questões suscitadas no presente recurso prende-se, em síntese, com a interpretação do artº 189 e 122 do C.P.P. no sentido de que a nulidade aí prevista, por violação do formalismo legal prescrito no artº 188 nº 1 e 2 do C.P.P., não conduziria à ineficácia das mesmas escutas, o que para nós é inconstitucional por violação do disposto no artº 32 nº 1 da C.R.P.
9º Com efeito a violação do formalismo respeitante a escutas está eivado de nulidade conforme resulta do preceito do artº 189 do C.P.P. e nos termos do artº
122 nº 1 do C.P.P. as nulidades tornam inválido o acto em que se verificaram, anulando-se também os actos que dela dependerem e que aquela puder afectar.
10º Assim e contrariamente ao acórdão recorrido a nulidade das escutas não pode ser salva pelo encurtamento do espaço de entrega das mesmas ao poder judicial, uma vez que tal deveria ter acontecido 'ab initio' e não nos parece que à posteriori se possa salvar um acto já nulo, seria certamente contrário a todos os princípios e atentador dos direitos de defesa.
11º Assim uma interpretação do artº 189 e 122 do C.P.P. no sentido de que a nulidade das escutas telefónicas não conduz à ineficácia das mesmas, pura e simples, afigura-se-nos totalmente inconstitucional por clara violação do disposto no artº 32 nº 1 da C.R.P.'
O Ministério Público, por sua vez, pugnou pelo não conhecimento do recurso. Desde logo, quanto aos artigos 122º e 189º do Código de Processo Penal (CPP), por entender terem constituído as referências a eles feitas na decisão recorrida um mero obiter dictum. No mais (quanto ao artigo 188º do CPP) por entender estar-se perante interpretação conforme à letra da lei
('imediatamente' referir-se-ia ao conhecimento ao juiz após elaboração do auto e não da escuta). Não obstante, o não cumprimento dessa eventual entrega imediata das escutas não 'poderia tornar a norma inconstitucional', pois, o 'que em causa estaria então' seria 'o acto do funcionário e não a norma'.
Corridos, entretanto, os competentes vistos - e tendo ocorrido mudança de relator -, cumpre decidir.
II FUNDAMENTAÇÃO
4. Reporta-se o recurso a um primeiro bloco normativo formado pelos nºs 1 e 2 do artigo 188º do CPP e a um segundo bloco integrado pelos artigos 122º e 189º do mesmo diploma, estes últimos quando encarados numa interpretação conjugada da qual decorre a não aceitação da invalidade de escutas telefónicas, quando uma nulidade (uma invocada nulidade), por preterição de formalismo legal desse meio de prova, se tem por verificado.
Suscita-se - desde logo face à posição assumida pelo Ministério Público - a questão do conhecimento do recurso, tornando-se imprescindível verificar quando e como a questão de inconstitucionalidade surge no desenvolvimento deste processo para, assim, saber se a recorrente a colocou adequadamente. Só então poderemos ultrapassar este ponto prévio e avançar para uma indagação de constitucionalidade de normas.
Em traços gerais e nos seus aspectos práticos, lidamos aqui com uma situação em que determinado desfasamento temporal, tido por exagerado, entre intercepções telefónicas levadas a cabo à recorrente e a respectiva transcrição e junção aos autos pela entidade policial que as efectuou é posto em confronto com o comando legal expresso no trecho do nº 1 do artigo 188º do CPP. Este, quanto às formalidades das operações de escuta, diz: 'Da intercepção e gravação
(...) é lavrado auto, o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos,
é imediatamente levado ao conhecimento do juiz'.
Trata-se, enfim, como o Acórdão do Tribunal da Relação bem o entendeu, de definir o sentido interpretativo do emprego do advérbio de modo
«imediatamente» num contexto em que se indicam formalidades de um procedimento probatório específico. A esse procedimento se refere o Código Processo Penal mais adiante, no artigo 189º, dizendo: 'Todos os requisitos e condições referidos nos artigos 187º e 188º são estabelecidos sob pena de nulidade'. É esta «nulidade» que a recorrente veio reinvindicar no requerimento certificado a fls. 21/22, acrescentando-lhe, no ulterior desenvolvimento dessa posição, a afirmação de que isso implicaria a exclusão do processo desse meio de prova (do material obtido em função desse meio de prova).
5.Tendo isto presente importa apreciar - e por agora estamos apenas a verificar da possibilidade de conhecimento do recurso - como a recorrente conduziu relativamente ao artigo 188º nºs 1 e 2 do CPP (o que primeiramente refere no requerimento de interposição) a questão de constitucionalidade e como se posiciona relativamente a ela a decisão recorrida.
O ponto de partida nesta matéria é-nos fornecido pela passagem, já transcrita no relatório, onde a recorrente alude a que a regra da proibição de ingerência nas telecomunicações, constante do artigo 34º nº 4 da Constituição, é violada quando os 'formalismos atinentes às escutas' são objecto de uma 'interpretação menos restritiva', concretamente (e é o que no caso apresenta relevância) quanto aos 'lapsos temporais em que as diversas fases deverão ocorrer'. Esta linha argumentativa é normativamente reportada ao artigo
188º nºs 1 e 2 do CPP (v. fls.4) e feita corresponder à conclusão 8ª da motivação do recurso para a Relação. E tudo isto se enquadra num contexto factual onde é apontada a existência de largos lapsos de tempo entre as escutas, as transcrições e a junção destas aos autos.
