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Processo n.º 875/04
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A. interpôs, junto do Supremo Tribunal Administrativo, recurso
contencioso de anulação de um despacho conjunto do Ministro da Agricultura, do
Desenvolvimento Rural e das Pescas e do Secretário de Estado do Tesouro e das
Finanças, pelo qual lhe foi atribuída uma indemnização pelos produtos florestais
extraídos de certos prédios rústicos durante o período de intervenção da reforma
agrária, sem atender ao valor real da cortiça no momento do pagamento da
indemnização.
Houve resposta do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural
e das Pescas (fls. 33 e seguintes), alegações da recorrente (fls. 40 e
seguintes), alegações do Ministro (fls. 75 e seguintes) e parecer do Ministério
Público (fls. 84 e seguintes).
2. Por acórdão de 5 de Novembro de 2002 (fls. 89 e seguintes), o Supremo
Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso.
3. Deste acórdão interpôs A. recurso para o Pleno da Secção do
Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (fls. 100), tendo
nas alegações respectivas (fls. 108 e seguintes) concluído, para o que aqui
releva, do seguinte modo:
“[...]
49ª - Pela Constituição da República, os critérios de avaliação e direitos a
indemnizar têm de respeitar os princípios de Justiça, Igualdade e
Proporcionalidade.
50ª - Todos estes princípios se encontram ausentes no Acórdão recorrido quando
negou a actualização da cortiça arrecadada pelo Estado entre 76 e 86.
51ª - Pelo Acórdão do S.T.J., Proc. 1292/02 de 28/05/02, relativamente à
extracção de uma cortiça em 1989, num prédio rústico abrangido pelas medidas da
Reforma Agrária e posteriormente devolvido, e tendo por fundamento o Despacho
Normativo 101/89 de 25/10/89, publicado no D.R. I Série de 09/11/89 e art. 6º do
D.L. 312/85 de 31/07, ficou decidido que a indemnização devida pela cortiça está
subtraída ao princípio nominalista, previsto no art. 550º do C.C., sendo a mesma
actualizada nos termos do art. 551º do C.C.
52ª - Este mesmo Acórdão do STJ decidiu aplicar:
- O art. 62º n.° 2 da C.R.P. à indemnização pela perda do rendimento de cortiça;
- Subsidiariamente os arts. 22º e 23º do Código das Expropriações, D.L. 438/91
de 13/11, para actualização da cortiça de acordo com o índice de preços no
consumidor;
53ª - O despacho impugnado ao ofender o conteúdo essencial de um direito
fundamental, é nulo por violação do preceituado na alínea d) do n.° 2 do art.
133° do CPA, conjugado com o art. 62º n.° 2 da CRP, uma vez que não respeita o
direito constitucional à justa indemnização, prevista no art. 62º n.° 2 da CRP.
54ª- O Acórdão recorrido ao não proceder à actualização da cortiça, por erro de
interpretação violou o disposto nos arts. 9º n.ºs 1, 2, 3, 4, e 5 e art. 13º n.°
1 da Lei 2/79, no art. 6º n.ºs 2 e 3 do Decreto-Lei 312/85 de 31/07, no art. 1º
n.° 1 e n.° 2 e art. 7º do Decreto-Lei 199/88 de 31/05, o art. 5º n.° 2 d) e
art. 14º n.° 1 do mesmo diploma na redacção do Decreto-Lei 38/95 de 14/02, o
art. 2º n.° 1 e art. 3º c) da Portaria 197-A/95 de 17/03, o art. 133º n.° 2 d)
do CPA, arts. 9° n.° 1, 10°, 212° e 551° do Código Civil.
55ª - O Acórdão recorrido ao partir do pressuposto que a indemnização pela perda
do rendimento florestal é fixada pelas regras aplicáveis de direito comum aos
lucros cessantes, enferma de errada interpretação da lei, designadamente do art.
564º do Código Civil.
56ª- O art. 564º do C.Civi1 nomeadamente com a interpretação que lhe foi
conferida pelo douto Acórdão recorrido, ao entender que o cálculo das
indemnizações da Reforma Agrária pela perda do rendimento florestal é efectuado
nos termos da referida disposição legal, não assegura a justa indemnização, pelo
que terá de se considerar inconstitucional, uma vez que está em desconformidade
com o disposto no art. 62º n.° 2 da C.R.P. que determina que o pagamento da
justa indemnização pela expropriação de bens e direitos só pode ser alcançado
pela actualização desses bens para o valor rea1 e corrente.
57ª- Os arts. 13º, 19º e 24º da Lei 80/77 de 26/10, e nomeadamente com a
interpretação que foi perfilhada pelo douto Acórdão recorrido, ao entender que
aos valores da cortiça apenas acresce a taxa de juro de 2,5%, referida naquela
disposição legal, não assegura a justa indemnização, pelo que ter-se-á de
considerar, nessa parte inconstitucional, uma vez que está em desconformidade
com o disposto no art. 62º n.° 2° da Constituição da República, que determina
que o pagamento da justa indemnização, pela expropriação e privação de bens e
direitos, só pode ser alcançado pela actualização desses bens, para o valor real
e corrente.
58ª- A recorrente, no que se refere à não actualização da cortiça foi tratada de
forma particularmente desfavorável e sem qualquer fundamento legal,
relativamente a outros cidadãos que receberam os bens indemnizáveis actualizados
e os valores da cortiça, logo após as devoluções dos prédios ou entrega da
reserva.
59ª - Os arts. 13º, 19º e 24º da Lei 80/77 com o sentido e alcance que lhe foi
conferido pelo douto Acórdão, nomeadamente quando entendeu que aos valores da
cortiça apenas são acrescidos dos juros à taxa de 2,5% ao ano, não assegura o
princípio da igualdade, é inconstitucional, por violação do art. 13º n° 1 da
CRP.
[...].”
O Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas também alegou (fls.
231 e seguintes), sustentando que devia ser negado provimento ao recurso. Em
idêntico sentido se pronunciou o Ministério Público, no seu parecer (fls. 236).
4. Por acórdão de 2 de Junho de 2004 (fls. 240 e seguintes), o Pleno da
Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo negou
provimento ao recurso, pelos seguintes fundamentos:
“[...]
A questão que se coloca é, pois, como se vê, a de saber que [...] critérios
devem presidir ao cálculo da indemnização dos produtos florestais,
designadamente da cortiça, a que tem direito o proprietário cujo prédio foi
nacionalizado, expropriado ou ocupado no âmbito da Reforma Agrária e o modo da
sua actualização.
E no tocante a essa questão a jurisprudência deste Tribunal encontra-se
consolidada, pelo que inexistindo razões para dela divergir limitar-nos-emos a
acompanhar o que tem sido dito.
Escreveu-se a esse propósito no Acórdão do Pleno de 28/4/01 (rec. 47.391):
«Do exame da legislação indicada apura-se que, com o Decreto-Lei n.º 199/88, se
introduziu no regime de indemnizações relativo às expropriações e
nacionalizações efectuadas no âmbito da Reforma Agrária, a par de indemnizações
pela ‘perda do direito de propriedade, perfeita ou imperfeita’ e pela
‘caducidade dos direitos do arrendatário’ [art. 3º, n.º 1, alíneas a) e b)], uma
indemnização pela privação temporária do uso e fruição dos prédios expropriados
ou nacionalizados, indemnização esta que se aplica em todos os casos em que
houve devolução dos bens em momento ulterior [art. 3º, n.º 1, alínea c), deste
diploma].
