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Processo n.º 637/05
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta de
constitucionalidade, instaurados ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º
da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em
que são recorrentes A. e B., e recorridos o Ministério Público e C., todos ali
melhor identificados, foi proferida, em 3 de Agosto último, decisão sumária
(fls. 515 a 532), ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A daquela Lei
n.º 28/82, que decidiu não tomar conhecimento do objecto dos recursos, conforme
se passa a transcrever:
“1. Por acórdão do Tribunal Colectivo da 5ª Vara Criminal de Lisboa, proferido
no processo n.º 4858/00.5JDLSB, 1ª Secção, foram condenados, entre outros, os
arguidos A. e B., melhor identificados nos autos, nas penas de 7 (sete) anos e 6
(seis) meses de prisão e de 6 (seis) anos de prisão, respectivamente,
resultantes do cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares aplicadas a cada
um dos arguidos:
- O arguido A., pela prática de um crime de associação criminosa,
previsto e punido pelo artigo 299.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 3 anos
de prisão; de dois crimes de falsificação de documento, previsto e punido pelos
artigos 255.º e 256.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, do Código Penal, na pena, por
cada um, de 3 anos de prisão; e de um crime de burla qualificada, previsto e
punido pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, alínea a), por referência à alínea b)
do artigo 202.º, do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão;
- O arguido B., pela prática de um crime de associação criminosa,
previsto e punido pelo artigo 299.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 3 anos
de prisão; e de dois crimes de falsificação de documento, previsto e punido
pelos artigos 255.º e 256.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, do Código Penal, na
pena, por cada um, de 3 anos de prisão.
Deste aresto foram interpostos vários recursos para o Tribunal da Relação de
Lisboa, que, por acórdão de 14 de Dezembro de 2004, decidiu o seguinte:
«1.Declarar a nulidade do julgamento – e, consequentemente, do acórdão impugnado
–, relativamente ao arguido D., nessa parte concedendo provimento ao respectivo
recurso, em consequência do que, no que concerne, deverá repetir-se o
julgamento;
2. Conceder parcial provimento ao recurso do arguido E., que, nos termos
sobreditos, vai condenado na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, resultante
do cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares:
(...);
3. Confirmar, no mais, o douto acórdão impugnado, negando provimento aos
recursos dos arguidos F., A., G. e B..
(...)».
2. Inconformados, os arguidos G., F., A. e B., interpuseram recursos para o
Supremo Tribunal de Justiça, os quais não foram admitidos por despacho do
relator na Relação, de 14 de Janeiro de 2005, do seguinte teor:
«- O acórdão impugnado, lavrado a fls. 7303/7427, confirmou, integralmente, a
decisão condenatória proferida na 1.ª instância;
- O crime mais grave imputado aos arguidos, neste processo, é punível com prisão
de 2 a 8 anos – artigo 218.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal;
- Por isso, em face do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de
Processo Penal, não é admissível recurso do acórdão desta Relação;
- Assim, tendo presente o disposto no artigo 414.º, n.º 2, primeiro segmento, do
Código de Processo penal, não admito os recursos interpostos por aqueles
arguidos.
(...)»
Os recorrentes B. e A. e outro reclamaram para o Presidente do Supremo Tribunal
de Justiça, tendo aquelas reclamações sido deferidas por despachos de 15 e de 16
de Fevereiro de 2005 (cfr. fls.439 e 489), por se entender que sobre a questão
que está subjacente à não admissão dos recursos - recorribilidade da decisão da
Relação que confirma a decisão condenatória da 1.ª instância quando aos (cada um
dos) crimes não é aplicável pena superior a 8 anos, mesmo que tenha sido
aplicada (ou possa ser aplicada), em concurso de infracções pena superior -, o
Supremo embora tenha maioritariamente respondido negativamente (e citou os Acs
de 16.1.03, de 13.2.03, de 16.4.03 e de 22.5.03 in Acs. STJ, XXVIII, 1, 162 e
186, e 1, 163 e 190), também já decidiu em sentido contrário no Ac. de 2.5.02,
proc. n.º 220/2002 da 3.ª Secção.
E, prefigurando-se duas posições opostas, entendeu-se, naqueles despachos, não
dever obstar-se, em sede de reclamação, à possibilidade de a questão da
admissibilidade ou não do recurso ser apreciada pelo Supremo Tribunal de
Justiça.
O Desembargador Relatar na Relação de Lisboa, face a este despacho, admitiu os
recursos e teve por verificada a inutilidade superveniente da outra reclamação.
No Supremo Tribunal de Justiça o Ministério Público emitiu parecer, suscitando,
além do mais, a questão prévia da inadmissibilidade do recurso por aplicação da
alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, com o
entendimento de que “num caso como o vertente, em que cada um dos crimes pelos
quais os agentes foram condenados é punível com pena abstracta cujo limite
máximo não excede os 8 anos de prisão, o acórdão da Relação que, confirmou o
resolvido pela 1ª instância, é irrecorrível na medida em que (...) a
recorribilidade das decisões apura-se apenas em face da pena aplicável em
abstracto a cada crime isoladamente considerado (...)” (cfr. fls. 492 a 499).
Os recorrentes, notificados com cópia do parecer, para os efeitos do n.º 2 do
artigo 417.º do Código de Processo Penal, não responderam (cfr. fls. 509 a 513).
3. Por acórdão de 5 de Maio de 2005, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu
rejeitar por inadmissíveis os recursos interpostos pelos arguidos G., F., A. e
B., com os seguintes fundamentos:
«(...)