Assim, pode-se seguramente isolar na argumentação da recorrente, imediatamente anterior à decisão recorrida, a suscitação, com suficiente precisão, de uma questão de inconstitucionalidade normativa referida ao nº 1 do artigo 188º do CPP (o nº 2 nenhuma relevância apresenta na situação). A saber: este só será constitucionalmente legítimo, face ao artigo 34º nº 4 da Lei Fundamental, quando os lapsos de tempo aí em causa sejam entendidas em termos quantitativamente restritivos.
A esta linha argumentativa responde, desde logo, o Acórdão, aceitando ter ocorrido violação do comando do artigo 188º nº 1, 'que manda lavrar auto da intercepção e da gravação e levá-lo imediatamente ao conhecimento do juiz' (v.fls.101). Isto, embora ilustre seguidamente essa violação com um exemplo não exactamente coincidente com a leitura que faz da norma. Com efeito, dizendo que a lei - e repete-se de novo - 'manda lavrar auto (...) e levá-lo imediatamente ao conhecimento do juiz', exemplifica apontando o desfasamento temporal existente, não entre a elaboração do auto e a respectiva entrega ao juiz, mas entre as próprias gravações e a junção da sua transcrição ao processo formando os apensos de escutas (vejam-se o segundo e terceiro parágrafos de fls.
101). Focar este aspecto é relevante pois subjaz ao Acórdão, embora enunciada de forma algo ambígua, a ideia de que a expressão «imediatamente» utilizada no nº
1, se refere ao auto de transcrição, tratando-se, assim, de definir a distância temporal entre a transcrição em auto das escutas e a sua junção ao processo.
É certo que a recorrente, tomando por referência a regra da nulidade estabelecida no artigo 189º do CPP, face à inobservância dos requisitos e condições dos artigos 187º e 188º, reinvindica a invalidade das escutas e que a decisão recusa que essa não entrega «imediatamente» do auto ao juiz constitua condição de admissibilidade do meio de prova consubstanciado nas intercepções telefónicas. Não obstante, não podemos deixar de ver a questão de inconstitucionalidade suscitada atempadamente e a decisão como contendo a aplicação da norma em causa com um sentido que não deixa de ser aquele que a recorrente pretendeu afastar com a alegação de inconstitucionalidade.
Tanto basta para que este Tribunal, legitimamente, possa conhecer da conformidade constitucional do artigo 188º nº 1 do CPP.
6. Questão diversa - mas ainda no domínio dos pressupostos do recurso - é a que se prende com os artigos 122º e 189º do CPP, também focados pela recorrente.
Quanto a estes, estamos perante uma alegação assumidamente posterior à decisão recorrida. Só que, contrariamente ao que pretende a recorrente, não se verifica qualquer emprego imprevisto dessas normas, em termos possibilitadores da dispensa de suscitação prévia.
Com efeito, a questão da nulidade e seus efeitos (aquilo que está em causa nos artigos 122º e 189º) era uma questão patente e discutida desde o requerimento apresentado em 1ª Instância, funcionando desde aí o ónus de suscitação dessa alegada desconformidade constitucional. Certo é que a recorrente o não cumpriu e o aresto da Relação não é neste domínio imprevisível na utilização que faz de tais normativos.
Fora do objecto do presente recurso ficam, assim, os artigos
122º e 189º do CPP.
7. Restringir-se-á, portanto, o recurso ao artigo 188º nº 1 do CPP que refere: 'Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado as operações', interpretado este no sentido em que o foi na decisão recorrida, ou seja, que «imediatamente» se reporta não às escutas em si mas ao auto de transcrição destas e, em qualquer caso (como se afirma no Acórdão recorrido), como sendo susceptível de um entendimento não restritivo.
Particularizando este último aspecto dir-se-á que a decisão recorrida põe, em determinadas passagens, o conceito de «imediatamente» na dependência de factores diversos: falta de meios técnicos e humanos, como um
ónus que ao arguido pode ser exigido suportar. Fazendo-a equivaler, por outro lado, a «no mais rápido tempo possível» (v.fls.102 e vº.). Contrariamente, ao fazer-se referência a um entendimento restritivo, tem-se em vista uma interpretação em que eventuais entraves e dificuldades práticas constituam ónus do Estado, subsistindo sempre para o arguido uma garantia efectiva do carácter imediato da transmissão dos dados adquiridos ao juiz. Tudo isto se tornará mais claro com o avançar da indagação.
8. Prescreve o nº 1 do artigo 34º da Constituição que 'O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis', particularizando o nº 4 da mesma disposição ser
'proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência e nas telecomunicações, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal'.
Corporizam os artigos 187º a 190º do CPP precisamente a excepção indicada no segmento final do comando constitucional transcrito. E apresentam como traços marcantes: estabelecimento de um regime de autorização e controlo judicial (artigos 187º e 188º nºs 1,2 e 4 do CPP); de um «sistema de catálogo» (artigo 187º nºs 1 e 2), em que a escuta telefónica é reservada exclusivamente a tipos criminais que pelas suas características tornam tal meio de recolha de prova particularmente apto à investigação ou que, pela gravidade dos interesses em jogo (expressa numa moldura penal abstracta qualificada) podem justificar ('se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou da prova' - artigo 187º nº 1 do CPP) a adopção de uma medida consensualmente vista como portadora de um elevado potencial de 'danosidade social' (a fórmula é de Manuel da Costa Andrade, in « Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal», Coimbra 1992, pp. 275, 281, 283 e 285).