Assim, nestes casos em que houve devolução dos bens, não há qualquer outra
indemnização, no que concerne a bens devolvidos, pois esta visa, precisamente,
reparar o prejuízo global sofrido com a privação do uso e fruição, como decorre
do [art.] 14º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 199/88.
No caso dos autos, está-se perante uma situação em que ocorreu a devolução
global dos prédios expropriados [segundo se infere da alínea a) da matéria de
facto fixada], pelo que há lugar à indemnização por privação temporária do uso
ou fruição desses prédios, à face do preceituado nos referidos arts. 3º, n.º 1,
alínea c), e 14º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 199/88.
A indemnização por privação temporária, no que concerne ao rendimento florestal,
é a correspondente ao ‘rendimento florestal líquido do prédio, calculado de
acordo com os critérios do Decreto-Lei n.º 312/85, de 31/7, e do Decreto-Lei n.º
74/89, de 3/3, cujo apuramento será efectuado pelo Instituto Florestal’, como
expressamente se refere na alínea d) do n.º 2 do art. 5º do Decreto-Lei n.º
199/88.
Consequentemente, nestes casos de devolução de bens, não há lugar a uma
indemnização autónoma por frutos pendentes, designadamente a prevista no n.º 7
do art. 11º do Decreto-Lei n.º 199/88, pois esta tem lugar nos casos em que os
bens que integravam o capital de exploração não foi devolvido, como se conclui
do conjunto das disposições deste artigo, em que se incluem referências
expressas a bens que não tenham regressado à posse dos seus titulares e a bens
não devolvidos (n.ºs 4 e 6), conjugadas com o art. 14º, em que se prevê uma
indemnização autónoma ‘pela privação temporária de uso e fruição dos bens
devolvidos’.
Relativamente aos bens devolvidos, o único prejuízo consubstancia-se em tal
privação e, por isso, se ele é indemnizado autonomamente, abrangendo o
rendimento líquido dos bens florestais, a atribuição cumulativa de uma
indemnização por frutos pendentes, que constituem uma parte do rendimento
líquido do prédio durante o período de privação, reconduzir-se-ia a uma
inaceitável duplicação parcial de indemnização pelo mesmo prejuízo.
7. No caso em apreço, o valor da indemnização relativa à cortiça extraída foi
calculada tomando por referência os valores pelos quais foi vendida [alínea g)
da matéria de facto fixada].
Como se referiu, no art. 7º do Decreto-Lei n.º 199/88, depois de se estabelecer,
no n.º 1, que ‘as indemnizações definitivas pela expropriação ou nacionalização
ao abrigo da legislação sobre reforma agrária serão fixadas com base no valor
real e corrente desses bens e direitos, apurado nos termos deste diploma, de
modo a assegurar uma justa compensação pela privação dos mesmos bens e
direitos’, acrescenta-se, no n.º 2 que ‘o valor atrás indicado deve referir-se à
data da ocupação, nacionalização ou expropriação, consoante o acto que tenha
ocorrido em primeiro lugar’.
Assim, também no caso de produtos florestais, depois de determinado o rendimento
líquido com base nos valores de venda desses produtos e dos encargos previstos
no art. 5º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 312/95, de 31/7 [aplicável por força do
disposto na alínea d) do n.º 2 do art. 5º do Decreto-Lei n.º 199/88] haveria que
determinar qual o valor que correspondia a esse à data em que a Recorrente ficou
privada do uso e fruição dos prédios.
Como se referiu, esta determinação do valor dos bens nesta data está em sintonia
com o art. 24º da Lei n.º 80/77, de 26/10, em que se estabelece que os juros das
obrigações em que se consubstancia o pagamento das indemnizações se vencem desde
a data da nacionalização ou expropriação ou da ocupação efectiva dos prédios,
sendo a retroacção do cálculo do valor que pode explicar a contagem de juros
desde esse momento.
Aquele art. 7º do Decreto-Lei n.º 199/88 é a última emanação legislativa sobre
indemnizações definitivas ao abrigo das leis da Reforma Agrária, pelo que revoga
quaisquer outras normas que pudessem dispor em sentido contrário, designadamente
as que regiam as indemnizações provisórias (art. 7º, n.º 2, do Código Civil).
Por outro lado, este art. 7º aplica-se a todas as indemnizações derivadas de
expropriações ou nacionalizações efectuadas ao abrigo daquelas leis, como
resulta do seu n.º 1, e, por isso, não há qualquer discriminação de qualquer dos
tipos de titulares de indemnizações, quanto ao momento que é considerado como o
relevante para cálculo dos valores dos bens ou direitos de que ficaram privados.
Designadamente, não tem suporte legal uma distinção entre as indemnizações pela
perda de património e as derivadas de privação temporária. Com efeito, no art.
3º do Decreto-Lei n.º 199/88, depois de se indicarem, no seu n.º 1, os tipos de
indemnizações (pela perda do direito de propriedade, perfeita ou imperfeita,
pela caducidade de direitos de arrendatário e pela perda temporária de direitos
de uso e fruição) estabelece-se, no seu n.º 2, que aos titulares de bens
expropriados ou nacionalizados ao abrigo das leis sobre a reforma agrária não
são atribuídas indemnizações parcelares por cada um dos tipos de perda de bens
ou direitos, mas sim uma única indemnização global, que resulta da adição das
várias indemnizações e da subtracção de valores aí indicados. (Estas situações
de indemnização única formada por indemnizações parcelares, para além de poderem
ocorrer relativamente ao mesmo prédio em que haja mais do que um tipo de
indemnizações poderão ocorrer também nos casos em que uma pessoa seja titular de
mais que um prédio, pois o art. 9º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 199/88 estabelece,
imperativamente, que seja organizado ‘um único processo para o cálculo da
indemnização definitiva relativa aos bens e direitos da mesma pessoa sitos no
mesmo distrito’).
Por isso, embora a Lei n.º 80/77 apenas previsse indemnizações por privação
definitiva de direitos (o que se explica por não estar prevista, ao tempo, a
devolução de bens que só depois veio a ser decidida legislativamente) tendo de
haver uma única indemnização global, toda ela tem de ser paga nos mesmos termos,
não estando prevista outra forma de pagamento que não seja através dos títulos
previstos naquela Lei.
Assim, o art. 18º da Lei n.º 80/77, que impõe o pagamento de indemnizações por
expropriações e nacionalizações, inclusivamente as definitivas, em títulos de
dívida pública, com o regime de juros previsto nos seus arts. 19º e 24º, tem de
ser interpretado de forma actualista, de modo a abranger também as indemnizações
definitivas que tenham subjacente situações de privação temporária, previstas no
Decreto-Lei n.º 199/88.
Aliás, não havendo qualquer outro diploma legal que se refira a outros títulos
para pagamento de indemnizações derivadas de expropriações e nacionalizações ao
abrigo das leis da reforma agrária, é forçosamente aos títulos previstos no art.
18º e seguintes da Lei n.º 80/77 que se reportam os n.ºs 1 e 2 do art. 15º do
Decreto-Lei n.º 199/88 e o n.º 9 da Portaria n.º 197-A/95, ao referirem-se aos
‘títulos das indemnizações’.
Assim, aquela indemnização unitária vence globalmente juros nos termos dos arts.