Como refere a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, o acórdão da Relação (recorrido)
confirmou o acórdão condenatório da l.ª instância, tendo os arguidos sido
condenados por crimes puníveis, em abstracto, com penas não superiores a 8 anos
de prisão.
O que coloca a questão da recorribilidade do acórdão recorrido.
Dispõe a al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP que não é admissível recurso de
acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem
decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena
de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções.
Num momento inicial, entendeu este Supremo Tribunal de Justiça, no aresto citado
da douta decisão que recaiu sobre as reclamações (Ac. de 2.5.02, proc. n.º
220/02-3, Relator: Cons. Lourenço Martins e que mereceu então a concordância do
aqui relator):
«1 - A expressão, “mesmo em caso de concurso de infracções”, a que se refere
alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, deve ser entendida como significando
que no caso de prática pelo arguido de várias infracções, ainda que cada uma
delas não exceda a pena abstracta de 8 anos, se o cúmulo jurídico correspondente
exceder também a pena de prisão de 8 anos, o recurso é admissível.
2 - Tal entendimento coaduna-se com a terminologia e sentido usados no n.º 2 do
artigo 77.º, do CP, quando alude aos limites mínimo e máximo da “pena aplicável”
e colhe apoio nos artigos 14.º, n.º 2, alínea b) e 16.º, n.º 3, ambos do CPP, e
com o espírito da lei ao reservar para o STJ a apreciação dos casos de maior
gravidade.»
Posteriormente, tem sido dito que a expressão “mesmo em caso de concurso de
infracções” é usada diversas vezes no CPP, nem sempre com o mesmo sentido, mas,
num segundo olhar, talvez não seja inteiramente exacta tal asserção.
Tal expressão é usada nos art.ºs 16.º, n.º 3, 381.º, n.º 2, 400.º, n.º 1, al.s
e) e f), a nosso ver, sempre com o mesmo sentido e só no art. 14.º, n.º 2, al.
b) é que é usada uma expressão próxima, mas não inteiramente coincidente, com
sentido diverso mas aí claramente enunciado.
Com efeito, a expressão “mesmo quando, no caso de concurso de infracções” é
usada no art. 14.º, n.º 2 al. b) (atribuição de competência ao Tribunal
Colectivo), para dispor que se somam os limites máximos das molduras penais
(crimes “cuja pena máxima, abstractamente aplicável, seja superior a 5 anos de
prisão, mesmo quando, no caso de concurso de infracções, seja inferior o limite
máximo correspondente a cada crime”).
Ou seja, é usada para significar que, para efeitos de competência do Tribunal
Colectivo releva o concurso de infracções somando-se os limites máximos das
respectivas molduras penais, o que é dito claramente no enunciado da lei.
Já no n.º 3 do art. 16.º a propósito da competência do tribunal singular e da
singularização dos processos pelo Ministério Público a expressão “mesmo em caso
de concurso de infracções, aqui em causa, significa que essa circunstância não
releva, desde que o Ministério Público entenda que não deve ser aplicada, em
concreto, pena de prisão superior a 5 anos de prisão.
E tem essa expressão o mesmo significado no n.º 2 do art. 381.º do CPP quanto ao
julgamento em processo sumário dos detidos em flagrante delito por crime punível
com pena de prisão de limite máximo superior a 3 anos, “mesmo em caso de
concurso de infracções”, quando o Ministério Público, na acusação, entender que
não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a 3 anos.
O mesmo significado tem a expressão nas al.s e) e f) do n.º 1 do art. 400.º, de
que nos ocupamos agora, ao dispor que não é admissível recurso: de acórdãos
proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja
aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a 5 anos, “mesmo em caso
de concurso de infracções”, ou em que o Ministério Público tenha usado da
faculdade prevista no artigo 16.º, n.º 3 [al. e)]; e de acórdãos condenatórios
proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância,
em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos,
“mesmo em caso de concurso de infracções” [al. f)]
A expressão “mesmo em caso de concurso de infracções” é, pois, usada em todas
estas disposições legais com o sentido de “mesmo que se trate de concurso de
infracções”, prescrevendo a irrelevância de tal circunstância.
Isso mesmo vem entendendo maioritariamente este Supremo Tribunal de Justiça.
Para efeitos do disposto nas alíneas e) e f) do art. 400.º do CPP a
recorribilidade de acórdãos das Relações afere-se apenas em face da pena
aplicável em abstracto por cada crime isoladamente considerado, ainda que,
existir concurso de infracções a pena possa ultrapassar os limites fixados
naqueles preceitos (Ac. de 22/5/03, Acs STJ XI, 2, 190, Relator: Cons. Santos
Carvalho)
Não estando em causa directamente no recurso a legalidade da operação do cúmulo
jurídico, qualquer que seja a pena única conjunta aplicada ou aplicável, são as
penas – cada uma delas, singularmente considerada – aplicáveis aos singulares
crimes em concurso que hão-de dizer da recorribilidade ou irrecorribilidade da
decisão. Se a moldura abstracta de qualquer destes crimes singularmente
considerados não ultrapassar os oito anos de prisão, a decisão, verificada a
“dupla conforme” é irrecorrível; se alguma ou algumas ultrapassarem esse limite,
ou não houver confirmação, então tal decisão já será recorrível (Ac. de 11/3/04,
Acs STJ XII, 1, 224, Relator: Cons. P. Madeira)
É também orientação dominante na doutrina e na jurisprudência do STJ que, para
efeitos de recurso, no caso de concurso de crimes se atende à pena máxima
aplicável a cada um dos crimes e não ao limite máximo da moldura do concurso
fixada pelo art. 77.º, n.º 2, do C. Penal (Ac. de 31/3/04, Acs STJ XII, 1, 234,
Relator Cons. Sousa Fonte e de 4/3/04, proc. n.º 4249/03-5, com o mesmo Relator)
No mesmo sentido se pronunciou nos Acs de 24/3/04, proc. 899/04-3, Relator Cons.