Expressão desta danosidade constitui, para além do evidente atentado 'ao direito à palavra' falada que consubstanciam as escutas - atentado só compreensível (aceitável) numa exigente lógica de ponderação de interesses -, a circunstância de propiciarem a frustração, de forma algo insidiosa, de direitos e privilégios de actuação processual, quando não mesmo de específicas proibições de prova, além de direitos de terceiros estranhos à investigação criminal. Pense-se, a este respeito, na confidencialidade da comunicação entre o arguido e o defensor (expressamente salvaguardada no nº 3 do artigo 187º do CPP); na tutela a determinados intervenientes numa conversação objecto de escuta; do direito ou dever de sigilo e/ou da legitimidade de recusa de depoimento; na possibilidade de se converterem 'numa forma larvada de obtenção de confissões não livres' (Manuel Costa Andrade, ob.cit., p.284). Pense-se, enfim, na intimidade exterior à matéria investigada do arguido e particularmente, de terceiros, para alcançarmos a real dimensão dessa
'danosidade social polimórfica e pluridimensional' (ibidem, p.283) das medidas de intercepção telefónica.
9. Colocam estas, com efeito, generalizadamente e com especial dificuldade, o dilema da ponderação entre o interesse na descoberta e punição dos criminosas e do respeito pelos direitos individuais, aquilo que o Juiz Oliver Wendell Holmes, no seu voto de vencido da decisão Olmstead v.United States [(1928) 277 U.S. 438 ( a primeira decisão do Supremo Tribunal americano que tratou da legitimidade de escutas telefónicas como prova crime)] sugestivamente qualificava como 'os dois objectos de desejo que se não podem ter ao mesmo tempo' ['the two objects of desire, both of which we cannot have'
(470)], dilema que Holmes, nas circunstâncias do caso, resolvia optando pelo
'mal menor' da impunidade de 'alguns criminosos' face à eventualidade do Governo assumir um papel 'ignóbil' ['We have to choose, and for my part I think it is a less evil that some criminals should escape than the Government should play an ignoble part' (470)].
Se é certo que na decisão do Supreme Court de 1927, a que nos vimos referindo, foi aceite, quase ilimitadamente, a escuta telefónica sem mandato [na base de um entendimento literal da 4ª Emenda, como excluindo do conceito de 'busca e apreensão' ('search and seizure') a palavra falada] seriam os votos de vencido dos Juízes Holmes e Louis Brandeis que marcariam fortemente a evolução jurisprudencial e legislativa posterior, culminando em 1967 com Katz v. United States [389 U.S. 247 (integrando a escuta telefónica e a vigilância electrónica no conceito de busca da 4ª Emenda, sujeitando-a, assim, a mandato)] e com a adopção pelo Congresso em 1968 do Crime Control and Safe Streets Act, cujo Título III autoriza determinadas autoridades (em determinadas circunstâncias e relativamente a determinados crimes) a requerer a um juiz federal a emissão de mandato permitindo a intercepção de comunicações telefónicas e a captação electrónica de conversas em geral ['interception of
wire or oral communications (i.e. wiretapping or electronic eavesdroping'): v.Jerold Israel/Wayne LaFave, Criminal Procedure. Constitutional Limitations, St.Paul, Minnesota 1993, pp. 150/165; v. também, Congressional Quarterly's, Guide to the U.S. Supreme Court, 2ª ed., Washington D.C., 1990, pp. 545/548].
A experiência de outros ordenamentos jurídicos confirma amplamente estas linhas de força.
O sistema francês, após as alterações introduzidas na lei processual penal pela Lei de 10 de Julho de 1991 (na sequência da condenação do Estado francês no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, na decisão Kruslin et Huvig c/ France de 24/4/90) estabeleceu um sistema (artigos 100 e ss. do CPP francês) em que a escuta depende de mandato do juiz de instrução relativamente a crimes puníveis com pena superior ou igual a dois anos de prisão, por um período máximo de quatro meses e sob o estrito controlo do juiz, que decide, face à gravação, o que é transcrito e integrado no processo (v.Procédures pénales d'Europe, dir. de Mireille Delmas-Marty, Paris 1995, pp.255/256; semelhante é o sistema belga, ibidem p. 200).
Da mesma forma em Itália (v.Procédures pénales d'Europe cit., pp. 321/322), a intercepção de conversações e comunicações ('intercettazioni di conversazioni o communicazioni'), regulada nos artigos 266º a 271º do Código de Processo Penal em vigor desde Outubro de 1989, depende, igualmente, de mandato judicial (embora em casos de urgência possa o Ministério Público determinar a diligência, sujeitando-a nas 24 h. seguintes a aprovação judicial) e refere-se a um catálogo de crimes mais graves. De notar que, sendo no sistema italiano responsabilidade pessoal do Ministério Público a condução das operações de escuta ('Il pubblico ministero procede alle operazioni personalmente ovvero avvalendosi di un ufficiale di polizia giudiziaria' - artigo 267º nº 4) exercendo sobre elas estrito controlo, existe a possibilidade de, por razões técnicas, essa operação decorrer, prévia ordem motivada do Ministério Público, num serviço público ou em serviços de polícia judiciária (artigo 268º nº 3). Trata-se, porém, de uma situação excepcional em que o funcionário encarregue lavra auto entregando 'imediatamente' as gravações ao magistrado [artigo 268º nº
4; v. Franco Cordero, «Procedura penale», Milano 1993, p.721).