19º e 24º daquela Lei, como resulta do preceituado naquele art. 18º.
O facto de a Portaria n.º 197-A/95 só prever expressamente o pagamento destes
juros no seu n.º 1, que se reporta à avaliação definitiva do património
fundiário não devolvido, não pode afectar o que resulta da Lei n.º 80/77 e do
Decreto-Lei n.º 199/88, pois aquele é um diploma regulamentar, hierarquicamente
inferior aos diplomas com valor legislativo, que só tem validade na medida em
que não contrariar o preceituado nestes, como resulta do preceituado no art.
115º, n.º 5, da C.R.P., na redacção vigente em 1995, que proíbe que por actos
diferentes dos aí indicados como tendo valor legislativo (leis, decretos-leis e
decretos legislativos regionais) sejam interpretados, integrados, modificados,
suspensos ou revogados preceitos de diplomas legislativos. [...]
Por isso, no caso em apreço, a indemnização pela extracção de produtos
florestais foi correctamente calculada, como parte do rendimento líquido dos
bens durante o período de privação do uso e fruição dos prédios, nos termos da
alínea d) do n.º 2 do art. 5º do Decreto-Lei n.º 199/88, não tendo de ser
calculada, total ou parcialmente, nos termos previstos no n.º 7 do art. 11º
daquele diploma para os ‘frutos pendentes’.
Assim, conclui-se que não tinha de haver uma actualização dos valores das vendas
dos produtos florestais para valores de 1994/1995, nem aplicação subsidiária do
Código das Expropriações, por a legislação referida prever expressamente a forma
de cálculo dos valores da indemnização, desde os momentos a considerar para esse
cálculo até à remuneração pelo atraso no seu pagamento.
8 - Existindo este regime de actualização especial para as indemnizações devidas
por expropriações e nacionalizações efectuadas no âmbito da Reforma Agrária,
designadamente relativas a prédios arrendados, não se pode entender que exista
uma lacuna de regulamentação, que permita a aplicação de qualquer outro regime.
Porém, os Recorrentes suscitam a questão da inconstitucionalidade deste regime
de actualização, que entendem ser incompatível com os arts. 13º, n.º 1, e 62º,
n.º 2, da C.R.P., e os princípios da justiça, da proporcionalidade e da
igualdade.
Aquele art. 24º da Lei n.º 80/77 estabelece um regime de actualização da
indemnização, através dos juros dos títulos referidos, e o art. 7º, n.ºs e 2, do
Decreto-Lei n.º 199/88 impõe, relativamente a todas as indemnizações, que o
valor real e corrente dos bens ou direitos expropriados ou nacionalizados seja
reportado ao momento em que ocorreu o acto que privou o seu titular desses bens
ou direitos [assim, no original].
No entanto, o regime de actualização previsto nos arts. 19º e 24º da Lei n.º
80/77 e respectivo Anexo é um regime diferenciado, pois, conforme o valor que
cada titular de direito de indemnização tem a receber, são-lhe entregues títulos
de uma das doze classes referidas neste Anexo (com prazos de pagamento, períodos
de diferimento e taxas de juros diferentes) [...].
Porém, esta excepção e regimes diferenciados não implicam uma ofensa do
princípio da igualdade, pois este só proíbe as diferenciações de tratamento sem
fundamento material aceitável e, no caso, elas têm-no, pois são diferentes
também as presumíveis capacidades económicas dos titulares de direito de
indemnização (e a consequente premência de obter o dinheiro correspondente à
indemnização) que deixam entrever as dimensões dos respectivos direitos,
designadamente no que concerne ao pagamento em dinheiro, de que beneficiam
apenas titulares de pequenos direitos de indemnização que, tendencialmente,
terão situação económica mais débil e, por isso, terão necessidade de mais
pronta reparação.
Por outro lado, o n.º 2 do art. 62º da C.R.P., que estabelece que ‘a requisição
e expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e
mediante o pagamento de justa indemnização’, não é aplicável nesta matéria, por
a indemnização por expropriação no âmbito da reforma agrária estar prevista nos
arts. 83º e 94º (em redacções anteriores os art. 82º e art. 97º) da C.R.P..
Na verdade, como tem vindo a sustentar o Tribunal Constitucional ‘quando se
trate de matérias especificamente sediadas na âmbito da constituição económica,
o artigo 62º não é obstáculo a restrições do direito de propriedade, se nessa
sede existir norma constitucional que dê cobertura suficiente a tais limitações’
(neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 14/84,
publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 2º, página 339, e n.º
491/02, de 26-11-2002, proferido no processo n.º 310/99, publicado no Diário da
República, II Série, de 22-1-2003, página 1057), o que é o caso da Reforma
Agrária, prevista naqueles arts. 94º e 97º.
Naquele art. 83º deixa-se para a lei ordinária a fixação do critério das
indemnizações e nos termos do art. 94º não se inclui referência a ‘justa
indemnização’, ao contrário do que sucede com aquele art. 62º, referindo-se
apenas ‘o direito do proprietário à correspondente indemnização e à reserva de
área suficiente para a viabilidade e a racionalidade da sua própria exploração’.
Assim, relativamente a nacionalizações e expropriações ao abrigo das leis da
reforma agrária, não é constitucionalmente imposto, como no caso do art. 62º,
n.º 2, uma reconstituição integral da situação que existiria se não tivesse
ocorrido a ocupação e expropriação, mas uma indemnização que cumpra as
exigências mínimas de justiça ínsitas na ideia de Estado de Direito e não
conduzam ao estabelecimento de montantes irrisórios.
(Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal
Administrativo:
[...]
No mesmo sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
– n.º 39/88, de 9-2-88, proferido no processo n.º 136/85, publicado no Boletim
do Ministério da Justiça n.º 374, página 114;
– n.º 605/92, de 17-12-92, proferido no processo n.º 67/92, publicado no Boletim
do Ministério da Justiça n.º 422, página 60, e Diário da República, 2ª Série, de
8-4-93, página 3818; e n.º 341/94, de 26-4-94, proferido no processo n.º 34/93,
publicado no Diário da República, 2ª Série, de 4-11-94).
Por outro lado, no âmbito das exigências de justiça e proporcionalidade, o valor
do bem de que o titular do direito de indemnização foi privado não é o único
factor a atender, pois é uma da tarefas prioritárias do Estado promover a
igualdade real entre os portugueses [art. 9º, alínea d), da C.R.P. em todas as
redacções] e é uma das suas incumbências prioritárias no âmbito económico a
correcção das desigualdades na distribuição da riqueza [art. 81º, alínea b), da
C.R.P., a que corresponde a alínea d) na redacção de 1976] e a lei é o meio mais
adequado a promover a ‘progressiva eliminação de situações de desigualdade de
facto de natureza económica’ (Essencialmente neste sentido, o Acórdão n.º 39/88,
do Tribunal Constitucional, atrás citado, a páginas 145).
Por isso, não pode considerar-se injusta ou desproporcionada uma lei só porque
trata de forma diferente os cidadãos em função da sua situação económica,
permitindo concretizar a indemnização em dinheiro mais cedo e com menor risco de
desvalorização a quem presumivelmente terá pior situação económica, antes se
tendo de concluir que esse tratamento diferenciado em matéria de intervenção do
Estado na economia pode consubstanciar concretização daquelas directrizes
constitucionais.