Armindo Monteiro, de 3/3/04, proc. n.º 4216/03-3, Relator: Cons. Antunes
Grancho, de 3/3/04, proc. n.º 3770/03-3, Relator Cons. Silva For, de 1/4/04,
1271/045, Relator Cons. Santos Carvalho, de 11/12/03, proc. n.º 3674/03-5,
Relator Cons. Costa Mortágua, de 11/12/03, proc. 3211/03-5, Cons. Rodrigues
Costa, de 25/3/04, proc. n.º 764/04-5, Relator Cons. Santos Carvalho, de
11/3/04, proc. n.º 4417/03-5, Relator Cons. Quinta Gomes e de 10/03/05,
545/05-5, com o mesmo Relator.»
4. Ainda inconformados vieram os arguidos A. e B., invocando o disposto no
artigo 732.º do Código de Processo Civil, requerer a reforma do acórdão,
pugnando pela admissibilidade dos recursos em causa.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 9 de Junho de 2005, entendendo que
os recorrentes “limitam-se a reeditar os argumentos deduzidos nas motivações de
recurso e já apreciados no acórdão de que se pede a reforma” e que “é manifesto
que os recorrente pretendem obstar à baixa do processo e ao trânsito em julgado
da decisão da Relação, no que lhes diz respeito”, determinou que os termos deste
incidente e posteriores seguisse em separado, constituindo-se o presente
traslado, e ordenou a baixa do processo principal para execução do decidido na
Relação.
Quanto aos pedidos de reforma do acórdão de 14 de Dezembro de 2004, decidiu o
Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 29 de Junho de 2005, indeferir esses
pedidos, entendendo não existir fundamento para a reforma e que os requerentes
limitaram-se “a repetir os argumentos que haviam aduzido nas suas motivações e
que já foram tidos em conta na decisão cuja reforma se pede, como resulta da
transcrição efectuada”.
5. Notificados desta decisão vieram os recorrentes interpor recurso para o
Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
Requerimento de fls. 410
«A., arguido nos autos à margem referenciados, vem, ao abrigo do disposto no
art.º 280.º n.º 1 al. b) da Constituição da República Portuguesa (CRP) e da al.
b) do n.º 1 do art.º 70.º da lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, interpor RECURSO
para o Tribunal Constitucional dos seguintes actos:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que decidiu rejeitar por
inadmissível o recurso interposto pelo recorrente do acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa (TRL), do qual faz parte integrante o acórdão de fls..., no
qual se decidiu indeferir o pedido de reforma formulado pelos arguidos;
- Acórdão do TRL que negou provimento ao recurso interposto pelo arguido do
acórdão proferido pela primeira instância;
o que faz nos termos e pelos fundamentos seguintes:
1. Por acórdão proferido pelo Venerando TRL, foi decidido:
i. Declarar a nulidade do julgamento - e, consequentemente, do acórdão impugnado
- relativamente ao arguido D., nessa parte concedendo provimento ao respectivo
recurso, em consequência do que, no que concerne, deverá repetir-se o
julgamento;
ii. Conceder parcial provimento ao recurso do arguido E., que, nos termos
sobreditos, vai condenado na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, resultante
do cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares:
(...)
iii. Confirmar, no mais, o douto acórdão impugnado, negando provimento aos
recursos dos arguidos F., A., G. e B..
2. Do referido acórdão interpôs o recorrente recurso para o ST J, pelas razões e
motivos que aqui se dão por reproduzidos, por mera questão de economia
processual.
3. Por despacho de fls. 7643, decidiu o TRL não admitir o referido recurso, por
entender que o mesmo era admissível, face ao disposto no art..º 400.º n.º 1 al.
f) do CPP.
4. De tal decisão, reclamou o ora recorrente para o Senhor Presidente do STJ,
tendo suscitado em tal petitório, entre outras, as seguintes questões:
i. que, ao contrário do decidido, o acórdão impugnado não havia confirmado
integralmente a decisão condenatória da 1ª instância;
ii. que a interpretação dada pelo TRL ao art.º 400.º n.º 1 al. f) do CPP viola,
de forma clara, o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei e os
tribunais, bem como as garantias de defesa do arguido, consagrados,
respectivamente, nos art.ºs 13 n.º 1 e 32.º n. 1, ambos da CRP; e
iii. que a interpretação do art.º 400.º do CPP, no sentido de que não é
admissível recurso nos casos aí previstos, mesmo em caso de ofensa de caso
julgado, oportunamente invocada pelo recorrente, violaria os princípios
consagrados nos art.ºs 20º n.º 1 e 32.º n.º 1, ambos da CRP.
5. Tal reclamação viria a ser atendida, por despacho de fls., ,. “por se ter
entendido, em síntese, que, existindo decisões anteriores do STJ num e noutro
sentido, quanto à interpretação a dar ao citado art.º 400.º n.º 1 al. f) do CPP,
se deveria optar pela admissão dos recursos, sem prejuízo de o STJ vir,
posteriormente, a pronunciar-se em sentido diverso.