Na ordem jurídica alemã, na sequência da «Lei sobre a limitação do segredo da correspondência e das telecomunicações» de 13/8/68 ('Gesetz zu Beschränkung des Briefs- Post- und Fernmeldgeheimnis') que aditou os artigos 100 a) e 100 b) ao 'Strafprozessordnung', as escutas assumem características com algum paralelismo nas soluções adoptadas pelo legislador português em 1987. Funciona ali igualmente o sistema da autorização e controlo judicial e da limitação das escutas a crimes de catálogo, sendo imprescindível uma suspeita fundada e a imprescindibilidade da escuta como única possibilidade de prova (é o chamado carácter subsidiário das escutas). A aquisição processual do material escutado faz-se por audiência da própria gravação, ou da sua transmissão
(v.Procédures pénales d'Europe cit. p.98; v. também Manuel Costa Andrade, ob. cit., pp. 272 e ss.).
Algumas particularidades apresenta o sistema inglês que, de alguma forma, o singularizam. Não existe controlo judicial sobre as escutas que, de acordo com o Interception of Communication Act de 1985, podem ser determinadas pelo Ministro do Interior (Home Secretary) em hipóteses específicas, que traduzem, em certo sentido, um sistema de catálogo (v. Procédures pénales d'Europe cit. p. 153).
Em Espanha, na sequência da nova redacção introduzida pela lei Orgânica 4/1988, de 25 de Maio no artigo 579º da Ley de Enjuiciamento Criminal
(LEC), passaram as escutas telefónicas, pela primeira vez, a dispor de tratamento específico. São, no entanto, escassas as indicações legais, resumindo-se praticamente à indicação da obrigatoriedade da medida de intervenção telefónica ser ordenada judicialmente [em casos de urgência na investigação de 'delitos relacionados con la actuación de bandas armadas o elementos terroristas o rebeldes' é possível mesmo o Ministro do Interior ou o Director de Segurança do Estado determinarem escutas, comunicando-o imediatamente ao juiz competente que sindicará a decisão (artigo 479º nº 4 da LEC)].
Não vigora na ordem jurídica espanhola o «sistema do catálogo», podendo, numa primeira análise, considerar-se admissível a prática de escutas, como meio de recolha de prova, relativamente a qualquer crime. Todavia, tendo presente o paradigma constitucional representado pelo artigo 18º nº3 da Constituição espanhola, que garante o segredo das comunicações telefónicas,
'salvo resolución judicial' - a doutrina (e a prática jurisprudencial vai no mesmo sentido), recorrendo ao princípio da proporcionalidade, criou uma espécie de catálogo de facto, só admitindo a efectivação de escutas relativamente a crimes de particular gravidade (v.Tomás López-Fragoso Álvarez, Las Intervenciones Telefónicas en el Proceso Penal, Madrid 1991, pp.43 e ss.)
Esta escassez da regulamentação legal conduz a um papel interveniente da doutrina e jurisprudência na caracterização das próprias operações de interceptação. A intervenção directa do magistrado é, assim, estendida, na base de consideração ancoradas na exigência constitucional de mínima afectação de direitos, como um apertado acompanhamento da escuta. Fragoso
Álvarez, referindo-se à possibilidade de intervenção de pessoas estranhas na execução da escuta (funcionários da empresa concessionária do serviço telefónico) acentua o seu carácter necessariamente excepcional e a necessária garantia de que estes se limitem à simples gravação, sem audição, com imediata entrega ao juiz do suporte contendo o material gravado (ob cit. pp. 85/86). No caso concreto da intervenção de funcionários policiais, tida como a mais comum, escreve o mesmo autor :
'... os polícias que a levam a cabo (à escuta) devem comunicar «o resultado obtido nos prazos fixados no mandato» (...), estando obrigados, em qualquer caso, «a observar estritamente as formalidades legais nas diligências praticadas e a absterem-se, sob sua responsabilidade de utilizar meios de averiguação que a lei (ou o mandato) não autorize (...). Os resultados à medida que vão sendo obtidos devem ser entregues ao juiz, que deverá ir procedendo à sua valoração directamente, para efeito de manter ou levantar a escuta.--------------------------------------------------------------------- Constitui esta a única forma de garantir eficazmente o direito ao segredo das comunicações privadas dos afectados, assim como, sendo caso disso pelo conteúdo concreto do conhecimento adquirido, outros direitos fundamentais, como é o caso, principalmente, do direito à intimidade. Por isso, a possível actividade de execução da polícia, há-de limitar-se à gravação e, quando for caso disso à escuta e gravação das comunicações interceptadas. Isto porque, além de ser o
órgão judicial o único sujeito activo da medida de intervenção telefónica, tanto para a ordenar como para controlar a respectiva execução, será esta a única forma de garantir eficazmente tanto o direito ao segredo das comunicações, como outros direitos.------------------------------------------------------- sem o controlo directo do juiz sempre poderia acontecer que o executor da intercepção obtivesse um dado de especial importância para o afectado - precisamente pelo seu conteúdo intimo - que sendo independente dos factos investigados, comportasse o risco de ser utilizado, por quem o adquirisse para uma extorsão ou para seu lucro, vendendo-o a um meio de comunicação ou de produção (segredo industrial), ou, simplesmente, para formação de «arquivos policiais paralelos».' (ob.cit. pp 86/87).
11. Esta sumária incursão de direito comparado, fornece-nos algumas ideias chave que se mostrarão úteis na ulterior exposição. Tenha-se presente, por exemplo, a experiência espanhola acabada de relatar, assente numa regulamentação legal escassa e, nalguns pontos, lacunar e veja-se o procedimento doutrinal e jurisprudencial de concretização jus-fundamental que ela vem suscitando, embora, como sublinha Costa Andrade referindo-se especificamente às experiências alemã e portuguesa neste domínio, 'Tanto a produção legislativa como a elaboração doutrinal e jurisprudencial' estejam 'longe de ter logrado paradigmas gerais de enquadramento e de superação jurídica das questões'
(ob.cit. p. 273).