Assim, o regime de pagamento de indemnizações previsto nos arts. 19º, 24º e
Anexo da Lei n.º 80/77 e no art. 7º do Decreto-Lei n.º 199/88 não é incompatível
com os arts. 13º e 62º, n.º 2, da C.R.P., nem com os princípios constitucionais
da justiça e da proporcionalidade.
9 - Por outro lado, esta interpretação do Decreto-Lei n.º 199/88, com as
alterações operadas pelos Decretos-Lei n.ºs 199/91 e 38/95, no sentido de ser
aplicável o regime de pagamento através dos títulos previstos na Lei n.º 80/77,
é mesmo a única que pode considerar-se compatível com a Constituição, por razões
de constitucionalidade orgânica.
Na verdade, à face da Constituição na redacção de 1982, em cuja vigência foi
emitido pelo Governo o Decreto-Lei n.º 199/88, legislar sobre os critérios de
fixação de indemnizações relativas à intervenção, nacionalização ou socialização
dos meios de produção (Nestes conceitos de nacionalização e socialização dos
meios de produção se enquadram as expropriações efectuadas ao abrigo das leis da
Reforma Agrária, pois eles abrangem as situações de expropriação de bens de
produção enquanto tais, para continuarem nessa qualidade na propriedade do
Estado ou para exploração através de formas colectivas (neste sentido, podem
ver-se J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República
Portuguesa Anotada, 2ª edição, volume 1º, páginas 391-392) inseria-se na reserva
relativa de competência legislativa da Assembleia da República [art. 168º, n.º
1, alínea l), na redacção de 1982]. (Esta alínea l) reproduz exactamente as
palavras utilizadas no art. 82º, pelo que a lei a que este artigo se reporta
terá [de] ser uma lei formal).
Esta reserva relativa de competência legislativa para fixação de critérios de
indemnização foi mantida na revisão constitucional de 1989, embora com outra
terminologia, reportando-se a alínea l) do n.º 1 do seu art. 168º aos ‘meios e
formas de intervenção, expropriação, nacionalização e privatização dos meios de
produção e solos por motivo de interesse público, bem como critérios de fixação,
naqueles casos, de indemnizações’.
Em qualquer dos casos é, assim, inequívoco que a fixação dos critérios de
indemnização por expropriações efectuadas ao abrigo das leis da Reforma Agrária
estava incluída na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da
República, ao tempo em que foi aprovado pelo Governo o Decreto-Lei n.º 199/88,
bem como ao tempo em que os Decretos-Lei n.ºs 99/91, de 29 de Maio, e 38/95, de
14 de Fevereiro, lhe introduziram alterações.
Assim, sem autorização legislativa que lhe permitisse legislar autonomamente
sobre a fixação de critérios de indemnização, apenas era permitido ao Governo
desenvolver os princípios e as bases gerais da Reforma Agrária fixadas pela Lei
n.º 80/77, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 201º da
Constituição (em qualquer daquelas redacções).
Foi ao abrigo desta norma que foram emitidos aqueles diplomas (no Decreto-Lei
n.º 199/91 invoca-se também, além da alínea c), a alínea a) do n.º 1 do art.
201º da C.R.P., que prevê a competência do Governo para legislar em matérias não
incluídas na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da
República, mas, no que se possa reportar [à] fixação de critérios de
indemnização relacionadas com intervenção, nacionalização e socialização dos
meios de produção, a validade daquele Decreto-Lei só podia basear-se na alínea
c)).
Porém, como resulta do preceituado no n.º 2 do art. 115º da C.R.P., em qualquer
daquelas redacções, os diplomas aprovados pelo Governo ao abrigo daquela alínea
c) estão subordinados às leis cujos regimes jurídicos desenvolvem, dependendo a
validade constitucional daqueles da sua compatibilidade com estes.
A Lei n.º 80/77 estabelece, no n.º 2 do seu art. 1º, que ‘as nacionalizações de
empresas, de acções e outras partes do capital social de empresas privadas, as
nacionalizações de prédios realizadas nos termos do Decreto-Lei n.º 407-A/75, de
30 de Julho, e as expropriações efectuadas ao abrigo das Leis da Reforma
Agrária, desde 25 de Abril de 1974, conferem aos ex-titulares de direitos sobre
os bens nacionalizados ou expropriados o direito a uma indemnização, liquidada e
efectivada nos termos e condições da presente lei’.
No seu art. 18º, relativo ao ‘pagamento da indemnização’, estabelece-se que ‘com
excepção do disposto no artigo 20º, o direito à indemnização, tanto provisória
como definitiva, efectiva-se mediante entrega ao respectivo titular, pelo
Estado, de títulos de dívida pública de montante igual ao valor fixado nos
termos e condições constantes dos artigos seguintes’.
As excepções previstas no art. 20º, em que se permite o pagamento em dinheiro,
são apenas as de indemnizações até 50.000$00 e as devidas por frutos pendentes.
Por isso, estando as opções legislativas do Governo limitadas pela Lei n.º
80/77, o Governo não podia, sem incorrer em inconstitucionalidade orgânica,
estabelecer, nos Decretos-Lei n.ºs 199/88 e 38/95, o pagamento de indemnizações
por privação temporária do uso e fruição de valor superior a 50.000$00 por forma
diferente da prevista naquela Lei, que era o pagamento através [de] ‘títulos de
dívida pública de montante igual ao valor fixado nos termos e condições
constantes dos artigos’ subsequentes àquele art. 18º.
Assim, tem de concluir-se que, em vez de ofender a Constituição, a solução
legislativa adoptada pelo Governo naqueles diplomas, no que concerne à forma de
pagamento das indemnizações, era a única que o Governo podia adoptar à face dos
poderes legislativos que, nestes casos, a Constituição lhe conferia.
Por isso, em face do regime legal aplicável ao pagamento de indemnizações, não
podiam também os Autores do acto recorrido decidir o pagamento por forma
diferente da que foi adoptada no acto recorrido.
Na verdade, ‘aí onde a Constituição imponha reserva de lei, legalidade não
implica somente prevalência ou preferência de lei, nem sequer prioridade de lei;
traduz-se em sujeição do conteúdo dos actos administrativos e jurisdicionais aos
critérios, aos valores, ao sentido imposto pela lei como acto legislativo;
envolve, senão monopólio normativo (reserva absoluta), pelo menos fixação
primária de sentido normativo (reserva relativa) pela lei’ (Jorge Miranda,
Manual de Direito Constitucional, tomo V, 1997, página 216.)
Por isso, é de concluir que a solução aqui adoptada, em vez de contrariar as
normas e princípios constitucionais referidos pela Recorrente, é a única que
assegura a constitucionalidade das opções legislativas materializadas nos
referidos Decretos-Lei n.ºs 199/88 e 38/85».
[...].”
5. A. interpôs então recurso deste acórdão para o Tribunal
Constitucional (fls. 263 e seguinte), ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
“[...]
2. A recorrente vem suscitar a inconstitucionalidade dos arts. 13º, 19º e 24º da
Lei 80/77 de 26/10, por violação dos arts. 13º n° 1 e 62º n° 2 da CRP.
3. O Acórdão recorrido decidiu-se pela aplicação das normas dos arts. 13º, 19º e
24º da Lei 80/77, quanto ao pagamento e actualização da indemnização devida à
recorrente, daí decorrendo que o regime de actualização da indemnização fixada
para os produtos florestais com referência aos anos da sua comercialização por
parte do Estado é efectuado pelos juros dos títulos da dívida pública, previstos
no art. 24º e quadro anexo à Lei 80/77.