6. Por acórdão de 05-05-2005, veio, porém, o STJ a rejeitar, por inadmissíveis,
os recursos interpostos pelos arguidos, por aplicação do citado preceito legal,
cuja interpretação no sentido que lhe foi dado, o recorrente havia alegado ser
inconstitucional por violação dos já mencionados art.ºs 13 n.º 1, 20.º n.º 1 e
32.º n.º 1, todos da CRP.
7. Entretanto e dado que o ST J, no citado acórdão, não se pronunciou, como, no
entender do recorrente, era seu dever, de forma expressa, sobre as questões de
fundamentos já invocados na reclamação atrás referida e que aqui nos
dispensamos, constitucionalidade suscitadas, o arguido solicitou a reforma de
tal decisão, com os fundamentos já invocados na reclamação atrás referida e que
aqui nos dispensamos, por isso, de repetir.
8. Contudo, o STJ, por acórdão de 29-06-2005, decidiu indeferir o pedido de
reforma, por entender que os argumentos aduzidos pelo requerente já haviam sido
tidos em conta na decisão cuja reforma se solicitou.
9. Pelo que, salvo melhor opinião, dever-se-á concluir que o tribunal recorrido
entendeu não se ter verificado qualquer interpretação de normas legais
desconforme à letra e espírito da lei fundamental, nomeadamente as suscitadas
pelo ora recorrente.
10. Assim, através do presente recurso, pretende o recorrente que seja apreciada
a constitucionalidade da norma constante do art.º 400.º n.º 1 al. f) do CPP, na
interpretação que lhe foi dada pelo S.T.J.
11. Além disso, e apenas para o caso do entendimento do recorrente quanto à
questão da recorribilidade do acórdão do TRL, não merecer provimento, pretende,
ainda, o mesmo que seja apreciada a constitucionalidade das normas constantes
dos art.ºs 188.º n.º 1 e 189.º, ambos do CPP, se interpretadas no sentido que
lhes foi dado no acórdão do TRL.
12. A inconstitucionalidade de tais normas (ou do sentido que lhes foi dado) foi
suscitada pelo recorrente no recurso por si interposto do acórdão proferido pela
primeira instância.
13. Tendo-se aí sustentado que a nulidade prevista nos citados art.ºs 188.º n.º
1 e 189.º não é susceptível de sanação, sempre que tal nulidade resulte da
violação de comandos e normas constitucionais.
14. O TRL, ao pronunciar-se quanto a tais questões, entendeu, porém, que, apesar
das intercepções telefónicas constantes do apenso D dos autos terem sido
autorizadas no processo 98/00.1GGLSB e de as mesmas terem sido declaradas
insanavelmente nulas no referido processo, ainda assim devem ser consideradas
válidas nos presentes autos, por não ter sido arguida a respectiva nulidade
neste processo, até ao encerramento do debate instrutório.
15. Interpretação que, no entender do ora recorrente, viola a reserva de
intimidade da vida privada dos respectivos intervenientes, consagrada nos art.ºs
26.º n.º 1 e 34.º n.ºs 1 e 4 da CRP, como se sustentou nas respectivas
conclusões de recurso.»
Requerimento de fls. 416
«B., arguido nos autos à margem referenciados, vem, ao abrigo do disposto no
art.º 280.º n.ºs 1 al. b) e 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e
das alíneas b) e g) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro,
interpôs RECURSO para o Tribunal Constitucional dos seguintes actos:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que decidiu rejeitar por
inadmissível o recurso interposto pelo recorrente do acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa (TRL), do qual faz parte integrante o acórdão de fls…., no
qual se decidiu indeferir o pedido de reforma formulado pelos arguidos.
- Acórdão do TRL que negou provimento ao recurso interposto pelo arguido do
acórdão proferido pela primeira instância.
o que faz nos termos e pelos fundamentos seguintes:
1. Por acórdão proferido pelo Venerando TRL, foi decidido:
i. Declarar a nulidade do julgamento – e, consequentemente, do acórdão impugnado
– relativamente ao arguido D., nessa parte concedendo provimento ao respectivo
recurso, em consequência do que, no que concerne, deverá repetir-se o
julgamento;
ii. Conceder parcial provimento ao recurso do arguido E., que, nos termos
sobreditos, vai condenado na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, resultante
do cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares:
(...)
iii. Confirmar, no mais, o douto acórdão impugnado, negando provimento aos
recursos dos arguidos F., A., G. e B..
2. Do referido acórdão interpôs o recorrente recurso para o STJ, pelas razões e
motivos que aqui se dão por reproduzidos, por mera questão de economia
processual.
3. Por despacho de fls. 7643, decidiu o TRL não admitir o referido recurso, por
se ter entendido que, face ao disposto no art.º 400.º n.º 1 al. f) do CPP, não
era tal recurso admissível.
4. De tal decisão, reclamou o ora recorrente, tendo suscitado em tal petitório,
entre outras, as seguintes conclusões:
i. que, ao contrário do decidido, o acórdão impugnado não havia confirmado
integralmente a decisão condenatória da 1ª instância.
ii. que a interpretação dada pelo TRL ao art.º 400.º n.º 1 al. f) do CPP viola,
de forma clara, o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei e os
tribunais, bem como as garantias de defesa do arguido, consagrados,
respectivamente, nos art.ºs 13.º n.º 1 e 32.º n.º 1, ambos da CRP; e
iii. que a interpretação do art.º 400.º do CPP, no sentido de que não é
admissível recurso nos casos aí previstos, mesmo em caso de ofensa de caso
julgado, oportunamente invocada pelo recorrente, violaria os princípios
consagrados nos artºs. 20.º n.º 1 e 32.º n.º 1, ambos da CRP.