Não obstante, utilizando essa perspectiva de comparação de sistemas é possível ao mesmo autor definir uma metodologia de aproximação à problemática interpretativa do regime das escutas telefónicas, nos seguintes termos:
' O teor particularmente drástico da ameaça representada pela escuta telefónica explica que a lei tenha procurado rodear a sua utilização das maiores cautelas. Daí que a sua admissibilidade esteja dependente do conjunto de exigentes pressupostos materiais e formais previstos nos artigos 187º e seguintes da lei processual portuguesa ou nos §§ 100 a) e 100 b) da codificação alemã. Tanto o legislador português como o alemão procuram, assim, inscrever o regime das escutas telefónicas sobre a exigente ponderação de bens entre: por um lado, os sacrifícios ou perigos que a escuta telefónica traz consigo; e, por outro lado, os interesses mais relevantes da perseguição penal. Trata-se, como Knauth pertinentemente assinala, de uma «ponderação vinculada» ('gebundene Abwägung'), de que o intérprete e aplicador do direito não estão legitimados a desviar-se. E aqui - no imperativo da fidelidade estrita ao paradigma da ponderação legalmente codificada - residirá uma razão decisiva em abono da exigência de uma interpretação restritiva das normas atinentes às escutas telefónicas. Uma exigência que concita a seu favor o aplauso praticamente unânime da jurisprudência e da doutrina, incluída a doutrina jus-constitucionalística. Louvan-do-se do que a este propósito vem sendo o seu entendimento recorrente, proclama recentemente (decisão de 16/3/83) o BGH que estas normas « como preceitos limitadores de um direito fundamental deverão - tendo em conta o reconhecimento do eminente significado axiológico dos direitos fundamentais no contexto de um estado democrático assente na liberdade - ser interpretadas restritivamente na direcção da compressão do direito fundamental». No plano doutrinal refere, por seu turno, Walter: «Os atentados contra o sigilo das telecomunicações, o direito à palavra falada e mesmo a liberdade de expressão devem ater-se ao estritamente necessário e salvaguardar sempre a garantia de conteúdo essencial e do princípio de proporcionalidade»'. (ob. cit.pp.286/287)
Trata-se aqui de precisar o conteúdo constitucionalmente viável do trecho do artigo 188º nº 1 do CPP, onde surge a expressão «imediatamente». Ora, partindo do pressuposto consubstanciado na proibição de ingerência nas telecomunicações, resultante do nº 4 do artigo 34º da Lei Fundamental, a possibilidade de ocorrer diversamente (de existir ingerência nas telecomunicações), no quadro de uma previsão legal atinente ao processo criminal
(a única constitucionalmente tolerada), carecerá sempre de ser compaginada com uma exigente leitura à luz do princípio da proporcionalidade, subjacente ao artigo 18 nº 2 da Constituição, garantindo que a restrição do direito fundamental em causa (de qualquer direito fundamental que a escuta telefónica, na sua potencialidade danosa, possa afectar) se limite ao estritamente necessário à salvaguarda do interesse constitucional na descoberta de um concreto crime e punição do seu agente.
Nesta ordem de ideias, a imediação entre o juiz e a recolha da prova através da escuta telefónica, aparece como o meio que melhor garante que uma medida com tão específicas características se contenha nas apertadas margens fixadas pelo texto constitucional.
O actuar desta imediação, potenciadora de um efectivo controlo judicial das escutas telefónicas, ocorrerá em diversos planos, sendo um deles o que pressupõe uma busca de sentido prático para a obrigação de levar
«imediatamente» ao juiz o auto da intercepção e 'fitas gravadas ou elementos análogos', de que fala a lei.
13. Vejamos, a este propósito, o discurso interpretativo subjacente à decisão recorrida. De sublinhar nesta, desde logo, a afirmação de que o artigo 188º nº 1 do CPP, ao não fixar um prazo certo, 'acaba por relativizar muito as coisas'. Há que reter esta ideia que torna patente a existência de um espaço aberto à procura de um sentido, enfim, de um espaço aberto à interpretação.
Não obstante, mais adiante, a decisão recorrida parece apontar para uma impossibilidade de alcançar o sentido da expressão «imediatamente» no contexto normativo em causa (ao dizer a fls. 102: 'Não sabemos. Não dispomos de qualquer critério para decidir sobre isso. Nem sequer é possível estabelecer e assentar num critério de razoabilidade a tal propósito').
Ora, já se indicou que o critério interpretativo neste campo não pode deixar de ser aquele que assegure a menor compressão possível dos direitos fundamentais afectados pela escuta telefónica. Também já se assentou - e importa lembrá-lo de novo - que a intervenção do juiz é vista como uma garantia de que essa compressão se situe nos apertados limites aceitáveis e que tal intervenção, para que de uma intervenção substancial se trate (e não de um mero tabelionato), pressupõe o acompanhamento da operação de intercepção telefónica. Com efeito, só acompanhando a recolha de prova, através desse método em curso, poderá o juiz ir apercebendo os problemas que possam ir surgindo, resolvendo-os e, assim, transformando apenas em aquisição probatória aquilo que efectivamente pode ser. Por outro lado, só esse acompanhamento coloca a escuta a coberto dos perigos - que sabemos serem consideráveis - de uso desviado.
Com isto, não se quer significar que toda a operação de escuta tenha de ser materialmente realizada pelo juiz. Contrariamente a tal visão maximalista, do que aqui se trata é, tão só, de assegurar um acompanhamento continuo e próximo temporal e materialmente da fonte (imediato, na terminologia legal), acompanhamento esse que comporte a possibilidade real de em função do decurso da escuta ser mantida ou alterada a decisão que a determinou.