4. A aplicação e interpretação por parte do Acórdão recorrido das referidas
normas, à indemnização fixada por valores reportados a 76, 77, 78, 79, 84, 85 e
86, viola o disposto nos arts. 62º n.º 2 da CRP por conduzir a uma indemnização
desadequada e desproporcionada pelo decurso do tempo sujeito à forte inflacção
dos preços, e ainda o disposto no art. 13º n° 1 da CRP, em comparação com os
demais cidadãos abrangidos pelas medidas da Reforma Agrária, que receberam a
indemnização relativa a outros componentes indemnizatórios, por valores de
94/95.
[...].”
O recurso foi admitido por despacho de fls. 265.
6. Nas alegações que produziu junto do Tribunal Constitucional (fls. 273
e seguintes), a recorrente formulou as seguintes conclusões, que se transcrevem
integralmente:
“1ª - A indemnização devida à recorrente é fundada na privação temporária do uso
e fruição de prédios rústicos no âmbito da Reforma Agrária, durante o tempo que
decorreu entre 02/10/75 e 02/10/89.
2ª - A indemnização objecto do presente recurso constitucional tem por
fundamento a intervenção do Estado na gestão dos prédios rústicos da recorrente
e advém concretamente de o Estado durante o período de privação dos prédios ter
extraído e recebido os valores da venda das cortiças.
3ª - O Estado durante a ocupação dos prédios arrecadou 35.698.833$00, com a
venda das cortiças extraídas em 76, 77, 78, 79, 84, 85 e 86 nos prédios da
recorrente.
4ª - No processo de pagamento da indemnização, os valores das cortiças
correspondentes a cada um dos anos da sua extracção e comercialização, foram
descontados à taxa de juro de 2,5% ao ano para a data da ocupação dos prédios,
para adequar o pagamento da indemnização em títulos da dívida pública nos termos
da Lei 80/77.
5ª - O valor da indemnização atribuída à recorrente, através do pagamento em
obrigações do tesouro e com o regime de juros das obrigações, foi fixado em
29.637.037$00.
6ª - Em 2001, o Estado devolveu os valores arrecadados, através da entrega de
títulos da dívida pública previstos no art. 19º e 24º da Lei 80/77, apenas
acrescidos dos juros das obrigações do tesouro constantes do quadro anexo à
referida lei.
7ª - O valor indemnizatório de 29.637.037$00, foi pago com títulos da Classe
XII, vencendo juros à taxa de 2,5% ao ano até á data do pagamento da
indemnização, tendo a recorrente recebido como valor final da indemnização
48.901.117$00 em 2001.
8ª - Com o valor indemnizatório recebido, a recorrente não foi ressarcida e
compensada dos valores que lhe foram subtraídos pelo Estado durante a privação
dos prédios, tendo em consideração a data do pagamento que só se veio a
concretizar em 2001 e a taxa de juro aplicada.
9ª - O valor indemnizado pago à recorrente em 2001 não constitui uma compensação
justa e adequada para a reconstituição da lesão económica sofrida, nem é
minimamente equivalente ou se aproxima do valor de substituição.
10ª - O valor da indemnização pelas cortiças que o Estado extraiu e arrecadou
desde 1976, apenas acrescido da taxa de juros de 2,5% ao ano até à data em que
se efectuou o pagamento em 2001, não alcançou a justa ou adequada indemnização,
uma vez que não compensa nem a desvalorização da moeda e inflação, nem o
prejuízo causado pela indisponibilidade da privação dos valores da cortiça.
11ª - Os valores subtraídos pelo Estado entre 1976 e 1986 acrescidos dos juros
das obrigações do tesouro, comparados com os coeficientes de desvalorização da
moeda fixados pela Portaria 552/02 de 30/06 para os anos de 76, 77, 78, 79, 85 e
86 representam em média 4,21 vezes menos.
12ª - Quanto maior é diferida no tempo a data do pagamento, maior é o prejuízo
sofrido pela recorrente com a inflação e desvalorização da moeda e mais
insignificante se torna a indemnização.
13ª - O valor da cortiça arrecadado pelo Estado em 1976 acrescido de juros à
taxa de 2,5% ao ano comparado com o valor que lhe corresponde pelos índices de
desvalorização da moeda da Portaria 552/02, representa agora 18,94 vezes menos.
14ª - Por valores de substituição de 94/95 aplicados às indemnizações da Reforma
Agrária, art. 3º a), b), e c) da Portaria 197-A/95 de 17/03, a indemnização pela
cortiça de 76 recebida pela recorrente, representa 21 vezes menos, tendo em
conta o preço da venda da cortiça pelo Estado por 96$65 arroba, e os preços
oficiais médios da venda da cortiça na área da situação dos prédios de 94/95 de
2.293$00 arroba.
15ª - A progressiva desvalorização dos valores objecto de indemnização,
decorridos 25, 24, 23, 22, 17, 16 e 15 anos, entre a data da apropriação dos
valores pelo Estado e o seu pagamento, não assegura a justa e adequada
indemnização.
16ª - Os juros dos títulos de dívida pública à taxa de 2,5% ao ano são
manifestamente inferiores aos praticados no mercado económico e financeiro
durante o período que decorreu durante a apropriação dos valores da cortiça por
parte do Estado e a data do seu pagamento.
17ª - Entre 1975 e 2001, as taxas de juros das operações passivas estipuladas
pelo Banco de Portugal foi em média de 14% atingindo o valor máximo de 28% em
1984.
18ª - A taxa de inflação média entre 75 e 2001 foi de 13% tendo atingido o valor
máximo de 28% em 1983.
19ª - A taxa de juro de 2,5% ao ano que acrescem aos valores da cortiça
arrecadada pelo Estado, é 5,6 vezes menos da média das taxas de juros das
operações passivas.
20ª - A indemnização dos valores da cortiça arrecada pelo Estado em 76, 77, 78,
79, 84, 85 e 86 acaba por tão só representar o pagamento e o reembolso de uma
dívida pelo seu valor nominal, acrescida dos juros à taxa de 2,5% ao ano, tendo
em consideração o período moratório, não compensa minimamente a desvalorização
da moeda, nem a indisponibilidade dos valores por parte da recorrente.
21ª - A recorrente recebeu como indemnização os valores da cortiça arrecadada
pelo Estado tão só acrescidos dos juros à taxa de 2,5% ao ano, enquanto os
demais titulares de indemnização da Reforma Agrária receberam a indemnização da
cortiça arrecadada pelo Estado em 75, por valores de substituição de 94/95 e de
outros componentes indemnizatórios por preços correntes da data do pagamento e
valores actualizados para 94/95, art. 2º n.° 1 e art. 3º a), b ) e c) da
Portaria 197-A/95 de 17/03.
22ª - Para os demais titulares de indemnização da Reforma Agrária, ao cálculo
dos valores indemnizatórios actualizados acresceram ainda juros do pagamento das
indemnizações em títulos da dívida pública.
23ª - O regime de pagamento das indemnizações à recorrente através dos títulos
da dívida pública, com juros à taxa de 2,5% ao ano sobre os valores da cortiça
arrecadados pelo Estado, sem qualquer actualização, viola o princípio da
igualdade previsto no art. 13º da CRP.