5. Entretanto, por despacho de fls. …, proferido pelo Sr. Presidente do STJ foi
julgada procedente a reclamação deduzida pelo ora recorrente, por se ter
entendido, em síntese, que, existindo decisões anteriores do STJ num e noutro
sentido, quanto à interpretação a dar ao citado art.º 400.º n.º 1 al. f) do CPP,
se deveria optar pela admissão dos recursos, sem prejuízo do STJ vir,
posteriormente, a pronunciar-se em sentido diverso.
6. Por acórdão de 05-05-2005, veio, porém, o STJ a rejeitar, por inadmissíveis,
os recursos interpostos pelos arguidos, por aplicação do citado preceito legal,
cuja interpretação no sentido que lhe foi dado, o recorrente havia alegado ser
inconstitucional por violação dos já mencionados art.ºs 13.º n.º 1, 20.º n.º 1 e
32.º n.º 1, todas da CRP.
7. Entretanto e dado que o STJ, no citado acórdão, não se pronunciou, como, no
entender do recorrente, era seu dever, de forma expressa, sobre as questões de
constitucionalidade suscitadas, o arguido solicitou a reforma de tal decisão,
com os fundamentos já invocados na reclamação atrás referida e que aqui nos
dispensamos, por isso, de repetir.
8. Contudo, o STJ, por acórdão de 29-06-2005, decidiu indeferir o pedido de
reforma, por entender que os argumentos aduzidos pelo requerente já haviam sido
tidos em conta na decisão cuja reforma se solicitou.
9. Pelo que, salvo melhor opinião, dever-se-á concluir que o tribunal recorrido
entendeu não se ter verificado qualquer interpretação de normas legais
desconforme à letra e espírito da lei fundamental, nomeadamente as suscitadas
pelo ora recorrente.
10. Assim, através do presente recurso, pretende o recorrente que seja apreciada
a constitucionalidade da norma constante do art.º 400.º n.º 1 al. f) do CPP, na
interpretação que lhe foi dada pelo STJ.
11. Além disso, e apenas para o caso do entendimento do recorrente quanto à
questão da recorribilidade do acórdão do TRL, não merecer provimento, pretende,
ainda, o mesmo que seja apreciada a constitucionalidade das normas constantes do
art.º 6.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, se interpretadas no
sentido que lhes foi dado no acórdão do TRL.
12. A inconstitucionalidade de tais normas (ou do sentido que lhes foi dado) foi
suscitada pelo recorrente no recurso por si interposto do acórdão proferido pela
primeira instância.
13. Sendo que, relativamente a tal questão já se pronunciou o Tribunal
Constitucional, através do acórdão n.º 207/03, de 28-04-2003 (proc. N.º
52/2003).
14. Apesar disso, o TRL considerou, quanto a tal questão, que as fotografias e
fotogramas constantes do autos são válidos, uma vez que, em seu entender, o
consentimento para a respectiva recolha se deve considerar tácito, quando as
imagens são obtidas em casinos, caixas Multibanco, casas de câmbio, etc. não
sendo exigível, em tais casos, prévia autorização judicial.
15. Concluindo, por isso, que não se mostra violado o citado comando
constitucional, vertido no mencionado art.º 26.º n.º 1 da CRP. »
No Supremo Tribunal de Justiça foi proferido pelo Conselheiro relator, em 21 de
Julho, o seguinte despacho:
«Admito os recursos interpostos a fls. 410 e 416 do acórdão deste Supremo
Tribunal de Justiça.
Subam imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.»
6. De acordo com os requerimentos de interposição de recurso, ambos os
recorrentes pretendem recorrer de duas decisões distintas:
- Do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Maio de 2005 – que rejeitou
por inadmissíveis os recursos interpostos do acórdão do Tribunal da Relação de
Lisboa – complementado pelo acórdão daquele Supremo, de 19 de Junho de 2005 –,
que indeferiu o pedido de reforma do primeiro aresto; e
- Do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14 de Dezembro de 2004, que
negou provimento aos recursos interpostos pelos recorrentes do acórdão proferido
pelo Tribunal Colectivo da 5ª Vara Criminal de Lisboa.
Resulta também dos mesmos requerimentos que a 1ª questão de constitucionalidade
– a da norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal
–, que é comum a ambos os recorrentes, é reportada à interpretação feita pelo
Supremo Tribunal de Justiça, enquanto que a 2ª questão, que é diversa em cada um
dos requerimentos, diz respeito à interpretação normativa que se diz ter sido
aplicada pelo acórdão da Relação, cuja apreciação se pretende “para o caso do
entendimento do[s] recorrente[s] quanto à recorribilidade do acórdão do TRL não
merecer provimento”.
Ou seja, os recorrentes só pretendem a apreciação da 2ª questão de
constitucionalidade constante dos respectivos requerimentos no caso de não ser
provido o recurso quanto à questão da norma da alínea f) do n.º 1 do artigo
400.º do Código de Processo Penal, reportada à interpretação feita no acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça.
Sucede, porém, que o despacho de admissibilidade dos recursos, proferido pelo
Conselheiro relator, e notificado aos recorrentes, apenas admitiu os recursos
quanto ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, não abrangendo, por
conseguinte, a parte dos recursos respeitante ao acórdão do Tribunal da Relação
de Lisboa.
Assim delimitados, os presentes recursos de constitucionalidade dizem apenas
respeito à norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo
Penal, na interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
7. Porém, não se pode tomar conhecimento do objecto dos recursos – repete-se: de
cada um dos recorrentes relativamente ao acórdão do STJ – sendo caso de proferir
decisão sumária, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro (Lei do Tribunal Constitucional).