14. Refere-se ainda o Acórdão a dificuldades práticas que a situação é susceptível de criar ('Sabemos, isso sim, que a Polícia Judiciária como muitos outros departamentos do Estado, nos quais se incluem os tribunais, seguramente carece, cronicamente, de meios técnicos e humanos que lhe não permitem cumprir, muitas vezes, as suas tarefas em tempo normal') moldando, no que não deixa de ter um certo sentido correctivo, o conceito de «imediatamente»
('usado por um legislador excessivamente preocupado com a aceleração processual, porém esquecido das grandes lacunas e dos grandes estrangulamentos do sistema') ao que qualifica de entendimento 'em termos hábeis'. A saber: aquele em que
«imediatamente» equivale a «no tempo mais rápido possível». Ora, o 'mais rápido possível' significou aqui longos períodos de tempo em que as escutas não foram acompanhadas (= a controladas) pelo juiz e, mais ainda, espaços muito significativos de tempo em que as escutas já haviam terminado e o processo continuava sem ter qualquer conhecimento do seu teor (vejam-se as conclusões 2ª e 4ª de fls. 4 vº, tendo-se presente que as datas aí indicados obtêm confirmação nos autos).
É a teorização interpretativa que sufraga esta situação que de modo algum se pode ter por conforme ao disposto no artigo 34º nº 4 da Constituição, lido à luz do princípio da proporcionalidade. Se é certo que se não podem ignorar, pura e simplesmente, os aspectos práticos de uma situação, designadamente as dificuldades técnicas que esta ou aquela opção interpretativa possa ocasionar, não é menos verdade que o ónus dessas dificuldades técnicas, num processo crime, sempre correrá por conta do Estado (a quem compete ultrapassá-las) jamais por conta do arguido.
Poder-se-ia aqui relembrar o dilema, já relatado, do Juiz Holmes, sobre o 'mal maior' e o 'mal menor'. Obviamente que no processo criminal de um Estado de direito democrático, face a 'dificuldades técnicas', o 'mal menor' sempre será a hipotética impunidade de eventuais criminosos.
15. Trata-se, pois, de fixar a interpretação constitucionalmente conforme do artigo 188º nº 1 do CPP no segmento em que se insere a expressão «imediatamente», sendo certo ser tal expediente possível ainda nos limites da interpretação.
Assim sendo, «imediatamente» não poderá, desde logo, reportar-se apenas ao momento em que as transcrições se mostrarem feitas (pois ficaria aberto o caminho à existência de largos períodos de falta de controlo judicial à escuta sempre que a transcrição se atrasasse). Em qualquer dos casos,
«imediatamente», no contexto normativo em que se insere, terá de pressupor um efectivo acompanhamento e controlo da escuta pelo juiz que a tiver ordenado, enquanto as operações em que esta se materializa decorrerem. De forma alguma
«imediatamente» poderá significar a inexistência, documentada nos autos, desse acompanhamento e controlo ou a existência de largos períodos de tempo em que essa actividade do juiz não resulte do processo.
Em qualquer caso, tendo em vista os interesses acautelados pela exigência de conhecimento imediato pelo juiz, deve considerar-se inconstitucional, por violação do nº 6 do artigo 32º da Constituição, uma interpretação do nº 1 do artigo 188º do CPP que não imponha que o auto de intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de alguns deles, e bem assim, também atempadamente, a decidir, antes da junção ao processo de novo auto de escutas posteriormente efectuadas, sobre a manutenção ou alteração da decisão que ordenou as escutas.
É esta, exposta com a minúcia possível, a interpretação conforme à Constituição. A ela importa vincular o intérprete - 'juiz incluído' como este Tribunal tem repetidamente referido em situações onde faz uso deste recurso interpretativo.
Sublinhar-se-á apenas, como nota final, que as consequências a retirar da interpretação da norma com o sentido apontado, se encontram já fora do âmbito da intervenção do Tribunal Constitucional, situando-se claramente no domínio de intervenção do Tribunal recorrido.
III DECISÃO
Assim, e pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do disposto no nº 6 do artigo 32º da Constituição, a norma do nº 1 do artigo 188º do Código de Processo Penal quando interpretado em termos de não impôr que o auto da intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de alguns deles, e bem assim, também atempadamente, a decidir, antes da junção ao processo de novo auto da mesma espécie, sobre a manutenção ou alteração da decisão que ordenou as escutas;
b) E, em consequência, conceder provimento ao recurso, ordenando a reforma da decisão recorrida em conformidade com o decidido sobre a questão de constitucionalidade. Lisboa, 21 de Maio de 1997 José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida Messias Bento Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca Bravo Serra (vencido, nos termos da declaração de voto que ora junto) Votei vencido quanto às soluções a que se chegou no presente Acórdão de que esta declaração faz parte integrante.
Assim:
a) Em primeiro lugar, divergi do entendimento seguido no aresto e segundo o qual da questão de inconstitucionalidade referente à norma constante do nº 1 do artº 188º do Código de Processo Penal podia este Tribunal, do modo como o fez, conhecer.
De facto, mantenho a opinião que expus no «projecto» de acórdão que apresentei como relator, «projecto» esse que, não merecendo todavia a concordância da maioria do Tribunal, passo, nos seus traços essenciais, a transcrever.
Dizia-se nesse mesmo «projecto»:-
'..................................................
...................................................