24ª - Os prédios da recorrente expropriados e ocupados ao abrigo das Leis da
Reforma Agrária, foram integralmente devolvidos por direito de reserva e
considerados indevidamente abrangidos pelas medidas da Reforma Agrária e não
expropriáveis, art. 31º da Lei 109/88.
25ª - O direito de reserva restabelece o direito de propriedade tal como existia
à data das medidas de expropriação, art. 38º da Lei 77/77 e 14º da Lei 109/88.
26ª - A demarcação e delimitação do direito de reserva precede a expropriação
dos prédios, art. 42º n.° 2 da Lei 77/77 e art. 26º n.° 2 da Lei 109/88, sendo
repristinado à data da expropriação.
27ª - As expropriações no âmbito da Reforma Agrária destinavam-se à eliminação
dos latifúndios e das grandes explorações agrícolas e às finalidades previstas
no art. 94º n.° 2 da CRP e do art. 50º da Lei 77/77.
28ª - Com a devolução integral dos prédios a título de reserva, o objectivo do
Estado ao proceder à expropriação das terras da recorrente, não se consumou ou
concretizou.
29ª - No caso da recorrente não teve assim lugar a imposição constitucional
prevista no art. 83º da CRP da apropriação colectiva de meios de produção nem a
entrega da terra aos pequenos agricultores, às unidades colectivas de produção,
ou às cooperativas de trabalhadores rurais, nos termos do art. 94º n.° 2 da CRP
e art. 50º da Lei 77/77 de 29/09.
30ª - Não houve nem se confirmou a apropriação colectiva dos meios de produção
previstos no art. 83º da CRP, que presidiu à nacionalização e expropriação dos
prédios da recorrente no âmbito da Reforma Agrária.
31ª - A indemnização devida à recorrente não decorre de apropriação colectiva
dos meios de produção com vista à eliminação dos latifundiários na ZIRA, como
concluiu o Acórdão recorrido, pelo que não está sujeita ao critério de cálculo
da indemnização do art. 94º da CRP, mas ao art. 62º n.° 2 da CRP.
32ª - A intervenção e gestão do Estado durante a privação temporária dos prédios
também não se enquadra nas medidas de intervenção transitórias previstas no art.
11º do Dec-Lei 406-A/75 de 27/07, uma vez que não se verificou por parte do
Estado uma intervenção na exploração agrícola da recorrente e nos seus meios de
produção.
33ª - O conteúdo do direito de propriedade garantido pelo art. 62º n.° 2 da CRP
abrange também o direito à não privação temporária do direito de propriedade,
fundamento da indemnização objecto deste recurso constitucional.
34ª - No caso dos autos, não chegou a haver lugar à expropriação ou
nacionalização de prédios no âmbito da Reforma Agrária, mas tão só à privação do
uso e fruição dos prédios, durante a qual o Estado recebeu os valores da cortiça
extraída nos prédios da recorrente.
35ª - A indemnização da recorrente não tem como fundamento a perda de património
a favor do Estado por expropriação, mas advém da ocupação ilícita dos prédios
donde resultou a privação do uso e fruição de rendimentos, nomeadamente os
valores da cortiça que o Estado vendeu e arrecadou.
36ª - O princípio da justa indemnização ou da indemnização compensatória
efectiva, está consignado no art. 17º da Convenção Universal dos Direitos do
Homem, no art. 1º do Protocolo n.° 1 adicional à Convenção e nos arts. 62º n.° 2
e 94º da CRP.
37ª - O princípio da justa indemnização consiste em indemnizar pelo valor real e
corrente da data do pagamento ou tão próximo dela ou pelo valor de substituição,
conforme previsto no preâmbulo e art. 13º n.° 1 do Dec-Lei 199/88 de 31/05, art.
13º n.° 1 do Dec-Lei 2/79 de 09/01, art. 11º n.° 5 e n.° 6 do Dec-Lei 38/95 de
14/02, art. 2º n.° 1 e art. 3º a), b) e c) da Portaria 197-A/95 de 17/03.
38ª - A justa indemnização ou a correspondente indemnização, consignada nos
arts. 62º n.° 2 e 94º da CRP, é um princípio constitucional ínsito no Estado de
Direito, que obriga a indemnizar os cidadãos pelos actos lesivos e prejuízos que
lhes são causados, art. 22 da CRP.
39ª - À indemnização devida à recorrente é aplicável o art. 62º n° 2 da CRP.
40ª - A aplicação do art. 62º n.° 2 implica que os valores das cortiças
extraídas durante a privação dos prédios deveriam ser actualizados, pelo menos
para valores de 94/95, em analogia com o que se passou com os demais componentes
indemnizatórios no âmbito da Reforma Agrária, art. 3º n.° 1 c) da Portaria
197-A/95 de 17/03 e Dec-Lei 2/78 de 09/01, para alcançar a justa indemnização.
41ª - Ao negar a actualização dos valores das cortiças, o Acórdão recorrido
violou o art. 62º n.° 2 da CRP.
42ª - O pagamento da justa e adequada indemnização previsto no art. 62º n.° 2 da
CRP, é garantia do Estado de direito democrático e mesmo na óptica da aplicação
dos arts. 83º e 94º da CRP, não pode conduzir a uma indemnização irrisória ou
manifestamente desproporcionada para a perda do bem expropriado, nomeadamente
tendo em conta o deferimento no tempo do pagamento da indemnização.
43ª - Mesmo que não fosse aplicado o art. 62º n.° 2 da CRP às indemnizações da
Reforma Agrária, conforme decidiu o douto Acórdão recorrido, o modo e tempo de
pagamento conduziu a uma indemnização manifestamente desproporcionada,
decorridos 25 anos da data da apropriação dos valores pelo Estado, não permitida
pelo art. 94º da CRP, uma vez que não cumpre as exigências mínimas de justiça
que vem implicadas na ideia de Estado de Direito.
44ª - O critério de cálculo da indemnização ofende o princípio de justa ou
correspondente indemnização consignado no art. 17º da Declaração Universal dos
Direitos do Homem, art. 1º do Protocolo n.° 1 adicional à Convenção Europeia dos
Direitos do Homem, art. 8º da CRP.
45ª - Os arts. 13º, 19º e 24º da Lei 80/77 são inconstitucionais por violação do
art. 62º n.° 2 da CRP, uma vez que da sua aplicação decorre que o pagamento da
indemnização à recorrente é efectuado através de títulos da dívida pública,
vencendo a taxa de juro de 2,5% ao ano, várias vezes abaixo da taxa de juro
praticada no mercado económico e financeiro e insuficiente para corrigir a
desvalorização da moeda.
46ª - Os arts. 13º, 19º e 24º da Lei 80/77 são inconstitucionais por violação do
art. 62º n.° 2 da CRP quando aplicados e interpretados pela jurisdição
administrativa, no sentido que a actualização da indemnização para o valor
contemporâneo do pagamento é efectuado pelas taxas de juro fixadas pelas
obrigações do tesouro, as quais se situam várias vezes abaixo dos índices de
inflação da moeda e das taxas de juro das operações bancárias passivas.
47ª- Os arts. 13º, 19º e 24º da Lei 80/77 são inconstitucionais por violação do
art. 13º da CRP quando aplicados e interpretados pela jurisdição administrativa,
no sentido que a actualização da indemnização devida à recorrente é efectuada
com o pagamento dos juros das obrigações da dívida pública.