8. Com efeito, a admissibilidade do recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade, interposto ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1,
alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, como é o caso, implica, para que
possa ser admitido e conhecer-se do seu objecto, a congregação de vários
pressupostos, entre os quais a aplicação pelo Tribunal recorrido, como sua ratio
decidendi, de norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o
processo, considerada esta norma na sua totalidade, em determinado segmento ou
segundo certa interpretação, mediatizada pela decisão recorrida.
No caso dos autos, não existem dúvidas de que o Supremo Tribunal de Justiça
aplicou a norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo
Penal, interpretando-a no sentido de que a recorribilidade de acórdãos das
Relações afere-se apenas em face da pena aplicável em abstracto por cada crime
isoladamente considerado, ainda que, existir concurso de infracções a pena possa
ultrapassar os limites fixados naqueles preceitos [refere-se às alínea e) e f)].
Porém, os recorrentes só suscitaram esta questão de constitucionalidade nas
reclamações apresentadas para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, na
sequência do despacho do relator na Relação que não admitiu os recursos para o
Supremo Tribunal de Justiça.
Não pode considerar-se como tendo sido suscitada a questão de
constitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que
proferiu a decisão, como se exige no n.º 2 do artigo 72.º da Lei do Tribunal
Constitucional, quando essa mesma questão foi apenas invocada na reclamação
apresentada para o Presidente do Tribunal ad quem, que não decide essa questão,
antes remetendo a decisão para o próprio tribunal de recurso, e o recorrente tem
oportunidade perante este tribunal de renovar tal questão e não o faz.
Na verdade, independentemente de saber se os recorrentes tinham o ónus de
invocar logo nas respectivas motivações a questão de constitucionalidade, tendo
em conta que eram bem conhecidas as posições divergentes na jurisprudência do
Supremo Tribunal de Justiça quanto à interpretação da norma em causa, certo é
que os recorrentes tiveram oportunidade de renovar perante o Supremo Tribunal de
Justiça a questão de constitucionalidade que anteriormente haviam suscitado na
reclamação e não o fizeram, pois, embora tenham sido notificados do parecer do
Ministério Público no Supremo, que se pronunciou pela inadmissibilidade nos
recurso em aplicação da norma alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de
Processo Penal, com a interpretação que veio a ser acolhida no aresto recorrida,
não responderam a esse parecer.
Deste modo, por não ter sido adequadamente suscitada perante o tribunal
recorrido a questão de constitucionalidade, não pode tomar-se conhecimento do
objecto dos recursos.
9. Caso assim, não fosse, e o recurso fosse admissível, sempre seria de proferir
decisão sumária, julgando-se improcedente o recurso, tendo em conta a
jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a questão em apreço.
Na verdade, a norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo
Penal, na interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça, foi já alvo de
sindicância por parte do Tribunal Constitucional, o que sucedeu nos acórdãos
n.ºs 189/2001 e 490/2003 (inéditos, mas disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt ).
Como se afirmou no acórdão n.º 189/01:
(...)
Deste modo, com os fundamentos expostos e com os quais se concorda, caso
houvesse de se conhecer dos recursos seriam os mesmos julgados improcedentes.
10. Em face do exposto, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A, da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, decide-se não tomar conhecimento do objecto dos
recursos.
Custas a cargo dos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 7 unidades de
conta para cada um, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.”
2. Notificados desta decisão, apresentaram os recorrentes os
requerimentos de fls. 544 a 547 e de 549 a 552, de idêntico conteúdo, os quais
concluíram pedindo para o relator:
“- Esclarecer se a decisão sumária ora identificada abrange também as questões
de constitucionalidade suscitadas pelo recorrente no ponto 4.i e 4.iii do
requerimento de interposição de recurso;
- Ordenar que os autos sejam oportunamente remetidos às instâncias recorridas
para que se pronunciem sobre a admissão do recurso interposto pelo recorrente
para o Tribunal Constitucional do acórdão do TRL que negou provimento ao recurso
por si interposto do acórdão proferido pela primeira instância.”
3. Estes requerimentos foram indeferidos por despacho de 15 de
Setembro de 2005, com os fundamentos seguintes:
“Como se afirmou, os recursos só foram considerados na parte em que se recorria
do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, tal como foram admitidos,
considerando-se os mesmos delimitados à norma da alínea f) do n.º 1 do artigo
400.º do Código de Processo Penal, na interpretação dada pelo Supremo Tribunal
de Justiça.
Aliás, apesar de os recorrentes terem dito que na reclamação para o Presidente
do Supremo Tribunal de Justiça tinham suscitado as questões constantes do ponto
4, no recurso para o Tribunal Constitucional restringiram os recursos à norma da
alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal (cfr. ponto 10),
aplicada pela decisão recorrida.
Deste modo, nada há a esclarecer ou a ordenar.
3. O processo será oportunamente devolvido, não competindo ao relator do
presente recurso ordenar o que quer que seja quanto à tramitação que aí deva
seguir-se, designadamente quanto à admissão de qualquer outro recurso.
4. Em face do exposto indeferem-se os pedidos dos recorrentes.”
4. Na sequência da decisão sumária e da notificação do despacho que antecede,
vêm agora os recorrentes deduzir reclamação para a conferência, nos termos do
n.º 3 do citado artigo 78.º‑A, apresentando os requerimentos de fls. 572 a 576 e
de 583 a 587, de idêntico conteúdo, pedindo a substituição desta decisão por
outra que determine o prosseguimento do recurso, com os seguintes fundamentos:
“(...)