1.1.Na realidade, após ter a ora recorrente arguido perante o Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa a nulidade das interceptações das comunicações telefónicas, foi essa arguição indeferida com o fundamento de que, no caso, foram, por um lado, respeitados os requisitos atinentes à admissibilidade da interceptações e gravações daquelas conversações e, por outro, que foram cumpridas as formalidades das operações de interceptação e gravação.
Significa isto que aquele magistrado entendeu que, verificados os requisitos de admissibilidade a que se reporta o artº 187º do Código de Processo Penal, e cumpridas que fossem determinadas formalidades, consignadas no sequente artº 188º, das aludidas operações, isso não acarretava aquilo a que a recorrente designa por «ineficácia» das próprias escutas telefónicas.
Ao tomar este posicionamento, o Juiz do Tribunal de Instrução Criminal, veio, bem vistas as coisas - e tendo em conta que no requerimento de arguição de nulidades se sustentava que qualquer violação das formalidades previstas no artº 188º implicava a nulidade total da interceptação e gravação das conversações telefónicas - suportar-se num entendimento segundo o qual o artº 122º, conjugado com ao artº 189º, um e outro do Código de Processo Penal, não deveria comportar uma interpretação tal que levasse a que qualquer preterição do consignado no artº 188º conduzisse, sem mais e só por si, a uma nulidade das próprias interceptação e gravação.
Do assim decidido recorreu a arguida para o Tribunal da Relação de Lisboa, não tendo, na motivação de recurso que então produziu, suscitado, relativamente às normas constantes dos artigos 122º e 189º do Código de Processo Penal, qualquer questão de inconstitucionalidade, designadamente da interpretação que, seguida pelo despacho recorrido, levou, por entre o mais, à decisão impugnada.
Ora, o Tribunal da Relação de Lisboa, no aresto sob censura, veio justamente, no que concerne ao efeito da sanção de nulidade referida no artº
189º (conjugadamente com o artº 122º), a adoptar uma interpretação confluente com a que decorreu do despacho de desatendimento da arguição de nulidades proferido na 1º instância; isto é, veio sustentar que a eventual preterição de alguma das disposições contidas no artº 188º não conduziria inexoravelmente à nulidade das interceptação e gravação das conversações telefónicas, porquanto ao que conduziria era, tão só e isso sim, à invalidade do concreto acto praticado com aquela preterição, vício que, declarado, implicaria a ulterior repetição do acto que desse vício enfermava, aproveitando-se, todavia, os actos não afectados pela mesma preterição, o que, verbi gratia e no caso dos autos, inculcava que haveriam de considerar-se válidas as interceptações e gravações já realizadas, já que, a haver alguma preterição, ela se situava apenas numa demora de entrega ao juiz do auto contendo a transcrição das gravações das comunicações telefónicas.
Vale isto por dizer que a Relação de Lisboa, mesmo que se entenda que a referência feita no acórdão impugnado às normas dos artigos 122º e 189º do C.P.P. implicou uma sua aplicação e não um mero obiter dictum, não as aplicou de forma diversa daquela que subjaz ao despacho proferido na 1ª instância e relativamente à qual a recorrente, ao impugnar esse despacho para aquela Relação, não pôs minimamente em causa em face da Lei Fundamental. Isto é: a Relação, tal como se fez no despacho proferido pelo Juiz da 1ª instância, aplicou tais artigos com o sentido de que a declaração de nulidade de um determinado acto não acarreta, só por si e necessariamente, a invalidade dos actos anteriores e posteriores, devendo ser aproveitados os que ainda puderem ser salvos do efeito da declaração de nulidade.
Sendo assim, há que concluir que, de uma banda, a recorrente não cumpriu o ónus de suscitação da desconformidade constitucional dos indicados normativos antes do aresto agora sob censura; e, de outra, que a interpretação que deles fez o Tribunal de 2ª instância não foi de tal sorte anómala e imprevisível de modo a que com ela a mesma recorrente não poderia razoavelmente contar (aliás, deve notar-se que, em face da literalidade do artº 122º, a interpretação segundo a qual a declaração de nulidade de um acto o torna inválido, devendo, sempre que possível e necessário, ordenar-se a respectiva repetição e aproveitando-se os demais actos que ainda possam ser salvo dos efeitos da invalidade, nada tem de insólito ou imprevisível).
...................................................
..................................................'
E, após ali se concluir que se não deveria tomar conhecimento do recurso relativamente às normas dos artigos 122º e 189º do Código de Processo Penal, escreveu-se, tocantemente ao artº 188º, números 1 e 2, do mesmo corpo de leis:-
'..................................................
...................................................
Na motivação do recurso que elaborou com vista a sindicar o despacho proferido pelo Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, a arguida, referentemente àquelas normas, expressou- -se do modo que acima se transcreveu e que, em síntese, aponta para que, no seu entendimento, uma interpretação do artº
188º do C.P.P. segundo a qual o não acatamento do formalismo aí prescrito não implica a nulidade das interceptação e gravação das conversações telefónicas padeceria de inconstitucionalidade 'por violação do disposto no artgº 32º nº 1 e 34º nº 4 da C.R.P.'.
Após a prolação do aresto tirado na 2ª instância, a arguida veio impugná-lo perante o Tribunal Constitucional, pretendendo que o mesmo se debruçasse sobre a questão da desconformidade com o Diploma Básico das normas dos números 1 e 2 do artº 182º do C.P.P. 'no âmbito em que a recorrente a arguiu'.