48ª - O Acórdão recorrido ao negar a actualização da indemnização da recorrente
por desaplicação e erro de interpretação, violou o art. 62º n.° 2 da CRP,
aplicável às indemnizações da Reforma Agrária no caso concreto.
49ª - O Acórdão recorrido não aplicou o disposto no art. 94º da CRP, uma vez que
o valor da indemnização atribuído, nomeadamente pelas cortiças arrecadadas pelo
Estado em 76, 77, 78 e 79 conduziu a valores desproporcionados e irrisórios, que
não podem ser qualificados como a correspondente indemnização.
[...].”
Contra-alegou o Ministro da Agricultura, Pescas e Florestas (fls. 312 e
seguintes), formulando as seguintes conclusões:
“1ª - Os prédios da recorrente foram ocupados em 1975 e expropriados ao abrigo
das leis da reforma agrária – Dec. Lei n° 406-A/75 – e só voltaram à propriedade
e exploração da recorrente na sequência de legislação posterior (Lei n.° 77/77 e
Lei n.° 109/88) que aumentou a área de reserva.
2ª - A indemnização pela privação do rendimento da cortiça extraída dos prédios
durante o período em que estes estiveram expropriados e sob a intervenção do
Estado é determinada nos termos previstos no artigo 5°, n.° 2, alínea d) do Dec.
Lei n.° 199/88 (redacção do Dec. Lei n.° 38/95, de 14/02) e corresponde ao
rendimento líquido calculado de acordo com os critérios estabelecidos no Dec.
Lei n.° 312/85 e Dec. Lei n.° 74/99.
3ª - Apurado o rendimento líquido da cortiça com base nos valores reais da sua
transacção, faz-se reportar este valor à data da ocupação dos prédios, tal como
sucede com todos os tipos de indemnização, derivada de expropriações ou
nacionalizações ao abrigo das leis da reforma agrária, e está previsto no artigo
7° do Dec. Lei n.° 199/88.
4ª - A Lei n.° 80/77 e seus diplomas complementares, como o Dec. Lei n.° 199/88,
fixam os critérios da indemnização dos titulares de direitos sobre prédios
abrangidos pelas leis da reforma agrária, nos termos previstos nos artigos 83° e
94° da CRP, que cumprem as exigências mínimas de justiça que são inerentes à
ideia de um Estado de Direito.
5ª - Conforme decidiu e bem o douto acórdão recorrido o regime de pagamento de
indemnizações previst[o] nos artigos 19° e 24° da Lei n.° 80/77 e no artigo 7°
do Dec. Lei n.° 199/88 não é incompatível com os artigos 13° e 62°, n.° 2 da CRP
nem com os princípios constitucionais da justiça e da proporcionalidade.
[...].”
O Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, também recorrido,
não alegou (fls. 317).
Cumpre apreciar.
II
7. A recorrente pretende a apreciação da conformidade constitucional das
normas dos artigos 13º, 19º e 24º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro (supra,
5.). Na sua perspectiva, e em síntese, tais normas violam o disposto nos artigos
62º, n.º 2, 94º e 13º, n.º 1, da Constituição, pois que conduziram ao pagamento,
à recorrente, de uma indemnização “através de títulos de dívida pública,
vencendo a taxa de juro de 2,5% ao ano, várias vezes abaixo da taxa de juro
praticada no mercado económico e financeiro e insuficiente para corrigir a
desvalorização da moeda” (cfr. requerimento de interposição do recurso e
conclusão 45ª das alegações) e, bem assim, a uma indemnização inferior àquela
que foi paga aos “demais cidadãos abrangidos pelas medidas da Reforma Agrária,
que receberam a indemnização relativa a outros componentes indemnizatórios, por
valores de 94/95” (cfr. requerimento de interposição do recurso e conclusões 21ª
a 23ª das alegações).
É o seguinte o teor dos pertinentes preceitos da Lei n.º 80/77, de
26 de Outubro:
“Artigo 13º
1 – O cálculo das indemnizações definitivas far-se-á de harmonia com as
disposições da presente lei e, na sua falta, segundo a lei geral e os princípios
gerais de direito.
2 – Aplica-se, em especial, supletivamente, ao cálculo destas indemnizações o
regime legal das indemnizações por expropriação por utilidade pública, com as
necessárias adaptações.
3 – A indemnização provisória representa uma antecipação da indemnização
definitiva, devendo ser restituída, no todo ou em parte, se esta não for devida
ou aquela lhe for superior.
Artigo 19º
1 – Os empréstimos a emitir para os fins previstos no artigo anterior
desdobrar-se-ão em várias classes, em função do montante global a indemnizar por
titular, às quais corresponderão prazos de amortização e de diferimento
progressivamente mais longos e taxas de juros decrescentes.
2 – Para os efeitos referidos no n.º 1, a determinação das taxas de juro, anos
de amortização e período de diferimento, far-se-á em função das classes
definidas pelos montantes globais a indemnizar de acordo com o quadro anexo.
Artigo 24º
Os juros das obrigações vencem-se desde a data da nacionalização ou expropriação
ou da data da ocupação efectiva dos prédios, no caso de esta ser anterior, sendo
capitalizados os vencidos até à data da emissão das obrigações destinadas ao
pagamento das indemnizações provisórias e pagos anualmente os vencidos a partir
dessa data”.
8. O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar, por
várias vezes, acerca da conformidade constitucional das normas que constituem
objecto do presente recurso, tendo sempre concluído, embora sem unanimidade, no
sentido da sua não inconstitucionalidade. Fê-lo, por exemplo, e mais
recentemente, nos acórdãos n.º s 85/2003, de 12 de Fevereiro, e 148/2004, de 10
de Março (tirados em plenário e publicados no Diário da República, II Série, n.º
253, de 31 de Outubro de 2003, p. 16478 ss, e n.º 125, de 28 de Maio de 2004, p.
8287 ss, respectivamente, e também disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt).
No primeiro desses mencionados acórdãos, disse o Tribunal
Constitucional, para o que aqui releva, o seguinte:
“[...]
11. Os recorrentes questionam, na perspectiva da constitucionalidade, as normas
constantes dos artigos 1º, n.º 2, 13º, 19º e 24º da Lei n.º 80/77 e dos artigos
5º a 10º do Decreto-Lei n.º 213/79, enquanto deles decorre que o pagamento das
indemnizações devidas por nacionalização será feito mediante entrega de títulos
de dívida pública, de classes diferenciadas e vencendo juros (embora de montante
inferior ao normalmente previsto nos mercados económico e financeiro).
O Tribunal Constitucional, no citado Acórdão n.º 39/88, apreciou a conformidade
à Constituição das normas que originariamente dispunham sobre as indemnizações
devidas pelo Estado por nacionalizações (Decreto-Lei n.º 528/76, Lei n.º 80/77 e
Portarias n.ºs 786-A/77 e 618/78).
Nesse aresto, considerou-se legítimo, do ponto de vista da constitucionalidade,
o pagamento das indemnizações devidas por nacionalizações através da fixação de
prazos de amortização e de diferimento diferenciados, assim como taxas de juro
desniveladas, em função do montante global a pagar. Desse aresto resulta também
com clareza que o pagamento das indemnizações através da entrega de títulos de
dívida pública não contraria qualquer princípio constitucional.