1.Por decisão de fls. ..., foi decidido não tomar conhecimento do objecto do
recurso interposto pelo recorrente, estribando-se, para tanto, no disposto no
n.º 1 do art.º 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
2.Para fundamentar tal decisão, invocou-se que o recorrente tinha “o ónus de
invocar logo nas respectivas motivações a questão de constitucionalidade, tendo
em conta que eram bem conhecidas as posições divergentes na jurisprudência do
Supremo Tribunal de Justiça quanto à interpretação da norma em causa” (leia-se
art.º 400.º n.º 1 al. f) do CPP).
3.Sucede que o ora reclamante, ao recorrer para esse Venerando Tribunal,
suscitou três questões de constitucionalidade, no ponto 4. do requerimento de
interposição do mesmo, no que concerne à interpretação dada ao citado preceito
legal, a saber:
i. que, ao contrário do decidido, o acórdão impugnado não havia confirmado
integralmente a decisão condenatória da 1ª instância ;
ii. que a interpretação dada pelo TRL ao art.º 400.º n.º 1 al. f) do CPP viola,
de forma clara, o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei e os
tribunais, bem como as garantias de defesa do arguido, consagrados,
respectivamente, nos art.ºs 13 n.º 1 e 32.º n.º 1, ambos da CRP; e
iii. que a interpretação do art.º 400.º do CPP, no sentido de que não é
admissível recurso nos casos aí previstos, mesmo em caso de ofensa de caso
julgado, oportunamente invocada pelo recorrente, violaria os princípios
consagrados nos art.ºs 20.º n.º 1 e 32.º n.º 1, ambos da CRP.
4.Ora, a decisão sumária notificada ao recorrente, limitou-se a apreciar,
apenas, a segunda das três questões suscitadas.
5.Sendo que, apenas relativamente a essa, se refere a jurisprudência mencionada
no ponto 9. da aludida decisão.
6.Certo é também que, apenas relativamente a essa mesma questão, se pode
afirmar, como se afirma na decisão ora reclamada, que o recorrente tinha o ónus
de conhecer as posições divergentes sobre a matéria, existentes na
jurisprudência do STJ, pois que, relativamente às demais, ignora-se que alguma
controvérsia jurisprudencial exista sobre as mesmas.
7.Relativamente, às questões i. e iii. atrás transcritas, alegou o recorrente
que a interpretação dada pelas instâncias recorridas ao art.º 400.º n.º 1 al. f)
do CPP era inconstitucional, em virtude de:
i. As instâncias recorridas terem entendido, erradamente, que o acórdão do TRL
havia confirmado integralmente a decisão condenatória da 1.ª instância, fazendo
uma interpretação inconstitucional da norma em causa;
iii. Ser sempre admissível recurso, mesmo nos casos previstos no art.º 400.º n.º
1 al. f) do CPP, em caso de invocação de ofensa de caso julgado, como sucedeu in
casu.
8.Ora, relativamente a tais questões, a decisão sumária ora reclamada não se
pronuncia, nem se vê que as razões nela invocadas lhes sejam também aplicáveis.
9.Pois que essas mesmas questões, ao que se julga saber, constituem novidade
jurisprudencial, tendo o recorrente sido surpreendido com a interpretação que
lhes foi dada pelo Tribunal da Relação de Lisboa e, posteriormente, pelo Supremo
Tribunal de Justiça.
10.Por tal motivo, só as pôde suscitar aquando da apresentação da Reclamação
para o Sr. Presidente do ST J e não antes.
11.Ora, o reclamante não pode deixar de manifestar aqui o seu enorme espanto
por, sistematicamente, todas as instâncias a que tem recorrido se recusarem, sob
os mais diversos pretextos (de ordem processual e não substancial), a
pronunciar-se sobre as aludidas questões de inconstitucionalidade.
12.Cabe aqui dizer: O RECORRENTE PODE NÃO TER DIREITO A UMA DECISÃO JUSTA, MAS
TEM DIREITO, PELO MENOS, A UMA DECISÃO JUSTIFICADA E QUE AS INSTÂNCIAS
SUPERIORES SE PRONUNCIEM SOBRE AS QUESTÕES QUE SUSCIT A.
13.A verdade é que o ora reclamante, desde que foi notificado da decisão que
rejeitou, por (supostamente) inadmissível, o recurso por si interposto do
acórdão proferido pelo TRL, sempre tem afirmado, em todos os seus requerimentos
- SEM EXCEPÇÃO - que entende ser inconstitucional uma interpretação do art.º
400.º n.º 1 al. f) do CPP que considere não ser admissível recurso nos casos aí
previstos, mesmo que seja invocada a violação de caso julgado.
14.E, bem assim, que considere verificada a irrecorribilidade da decisão, ainda
que um dos recursos interpostos haja merecido provimento, como sucedeu in casu,
sendo anulada, consequentemente, uma parte do acórdão recorrido.
15.Refere-se no despacho do Sr. Juiz Conselheiro Relator, de 15-09-2005, que o
ora reclamante restringiu o seu recurso à norma da al. f) do art.º 400.º n.º 1
do CPP.
16.Contudo, como atrás se viu, é por demais manifesto que a questão de
constitucional idade por si suscitada não se restringe unicamente àquela que vem
referenciada no despacho reclamado.
17.Assim, deveria, no mínimo, tal despacho, salvo o devido respeito, ter-se
pronunciado sobre as duas outras questões de constitucionalidade suscitadas pelo
recorrente, no que concerne à interpretação dada pelas instâncias à citada
norma.