Na alegação que produziu já neste Tribunal, a recorrente defende
(cfr. transcrição acima efectuada) a inconstitucionalidade dos aludidos normativos se interpretados 'no sentido de que a quebra do formalismo legal relativo às escutas telefónicas não opera a nulidade das mesmas', esclarecendo a seguir que '[p]rescrevendo o artgº 189 do C.P.P. que a violação do formalismo atinente a escutas, referido no artgº 188, gera a nulidade das mesmas, é para nós claro que a interpretação, no sentido de que a quebra de formalismo exigido pelo artgº 188 do diploma em referência, não tenha a consequência legal prevista no artgº 189 do mesmo diploma, é manifestamente inconstitucional por violação do artgº 32 nº 1 da C.R.P.'.
Perante este contexto, impõe-se saber se o acórdão sub specie alguma vez interpretou os números 1 e 2 do artº 188º por forma a que a não observância dos requisitos de admissibilidade e das formalidades das operações às interceptação e gravação de conversações ou comunicações telefónicas não conduza
à invalidade das mencionadas interceptação e gravação.
Como resulta da extensa transcrição supra realizada, em passo algum se afirmou, expressa ou implicitamente, que aquela não observância não acarreta a invalidade das interceptação e gravação de conversações ou comunicações telefónicas.
O que naquele aresto se disse foi que o contido na expressão 'é imediatamente levados ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado as operações' utilizada no nº 1 do artº 188º é reportado ao auto de transcrição e não representa uma condição de admissibilidade ou um requisito formal das operações de interceptação e de gravação.
2.1. Mas, se assim é, então não se pode dizer que o acórdão tirado na Relação de Lisboa tenha, em qualquer dos seus pontos, perfilhado uma interpretação segundo a qual o não acatamento dos requisitos de admissibilidade ou o não cumprimento das formalidades atinentes às interceptação e gravação das comunicações telefónicas não comportava a nulidade delas.
Aliás, já no despacho do Juiz do Tribunal Criminal de Lisboa estava implícito que o mesmo não considerava que o levar imediatamente ao conhecimento do juiz o auto de transcrição das interceptação e gravação das comunicações telefónicas constituísse um requisito de admissibilidade ou uma formalidade dessas operações; e conclui-se assim, justamente, pela circunstância de nesse despacho se ter dito que foram observados os requisitos e as formalidades consignadas nos artigos 187º e 188º do Código de Processo Penal.
Sendo que a recorrente não veio, antes do acórdão tirado no Tribunal a quo, questionar do ponto de vista da sua compatibilidade constitucional a norma ínsita no nº 1 do referido artº 188 (e é só esta que interessa, por isso que o disposto no nº 2 desse mesmo artigo nenhuma relevância tem para o problema sub iudicio) em termos de uma interpretação segundo a qual o imediato levar ao conhecimento ao juiz do auto de transcrição das interceptação e gravação das conversações telefónicas não constituir requisito ou condição de admissibilidade ou de formalismo daquelas operações, antes pugnando por uma postura de harmonia com a qual a preterição daqueles requisitos, condições ou formalismos inculcava a nulidade das operações das mencionadas operações, e sendo que naquele acórdão em passo algum se conferiu a interpretação posta em causa pela recorrente, então há que concluir que, in casu, falta um dos pressupostos do recurso a que alude a já citada alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82; a saber: a aplicação, pela decisão em crise, da norma jurídica na interpretação que a recorrente surpreendeu como inconstitucional.
...................................................
..................................................'
A isto adito que, tendo em conta o que na parte final do acórdão prolatado na Relação de Lisboa e ora recorrido foi dito (isto é, a consideração segundo a qual , ainda que tivesse ocorrido uma nulidade, ela era sanável, não implicando a sua sanação deverem ter-se por inválidas as escutas telefónicas levadas a cabo)- e não interessando agora saber, por isso que a tanto não chegam os poderes cognitivos do Tribunal Constitucional, se, nesse particular, teria havido uma correcta postura -, então sou levado a concluir que o julgamento de inconstitucionalidade a que se chegou no vertente Acórdão não é passível de ter influência no caso decidido por aquela Relação.
Ora, como os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade normativa têm um carácter instrumental (isto é, só se justificam se a decisão a proferir pelo Tribunal Constitucional tiver reflexo na decisão da causa), então, no caso dos autos, como, em face daquela parte final, me parece que, independentemente do juízo sobre a constitucionalidade da norma do nº 1 do artº 188º do C.P.C., a decisão a tomar pela Relaçäo de Lisboa sempre seria a de não dar provimento ao recurso, penso que seria desprovida de utilidade a decisão a tomar por este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade.
***
b) Em segundo lugar, e no tocante à questão «de fundo», tenho para mim que a interpretação conferida pela decisão recorrida à aludida norma ínsita no nº 1 do artº 188º do Código de Processo Penal - ou seja e em síntese, a de que o termo «imediatamente» nela empregue se reporta, de um lado,
à junção ao processo do auto de transcrição das interceptações telefónicas e, de outro, que tal termo deve ser entendido no sentido de a junção daquele auto o dever ser no mais breve espaço de tempo que o permitam as condições humanas, técnicas e de trabalho ao dispôr das instituições - não é feridente do nº 6 do artigo 32º da Constituição.
Efectivamente, uma tal interpretação, no meu modo de ver, ainda assim salvaguarda os interesses protegidos e prosseguidos pela mencionada norma da Lei Fundamental, não representando, pois, e ainda na minha
óptica, uma compressão inadmissível e desproporcionada da garantia desejada por tal norma.
Nestes termos, e se, como o Acórdão o entendeu, fosse possível conhecer do recurso - posição que, como acima deixei dito e pelas razões sucintamente indicadas, não perfilho -, negaria provimento ao recurso.
José Manuel Cardoso da Costa