Os recorrentes, quanto a esta questão, também não começam por impugnar
verdadeiramente o específico modo de pagamento (a utilização de títulos de
dívida pública), mas sim a situação e os resultados gerados (cfr. conclusão 44ª
das alegações do presente recurso). Ora, tal colocação do problema não
consubstancia, como se demonstrou, uma questão de constitucionalidade normativa.
Mas, por outro lado, quanto ao específico modo de pagamento das indemnizações
(através da entrega de títulos de dívida pública com regimes diferenciados e com
taxas de juro abaixo das praticadas no mercado económico e financeiro), cuja
constitucionalidade foi suscitada na conclusão 43ª das alegações do recurso para
o Supremo Tribunal de Justiça e na conclusão 38ª das alegações do recurso de
constitucionalidade, importa salientar que o Acórdão n.º 39/88 se pronunciou no
sentido de que tal regime de pagamento não viola qualquer preceito
constitucional, afirmando o seguinte:
«Situando-se as taxas de juro abaixo (nalguns casos, mesmo bastante abaixo) das
que são praticadas no mercado monetário e financeiro, é evidente que se
verifica uma progressiva desvalorização dos montantes indemnizatórios
calculados.
Um tal efeito é, porém, minorado pela possibilidade antes assinalada (supra II,
n.º 2.4) que têm os titulares de direito de indemnização provenientes de
nacionalização, de transaccionarem os títulos e de os mobilizar antecipadamente
- mobilização que só é, no entanto, permitida ao titular originário ou a seus
herdeiros. E minorado ainda no caso de mobilização antecipada, porque,
conquanto a ‘mobilização’ se faça, em regra, pelo valor de ‘actualização’, e não
pelo valor nominal, aquela actualização é feita à taxa de juro correspondente à
da classe I: 13% (cf. o artigo 29º, n.º 1, da Lei n.º 80/77). E um valor que -
embora para a generalidade dos títulos seja inferior ao do mercado - é superior
ao valor real para os títulos das classes II a XII, uma vez que ele é calculado
por uma taxa de juro superior à que lhes corresponde.
Assim sendo, é de arredar também a ideia de eventual violação do princípio da
indemnização, consagrado no artigo 82º, uma vez que não se vê que as
indemnizações fixadas corram o risco de se transformar em pseudo-indemnizações,
isto é, em indemnizações de valor manifestamente desproporcionado ou irrisório».
Partindo-se, no essencial, da fundamentação do Acórdão citado, conclui-se agora,
de novo, pela não inconstitucionalidade de tais normas sempre na base do
pressuposto de que o critério indemnizatório das nacionalizações não é idêntico
ao das expropriações, não só porque não tem de se pautar por uma justiça
absolutamente indemnizatória como também porque pode ter em conta critérios
especiais de necessidade política e social.
Segundo tais critérios, a prevalência do interesse colectivo sobre o interesse
particular subsistirá até ao ponto em que o sacrifício dos direitos dos
particulares comece a ser desproporcional e desnecessário, ou atacável em termos
de justiça distributiva, como aconteceria, no caso presente, se as
indemnizações, no momento em que deveriam ter sido atribuídas, fossem irrisórias
ou manifestamente desajustadas relativamente ao valor dos bens nacionalizados,
tendo em conta a realidade económica da época. Ora esta última hipótese carece
de ser demonstrada do ponto de vista do interesse público e da situação real da
economia, tendo ainda em conta que a situação dos cidadãos que deveriam receber
as indemnizações através de títulos da dívida pública não é diferente da dos
outros cidadãos que eram titulares de títulos de dívida pública de juro fixo, no
mesmo momento.
Não se verifica, pois, a inconstitucionalidade do regime que determina o
pagamento das indemnizações por nacionalização através da entrega de títulos de
dívida pública com regimes diferenciados e com taxas de juro abaixo das que são
praticadas no mercado monetário e financeiro.
[...].”
Por sua vez, no acórdão n.º 148/2004, o Tribunal reafirmou a sua
jurisprudência anterior, “sublinhando os seguintes pontos, decisivos, na solução
do problema de constitucionalidade” em apreço:
“1º A lógica subjacente à indemnização das nacionalizações não é idêntica à das
expropriações dada a natureza do acto de nacionalização, a sua específica
justificação política e constitucional em confronto com a expropriação;
2º A indemnização por nacionalização não tem de se pautar por uma justiça
absolutamente indemnizatória podendo tomar em conta critérios especiais
justificados de necessidade política e social, numa lógica de justiça
distributiva, em que são ponderáveis interesses sociais e políticos estruturais;
3º Tais critérios serão constitucionalmente justificados se o grau de
prevalência do interesse colectivo sobre o interesse particular que manifestam
não implicar sacrifício dos direitos dos particulares manifestamente
desproporcionado e desnecessário;
4º Limite de sobreposição do interesse colectivo ao particular é aquele a partir
do qual as indemnizações se tornem irrisórias ou manifestamente desajustadas
relativamente ao valor dos bens nacionalizados, tendo em conta a realidade
económica do momento em que ocorreu o acto de nacionalização;
5º Aquém deste limite são constitucionalmente admissíveis critérios concretos de
indemnização justificados por ponderações de necessidade política, económica e
social.
Ora, como se reconheceu no Acórdão nº 85/2003 a verificação de que estaríamos
para além da fronteira do que é constitucionalmente justificável, «careceria de
ser demonstrada do ponto de vista do interesse público e da situação real da
economia, tendo ainda em conta que a situação dos cidadãos que deveriam receber
as indemnizações através dos títulos de dívida pública não é diferente da dos
outros cidadãos que eram titulares de títulos de dívida pública de juro fixo, no
mesmo momento».
Concluiu-se, assim, ante o exposto, pela não inconstitucionalidade de tais
normas.
[...].”
Em aplicação da doutrina que se extrai dos referidos acórdãos,
tirados em plenário, é de concluir, também agora, que as normas questionadas não
contrariam a Constituição. Esta foi igualmente a conclusão a que chegou este
Tribunal na decisão sumária n.º 27/2005, de 17 de Janeiro.
III
9. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao
recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em vinte
unidades de conta.
Lisboa, 16 de Março de 2005
Maria Helena Brito
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira (Vencido conforme declaração junta.)
Rui Manuel Moura Ramos (Vencido quanto à aplicação da doutrina dos acórdãos
85/2003 e 148/2004 à situação dos autos em que a norma não é aplicada a
situações de indemnização por nacionalização.)
Artur Maurício
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido. A jurisprudência em que se apoia o aresto reporta-se a casos de
indemnização pela nacionalização de bens imóveis, situação substancialmente
diversa da que é tratada nesta causa em que se discute o cálculo da indemnização
pela perda de produtos florestais (cortiça). Assim, e ainda que – em nome de uma
proclamada prevalência do interesse colectivo sobre o interesse particular – se
aceite que a indemnização devida por nacionalização possa ser inferior àquela
que seria devida por expropriação do imóvel, o certo é que tal doutrina é
claramente inaplicável ao caso em apreço, pois não existe qualquer traço de
“interesse colectivo” na perda dos produtos florestais cuja indemnização é
reclamada. Assim sendo, a indemnização devida deveria coincidir com a “justa
indemnização” de que fala o n. 2 do artigo 62º da Constituição, critério que se
me afigura dever constituir regra, neste capítulo. Por isso, e em meu entender,
a norma questionada viola o citado preceito constitucional.
Carlos Pamplona de Oliveira