18. Donde se conclui que o despacho reclamado não só se encontra ferido da
nulidade prevista no art.º379.ºn.º1 al. c) do CPP, por omissão de pronúncia,
como incorreu em erro sobre os pressupostos de facto da decisão, uma vez que, no
caso vertente, não se encontravam verificados os pressupostos de facto e de
direito para que pudesse ser proferida decisão sumária.
Nestes termos, requer-se a V. Ex.as se dignem atender a presente reclamação,
admitindo‑se o recurso oportunamente interposto pelo ora reclamante, com as
legais consequências.”
Notificados os recorridos, respondeu o Ministério Público,
sustentando que as reclamações são manifestamente improcedentes.
5. O inconformismo dos recorrentes em relação à decisão sumária
proferida nos autos, que decidiu não tomar conhecimento dos recursos interpostos
do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, radica no facto de, no seu
entendimento, aquela decisão só se ter pronunciado quanto a uma das três
questões de constitucionalidade que indicaram nos requerimentos de interposição
de recurso e que suscitaram na reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal
de Justiça do despacho do relator na Relação que não admitiu os recursos
interpostos para o Supremo.
Na óptica dos reclamantes, a decisão sumária incorreu na nulidade prevista no
artigo 379º, n.º1, alínea c), do Código de Processo Penal, por omissão de
pronúncia, e em “erro sobre os pressupostos de facto da decisão, uma vez que, no
caso vertente, não se encontram verificados os pressupostos de facto e de
direito para que pudesse ser proferida decisão sumária”.
Porém, carecem de razão os reclamantes.
6. É verdade que nas reclamações para o Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça os reclamantes invocaram as questões que identificam sob as alíneas i),
ii) e iii), e não é menos verdade que nos requerimentos de interposição de
recurso para o Tribunal Constitucional disseram que o tinham feito.
Conforme escreveram:
“4. De tal decisão [o despacho do relator na Relação que não admitiu o recurso
para o Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento no artigo 400º, n.º1, alínea
f), do CPP], reclamou o ora recorrente, tendo suscitado em tal petitório, entre
outras, as seguintes conclusões:
i. que, ao contrário do decidido, o acórdão impugnado não havia confirmado
integralmente a decisão condenatória da 1ª instância.
ii. que a interpretação dada pelo TRL ao art.º 400.º n.º 1 al. f) do CPP viola,
de forma clara, o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei e os
tribunais, bem como as garantias de defesa do arguido, consagrados,
respectivamente, nos art.ºs 13.º n.º 1 e 32.º n.º 1, ambos da CRP; e
iii. que a interpretação do art.º 400.º do CPP, no sentido de que não é
admissível recurso nos casos aí previstos, mesmo em caso de ofensa de caso
julgado, oportunamente invocada pelo recorrente, violaria os princípios
consagrados nos artºs. 20.º n.º 1 e 32.º n.º 1, ambos da CRP.”
Contudo, e independentemente de se apurar se foram efectivamente suscitadas
durante o processo três questões de constitucionalidade de que se devesse
conhecer ou se as “questões” identificadas sob as alíneas i) e iii) não se
reconduzem à única questão referida na alínea ii) - que radica na interpretação
dada à norma da alínea f) do n.º1 do artigo 400º do Código de Processo Penal,
tal como foi a aplicada pela decisão recorrida como fundamento da rejeição dos
recursos -, os reclamantes, nos respectivos requerimentos de interposição de
recurso, como se reafirmou no despacho que indeferiu os pedidos de
esclarecimento, restringiram o objecto do recurso à interpretação dada a esta
norma, ao afirmarem no ponto 10. daquele requerimento que “através do presente
recurso, pretende o recorrente que seja apreciada a constitucionalidade da norma
constante do artigo 400º, n.º1, alínea f) do CPP, na interpretação que lhe foi
dada pelo STJ”.
Deste modo, entendeu-se que os recursos diziam apenas respeito à norma da alínea
f) do n.º1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, na interpretação dada
pelo acórdão recorrido, ou seja, no sentido de “que a recorribilidade de
acórdãos das Relações afere-se apenas em face da pena aplicável em abstracto por
cada crime isoladamente considerado, ainda que, existir concurso de infracções a
pena possa ultrapassar os limites fixados naqueles preceitos” [refere-se às
alínea e) e f)].
De qualquer modo, sempre se dirá que, mesmo que se entendesse, o que não é o
caso, que o objecto dos recursos abrangia as duas questões que os reclamantes
enumeram, então, não se poderia conhecer dos recursos nessa parte porque o
acórdão recorrido não aplicou como ratio decidendi a norma da alínea f) do n.º1
do artigo 400º do Código de Processo Penal, com o sentido de que seria
irrecorrível o acórdão da Relação que “haja confirmado inteiramente a decisão
condenatória da 1ª instância” e tenha incorrido em “ofensa de caso julgado”,
como afirmam os reclamantes.
Assim, a decisão reclamada conheceu das questões que tinha que conhecer e
estavam verificados os pressupostos da aplicação do n.º1 do artigo 78º-A da Lei
do Tribunal Constitucional, pelo que improcedem as reclamações.
7. Pelo exposto, acordam em indeferir as reclamações, confirmando a decisão
sumária, e em condenar os reclamantes nas custas com 20 (vinte) unidades de
conta de taxa de justiça para cada um, sem prejuízo do apoio judiciário
concedido.
Lisboa, 2 de Novembro de 2005
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício